XIII CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 29 DE MAIO A 1 JUNHO DE 2007
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO RECIFE (PE)
GT18: Reforma Agrária e Movimentos Sociais Rurais
Práticas Produtivas e Geração de Renda em Assentamentos de Reforma Agrária em Goiás
Fausto Miziara Universidade Federal de Goiás fausto@fchf.ufg.br
Maria Aparecida Daniel da Silva Universidade Católica de Goiás marriap_43@hotmail.com
Práticas Produtivas e Geração de Renda em Assentamentos de Reforma Agrária em
Goiás
A discussão sobre a capacidade de geração de renda dos assentamentos de Reforma Agrária constitui-se elemento central no debate acadêmico e político em torno da mesma [ Romeiro (1992); Leite (2003 e 2004); Silva Jr & Noronha (2005)].
Isso decorre da própria essência desse processo, que tem por objetivo permitir a reprodução dos grupos domésticos envolvidos. Até mesmo por conta da relevância política do tema o debate é fortemente marcado por visões antagônicas acerca de resultados empíricos muito semelhantes. Assim, por exemplo, a capacidade de geração de renda equivalente a 2 salários mínimos tanto tem sido apresentada como prova do sucesso quanto do fracasso dessa política.
A presente pesquisa foi desenvolvida no ano de 2004 pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura no estado de Goiás e teve por objetivo identificar as práticas produtivas e a capacidade de geração de renda dos assentamentos de reforma agrária no estado. Este trabalho apresenta o resultado da pesquisa em 7 assentamentos, realizada de forma censitária. Foram entrevistados 310 produtores.
Caracterização dos grupos domésticos
Os assentamentos pesquisados encontram-se localizados em 6 diferentes
regiões do estado de Goiás, compreendendo os municípios de Araguapaz, Piranhas,
Morrinhos, Mundo Novo, Piracanjuba e Doverlândia. Os 310 lotes pesquisados
abarcam uma área total de 8.716,66 ha. Constituem o resultado de diversos processos
de lutas, coordenados tanto pela Federação dos Agricultores do Estado de Goiás
(FETAEG), quanto por grupos ligados à Igreja Católica e ao MST. Essa diversidade de
origens não será objeto deste trabalho, que procura analisar os elementos comuns aos
distintos assentamentos no que se refere às práticas produtivas e à capacidade de
geração de renda. Nesse sentido os dados referentes à caracterização dos grupos
domésticos aqui analisados serão aqueles que permitem um diálogo com a questão
central. O primeiro elemento a se destacar é a idade dos produtores, que revelam uma
freqüência de idade entre 41 e 60 anos para os homens e 31 a 50 anos para as
mulheres, com médias de 47,65 e 43,1 respectivamente.
Tabela1. Idade dos produtores
Idade Homens Mulheres
No. absoluto freq. Relativa No. absoluto freq. Relativa
Até 30 23 7,77 23 11,17
31 a 40 52 17,57 63 31,98
41 a 50 102 34,46 66 33,5
51 a 60 80 27,03 30 15,23
61 a 70 36 12,16 13 6,6
71 a 80 2 0,68 3 1,52
Mais de 80 1 0,34
Total 296 197
Fonte: FETAEG/MIZIARA (2004)
Os dados referentes ao grupo doméstico que mais chamam a atenção referem- se à permanência dos filhos na propriedade, pois têm a possibilidade de indicar a capacidade de reprodução a longo prazo do grupo familiar. Os dados da presente pesquisa são bastante significativos das dificuldades de reprodução a longo prazo do grupo doméstico, quando analisada a situação de residência dos filhos, comparada com a idade dos mesmos. Enquanto os filhos são jovens permanecem morando com a família na propriedade (74,1 % dos filhos com idade entre 10 e 15 anos). A partir da idade de 15 anos pode-se constatar uma tendência de abandono da propriedade em busca de reprodução em outros locais (a partir dos 30 anos apenas 28% dos filhos permanecem na propriedade).
Figura 1. Idade dos filhos que moram na propriedade ou fora.
Idade dos filhos que moram na propriedade ou fora
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
até 5 10 15 20 25 30 Mais 30
Idade
Valor absoluto
mora fora mora no lote
Fonte: FETAEG/MIZIARA (2004)
Práticas Produtivas
Os dados referentes ao padrão tecnológico mostram uma significativa heterogeneidade, com a adoção de alguns procedimentos prescritos pelas modernas técnicas agronômicas. Isso apresenta significativos problemas de produtividade, uma vez que o moderno padrão tecnológico, associado à Revolução Verde é concebido como um “pacote”. Por exemplo, no caso da adubação, 86% dos produtores afirmaram utilizar adubo químico, porém apenas 15,7% empregam calcário. O solo do cerrado é caracterizado por elevada presença de alumínio, o que os produtores chamam de
“acidez”. Quando se aplica adubo químico sem acrescentar calcário o adubo interage com o alumínio, e parte dele fica indisponível para as plantas. Com isso gasta-se um recurso que não terá retorno adequado em termos financeiros. É interessante observar que apenas 10% dos produtores empregam adubação orgânica, apesar da elevada presença da criação de bovinos. A adubação orgânica seria uma interessante estratégia para melhor eficiência das práticas produtivas.
Tabela 2. Uso de Tecnologia.
Tecnologia sim % não % Total
semente 221 77,54 64 22,46 285
Calcário 44 15,71 236 84,29 280
adubo quimico 245 86,27 39 13,73 284 adubo organico 29 10,62 244 89,38 273
aração 210 76,36 65 23,64 275
gradagem 234 85,09 41 14,91 275
plantio mecanico 130 47,10 146 52,90 276 plantio manual 196 72,86 73 27,14 269 tratos culturais 242 88,32 32 11,68 274 pulverização 48 17,71 223 82,29 271
irrigação 19 6,96 254 93,04 273
colheita mecanica 60 21,98 213 78,02 273 colheita manual 235 85,45 40 14,55 275
sal 230 99,57 1 0,43 231
carrapaticida 208 92,44 17 7,56 225
bernicida 180 81,82 40 18,18 220
vermifugo 208 92,44 17 7,56 225
Aftosa 226 99,12 2 0,88 228
botulismo 143 66,51 72 33,49 215
brucelose 139 67,48 67 32,52 206
raiva 171 80,66 41 19,34 212
Fonte: FETAEG/MIZIARA (2004)
No caso da produção pecuária o emprego de tecnologia é mais homogêneo que no caso da produção agrícola pelos indicadores acima apresentados. Isso é resultado do fato de implicarem em menores custos e estarem fortemente associados a exigências legais, como é o caso da aplicação de vacinas. Por outro lado, mostra também a importância desse atividade para os produtores assentados. Para uma melhor análise é importante observar a questão da alimentação dos animais, que é a questão central para avaliar o padrão tecnológico da pecuária na região dos cerrados.
Isso decorre do fato de que nessa região temos períodos muito marcados de “seca” e
“chuva”. Assim, é de extrema importância que os produtores forneçam suplementação de alimentos aos animais durante o período de seca, quando as pastagens não são mais suficientes para atender às demandas nutricionais. Enquanto 270 produtores possuem pastagens, apenas 113 possuem cana e/ou capineira em suas propriedades, que são a principal fonte de complementação de alimentação para bovinos na região.
Isso implica um índice de 42%, consideravelmente baixo.
Tabela 3. Produção de Leite
Quantidade Produção Venda (litros) No. prod % No. prod %
2.000 21 14,48 14 12,50
4.000 20 13,79 16 14,29
6.000 16 11,03 10 8,93
8.000 13 8,97 9 8,04
10.000 7 4,83 6 5,36
12.000 8 5,52 6 5,36
14.000 10 6,90 7 6,25
16.000 2 1,38 3 2,68
18.000 6 4,14 6 5,36
20.000 5 3,45 2 1,79
Mais 37 25,52 33 29,46
145 112
Fonte: FETAEG/MIZIARA (2004)
A produção de leite nos assentamos de reforma agrária pesquisados apresenta
elevada heterogeneidade, apesar de se constituir na principal fonte de renda dos
produtores (tabela 3). Cabe ressaltar de uma parte dos produtores (22,7%) utiliza o
leite apenas para o consumo próprio. Outra parte comercializa pequenas quantidades
de leite: 54,5% dos produtores que vendem leite o fazem em quantidades inferiores a
12.000 litros por ano. Isso dá uma média inferior a 40 litros por dia. Por outro lado,
29,46% dos produtores que comercializam leite tem uma produção superior a 20.000
litros por ano, ou seja, uma média de 66 litros por dia. O leite é uma atividade essencialmente comercial, sendo vendido 95,5% da produção total.
A pesquisa aponta duas questões centrais, em relação ao uso da terra:
uma sobre-exploração da terra e uma concentração da mesma nas atividades relacionadas à pecuária (tabela 4). O total de área destinada à sustentação da pecuária somou 64,52%. Embora o milho e a cana-de-açúcar tenham uma dupla função, podendo ser utilizados também na alimentação humana, foram incluídos como culturas de apoio à pecuária porque a maioria dos produtores utiliza essas culturas para o suporte alimentar do gado, como complemento de alimentos durante o período em que a falta de chuvas diminui a capacidade nutricional das pastagens. A área destinada à agricultura, em média, representa 15,81% da área total das propriedades.
Tabela 4 – Utilização da terra nos assentamentos
Componentes da paisagem nos assentamentos Área (ha) %
1. Agricultura 1.331,29 15,81
2. Culturas de apoio à pecuária 215,82 2,48
a) Milho 105,18 1,21
b) Capineira 13,80 0,16
c) Cana-de-açucar 96,84 1,11
3. Pastagens 5.407,60 62,04
a). Pastagem natural 538,66 6,18
b). Pastagem plantada 4.868,94 55,86
Total para a pecuária 5.623,42 64,52
4. Total de áreas não incorporadas
diretamento ao processo produtivo 1.144,68 13,14
a). Capoeira 995,89 11,43
b). Reflorestamento - -
c). Brejo 148,79 1,71
5. Reserva e matas naturais 394,67 4,53
a). Mata 325,26 3,73
b). Reserva 69,41 0,80
5. Outros 176,15 2,02
a). Instalação 12,50 0,14
b). Barragens 4,67 0,05
c). Improdutivo 23,48 0,27
d). Não-aproveitado 9,50 0,11
Área total dos lotes 8.716,66 (ha) 100,0
Fonte: Fetaeg/Miziara (2005).
Uma categoria importante de uso do solo encontra-se em uma situação de
certa dubiedade que chamados de “áreas não incorporadas diretamente ao processo
produtivo”. A categoria mais presente nessa condição é a referente à “capoeira”, de
modo refere-se a uma área de vegetação “rala”, com arbustos de pequeno porte e
baixa fertilidade. Isso pode ser resultado de uma degradação ocasionada pela ação
humana ou decorrência de solos naturalmente poucos férteis. De qualquer forma, não são utilizados diretamente na produção, mas podem servir de suporte a certas atividades, principalmente ligadas à pecuária. Por exemplo, durante certas épocas do ano a capoeira pode ser utilizada como pastagem natural, uma fonte de suplementação de alimentos para o gado. Assim, não é possível afirmar, a priori, que sejam ou não antropizadas. Da mesma forma, a área de brejo muitas vezes é antropizada, principalmente para a servir como área de pastagem.
Cabe destacar que apenas 4,53% da área total das propriedades é mantida como reserva. Isso frente a uma legislação que determina uma área mínima de 20%, onde não deve ser incluída a área de proteção de nascentes, cursos d’água ou encostas. Essa super-exploração da terra é resultado de uma situação onde os produtores, dispondo de poucos recursos são obrigados a disporem de técnicas extensivas de produção. E as empregam em áreas relativamente pequenas, frente às exigências do padrão tecnológico adotado.
Geração de Renda
O Resultado financeiro da atividade pecuária é coerente com a produção leiteira, principal atividade comercial (tabela 5). Assim, podemos ver reproduzida a heterogeneidade anteriormente apontada: cerca de metade dos produtores (50,57%) declararam renda líquida anual de até R$ 2.000,00. Enquanto isso, 16, 09 % dos produtores auferiram uma renda líquida anual superior a R$ 8.000,00. Um fato a se destacar é o baixo nível de despesas declarado. Isso indica, em consonância com os dados sobre emprego de tecnologia, um baixo padrão tecnológico.
Tabela 5. Resultado atividade pecuária.
Valores Receita Despesa Resultado
R$ No. prod % No. prod % No. prod %
1.000 48 27,75 50 40,32 62 35,63
2.000 26 15,03 21 16,94 26 14,94
3.000 14 8,09 17 13,71 17 9,77
4.000 11 6,36 9 7,26 11 6,32
5.000 9 5,20 5 4,03 12 6,90
6.000 12 6,94 9 7,26 8 4,60
7.000 4 2,31 1 0,81 5 2,87
8.000 7 4,05 2 1,61 5 2,87
Mais 42 24,28 10 8,06 28 16,09
Total 173 124 174
Fonte: FETAEG/MIZIARA (2004)
A agricultura apresenta menor heterogeneidade que a verificada na pecuária, em termos de geração de renda (tabela 6). Isso é resultado da mesma ser uma atividade voltada principalmente para o autoconsumo. Assim, apesar de ser praticada por um número maior de produtores que a pecuária apresenta uma renda liquida anual menor. É importante ressaltar percepções distintas quanto à contabilidade apropriada à produção familiar, particularmente no que se refere aos produtos destinados ao auto- consumo. Isso decorre do raciocínio que os preços dos mesmos devem ser considerados tomando-se por referência o preço pelo qual os mesmos seriam adquiridos no mercado.
“É preciso considerar ainda, e isto é muito importante, que a renda real auferida é significativamente superior dado que a renda de autoconsumo, que representa mais de 1/3 da renda média mensal, foi calculada com base nos preços de venda obtidos pelos produtores os quais são, via de regra, irrisórios quando comparados com os preços de venda destes produtos nos mercados urbanos. Em outras palavras, a cesta de consumo alimentar do trabalhador beneficiário do acesso à terra é significativamente superior ao do trabalhador urbano para iguais níveis de renda monetária.” (Romeiro, 1992, 397)
Tabela 6. Resultado atividade agrícola.
Valores Receita Despesa Resultado
R $ No. prod % No. prod % No. prod %
1000 54 27,41 87 48,33 86 42,57
2000 40 20,30 40 22,22 31 15,35
3000 14 7,11 29 16,11 11 5,45
4000 10 5,08 16 8,89 24 11,88
5000 16 8,12 4 2,22 16 7,92
6000 14 7,11 0 0,00 9 4,46
7000 7 3,55 2 1,11 6 2,97
8000 14 7,11 0 0,00 4 1,98
Mais 28 14,21 2 1,11 15 7,43
Total 197 180 202
Fonte: FETAEG/MIZIARA (2004)
As atividades relacionadas à agroindústria – por exemplo venda de queijo, de
farinha, etc. – são pouco exploradas pelos produtores assentados (tabela 7). Isso
impede que ocorra um aumento na renda, via adição de valor aos produtos
comercializados. Assim, os produtores, em geral, ficam restritos a vender seus
produtos
in natura, sem maiores transformações. Um dos grandes impeditivos ao
desenvolvimento de atividades relacionadas à agroindústria é justamente o baixo
padrão tecnológico, anteriormente apontado.
Tabela 7. Agroindústria e outras receitas Valores
(R$) Agroindustria Outras receitas
500 10 20 38 76
1.000 8 16 3 6
1.500 4 8 1 2
2.000 5 10 0 0
2.500 7 14 3 6
3.000 3 6 3 6
3.500 2 4 1 2
4.000 2 4 0 0
Mais 9 18 1 2
Total 50 50
Fonte: FETAEG/MIZIARA (2004)
A receita líquida anual dos produtores familiares assentados revela dois pontos: uma significativa heterogeneidade e, na média, uma baixa capacidade de geração der renda (tabela 8). Enquanto ¼ dos produtores consegue uma renda de até R$ 2.000,00 por ano outro ¼ obtém rendimentos superiores a R$ 8.000,00. Essa heterogeneidade reflete níveis de acumulação diferenciados, particularmente em termos de rebanho bovino, base da principal atividade produtiva do grupo.
Tabela 8. Receita liquida.
Valor (R$) Freqüência absoluta Freqüência relativa
1.000 44 17,6
2.000 25 10
3.000 25 10
4.000 17 6,8
5.000 23 9,2
6.000 21 8,4
7.000 15 6
8.000 15 6
Mais 65 26
Total 250 100
Fonte: FETAEG/MIZIARA (2004)
Outro dado a destacar é a baixa receita percebida pelos produtores
assentados. Em média a renda líquida familiar anual é de R$ 5.983, 23, que
corresponde a R$ 498,60 por mês (tabela 9). O salário mínimo para o ano de 2004,
quando da realização da pesquisa de campo, era de R$ 260,00. Com isso, percebe-se
que as famílias assentadas conseguiam uma receita equivalente a 1,91 salários-
mínimos. Esse valor encontra-se próximo às demais pesquisas realizadas sobre
capacidade de geração de renda em assentamentos de reforma agrária.
Leite et all (2004) encontrou um rendimento médio bruto familiar de R$ 312,00 para o período de 1998/99, variando de uma média de R$ 116,74 no sertão do Ceará até R$ 438,72 em Santa Catarina.
Em outra pesquisa, realizada em 4 assentamentos de reforma agrária no estado do Rio de Janeiro em 2003, Leite (2003) encontrou uma Renda Média Bruta Familiar de R$ 6.025,59 anuais e uma Renda Média Líquida Familiar de R$ 4.295,92 anuais.
Tabela 9. Contabilidade Final.
Atividade No.
Produtores
Valor total Média agricultura 203 556.623,35 2.741,99
pecuária 175 629.459,68 3.596,91
agroindústria 50 140.589,90 2.811,80
outros 50 147.109,40 2.942,19
total 250 1.495.809,63 5.983,24
Fonte: FETAEG/MIZIARA (2004)