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Estenose benigna dos brônquios principais
*MANOEL XIMENES-NETTO1, MARCOS AMORIM PIAUILINO2, ULISSES EDUARDO RAMIRO3, CLARICE F.G. SANTOS4
É descrito o caso de uma paciente de 3 7 anos de idade atendida em virtude de dispnéia progressiva com duração de 1 8 meses. O diagnóstico inicial foi de asma brônquica. Teve 1 0 episódios de pneumonia envolvendo principalmente a língula nos últimos sete anos. Dezessete anos antes da
admissão foi submetida a intubação orotraqueal por 1 5 dias, devido a coma por meningite meningocócica. A broncofibroscopia revelou alargamento da carina e estenose dos brônquios principais, confirmado pela broncoscopia virtual. A estenose era mais acentuada e curta à direita
(1 cm) e menos cerrada e mais longa à esquerda (2 cm). Foi submetida a ressecção da carina e anastomose do brônquio principal direito à traquéia e do brônquio principal esquerdo ao brônquio
intermediário. Quinze meses depois do procedimento a paciente apresenta boa evolução clínica, radiológica e funcional. (J P n e u m o l 2 0 0 1 ;2 7 (6 ):3 4 5 -3 4 8 )
Bilateral ben ign m ain stem bron chus sten osis
W e report on a 3 7 -year-old fem ale patien t who was first seen on accoun t of a progressive dyspn ea of 1 8 m on th’s duration . A dm ission diagn osis was bron chial asthm a. Over the past seven years, the patien t has had seven pn eum on ia episodes in volvin g m ain ly the lin gular segm en t. S even teen
years prior to adm ission (1 9 8 2 ) she was orally in tubated for 1 5 days due to m en in gococcus m en in gitis an d com a. Fiberoptic bron choscopy revealed m ark ed widen in g of the carin a an d sten osis of the m ain bron chi, con firm ed by virtual bron choscopy. T he sten osis was shorter an d m ore severe to the right side (1 cm ) an d lon ger an d less severe on the left side (2 cm ). T he patien t was subm itted to carin a resection an d an astom osis of the right m ain stem bron chus to the trachea an d the left m ain bron chus to the bron chus in term edius. Fifteen m on ths after surgery the patien t
shows good clin ical, radiological an d fun ction al evolution .
RELATO DE CASO
* Trabalho realizado na Unidade de Cirurgia Torácica do Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília, DF. Ap resentado no Toron t o R
e-f resher Course da Universidade de Toronto, Toronto, Ontario,
Ca-nadá, J unho 1 -3 , 2 0 0 0 .
1 . Professor Livre-Docente; Chefe da Unidade; Professor do Curso de Pós-graduação da Universidade de Brasília.
2 . Cirurgião Torácico.
esterilização ou toxicidade pelo material usado nos tubos(1 ).
A estenose dos brônquios principais, bilateral ou única, por outro lado, é um achado incomum, podendo ocorrer devido a vários processos inflamatórios, tais como tuber-culose, policondrite recidivante, granulomatose de Wege-ner e mediastinite fibrosante(2 ).
A doente do caso a ser descrito teve no passado (1 7 anos antes) um período curto de intubação orotraqueal devido ao coma por meningite meningocócica.
R
ELATO DO CASOUma paciente de 3 7 anos de idade foi atendida inicial-mente em 3 de outubro de 1 9 9 8 em função de cansaço iniciado havia 1 8 meses que se vinha acentuando
pro-I
NTRODUÇÃOEstenose traqueal é uma complicação que se tornou freqüente após o advento das modernas técnicas de ven-tilação mecânica para insuficiência respiratória. A origem das estenoses traqueais inclui trauma mecânico pelo tubo orotraqueal induzido pela alta pressão dos balonetes, in-fecção, hipotensão e sensibilidade para corpos estranhos, além de escapamento de produtos químicos pelo gás de Descrit ores – Estenose da carina. Estenose brônquios principais.
Reconstrução da carina.
Key words – Carinal stenosis. Mainstem bronchus stenosis.
Cari-nal reconstruction.
3 . Residente. 4 . Pneumologista.
En d ereço p ara corresp on d ên cia – Manoel Ximenes-Netto, SHIN QI
0 7 , cj. 1 2 , casa 2 1 – 7 1 5 1 5 -1 2 0 – Brasilia, DF. E-mail: Ximenes@cd-graf.com.br
Ximenes-No M, Piauilino MA, Ramiro UE, Santos CFG
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gressivamente até aos pequenos esforços e diminuía com a posição supina, sem resposta ao uso de broncodilata-dores, esteróides e antibióticos, recebendo o diagnóstico de asma. Em 1 9 8 2 foi internada em outro hospital em virtude de meningite meningocócica, tendo sido admitida à unidade de terapia intensiva devido a falência respirató-ria e submetida a intubação orotraqueal durante 1 5 dias. Houve recuperação completa.
A partir de 1 9 9 3 , 1 1 anos depois da meningite, teve 1 0 episódios de pneumonia, envolvendo principalmente a língula. Os sinais vitais eram normais. A ausculta pul-monar revelou sibilos expiratórios e cornagem durante os períodos de dificuldade respiratória. A radiografia de tórax evidenciava fibrose em língula. A avaliação da fun-ção pulmonar era consistente com obstrufun-ção moderada ao fluxo aéreo não reversível ao uso de aerossol bronco-dilatador. Em 1 2 de março de 1 9 9 9 foi submetida a fibro-broncoscopia, que demonstrou carina alargada e esteno-se cerrada do brônquio principal direito, intransponível ao aparelho Pen tax 1 5 X . No lado oposto a estenose era mais longa, porém menos acentuada. Broncoscopia vir-tual confirmou os mesmos achados da broncofibroscopia (Figura 1 ).
Em 1 5 de outubro de 2 0 0 0 foi submetida a toracoto-mia com entrada no 4 º espaço intercostal direito. A por-ção distal da traquéia foi dissecada e seccionada e passa-do um tubo de calibre 6 ,5 para o brônquio fonte esquer-do para ventilação. A carina foi ressecada, o brônquio fonte direito anastomosado à traquéia e o brônquio fonte esquerdo suturado ao brônquio intermediário (Figura 2 ). A ventilação foi mantida, alternando a passagem do tubo traqueal para o brônquio principal direito ou esquerdo, dependendo da necessidade do momento.
Figura 1 – Tomografia computadorizada (vista coronal A e sagital
B) mostrando o grau de estenose dos brônquios principais e brôn-quio fonte direito
Um ano depois do procedimento, a broncoscopia vir-tual mostrou a nova carina e os brônquios principais per-meáveis (Figura 3 ). A prova ventilatória mostrou aumen-to do volume expiratório forçado no 1 º segundo de 1 ,1 2 L
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no pré-operatório para 1 ,7 8 L no pós-operatório. A pa-ciente voltou a exercer suas atividades habituais de dona-de-casa.
C
OMENTÁRIOSA ressecção da carina e sua reconstrução constituem um dos problemas mais complexos em cirurgia torácica e quando executados com conservação de parênquima tor-nam a margem entre o sucesso e o fracasso mais estrei-ta(3 ,4 ). Não se sabe com certeza a extensão da carina e
dos brônquios principais que podem ser removidos, per-mitindo a reconstrução da via aérea, mas, certamente, a ressecção não deve exceder 4 cm(4 ,5 ,9 ). Na maioria das
ve-zes, a ressecção da carina é associada à retirada de pa-rênquima pulmonar, seja o pulmão ou um lobo(6 -8 ). Na
experiência do Massachusetts General Hospital em 1 0 0 casos de broncoplastia para doenças “benignas” e con-servação de parênquima, 2 2 % eram devidas a estenose. Nesse grupo identificaram-se as seguintes etiologias: pós-operatória (7 %), pós-traumática (6 %), histoplasmose (4 %), e inflamatória (3 %), com mortalidade operatória de 2 %. Outras séries relatam morbidade e mortalidade de até 1 6 ,9 % e 2 9 %, respectivamente(4 ). Em nossa paciente não
podemos determinar se a estenose brônquica bilateral foi iatrogênica (intubação orotraqueal, realizada 1 7 anos an-tes) ou idiopática, conforme relatado por Grillo et al.(1 0 ).
Esses autores descreveram 4 9 casos de estenose idiopáti-ca de traquéia excluindo aquelas devidas a traumatismo, iatrogênicas, infecciosas e processos inflamatórios espe-cíficos, mas, em nenhum deles houve comprometimento da carina ou brônquios principais.
O utras op ções terap êuticas incluem p rocedimentos endoscópicos, tais como o uso de moldes, dilatação, crio-cirurgia ou laser(1 1 -1 4 ). Os moldes podem ser usados nas
estenoses brônquicas pós-transplante ou nos pacientes sem condição cirúrgica. Podem apresentar, como com-plicações, migração, impactação mucóide e formação de granuloma. A colocação de molde em estenose benigna deve ser sempre avaliada, após análise cuidadosa por ci-rurgiões experientes. A criocirurgia ou laser são mais in-dicados no tratamento de estenoses malignas, ressecção de pequenos granulomas ou de bandas fibrosas e têm o inconveniente de comprometer o tratamento cirúrgico definitivo. Essas formas alternativas combinam-se e, em nosso meio, são de custo elevado e têm sua utilização nas pessoas sem condições de operabilidade. No caso em questão de estenose benigna fibrosante, não consegui-mos definir a causa exata de sua etiologia e o tratamento cirúrgico deve ser a primeira opção, desde que a esteno-se não envolva mais do que 4 cm e o paciente tenha con-dições de submeter-se ao procedimento.
A
GRADECIMENTOSAo Dr. Marcelo Canuto Natal, pela broncoscopia virtual; ao Dr. Móisés Sousa Santos e ao Dr. Marco Antonio de Oliveira, pela documentação endoscópica.
Figura 3 – Broncoscopia virtual evidenciando o resultado final pós-reconstrução da carina e brônquios principais
R
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