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O TRABALHO CAMPONÊS NOS ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA

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O TRABALHO CAMPONÊS NOS ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA

Leandro Daneluz Gonçalves le.daneluz@gmail.com Universidade Estadual do Oeste do Paraná João Edmilson Fabrini fabrini@unioeste.br Universidade Estadual do Oeste do Paraná

INTRODUÇÃO

Os assentamentos de reforma agrária são resultantes das lutas dos trabalhadores sem-terra organizados nos movimentos sociais de luta pela terra. Dentre os movimentos destaca-se o MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. A organização dos trabalhadores do campo nos movimentos não é “fenômeno” recente, pois desde passado distante que remonta o século XIX, os camponeses já lutavam e resistiam para entrar e permanecer na terra, negando assim, a expropriação/expulsão da terra e proletarização, característica da expansão do modo capitalista de produção.

Neste sentido, foi tratada da luta dos camponeses sem-terra e o trabalho realizado por eles no assentamento. O trabalho dos camponeses apresenta um conjunto de características que diferem do trabalho realizado pelos operários de uma fábrica, por exemplo. A divisão fordista do trabalho, ou mais recentemente a reorganização sob o paradigma do toyotismo e a acumulação flexível, embora se constitua como importante paradigma na interpretação do trabalho na sociedade capitalista, não é suficiente para interpretar o trabalho dos camponeses, inseridos também no modo de produção capitalista.

O trabalho camponês nos assentamentos de reforma agrária não se constitui em “força de trabalho” apenas. Os camponeses estabelecem um conjunto de relações de natureza não-capitalista que envolve a ajuda mútua, pagamento em trabalho, trabalho comunitário e solidário, troca de dias de serviço, dentre outros. Há que se interpretar os camponeses como classe trabalhadora que no processo contraditório e desigual de expansão das relações capitalistas realiza um trabalho não-capitalista.

Para reconhecer esta característica de trabalho camponês foi tomado como referência espacial/geográfica o assentamento “16 de Maio”, oriundo da luta dos trabalhadores organizada no MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra). Diferente da

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organização do trabalho de uma fábrica, o trabalho camponês tem como principal elemento na organização do trabalho a família camponesa.

O trabalho de campo e a convivência com os assentados foram fundamentais para coleta de informações de base empírica. Inicialmente foram realizadas visitas ao assentamento e as famílias em novembro de 2007 e em maio de 2008 com o objetivo de fazer um levantamento prévio de informações. Além disso, consultaram-se algumas fontes secundárias sobre a região.

Para coleta dos dados foram feitas entrevistas e um estágio informal de vivência junto às famílias, fazendo-se observações do assentamento e levantamentos de informações complementares. Este levantamento de informações ocorreu em janeiro e setembro de 2009.

Neste sentido, a partir de informações empíricas coletadas de formas diversas foi possível cotejá-la com uma base teórica fundamentada na obra de Martins (1977, 1990, 2003), Santos (1978), Chayanov (1974), Oliveira (1991) para afirmar ou criticar concepções e interpretações da unidade produtiva camponesa e o trabalho nela realizado. Baseando-se na concepção de produção capitalista de relações não-capitalistas é possível afirmar que o trabalho camponês não se constitui necessariamente “forças de trabalho”, mas um trabalho não-capitalista que atende as necessidades da acumulação do capital, mas que também poderá ser convertido no atendimento das necessidades das famílias camponesas.

TRABALHO CAMPONÊS: UM TRABALHO NÃO CAPITALISTA

A interpretação da realidade exige do geógrafo, enquanto cientista, atenção para o tema Trabalho. O trabalho possui um caráter central nas relações sociais de produção, o que se desdobra no processo de organização do espaço geográfico. Portanto, a realidade geográfica pede interpretação que poderá ser feita a partir da perspectiva do trabalho.

Segundo interpretação de Antunes (2004), o trabalho é fundamental na vida humana porque é condição para sua existência. Ao mesmo tempo em que a sociedade transforma a natureza e altera a sua própria natureza, num processo de formação recíproca, convertendo o trabalho social em elemento central do desenvolvimento da sociabilidade.

Como criador de valor de uso o trabalho é uma condição de existência do homem, uma necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, “vida humana”. (ANTUNES, R., 2004, p. 9).

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Mas, se por um lado, podemos considerar o trabalho como um elemento fundamental da vida humana, ponto de partida do processo de humanização, por outro, a sociedade capitalista o transforma em trabalho assalariado, alienado, fetichizado. A “força de trabalho” torna-se uma mercadoria, ainda que especial, cuja finalidade é criar novas mercadorias e, conseqüentemente, gerar capital.

Por isso, segundo Antunes (2004):

O trabalho decai a uma mercadoria, tornando-se um ser estranho, um meio de sua existência individual. O que deveria ser fonte de humanidade se converte em desrealização do ser social, alienação e estranhamento dos homens e mulheres que trabalham. (ANTUNES, R. 2004, p. 11).

Antunes (2004) também aborda sobre a alienação do trabalho afirmando que este não se efetiva apenas na perda do produto do trabalho, mas também na ação de produzir, que é a atividade produtiva já alienada. Isso quer dizer que no capitalismo, o trabalhador se degrada; não se reconhece como ser humano, ou seja, se desumaniza no trabalho regido pelo modo de produção capitalista.

O trabalho como atividade vital para a existência humana se configura assim, como um trabalho alienado, expressão de uma relação social fundada na propriedade privada. Dessa forma, se ergue um ser social trabalhador estranho a ele mesmo, ou seja, o trabalho alienado, um trabalho estranho. Este estranhamento se realiza a partir do momento em que o trabalho se constitui como “força de trabalho” no processo de produção e reprodução de relações capitalistas.

Esta compreensão de Antunes (2004) é importante para compreender o trabalho enquanto força de trabalho, mas não é suficiente para compreender a totalidade do trabalho, em que está contido o trabalho camponês. A realidade pede um novo instrumental teórico que de conta de interpretar a natureza do trabalho camponês.

No geral, observa-se a propensão de estender aos camponeses o conhecimento que se tem sobre os operários. Em outras palavras, levanta-se a expectativas de que os camponeses existem e se comportam como classe social no padrão próprio de conduta da classe trabalhadora gestada na fábrica, na empresa capitalista.

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O trabalho deve ser considerado como atividade humana por excelência, meio pela qual o homem transforma o mundo e a si mesmo. Nesta compreensão, o trabalho camponês ao mesmo tempo em que transforma a natureza, adaptando-a às necessidades humanas, altera o próprio homem, desenvolvendo suas faculdades. Isso significa que pelo trabalho o homem se auto-produz.

Martins (2003), em sua obra “A sociedade vista do abismo” faz a discussão de “Situações diferenciais de classe social” onde o autor diferencia as atitudes e simbologias das classes (camponesa e operaria) diante de uma mesma situação. Deixa claro que se trata de duas classes sociais distintas. Ainda em sua obra, Martins (2003) faz a afirmação de que uma parcela da comunidade acadêmica chega a pensar numa espécie de operário indireto porque o camponês também seria um trabalhador para o capital, ou seja, ambos, camponeses e operário, são uma única classe social.

Entretanto Martins (2003) ressalta que se esquece das mediações e das particularidades, aquilo que define a qualidade diferencial dos diferentes grupos e categorias sociais. Para Martins (2003) associar camponeses e operários como a mesma classe é uma simplificação anti-sociológica.

Se quisermos entendê-las como sujeitos de vontade sociais e políticas e sujeitos de possibilidades históricas, é necessário reconhecer-lhes as singularidades, aquilo que as diferencia e não aquilo que as dilui em categorias abrangentes e genéricas. (MARTINS, 2003, p. 55).

Na unidade produtiva camponesa, o trabalho pode ser considerado como criador de valor de uso, pois parte das atividades da família é orientado pela transformação e elaboração de objetos úteis para a sobrevivência dos trabalhadores. Embora este trabalho possa servir a produção de mercadorias também, não se trata de “força de trabalho”, semelhante àquela vendida pelos trabalhadores assalariados das indústrias, por exemplo.

Na produção camponesa, uma parte é destinada à elaboração de objetos úteis e concretos aos trabalhadores, diferentemente do “típico” trabalho capitalista. Neste caso, estamos diante de um trabalho não-capitalista que pode servir a acumulação capitalista.

Neste sentido, é possível apontar que os camponeses, em parte, realizam a reprodução simples, e no seu trabalho nem sempre se verificam formas de exploração que

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levam a alienação do trabalhador, como ocorre no trabalho que se constitui “força de trabalho”.

É necessário enfatizar ainda que o campesinato não deve ser interpretado como uma relação de trabalho apenas, embora também o seja, pois o trabalho realizado e organizado em torno das necessidades da família confere a ele outros conteúdos, para além da interpretação como “força de trabalho” e mercadoria.

DIVISÃO FAMILIAR DO TRABALHO CAMPONÊS

Para a análise do trabalho camponês é necessário refletir e identificar a diversidade de relações existentes no campesinato que se expressa, principalmente, no trabalho da família camponesa. É a análise da família camponesa que vai permitir a compreensão do trabalho camponês.

A participação de cada membro da família é elemento importante para entender a divisão do trabalho camponês, quando se verifica uma divisão do trabalho pautada no número de membros da família. Acrescenta-se também uma “divisão sexual” do trabalho em que os homens se encarregam de algumas atividades e as mulheres de outras e uma “divisão etária”, ou seja, a responsabilidade pelas tarefas (trabalho) de acordo com a idade de cada membro.

Para entender o trabalho familiar camponês consideramos o número de membros da família a uma capacidade de trabalho que tais membros representam. Assim, considerou-se para avaliar a capacidade de trabalho a família trabalhadora foi dividida entre os filhos acima dos 14 anos (força completa), os filhos entre 9 a 14 anos (meia força) e os filhos com menos de 9 anos (não considerados “força de trabalho”).

Tabe la 3.1 – C omposição da C apacidade de Trabalho por Proprie dade C ampone sa no Asse ntame nto “16 de Maio” Ramilândia/PR

N º Propr iedade s

Casal Filhas Filhos Ascendentes

Até 9 anos De 9 a 14 anos 14 anos e mais Até 9 anos De 9 a 14 anos 14 anos e mais H M Capacidade de trabalho 01 A 2 1 1 3,5 02 B 2 2 03 C 1 1 04 D 2 1 3 05 E 2 1 2 06 F 2 1 2 1 1 6,5 07 G 2 2 08 H 2 1 1 2,5 09 I 2 1 2,5 10 J 2 1 3

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T otal 19 0,5 5 1,5 1 1 28 Fonte: Trabalho de campo (2009).

Pela leitura da tabela 3.1, os camponeses do assentamento “16 de Maio” caracterizam-se pela família formada pelo casal e filhos. A presença de ascendentes (avós) é pequena.

Como observado na propriedade número 01 da (tabela 3.1) a família é constituída de 4 membros: o casal, mais uma filha acima de 14 anos de idade e um filho entre 9 e 14 anos de idade. Mas quando reduzida, a capacidade de trabalho da família, como apresentado na tabela anterior (tabela 3.1), é mensurada como 3,5 pessoas de capacidade de trabalho e não 4. Isso ocorre pelo motivo dos filhos entre 9 e 14 anos serem considerados meia “força de trabalho”.

A partir da tabela 3.1 pode se montar uma nova tabela, comparando os trabalhadores e os consumidores de cada propriedade camponesa. Na tabela (3.1) foram mensurados os membros que trabalham nas propriedades camponesas, nessa nova tabela vão ser destacados, também, os membros da família camponesa que consomem, ou seja, que tem os seus gastos reduzidos dos lucros da propriedade.

A capacidade de consumo dos membros da família foi classificada de acordo com a idade dos seus membros. As crianças até 9 anos de idade foram classificadas como meio consumidor, (gasta a metade que um adulto). As pessoas com idade superior a 9 anos foram classificadas como um consumidor completo, utilizando-se do mesmo critério para determinar a de capacidade de trabalho.

Tabe la 3.2 – Re lação C onsumidor/Trabalhador por Proprie dade C ampone sa no Asse ntame nto “16 de Maio” Ramilândia/PR

Nº Propriedades Capacidade trabalho Consumidores na família Relação consumidor/trabalhador

01 A 3,5 4 0,88 02 B 2 2 1,0 03 C 1 1 1,0 04 D 3 3 1,0 05 E 2 2,5 0,8 06 F 6,5 7 0,9 07 G 2 2 1,0 08 H 2,5 3,5 0,7 09 I 2,5 3 0,83 10 J 3 3 1,0 T otal 28 31 0,9

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A tabela 3.2 expressa à proporção entre as pessoas que trabalham e que consomem, considerando-se que todos os membros da família tendem a se inserir no processo de trabalho. Um dado importante é que os filhos de até 9 anos de idade são apenas consumidores, ou seja, os filhos nessa faixa etária dão “prejuízo” as unidades familiares camponesas. Já os filhos entre os 9 e 14 anos são considerados como meia “força de trabalho”, não dão “prejuízo” porque já representa alguma “força de trabalho”.

Outro elemento importante da tabela 3.2 é que pode perceber se a família camponesa tem um déficit ou não de membros aptos para o trabalho. Das famílias mensuradas, 5 apresentaram 1,0 na relação (consumidor/trabalhador), demonstrando que há equilíbrio entre trabalho e consumo na família camponesa. Já as outras 5 famílias apresentaram um déficit no numero de trabalhadores, o que significa que há mais consumidores do que trabalhadores.

O equilíbrio ou não da família camponesa na relação consumidores/trabalhadores podem significar características distintas na divisão do trabalho familiar camponês, como a intensificação do trabalho de alguns membros para cobrir o déficit de trabalho de um membro que consome mais do que trabalha. A partir destas primeiras caracterizações da família camponesa se faz necessário elencar a importância de cada membro da família.

Ao homem da família camponesa cabe a responsabilidade de decidir sobre as “principais” tarefas a serem realizadas na unidade econômica camponesa, tais como preparação da terra para o plantio, produção de produtos destinados a comercialização, contato com a cidade com objetivos de compra e venda de produtos. O homem pode realizar trabalhos leves a pesados, bem como aqueles de menor e maior complexidade. Pela sua maturidade lhe são atribuídos os conhecimentos técnicos somados a sua pré-disposição física. Às mulheres, cabe o trabalho de cuidar da casa e seu entorno bem como as atividades relativas à produção de alimentos, como o cuidado com a horta, ordenha e pequenos animais, cultivo de ervas medicinais, etc. As lavouras destinada ao auto-consumo como pequenas roças de amendoim, pipoca, frutas, tubérculos dente outras estão entregues à responsabilidade da mulher.

Os trabalhos são divididos também de acordo com a faixa etária de cada um dos membros da família, em que os adultos (homens, principalmente) ficam responsáveis pelos trabalhos mais “pesados” como o de aplicar “veneno” e limpeza das lavouras e pastagens, colheita, dentre outras. Às crianças e membros idosos da família cabem as atividades que

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exigem menos esforço físico como a limpeza do “quintal” da casa, cuidado com pequenos animais, preparo de alimentos, dentre outros.

Na divisão do trabalho camponês cabe ao homem a distribuição da maioria das atividades entre os membros da família. Para tanto, as propriedades de trabalho camponesas seguem uma organização hierárquica familiar do trabalho. “Quando tenho que ficar um ou dois dias fora, deixo dito o que tem que fazer, o que ela – esposa – não da conta de fazer sozinha nós deixa tudo pronto antes de eu ir” (Assentado G, 2009).

A hierarquia na organização do trabalho não é definida somente a partir do sexo. Outros fatores também influenciam, pois dependendo do tipo de atividades (grau de complexidade ou exigência de esforço físico) realizadas e do caráter desta atividade fica a cargo do homem, da mulher, das crianças ou idosos.

Quando o trabalho fica a encargo do homem, por exemplo, ele tem o papel de orientar os membros da família para que o trabalho possa se cumprir Sendo assim, o trabalho não fica somente a cargo de quem está acima hierarquicamente, neste exemplo, o homem. No geral, a família camponesa vai se organizar como um trabalho coletivo, sendo que quem está na escala hierárquica acima tem a função de dividir o trabalho.

Sendo assim, a atividade de criação de suínos, por exemplo, cabe ao homem ou à mulher. Tanto o homem quanto a mulher ficam responsáveis pela aquisição dos animais, decisão de vender, o que fazer com o dinheiro da venda, produção de alimento para o trato dos suínos, efetivação da alimentação, medicação dos animais, decisão de abater os animais, o abate do animal em si e a ajuda no trabalho de preparo do animal quando abate. Portanto, trata-se de um trabalho que cabe ao homem e à mulher.

Tabe la 3.3 – Trabalho na Produção de Suínos no Asse ntame nto “16 de Maio” Ramilândia/PR

T rabalho Homem % Mulher %

Compra 100%

Decisão da venda 100% 50%

T rabalho de venda 100%

Decisão do destino do dinheiro da venda 100% 100%

Produção alimentos para suínos 100% 100%

Alimentação 100% 50%

Medicação 100%

Decisão do abate 25% 100%

Abate do animal 100%

Preparo para abate 100% 100%

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A escolha da atividade de criação de suínos deve-se ao fato de que 100% das famílias entrevistadas realizam este trabalho. Considera-se também que a criação de suínos serve para o consumo interno da família e também para a comercialização.

Ao observar os trabalhos de “compra”, “decisão da venda” e “venda” (tabela 3.3) verifica-se uma organização feita pelo homem. Isso ocorre, pelo fato de que o trabalho de criação de animais de grande porte está sob sua responsabilidade

Mas, isso não significa que a mulher não realiza o trabalho de venda e compra. Elas ficam responsáveis de realizar o comércio de produtos como legumes e verduras que estão ligados a horta, pois a mulher tem maior grau hierárquico da família para este trabalho na horta.

Se analisarmos a “decisão da venda” ou “decisão de quando vender” (tabela 3.3), há uma participação de 50% das mulheres. Isso ocorre, porque este trabalho vai perpassar pelo universo feminino da organização do trabalho, ou seja, o trabalho de “venda” vai depender tanto do homem quanto da mulher. Verificou-se que 100% das mulheres têm participação na “decisão de quando abater os animais”. Esta decisão coube aos homens em 25% dos casos, pois o abate está relacionado à alimentação, responsabilidade que geralmente cabe à mulher. “A mulher que me avisa quando tem que matar, ela sempre fica de olho no congelador quando está aparecendo o fundo ela me diz pra matar um porco ou um novilho” (Assentado G, 2009).

O trabalho de “decisão de quando abater” os animais passa pelo universo da divisão do trabalho feminino, neste caso os afazeres domésticos. É a mulher incumbida de preparar diariamente a alimentação nas unidades camponesas. Sendo assim, cabe a ela também organizar essa tarefa, neste caso, a manutenção do estoque de alimentos.

Assim, o cuidado com o estoque de alimentos da casa originários de animais de pequeno porte fica sob responsabilidade das mulheres. O cuidado com animais de grande porte, com o objetivo de gerar rendas monetárias, fica sob responsabilidade do homem. “Um dia ele – homem – venho dizendo que tinha um senhor querendo compra uns novilhos e que ele ia vender um, eu – mulher – disse que não, porque eu ia querer matar aquele para encher o congelador” (Assentado F, 2009).

Tanto as decisões do homem como das mulheres vai depender de quem está acima hierarquicamente na divisão do trabalho, ou seja, do tipo de trabalho e quem está orientando

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esse trabalho. Quando a decisão passa pelo universo hierárquico de trabalho do homem e da mulher, observa-se que o homem e a mulher têm participação na decisão do que deverá ser realizado.

A decisão do trabalho de o que “fazer com o dinheiro da venda” é de responsabilidade tanto do homem, como da mulher. Indica que tanto o homem como a mulher tem participação no trabalho de manutenção deste tipo de criação (suíno).

Quem compra e vende o gado sou eu – homem -. Ela não faz isso não, ela sempre está em função da casa”. “Eu – mulher – nunca comprei nada disso, lá fora e tudo ele que mexe, às vezes quando ele chega em casa ele avisa que vendeu um boi (Assentado B, 2009).

Verificam-se a partir dos exemplos citados sentidos diversos no trabalho camponês, o que o diferencia do trabalho enquanto “força de trabalho”. Os camponeses que tiveram negada manutenção do trabalho não-capitalista, vão em busca de sua conquista. O assentamento “16 de maio” é resultado desta luta pela conquista de um trabalho não-capitalista, ou seja, um trabalho camponês.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho camponês é substancialmente diferente do trabalho operário, principalmente por ter uma organização que tem como elemento central a família. O fato da família se constituir no elemento nuclear não permite que ele seja interpretado da mesma forma que o trabalho operário, pois o espaço da fábrica e do campo implica na construção de diferentes relações e sujeitos.

Embora o trabalho camponês esteja inserido no interior das relações capitalistas de produção, ele apresenta um conjunto de características próprias tais como divisão do trabalho e tempo de produção. Estas características fazem do trabalho camponês um trabalho não-capitalista.

A realização do trabalho não-capitalista camponês ocorre nos assentamentos de reforma agrária. Os assentamentos rurais surgem como resultado das lutas e resistências dos camponeses. Um exemplo é assentamento “16 de Maio” no município de Ramilândia surgido em 1998 a partir s das lutas e resistências dos camponeses que organizaram o acampamento

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Roselito. O assentamento “16 de Maio” foi adotado como recorte espacial para tratar do trabalho camponês.

O trabalho não-capitalista no assentamento “16 de Maio” é verificado pela divisão familiar do trabalho, principalmente.

Por isso, é possível concluir que o trabalho camponês é substancialmente diferente do trabalho do operário. O fato da família se constituir no núcleo central da produção faz surgir um o trabalho não-capitalista entre os camponeses.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, R. (Org) A dialética do trabalho: escritos de Marx e Engels. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

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BRANDÃO, C. R. Festas de trabalho. Digitado. 2006.

CHAYANOV, A. V. La organización de la unidad económica campesina. Buenos Aires: Nueva Visión, 1974.

MARTINS, J. de S. A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. 2.ed. Petrópolis. RJ: Vozes, 2003.

_________. O cativeiro da terra. 8.ed. São Paulo. SP: Hucitec, 2004.

_________. Os camponeses e a política no Brasil. 3. Ed. Petrópolis: Vozes, 1986.

OLIVEIRA, A. U. de. A agricultura Camponesa no Brasil. 4ª ed. – São Paulo: Contexto, 2001.

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