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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA UNIDADE EDUCACIONAL PALMEIRA DOS ÍNDIOS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL KELLY JOSEFA DA SILVA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CAMPUS ARAPIRACA

UNIDADE EDUCACIONAL PALMEIRA DOS ÍNDIOS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

KELLY JOSEFA DA SILVA

A QUESTÃO RACIAL EM ALAGOAS E O PROCESSO DE INVISIBILIZAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA

PALMEIRA DOS ÍNDIOS - AL 2020

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Kelly Josefa da Silva

A QUESTÃO RACIAL EM ALAGOAS E O PROCESSO DE INVISIBILIZAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de Alagoas – UFAL, Campus Arapiraca, Unidade Educacional Palmeira dos Índios, como requisito básico para a conclusão do curso de Graduação em Serviço Social.

Orientador: Prof. Dr. Mayk Andreele do Nascimento.

PALMEIRA DOS ÍNDIOS - AL 2020

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Catalogação na fonte Universidade Federal de Alagoas Biblioteca Unidade Palmeira dos Índios

Divisão de Tratamento Técnico

Bibliotecária Responsável: Kassandra Kallyna Nunes de Souza (CRB-4: 1844)

S586c Silva, Kelly Josefa da

A questão racial em Alagoas e o processo de invisibilização da população negra / Kelly Josefa da Silva, 2020.

70 f.

Orientador: Mayk Andreele do Nascimento.

Monografia (Graduação em Serviço Social) – Universidade Federal de Alagoas. Campus Arapiraca. Unidade Educacional de Palmeira dos Índios. Palmeira dos Índios, 2020.

Bibliografia: f. 63 – 69 Anexo: f. 70

1. Serviço social. 2. Negros – identidade racial. 3. Negros – Alagoas. 4. Movimentos sociais - negros. I. Nascimento, Mayk Andreele do. II. Título. CDU: 364

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A QUESTÃO RACIAL EM ALAGOAS E O PROCESSO DE INVISIBILIZAÇÃO DA POPULAÇÃO NEGRA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de Alagoas – UFAL, Campus Arapiraca, Unidade Educacional Palmeira dos Índios, como requisito básico para a conclusão do curso de Graduação em Serviço Social.

Orientador: Prof. Dr. Mayk Andreele do Nascimento.

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Cota não é esmola

Bia Ferreira

[...]

São nações escravizadas E culturas assassinadas É a voz que ecoa do tambor Chega junto, venha cá Você também pode lutar, ei! E aprender a respeitar

Porque o povo preto veio para revolucionar

Não deixe calar a nossa voz, não! Não deixe calar a nossa voz, não! Não deixe calar a nossa voz, não! Revolução

Nascem milhares dos nossos cada vez que um nosso cai Nascem milhares dos nossos cada vez que um nosso cai, é Nascem milhares dos nossos cada vez que um nosso cai Nascem milhares dos nossos cada vez que um nosso cai E é peito aberto, espadachim do gueto, nigga samurai!

[...]

É peito aberto, espadachim do gueto, nigga Aberto, espadachim do gueto, nigga

É peito aberto, espadachim do gueto, nigga

É peito aberto, espadachim do gueto, nigga samurai!

Vamo pro canto onde o relógio para E no silêncio o coração dispara Vamo reinar igual Zumbi, Dandara Odara, Odara

Vamo pro canto onde o relógio para No silêncio o coração dispara Odara, Odara, ei!

Experimenta nascer preto, pobre na comunidade Você vai ver como são diferentes as oportunidades E nem venha me dizer que isso é vitimismo

Não bota a culpa em mim pra encobrir o seu racismo

Existe muita coisa que não te disseram na escola Cota não é esmola!

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AGRADECIMENTOS

À minha ancestralidade; aos que vieram antes de mim e alicerçaram meus caminhos até aqui.

Aos Òrìṣà, por abrirem caminhos, me banharam em afeto e fortaleceram minha fé. À Yemọnjá, mãe sagrada que guia meus passos, que me faz atravessar o mar revolto e descansar na calmaria de suas águas.

À Josefa Vanda, minha mãe e meu maior orgulho, grata por seu amor, sua força e cuidado. Ao meu padrinho Josenildo e minha irmã Joseane, pelo tempo e carinho dedicados, à Adrielly, Rikelly e Henrique, meus irmãos, e à toda minha família pelo apoio e incentivo.

Aos laços de amizades construídos ao longo desse período, os quais tornaram mais leve essa caminhada. Agradeço a todos pelas falas compartilhadas, pelo carinho e afago nos dias difíceis. Estarão para sempre em meu coração.

Ao meu orientador, Mayk Andreele do Nascimento, por todo conhecimento compartilhado, pela atenção e riqueza em aprendizado, que tornaram as orientações momentos de grande estimulo para alçar voos mais altos.

Sem vocês, essa conquista não seria possível.

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RESUMO

O presente texto tem por objetivo refletir sobre a questão racial em Alagoas e o processo de invisibilização da população negra. Para este propósito, buscou-se discorrer sobre a formação histórica brasileira fundada a partir da exploração da força de trabalho dos povos africanos com base no sistema escravista durante o período colonial. Este sistema, mantido a partir da concentração e da centralização de grandes extensões de terra, e sobretudo, na centralização do poder nas mãos do branco colonizador e de seus descentes, contribuiu para o processo de marginalização da população negra. A transformação do trabalho escravizado para o trabalho livre ocorreu sustentado a partir de conceituações que objetivaram definir padrões de comportamento, de moralidade, e de intelectualidade, a partir de critérios que dividiam os grupos humanos em raças, atribuindo qualidades inatas ao grupo racial branco e desqualificando o grupo racial negro. Deste modo, o povo negro, após a abolição da escravatura, continuou a ocupar os postos de trabalho mais degradantes, sem nenhum direito, sem acesso às condições mínimas para sua sobrevivência. Na realidade atual, apesar das modificações e melhorias alcançadas a partir do reconhecimento do povo negro como detentor de direitos e do reconhecimento do racismo brasileiro, a discriminação e o preconceito racial estão presentes no cotidiano, seja em âmbito privado ou nas esferas institucionais. Em Alagoas, o racismo institucional apresenta-se de forma mais severa a partir da vitimização letal de jovens negros, agravado ao não reconhecimento das falhas ocorridas pelo sistema de segurança pública adotado pelo Estado e pelos governos e da pouca efetividade das políticas públicas voltadas a essa parcela da população.

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ABSTRACT

This text aims to reflect on a racial issue in Alagoas and the process of making the black population invisible. For this purpose, you can research on the Brazilian historical formation, from the exploitation of the workforce of the African peoples, based on the slave system during the colonial period. This system, maintained from the concentration and centralization of large tracts of land, and mainly, in the centralization of power in the hands of the white colonizer and his descendants, contributes to the process of marginalization of the black population. The transformation from enslaved work to free labor, occurred based on concepts that defined patterns of behavior, morality and intellectuality based on criteria that divide human groups into races, attributed to the innate white racial group and disqualifying the black racial group. This way, the black people after the abolition of slavery continued to occupy the most degrading jobs, without any rights, without access as minimum conditions for their survival. In the current reality, despite the changes and improvements achieved from the recognition of the black people as a rights holder and recognition of Brazilian racism, racial discrimination and prejudice are present in everyday life, whether in the private domain or in institutional institutions. In Alagoas, institutional racism presents itself more severely from the victimization of black youths, recorded and not recognized due to failures occurred by the public security system adopted by the State and by the statutes and by the same effectiveness of public policies aimed at this portion of the population.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Distribuição racial por níveis de escolaridade em 2015 38 Gráfico 2 - Média da renda familiar per capta por raça/cor entre 2011 e 2015 (em

reais)

39

Gráfico 3 - Cobertura e escolarização líquida segundo cor ou raça (Brasil, 2001 e 2012) (Em %)

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Taxa de Homicídio Doloso, segundo o número de ocorrências, por cem mil habitantes – 2012-2015

49

Tabela 2 - Taxa de homicídios por 100 mil habitantes de negros por Unidade da Federação – Brasil, 2005 a 2015

50

Tabela 3 - Principais causas de morte, segundo taxas ajustadas de mortalidade e variação percentual relativa – Alagoas, 2000 a 2015

54

Tabela 4 - Taxa de Distorção Idade-Série no Ensino Médio – 2012-2015 57 Tabela 5 - População com 15 anos ou mais de idade, segundo Unidade da Federação,

cor ou raça e faixa de anos de estudo concluído (Brasil, 2001 e 2012) (Em %)

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12

2 EXPLORAÇÃO E VIOLÊNCIA: A ESCRAVIDÃO COLONIAL 15

2.1 O LUGAR DO POVO NEGRO NO BRASIL-COLÔNIA 15

2.2 ATOS DE RESISTÊNCIA À ESCRAVIDÃO COLONIAL 21

3 DE ONDE VEIO E PARA ONDE VAI?: O LEGADO DA

ESCRAVIDÃO NO PÓS-ABOLIÇÃO

27

3.1 A DESIGUALDADE RACIAL NO PERÍODO PÓS-ABOLIÇÃO:

ASPECTOS IDEOLÓGICOS E HISTÓRICO CULTURAIS

27

3.1.1 O debate racial no Brasil contemporâneo: discutindo o preconceito racial no Brasil

32

3.1.2 Desigualdade racial: aspectos políticos e econômicos 36

4 A POPULAÇÃO NEGRA EM ALAGOAS: DA HERENÇA

ESCRAVISTA À RELIDADE ATUAL

41

4.1 A FORMAÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA ALAGOANA SOB O

PRISMA DA HERANÇA ESCRAVISTA

41

4.1.1 Quilombo dos Palmares: o berço da resistência Alagoana 43

4.2 RACISMO INSTITUCIONAL: A PRODUÇÃO DA

INVISIBILIDADE NOS DOCUMENTOS ELABORADOS PELO GOVERNO DO ESTADO DE ALAGOAS

47

4.3 INICIATIVAS DO MOVIMENTO NEGRO EM ALAGOAS 58

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 61

REFERÊNCIAS 63

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1 INTRODUÇÃO

A formação social no Brasil é tema recorrente nas análises de diversos estudiosos. Grande parte dessas análises(FREYRE, 2006; RIBEIRO, 1995; PRADO JÚNIOR, 2006) busca retratar a formação do país a partir da contribuição dos povos indígenas, africanos, europeus e de suas “misturas”, ora de forma conjunta, ora como elementos separados. Essas análises buscam traçar uma compreensão sobre a sociedade brasileira, entendida com características particulares que foram moldando as relações sociais no país, e que ainda nos dias atuais influenciam as relações cotidianas estabelecidas entre indivíduos, grupos e instituições.

A respeito da participação e das relações estabelecidas entre os povos no Brasil, escolhemos como tema a discussão sobre a população negra, mais especificamente sobre a questão racial em Alagoas, a partir do processo de invisibilização da população negra em âmbito institucional, sobretudo nos aspectos relacionados à violência. O interesse em discutir este tema surgiu desde o início de minha trajetória acadêmica, por ser mulher negra, vinda de comunidade rural quilombola, cotista, inserida em um espaço hegemonicamente branco. Sendo este estudo impulsionado a partir das discussões suscitadas na disciplina eletiva Formação

Sócio-histórica, Questão Social e Espaço Rural, ofertada ao curso de Serviço Social da

Universidade Federal de Alagoas - Campus Arapiraca/Unidade Educacional de Palmeira dos Índios, cujos debates trouxeram algumas indicações e inquietações referentes às mediações que permeiam a composição das classes sociais no país, especialmente sobre raça.

Dentre as questões acima citadas, emerge ainda como estimulo para este estudo, a orientação disposta no siteda Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), referente ao componente curricular obrigatório “Serviço Social, Relações de Exploração/Opressão de Gênero, Raça/Etnia, Geração, Sexualidades”.

De acordo com as disposições da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social:

Os conflitos e antagonismo de classe são fundantes da questão social. As classes sociais, todavia, são mediadas e constituídas por outras relações sociais. Trata-se de entender as classes sociais em uma perspectiva de totalidade, ou seja, elas não se esgotam em si mesmas, mas estão correlacionadas com outras relações sociais [...] correlacionadas entre si e mediadas pelas condições de classe a que cada um (a) pertence. Nesse sentido, entendemos que classe se faz presente em todas as relações sociais, mas outras relações sociais conformam condições diferenciadas para a própria exploração e opressão de classe (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL, 2016, p. 1).

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Compreende-se, pois, que não podemos analisar as classes sociais no Brasil sem considerar as particularidades e as mediações envoltas no interior dessas mesmas classes. Portanto, as relações raciais permeiam as relações antagônicas do capital, com a polarização entre burguesia e proletariado: a concentração da riqueza nas mãos de uns e a pobreza como condição de outros, bem como as relações estabelecidas no cotidiano das instituições, dentre outras questões. Tem-se a reprodução material e ideológica de uma sociedade racista, em que classes sociais no Brasil possuem cor. A população negra no Brasil não está condicionada somente pela má distribuição de renda ou ao lugar que o indivíduo ocupa na produção de riqueza, mas também, e sobretudo, a uma condição de subalternidade que perdura durante séculos.

Este trabalho é orientado pela perspectiva crítico-dialética, que compreende que a realidade social deve ser entendida em sua totalidade. De acordo com esta teoria social:

[...] Alcançando a essência do objeto, isto é: capturando a sua estrutura e dinâmica, por meio de procedimentos analíticos e operando a sua síntese, o pesquisador a reproduz no plano do pensamento; mediante a pesquisa, viabilizada pelo método, o pesquisador reproduz, no plano ideal, a essência do objeto que investigou (PAULO NETTO, 2011, p. 22).

Para compreender a realidade da população negra alagoana, utilizamos a pesquisa bibliográfica e documental, a análise dos documentos oficiais do estado de Alagoas, de documentos fornecidos por órgãos oficiais e por grupos de estudos. A exposição deste trabalho será feita em três capítulos, acrescidos desta introdução e das considerações finais.

No primeiro capítulo, são apresentadas, em linhas gerais, o lugar e a condição do povo negro no período colonial, e algumas considerações acerca da funcionalidade do sistema escravista enquanto substrato para a acumulação primitiva do capital. Pode-se constatar que a desigualdade racial foi gestada, ainda no período de colonização, por meio da expropriação das riquezas e exploração dos povos nativos para o enriquecimento da metrópole portuguesa. Posteriormente, foi intensificada com tráfico negreiro, tornando-se extremamente necessária para a manutenção do sistema colonial escravista.

No segundo capítulo, tratamos das condições socioeconômicas e políticas postas no cenário pós-abolição a partir da análise das conceituações, que retrataram a divisão social no Brasil com base na diferenciação racial. Também discutimos sobre os aspectos que relacionam as desigualdades raciais como um processo advindo das relações estabelecidas no período escravista, aliado às mudanças nas estruturas capitalistas.

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A hipótese que sustentamos aqui vai ao encontro dos estudos que afirmam que indivíduos pretos, pobres e periféricos encontram-se nas camadas mais baixas de rendimentos, nos índices mais altos de mortes violentas no país, nas maiores taxas de desemprego etc. A forma como ocorreu a incorporação do negro na sociedade de classes o relegou ao papel de subalternidade em todas as esferas das relações econômica, política, afetiva e cultural, sendo necessário para isso projetar um sentido de inferioridade à população negra, utilizando de conceitos biológicos, religiosos e culturais que legitimassem sua escravidão.

No terceiro capítulo, discutimos sobre a realidade da população alagoana, retratada pelos meios de comunicação e mídia, pelas instituições organizativas da militância negra e pelos dados disponibilizados pelo Governo do Estado de Alagoas. Com o objetivo de identificar de que maneira o Estado, como instituição responsável por instituir políticas públicas, vem atuando na identificação do racismo institucional e na elaboração deestratégias de combate ao racismo e à violência letal. Trataremos também das iniciativas do movimento negro no que diz respeito ao tratamento da questão racial no estado.

Nas considerações finais, traremos um apanhado acerca do estudo e da discussão

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2 EXPLORAÇÃO E VIOLÊNCIA: A ESCRAVIDÃO COLONIAL

A história da formação social brasileira é difundida com a união entre os povos indígenas, africanos e europeus, em um processo que supõe uma identidade nacional miscigenada com traços socioculturais muito específicos, os quais são comemorados por algumas linhas de pensamento, como demonstração de harmonia nas relações que foram estabelecidas entre esses povos.

No entanto, a participação dos povos originários, dos povos africanos e seus descentes na formação do Brasil, envolve determinações extremamente importantes que precisam ser conhecidas e reconhecidas em nosso país. Deste modo, tratamos, neste capítulo, sobre aspectos que influenciaram a formação do Brasil colonial, as condições de vida que os povos africanos foram submetidos deste lado do Atlântico e sua importância para a formação social do país. Para tal exposição, utilizaremos as obras dos autores Prado Júnior (2006), Schwarcz e Starling (2015) e Silva (1985).

2.1 O LUGAR DO POVO NEGRO NO BRASIL-COLÔNIA

O Brasil colonial era economicamente voltado ao abastecimento e desenvolvimento externo, em que a expropriação e exportação, a monocultura e escravização são interligações que funcionavam como motor da economia e conferia significado às relações estabelecidas naquele período. A monocultura da cana-de-açúcar, o tráfico e a escravização dos povos africanos eram a base indispensável para este sistema que, por sua vez, dava sentido ao colonialismo, e direcionamento à nascente forma de organização social, no período em que o mundo assistia a pré-história do desenvolvimento capitalista.

O sistema colonial fez amadurecer como plantas de estufa o comércio e a navegação, [...] as manufaturas em expansão, as colônias asseguravam mercado. O tesouro apresado fora da Europa diretamente por pilhagem, escravização e assassinato refluía à metrópole e transformava-se em capital (MARX, 1998, p. 277).

De acordo com Prado Júnior (2006, p. 119), a colônia estava “destinada a fornecer ao comércio europeu alguns gêneros tropicais ou minerais de grande importância: o açúcar, o algodão, o ouro. [...] A nossa economia se subordina inteiramente a este fim, isto é, se organizará e funcionará para produzir e exportar aqueles gêneros”. Nesse sentido, o que constitui a formação do país é a “grande exploração rural”, isto é, “a reunião numa mesma

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unidade produtora de grande número de indivíduos [...] que constituirá também a base principal

em que assenta toda a estrutura do país, econômica e social” (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 123, grifo do autor).

A escravidão no Brasil se consolidou a partir de um mercado em que seres humanos foram transformados em mercadorias e submetidos a uma dupla expropriação, tanto de si quanto da força de trabalho com a qual produziam riqueza. Trata-se, pois, de uma dupla dimensão lucrativa, aliando o comércio escravista (que transforma os povos africanos em mercadoria) à economia de exportação do açúcar, que interna e externamente, tinha seus proventos para abastecer a metrópole e outros países europeus.

Tem-se a formação do país em um formato que crescia com a velocidade dada pela dinâmica da exploração por base do sistema escravista, sendo inimaginável sua expansão e importância externa fora deste sistema, com um comércio ou empreendimento pulsante e ramificado que beneficiava os negociantes africanos, europeus e brasileiros, nas figuras de nobres, senhores de engenho, traficantes e comerciantes (SCHWARCZ; STARLING, 2015). O povo negro, sob essa perspectiva, era visto apenas como mercadoria, como mão de obra necessária e retirada de sua humanidade, destinado a ocupar seu lugar na participação colonial apenas “como escravo e trabalhador” (PRADO JÚNIOR, 2006, p.112).

De acordo com Ianni (2004), este regime de trabalho correlaciona diversos interesses e diversas formas de vida e de trabalho, mesmo que distantes da própria dinamicidade do cotidiano na vida dos engenhos e da comercialização escravista.

Trata-se de um regime de trabalho que funda a organização da sociedade como um todo, lançando alguma influência inclusive sobre as formas de vida e trabalho que se colocam à margem, nas distâncias ou nos poros do sistema escravista. Acontece que a escravatura relaciona o engenho e a fazenda a metrópole, o trabalho escravo com o mercado mundial, a alienação social, econômica, política e cultural do escravo com a acumulação originária que se realiza nos países europeus, principalmente na Inglaterra (IANNI, 2004, p.43).

Distintas sociedades conheceram diversas formas de escravidão ao longo da história, “no entanto, diferentemente do que aconteceu na escravidão moderna, nas antigas civilizações o trabalho compulsório não significava a principal força para a produção de bens e realização de serviços” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 79).

Mesmo em África, onde a história dispõe registros sobre a presença de escravizados, não sendo preponderante para o desenvolvimento local, essa escravidão, estava conectada a “sistemas de linhagem e parentesco” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 80) no qual os “cativos” desempenhavam, principalmente, a função de trabalhos domésticos; apenas em raras

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exceções, desenvolviam atividades na manufatura e no trato com animais. Ou seja, esta relação

não se estabelecia com bases em critérios que sustentassem diferenciações entre grupos humanos.

É somente com o desenvolvimento econômico voltado ao plantio de cana-de-açúcar que a escravidão moderna toma sentido e proporções realmente novas. Como descrito por Schwarcz e Starling (2015, p. 81) “com a chegada dos portugueses à costa atlântica subsaariana, em meados do século XV, alterariam radicalmente as modalidades de comércio, tanto no que se referia a escala como no que se referia ao recurso crescente à violência”. Essa violência presente na gênese do capitalismo também foi apontada por Marx (1988):

A descoberta das terras do ouro e da prata, na América, o extermínio, a escravidão e o enfurnamento da população nativa nas minas, o começo da conquista e a pilhagem das Índias Orientais, a transformação da África em um cercado para a caça comercial às peles negras marcam a aurora da era de produção capitalista. Esses processos idílicos são momentos fundamentais da acumulação primitiva (MARX, 1988, p. 275).

As relações entre os reinos, as guerras internas e as relações comerciais preestabelecidas entre os reinos dos Estados africanos e os portugueses tencionaram-se no sentido de maior abrangência em torno das redes de comércio (SCHWARCZ; STARLING, 2015). A cana-de-açúcar, como produto central da economia colonial, passa a estabelecer a rota direta entre a África e o continente americano, o que também altera substancialmente o contingente populacional transportado forçadamente para a colônia, onde o empreendimento da monocultura passa a atingir grandes proporções, especialmente na região nordeste, onde o clima e solo eram propícios para o cultivo da cana-de-açúcar.

Os povos africanos eram aprisionados em guerras e/ou vítimas de emboscadas. Seus suplícios iniciavam no percorrer de longas distâncias pelo interior das terras africanas rumo aos portos para seguir, então, ao embarque. Enfraquecidos pelo desgaste físico da longa caminhada e acometidos por doenças, por vezes, permaneciam longos períodos no aguardo ao tenebroso destino; antes, porém, alojados em locais insalubres, cuja situação agravava a condição de penúria e aumentava significativamente o número de mortos (SCHWARCZ; STARLING, 2015).

Distintos povos de etnias e costumes distintos, homens, mulheres e crianças eram todos amontoados e acorrentados como animais nos navios denominados “tumbeiros”. Sujeitos a escassez de espaço, de água e alimentos, expostos às doenças até antes desconhecidas por estes (SCHWARCZ; STARLING, 2015). Não raro, ocorriam surtos epidêmicos relacionados a má

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alimentação, além das doenças infectocontagiosas que aumentavam o número de mortos. No entanto, o tráfico permanecia rentável e plenamente estabelecido.

As situações degradantes vividas no período em que aguardavam o embarque, juntamente às exaustivas horas de trabalho árduo sob a pena de castigos extenuantes, a expansão dos engenhos e, posteriormente, o uso da mão de obra nas minas, diminuíam sensivelmente a longevidade deste contingente, carecendo a inserção cada vez maior de escravizados. A intensa rotatividade fez com que o aumento no número de escravizados trazidos do continente africano se desse de forma crescente e, em contrapartida, o número de viagens de um continente a outro era também cada vez mais frequente.

Assim, unindo-se as várias pontas de um mesmo mapa, é que se instituía e fortaleceu o comércio escravagista, modalidade de mercado que levou ao banimento e exílio de milhões de pessoas. Verdadeiro holocausto de início da era moderna, o negócio lucrativo explorava o fato de esse sistema ser muito eficaz. Ainda que constituísse o mais opressivo modelo imigratório, era o que dava realmente conta da produção crescente de cana-de-açúcar e, no século seguinte, do ouro e do diamante. As vantagens econômicas eram tais que garantiram a continuidade da empreitada, ao menos em direção ao Brasil, até 1850 – quando o tráfico, mas não a escravidão, foi extinto no país – e mesmo depois (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 88).

A economia açucareira não foi a única a impulsionar o comércio escravista, visto que

outros setores incorporaram um enorme contingente de escravizados à sua produção. Estima-se que o número de pessoas Estima-sequestradas de África para as Américas Estima-seja “de 8 milhões a 11 milhões de africanos durante todo o período do tráfico negreiro; desse total 4,9 milhões tiveram como destino final o Brasil” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p.82).

A grande exploração rural descrita por Prado Júnior (2006), abrangia diversos setores, além do setor açucareiro, e requisitava um enorme contingente de trabalhadores escravizados, como descrito abaixo:

[...] A mineração que a partir do séc. XVIII formará a par da agricultura entre as grandes atividades da colônia, adotará uma organização que afora as distinções de natureza técnica, é idêntica à da agricultura. [...] É ainda a exploração em larga escala que predomina: grandes unidades, trabalhadas por escravos (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 123, grifo do autor).

O sistema escravista consolidou-se em todo país não pressupondo apenas da base latifundiária, da propriedade da terra. Estabelecia-se como um fator que pode ser compreendido como cultural, em que a história registra que libertos também dispunham de escravizados. Schwarcz e Starling (2015, p.72) apontam que “ter escravos era símbolo de posse e de distinção, quase um cartão a avaliar prosperidade e estabilidade nessa civilização da cana”. Constitui-se, portanto, uma estrutura que não se baseia apenas na exploração, mas no status e poder que se

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adquire ao possuir escravizados. Estava enraizado no modo de vida, que pouco explorava outras formas de relações de trabalho.

No que se trata do setor extrativista, este

[...] organizar-se-á de forma diferente, porque não terá por base a propriedade territorial. [...] os colhedores têm a liberdade de se dirigirem para onde lhes convenha nesta floresta suficiente para todos e que forma uma propriedade comum. [...] Mas afora isso, a extração não se distingue, na organização do seu trabalho e estruturação econômica, dos demais setores da atividade colonial. Encontra-se ainda aí o empresário embora não seja proprietário fundiário como o fazendeiro e o minerador, mas que dirige e explora, como estes, uma numerosa mão de obra que trabalha para ele e sob suas ordens (PRADO JÚNIOR, 2006, p.123-124).

A dimensão alcançada pelo sistema escravista no período colonial marcou de forma significativa as formas de se estabelecer as relações com a terra e com o seu uso, bem como as relações com os povos originários e com os inseridos forçadamente. Há uma modificação radical, ecológica e espacialmente com o extermínio e a transposição de grandes massas.

A grande unidade produtora, seja agrícola, mineradora ou extrativa. [...] grande unidade naquilo em que reúne - e é isto que mais interessa, - um número relativamente avultado de trabalhadores subordinados sob as ordens e no interesse do empresário. É isto que precisamos sobretudo considerar, porque é neste sistema de organização do trabalho e da propriedade que se origina a concentração extrema da riqueza que caracteriza a economia colonial (PRADO JÚNIOR, 2006, p.124).

Mesmo com toda transformação social ocorrida sob a grande expansão e domínio territorial para a exploração, há um processo de apagamento histórico, um lapso temporal intencional ou uma espécie de incompreensão sobre a forma brutal como se deu a invasão europeia em terras indígenas/brasileiras. Isso inclui também a dizimação dos povos nativos1 e a forçada incorporação dos povos africanos na colônia, bem como sobre a violência imposta aos corpos das mulheres negras e indígenas com base no estrupo sistemático.

No entanto, as condições postas para colonização não permaneceram e não poderiam permanecer como um dado natural, em que a subversão da ordem instituída não forjasse as condições para o surgimento das mais diversas formas de insurreição. Para que a dominação desses povos ocorresse em tal grau de desumanização, sem que houvesse maiores questionamentos ou comoções pelos setores que compunham as classes dominantes, e para que

1 Sabe-se pouco dessa história indígena e dos inúmeros povos que desapareceram em resultado do que agora chamamos eufemisticamente de “encontro” de sociedades. Um verdadeiro morticínio teve início naquele momento: uma população estimada na casa dos milhões em 1500 foi sendo reduzida aos poucos a cerca de 800 mil, que é a quantidade de índios que habitam o Brasil atualmente (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 40).

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pudesse ser concebida como algo natural, as ideologias raciais ocuparam lugar central no sentido de legitimá-la. Sendo, pois, necessário a formação de aparatos jurídicos, legal e formalmente instituídos, a formação de uma moral doutrinária, cujo expoente maior está representado na figura da Igreja Católica e a figura do senhor de engenho, em que girava a representação paternalista e de tutela.

Ao relacionar-se com a ideologia cristã, tinha-se a visão de que a escravidão era um fardo para ambos – senhores e escravizados – no qual cabia ao senhor disciplinar seus escravizados, moldá-los à rotina de trabalho sob coerção moral e castigos físicos, tanto para ensiná-los a obediência quanto para inibir as tentativas de fuga, além de convertê-los à verdade cristã no alento de uma futura redenção (SCHWARCZ; STARLING, 2015).

Todo este cenário estava envolto em um clima de vigilância constante e do uso da violência. São incontáveis e das formas mais variadas o número de castigos aplicados aos escravizados.

[...] Punições públicas, o tronco exemplar, a utilização do açoite como forma de pena e humilhação, os ganchos e pegas no pescoço para evitar as fugas nas matas, as máscaras de flandres para inibir o hábito de comer terra e assim provocar o suicídio lento e doloroso, as correntes prendendo ao chão; construir-se, no Brasil, uma arqueologia da violência que tinha por fito constituir a figura do senhor como autoridade máxima, cujas as marcas, e a própria lei, ficavam registradas no corpo do escravo (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p.91-92).

Tais castigos eram inclusos ainda no embarque na costa africana, e intensificados na intensa rotina de trabalho como modo de discipliná-los. O trato com as mulheres escravizadas também se dava de forma bastante violenta, cuja condição de gênero acentuava e particularizava o uso da violência. Estas eram tidas como objetos de satisfação sexual dos “seus” senhores e vítimas dos castigos perpetrados pelas senhoras enciumadas, além de significarem uma das peças do inventário que constituía a riqueza dos senhores, de bens que produzem riquezas e que eram submetidas as mesmas rotinas de trabalho em igual força e empenho (SCHWARCZ; STARLING, 2015).

As mulheres negras escravizadas foram vítimas do estrupo sistemático e da violência física e psicológica que ocorriam sob forte coação e medo. No entanto, “o mito da ‘democracia racial’ enfatiza a popularidade da mulata [fruto da miscigenação com base no estupro] como ‘prova’ da abertura e saúde das relações raciais no Brasil” (NASCIMENTO, 2017, p.75). A reprodução do discurso que caracteriza as relações raciais no país como fruto de relações harmônicas faz repercutir, ainda nos dias de hoje, estereótipos sob os corpos de homens e mulheres negras, seja na hipersexualização de seus corpos como atrativo sexual, seja no

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preterimento afetivo (que muitas/os autoras/es se debruçam ao estudo da solidão da mulher negra) ou ainda na destinação da mulher preta retinta ao trabalho braçal2.

Os trabalhos mais extensivos e aviltantes eram destinados aos escravizados do eito, onde o empreendimento do engenho requisitava o uso extensivo da força até seu esgotamento. Contudo, nossa história registra o uso de escravizados de ganho nas vilas e em pontos comerciais nos pequenos centros urbanos e na casa-grande (SCHWARCZ; STARLING, 2015).

No entanto, compreendemos que casa-grande e senzala são dois lados de uma mesma moeda, duas representações de um mesmo espaço. A oposição para nós, no sentido político, dá-se entre casa-grande e quilombo; dá-senzala e quilombo, pois, são repredá-sentações de dois mundos, contrários e contraditórios em si mesmos, no sentido em que ambos negam a existência um do outro e se consolidam enquanto projetos de sociabilidades distintos.

É na contradição existente entre esses dois mundos, entre a liberdade e a exploração, que os embates entre esses diferentes segmentos, juntamente com as transformações econômicas, políticas e sociais confluíram para o colapso do sistema colonial. [...] “À primeira fase de prosperidade que alcança os mais antigos centros produtores de açúcar da colônia, em particular da Bahia e Pernambuco, e que vai até o fim do séc. XVII, segue-se a decadência logo no início do seguinte” (PRADO JÚNIOR, 2006, p.127), passando a centralidade à mineração, para, logo após o declínio desta produção, dar início a um novo ciclo produtor: o do café.

2.2 ATOS DE RESISTÊNCIA À ESCRAVIDÃO NO BRASIL

Durante a escravidão ocorreram tentativas de reconstrução dos elos rompidos com a servidão forçada, a construção de laços afetivos e familiares, e a constituição de redes de solidariedade em torno da busca pela liberdade (SCHWARCZ; STARLING, 2015), a exemplo das sociedades ou irmandades que se reuniam para angariar recursos e custear alforrias. Estas irmandades foram encontradas principalmente nos centros urbanos/vilas.

Os atos de resistência ao sistema escravista no Brasil se deram de diversas formas e foram gestadas antes mesmo do desembarque em solo brasileiro. “Há registros de mortes por

2 “[...] o sistema escravista sobreviveu da exploração econômica dos escravos e, também, das escravas. Sobre estas últimas, haveria uma conjugação da exploração econômica e sexual, o que a transformaria em ‘pau para toda obra’; objeto de venda e compra, amas-de-leite e objeto de desejo dos senhores que saciavam suas taras por meio de ataques e estupros contra o corpo da mulher negra/mestiça” (PACHECO, 2013, p.58).

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suicídio: cativos precipitavam-se no mar ou recusavam sistematicamente a alimentação oferecida” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p.84). Além destas formas individuais de resistência, outras maneiras foram encontradas ao longo do tempo para a contestação dessa ordem: os escravizados encontravam na criatividade e na solidariedade entre seus pares o combustível para a construção de levantes, pequenas revoltas e grandes insurreições.

A resposta para essas revoltas e levantes se dava a partir do recurso constante à violência por parte dos senhores. Mesmo que tal resposta buscasse inibir as tentativas de fuga, não significou a completa subordinação dos sujeitos, o que fazia com que, no máximo, esperassem por outro momento propício.

O clima que circundava as relações era de hostilidade, que despertava um misto de medo e de violência extensiva nos senhores, fazendo com que estes buscassem formas para estabelecer a ordem em suas propriedades e fora delas. Um dos meios encontrados era a separação entre familiares e entre pessoas de uma mesma língua, costume e/ou etnia, ainda no desembarque, no intuito de dificultar a comunicação entre os cativos e inibir as possíveis revoltas (SCHWARCZ; STARLING, 2015).

Se de um lado o emprego da força, da violência e do constate clima de medo eram tidos pelos senhores como necessários para o estabelecimento da ordem, de outro, o uso da violência pelos escravizados se dava em tom de contestação à ordem vigente e ao uso da violência empregada. A tentativa de fuga para as matas, na busca da reconstituição dos modos de vida conhecidos em África, constituiu-se como um outro modo de vida em terras brasileiras, onde pudessem exercer sua liberdade.

No entanto, as leis e instituições estavam do lado das elites escravocratas e legitimavam a propriedade dos senhores sob “seus” escravizados, sem impor limites à crueldade empregada por estes. Mesmo sob constante vigilância, as fugas das senzalas - sejam individuais ou em grupos, não deixaram de ocorrer. Com isso, surge um aparato militar, legalizado e especializado na busca dos ditos “negros fujões”, em que a figura do capitão do mato é emblemática, não podendo imaginar a história da escravidão sem sua presença (SCHWARCZ; STARLING, 2015).

Envenenamentos de senhores, abortos e até mesmo o suicídio encontram-se ainda como práticas de resistência à condição de subserviência imposta no período colonial escravista. Das pequenas revoltas no campo às grandes insurreições nos centros urbanos, demostram a figura não passiva dos escravizados e denuncia a falsa harmonia com que retratam este período (SCHWARCZ; STARLING, 2015).

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A criação dos quilombos foi uma das respostas mais bem acabadas e concretas em termos de organização política adversa a organização do sistema escravista, constituindo-se como um problema para as autoridades da colônia (SCHWARCZ; STARLING, 2015). Esses espaços de resistência serviam muito além de abrigo para os escravizados fugidos.

Segundo Schwarcz e Starling (2015, p. 98),

[...] quilombo foi termo utilizado em algumas regiões do continente africano, especialmente em Angola, para caracterizar um tipo de acampamento fortificado e militarizado, composto de guerreiros que passavam por iniciação, adotavam uma dura disciplina e praticavam a magia.

No Brasil, os quilombos passaram a significar um lugar de refúgio de “negros fugidos”. A reação da Coroa Portuguesa, no sentido de conceituá-los datam de 1740 pelo Conselho Ultramarino Português, retratando-os como “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele” (LEITE, 2000, p. 336).

Ao retratá-los dessa maneira, imaginava-se o quilombo como um lugar despovoado e distante dos círculos de movimentação social. No entanto, suas características de organização comercial e de subsistência, bem como a diversidade populacional que abrigava, demonstra uma rede bastante complexa e diversificada.

Havia a necessidade de organiza-se de forma ofensiva e defensiva como meio de manter-se seguro no interior das matas. Desse modo, estabeleciam contato com diversos grupos, também marginalizados, afim de estabelecer trocas de produtos alimentícios e outros objetos, além de manter contato com informantes sobre as investidas organizadas pela classe dominante, que objetivava extinguir os quilombos. Essa rede de contato constitui-se também como elemento importante para a organização das fugas nas senzalas com apoio dos quilombolas, bem como na organização e participação nas diversas revoltas urbanas (MOURA, 1981).

Houve quilombos que mantiveram relações de troca de produtos com as localidades próximas. [...] Tais vínculos, de natureza muito variada, incluíam a criação de toda sorte de relações comerciais com as populações vizinhas, a formação de redes mais ou menos complexas para a obtenção de informações e, como não poderia deixar de ser, o cultivo de um sem-número de laços afetivos e amorosos que se entrecruzavam nas periferias urbanas e nas fazendas (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 98-99). Os quilombos significaram uma ameaça à ordem, despertando inúmeras investidas para o seu aniquilamento. Um dos quilombos mais conhecidos na história da escravidão brasileira é

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o de Palmares, situado no atual estado de Alagoas, e que tem na figura de Zumbi, um de seus líderes, símbolo de resistência e de luta contra a escravidão3.

Outras formas de resistência foram a manutenção dos costumes e práticas religiosas trazidas pelos diferentes povos, que foram aqui misturados e sincretizados às práticas cristãs. Esse processo é reconhecido como um fator de resistência às condições as quais os povos escravizados eram submetidos. A memória afetiva e religiosa ligava-os aos seus ancestrais, mesmo que a partir de novas elaborações.

Ao transcorrer dos séculos, essas formas de contestação tomaram grandes proporções, pois não estavam desconectadas dos ciclos de movimentação que os embates promovidos pelas relações conflitantes entre Portugal e outros países da Europa, como França e Holanda, desenrolaram em solo colonial. O país assistiu a inúmeros conflitos desencadeados, principalmente, pelo desejo desses países em tomar para si o poder de mando sobre alguns pontos da colônia e de aproveitar a rentabilidade promovida pelo sistema escravista.

Diversos autores, ao longo da história, recontam esse período e a não passividade dos escravizados, principalmente às vésperas da abolição quando todo um cenário político, econômico e cultural convergia para a necessidade de que se abolisse a escravidão no Brasil, ainda que postergado pelas vias políticas e oligárquicas do país, que queriam uma transição lenta e gradual.

Em Os quilombos e a rebelião negra, Moura (1981) informa que havia no interior do movimento abolicionista uma ala tradicional e conservadora que via com receio a participação do povo negro na condução da Abolição da Escravatura, pois desejavam uma transição gradual e temiam que as revoltas do povo negro comprometessem a organização política de partidos abolicionistas. O negro era “visto como ‘bárbaro e selvagem’ e, por isso mesmo, sem capacidade de executar ações políticas contra o estatuto que o oprimia” (MOURA, 1981, p. 80). No entanto, Moura aponta a organização política, econômica e militar do povo negro como muito anterior ao movimento abolicionista, como explicitado nas formas de organização dos quilombos e no planejamento de diversas insurreições.

Nas proximidades do fim da escravidão, setores radicais do movimento abolicionista viam-se insatisfeitos com a forma como a Abolição era tratada pelo parlamento. Nesse período, a participação popular e operária também contribuiu para a proposta de participação do povo

3 Outros aspectos referentes ao Quilombo dos Palmares serão abordados no terceiro capítulo, quando traremos sobre a realidade do estado de Alagoas.

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negro escravizado na pressão política no parlamento. Luiz Gama, Silva Jardim, Antônio Bento e Raul Pompeia são alguns dos nomes que compunham a ala radical do movimento abolicionista, que, sendo minoria no movimento, não detinham força no parlamento (MOURA, 1981). Desse modo, as ruas tornaram-se locais de mobilização, com procissões, manifestações, cerimônias em teatros, além das rebeliões escravas que estouraram em todo país (SCHWARCZ; STARLING, 2015).

Anterior ao processo da abolição, o país assistia a mudanças significativas que conduziram ao processo de independência. Tais mudanças eram influenciadas pelas transformações ocorridas em âmbito internacional, “caracterizado, fundamentalmente pela ‘decadência’ do capital mercantil, pela ascensão das potencias industriais, como a Inglaterra, e em particular pela crise do antigo sistema colonial português” (SILVA, 1985, p. 39).

As mudanças ocorridas também influenciaram espacial e geograficamente a centralidade econômica, a partir da decadência do setor açucareiro e da mineração e da crescente participação da economia do café na balança comercial.

Durante a primeira metade do século XIX, as plantações de café foram desenvolvidas sobre a base do trabalho escravo. Os fazendeiros do café encontravam os escravos necessários ao desenvolvimento das plantações graças, em parte, às migrações internas, isto é, graças à compra de escravos vindos do Nordeste e sobretudo de Minas Gerais onde havia um número relativamente importante de escravos “disponíveis”, dado o declínio das atividades nas minas de ouro muito desenvolvidas nessa Província durante o século XVIII (SILVA, 1985, p.40).

Contudo, o cenário convergia para uma diminuição crescente do uso da mão de obra escravizada. Após a independência, diversas legislações prometiam embargos ao tráfico negreiro. Conforme Silva (1985),

[...] a escravidão não foi totalmente proibida em todo o território nacional senão em 1888, isto é, quando a imigração já se tornava massiva e o trabalho assalariado já havia podido mostrar as suas vantagens em relação ao trabalho escravo. Antes disso, dois golpes parciais foram deferidos contra a escravidão pelo Governo do Império, de modo que a abolição foi progressiva e seguiu, de fato, o desenvolvimento do mercado de trabalho. Em 1871, uma lei proibiu que os filhos de escravos nascidos a partir desse momento fossem reduzidos à condição de seus pais. Em 1884, uma outra lei declarou “homem livre” todo escravo com mais 60 anos de idade. Mas em 1888 havia ainda cerca 700.000 escravos no Brasil (SILVA, 1985, p. 44-45).

No entanto, a história sobre a abolição, por vezes, ainda é retratada como benesse concedida pela princesa Isabel. Decerto, o protagonismo desse movimento dá-se muito mais em relação a pressão instituída pelas revoltas do povo negro escravizado e dos libertos que pela bondade da princesa regente. Durante o período em que aproximou-se a abolição, “a participação no processo revolucionário chegou a ser atuante, intensa e decisiva, principalmente

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a partir da fase em que a luta contra a escravidão assumiu feição especialmente abolicionista” (FERNANDES, 2008, v.1, p. 30).

Contudo, a promulgação da Lei Áurea, em 1888, não deu garantias de reparação da chamada dívida histórica, tampouco promoveu que a inserção da população negra recém-liberta e dos nascidos livres, ocorresse de modo que fossem absorvidos pela nova forma de organização social. Sabe-se, no entanto, que as formas de organização do trabalho escravo, e/ou análogas a esta, não foram rompidas de imediato e conviveram com outras.

A estrutura e as formas de organização tal como se dão atualmente são inimagináveis sem remontar o que foi o projeto colonizador de séculos atrás, sem destacar a importância que o sistema escravista conferiu aos cofres da Coroa Portuguesa, à expansão da monocultura da cana-de-açúcar, à rotatividade comercial europeia e a constituição do que hoje podemos chamar de nação brasileira.

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3 DE ONDE VEIO E PARA ONDE VAI ?: O LEGADO DA ESCRAVIDÃO NA PÓS-ABOLIÇÃO

Nesta seção, tratamos das condições econômicas, políticas e sociais postas no cenário pós-abolição, a partir da análise das conceituações que retrataram a transformação e divisão social no Brasil em relação à diferenciação étnico-racial.Discutimos também sobre os aspectos que relacionam as desigualdades raciais como um processo advindo das relações estabelecidas no sistema escravista aliado às mudanças nas estruturas capitalistas. Para esta discussão, utilizaremos as obras de Fernandes (2008, v.1), Hasenbalg e Silva (1988) e Guimarães (1999, 2012a e 2012b).

3.1 A DESIGUALDADE RACIAL NO PERÍODO PÓS-ABOLIÇÃO: ASPECTOS IDEOLÓGICOS, POLÍTICOS E HISTÓRICO-CULTURAIS

De acordo com Fernandes (2008, v.1), a desagregação do sistema escravista ocorreu sem que houvesse garantias que cercassem a população negra recém-liberta de segurança ou meios que os provessem condições para sua manutenção e dos seus, no período de transição ao trabalho livre. Assim como ocorreu também a isenção por parte dos antigos senhores, do Estado e de qualquer outra instituição da responsabilidade perante os ex-escravos e aos nascidos libertos, no sentido de protegê-los ou prepará-los para a integração à nova forma de organização para o trabalho.

Após a dissolução do “antigo regime”4, nos locais que encontraram prosperidade, graças

a exploração cafeeira, haveria dois caminhos: de um lado, onde havia baixa produção e, consequentemente, a existência de resquícios da organização escravista, a população negra recém-liberta tenderia a adaptar-se ao novo sistema de produção; contudo, sob a existência de uma condição análoga à anterior, tendo a degradação de sua condição econômica aliada a sua incorporação na massa de desocupados. Do outro lado, onde a produção tendia ao crescimento econômico em consonância com as novas formas de organização do trabalho, o ex-escravizado e o liberto competiam com os trabalhadores nacionais e, sobretudo, com os trabalhadores

4 Antigo regime é conceituado na obra de Fernandes (2008, v.1) para indicar o regime de organização das relações de trabalho sob o sistema escravista, assim como sinaliza “novo regime de relações de produção” (FERNANDES, 2008, v.1, p. 38), para indicar as novas formas de organização do trabalho após a abolição (1888).

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imigrantes, que, em sua análise, estavam mais afeitos à organização econômica e social do novo regime trabalho (FERNANDES, 2008, v.1).

Dito isto, esta tendência seria extremamente prejudicial à inserção do povo negro nos espaços onde haveria uma maior dinamização econômica e social, restando-lhes, portanto, os serviços esporádicos e ocasionais (FERNANDES, 2008, v.1). Ademais, essa tendência estava aliada ao pensamento instituído na época que buscava afirmar a existência de um passado escravocrata longínquo. Esta alegação estava centrada na preocupação com os rumos que se daria ao país e ao que se propunha enquanto formação de uma nação, que via no imigrante o trabalhador próprio desse novo sistema, cujos impulsos para acumulação, as iniciativas individuais e a adoção do ritmo de trabalho livre, seriam a chave para o alcance do progresso para o país(FERNANDES, 2008, v.1).

Nessa perspectiva, o autor afirma que o povo negro, pautado em privações e ocupações degradantes, encontrava-se deslocado e fora do contexto em que se instituía os movimentos para a acumulação. Para Fernandes (2008, v.1), havia um conjunto de condições tanto econômicas quanto psicossociais que contribuíam para a não inserção do povo negro na sociedade de classes. Alia-se a isso, a degradação que os séculos de escravidão infligiram aos corpos e almas dilacerados, limitando sua capacidade de inserção em um sistema que se absteve de reparar os danos causados, jogando a população negra a sua própria sorte.

O negro e o mulato foram eliminados das posições que ocupavam no artesanato urbano pré-capitalista ou no comércio de miudezas e serviços, fortalecendo-se de modo severo a tendência a confiná-los a tarefas ou ocupações brutas, mal retribuídas e degradantes. [...] enquanto o branco da camada dominante conseguia se proteger e até melhorar sua posição na estrutura de poder econômico, social e político da cidade (São Paulo) e enquanto o imigrante trocava sucessivamente de ocupações, de áreas de especialização econômica e de posições estratégicas para a conquista de riquezas, de prestígio social e de poder, o negro e o mulato tinham de disputar eternamente as oportunidades residuais com os componentes marginais de sistema – com os que “não serviam para outra coisa” ou com os que “estavam começando bem por baixo”. (FERNANDES, 2008, v.1, p.41-42).

Enquanto a inserção no trabalho livre para o grupo racial branco se dava em termos meramente mercantis, contratuais, para o grupo racial negro a inserção no trabalho livre estava relacionada à capacidade de decidir onde, como e quando trabalhar (FERNANDES, 2008, v.1). Essas relações foram moldadas a partir de um conjunto de fatores econômicos, sociais, culturais, psicossociais e políticos que buscaram transformar essa transição sob o julgo de uma suposta inadaptação, mantendo a condição de existência do grupo racial negro de forma subalterna, mas que não pode ser visto como um processo único em que não há reações por parte da população negra.

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Deste modo, Fernandes (2008, v.1) retrata o cenário da sociedade paulistana cuja a rápida progressão alicerçada na nova ordem de organização para o trabalho impossibilitou a transição de forma gradual.

Sem as garantias de reparação materiais e morais escrupulosas, justas e eficazes, a Abolição equivalia – nas zonas de vitalidade da lavoura cafeeira – a condená-lo à eliminação no mercado competitivo de trabalho ou, no mínimo, ao aviltamento de sua condição, como agente potencial de trabalho livre (FERNANDES, 2008, v.1, p. 58-59).

As características desse processo descrito por Fernandes (2008, v.1) são válidas para analisar o contexto mais amplo no qual o Brasil se insere, mesmo que tenha ganhado contornos específicos em razão da capacidade e centralidade de interesses políticos e econômicos em determinadas regiões do país. A mudança de organização do trabalho foi utilizada como meio para a transposição do branco, sobretudo o imigrante, como o principal agente produtivo nesse sistema, a partir da modificação no cenário produtivo.

Fernandes (2008, v.1) chama a atenção justamente para as mudanças nas formas de organização do trabalho formal na sociedade brasileira e como essas mudanças acarretaram na marginalização da população negra, dado os ideais de miscigenação e branqueamento. A implantação do sistema escravista alcançou todo o território brasileiro e, além disso, o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravatura, sendo notório que em nenhum lugar houve estratégias concretas/reais para absorção do povo negro nos sistemas formais de trabalho, tampouco o reconhecimento de seus direitos via garantia da cidadania.

Devemos ressaltar que, conforme as formas de organização do trabalho vão se modificando, modificam-se também as formas com as quais os homens estabelecem suas relações5. Dito isso, autoras como Carneiro (2011) e Gomes (1999) apontam que há uma visão otimista em Fernandes (2008, v.1) quanto à superação das desigualdades raciais no Brasil, que, para o autor, estaria atrelada ao desenvolvimento capitalista no país. As autoras apontam a superação dessa ótica nos estudos de Carlos Hasenbalg, que avança para uma análise que busca desvelar os aspectos de manutenção das desigualdades no país sob a nova estrutura.

Para Hasenbalg e Silva (1988, t.1, p.118), “a sociedade de classes transforma a dominação racial, reelaborando o conteúdo de raça como dimensão adscritiva dentro de um sistema de estratificação baseado em critérios adquiridos”. A partir das necessidades criadas

5[...] A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção (MARX; ENGELS, 2007, p.11).

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com o desenvolvimento da sociedade de classes, a reelaboração do conteúdo racista se constitui como mecanismo para assegurar a manutenção das desigualdades raciais, evocando, se necessário, elementos que fizeram parte dos discursos racialistas, que deram fundamento a uma suposta naturalidade para as diferenciações entre os grupos humanos e para inferioridade do grupo racial negro.

Para o autor, as explicações sobre as desigualdades raciais na contemporaneidade, que partem da explicação de uma suposta inadequação ou inadaptação do povo negro no trânsito da sociedade escravista para a sociedade de classes, perdem de vista que nas proximidades do período da Abolição uma “parcela majoritária da população de cor tinha uma experiência

prévia na condição livre” (HASENBALG; SILVA, 1988, t.1, p.121, grifo do autor), e que,

mesmo nos anos próximos ao período da Abolição, as condições de mobilidade social estavam estreitamente vinculadas à hierarquia social baseada na cor. Consequentemente, o grupo racial negro possui desvantagens que vem sendo acumuladas desde o período escravista. Outro fator está relacionado à diferenciação que ocorreu na integração do imigrante europeu, que, inserido diretamente nas relações de trabalho assalariado nos setores em expansão, passa a monopolizar as melhores oportunidades (HASENBALG; SILVA 1988, t.1).

A análise feita por Hasenbalg e Silva (1998, t.1) considera não apenas o acúmulo das desigualdades para a população negra como advindas do período escravista, como também verifica que esta desigualdade se procede a partir da distribuição espacial no território brasileiro, que diz respeito a importância econômica dada a determinado produto/ramo de atividade (café; mineração etc), e que tende a polarizar os grupos raciais em determinadas regiões. Esta polarização corresponde às políticas de incentivo à imigração, aos fluxos migratórios internos, as regiões mais ou menos industrializadas, dentre outros aspectos.

Nesse sentido, nas regiões menos industrializadas, como a região nordeste, em que predominaram uma economia agrária e de subsistência, houve uma maior concentração de ex-escravizados e libertos, e nas regiões que demonstravam rápidas transformações pela industrialização e urbanização, esta parcela da população permaneceu marginalizada (HASENBALG; SILVA, 1988, t.1).

As relações estruturais atualizam o conteúdo racista e tem efeitos que buscam aliar a discriminação e o preconceito racial6 ao processo de internalização do que Hasenbalg e Silva

6 “O preconceito racial é o juízo baseado em estereótipos acerca de indivíduos que pertençam a um grupo

racializado, e que pode ou não resultar em práticas discriminatórias. [...] A discriminação racial, por sua vez, é a atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupos racialmente identificados. [...] tem como requisito

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(1988, t.2, p.167, grifo nosso) chamam de uma “autoimagem desfavorável” por parte do grupo racial negro, e deste modo, os inibe em aspirar posições mais elevadas. São os efeitos psicossociais produzidos pelo racismo que desde muito cedo impõem o lugar do povo negro e produzem consequências desastrosas para sua autoestima.

[...] preconceito e discriminação raciais não se mantêm intactos após a abolição, adquirindo novas funções e significados dentro de uma nova estrutura social; as práticas racistas do grupo racial dominante, longe de serem meras sobrevivências do passado, estão funcionalmente relacionadas aos benefícios simbólicos e materiais que os brancos obtêm da desqualificação competitiva do grupo negro e mulato (HASENBALG; SILVA, 1988, t.2, p.166).

Hasenbalg e Silva (1988, t.2, p.172) acreditam que “as causas das desigualdades raciais não só devem ser procuradas no passado, mas que elas também operam no presente”. Devem ser analisados os pressupostos estruturais e a função que a atualização dos conteúdos raciais adquirem para a manutenção das desigualdades ao grupo racial negro e dos privilégios atribuídos ao grupo racial branco.

Existem alguns aspectos que são válidos destacar em relação as formas como a marginalização e o empobrecimento da população negra são apresentados ao longo do tempo. Há um discurso que busca negar a existência do racismo advindo do período escravista que carrega profundas marcas de desigualdade e de subserviência sob um viés paternalista, adotando-se, para seu esquecimento, as medidas para a transição a um novo modo de organizar-se socialmente, que busca, pelo menos em teorganizar-se, instituir no país os rumos para o progresso econômico e social.

As teses que sustentaram esse apagamento foram instituídas a partir da adoção de políticas de incentivo à imigração maciça dos povos europeus para inserção de braços “adequados” a nova organização assentada no trabalho livre e para o branqueamento da população brasileira.

A negação desse passado escravista procura escamotear como estas relações foram estabelecidas no transcorrer dos séculos, e que prejudicaram a inserção da população negra na sociedade e no seu reconhecimento enquanto detentora de direitos sociais. Essas narrativas procuram negar ainda, que as lembranças desse passado são evocadas quando se utilizam de critérios e estereótipos que tendem a rebaixar pessoas negras às posições que beiram o animalesco.

fundamental o poder, ou seja, a possibilidade efetiva do uso da força, sem a qual não é possível atribuir vantagens ou desvantagens por conta da raça” (ALMEIDA, 2018, p.25, grifo do autor).

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Deste modo, as relações raciais vão se redefinindo ao longo do tempo com as transformações estruturais. Desde as teses que comemoram a miscigenação e o provável branqueamento da população no transcorrer dos séculos7, sobrevivendo no ideário social a elaboração de que somos um povo harmônico e de convivência pacífica, receptivo, que abraça as diferenças, e que, por este motivo, não existe a necessidade de reparar as consequências da escravidão.

O discurso hegemônico busca afirmar que a desigualdade racial no país está atrelada ao esforço individual, a inadaptação ou degradação moral da população negra, principalmente quando privilégios legados à branquitude são apontados e, supostamente ameaçados, quando o reconhecimento das desigualdades raciais estão estreitamente vinculadas ao racismo (institucional) e requerem o reconhecimento por parte do Estado e da sociedade, por meio de medidas de reparação e/ou de ações afirmativas que buscam equiparar as condições de vida.

Esses modos de operar são complementares entre si e estão envoltos em algo maior e mais complexo, que correlaciona a forma como a sociedade capitalista se estrutura (racismo estrutural) e se organiza em suas instituições e nas relações estabelecidas para produzir a riqueza social.

3.1.1 O debate racial no Brasil contemporâneo: discutindo o preconceito racial

Após 131 anos de abolição formal da Escravatura, os pretos e pardos – grupo que compõe a população negra de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – constituem, atualmente, cerca de 54% do total da população brasileira. No entanto, essa parcela da população corresponde também a que reside em habitações com condições mais precárias, possui as maiores taxas de evasão escolar e a maior desigualdade de renda (VIEIRA, 2016).

Tais situações, dentre outros aspectos, são consequências e efeitos materiais e simbólicos que a escravidão trouxe ao povo preto desde o período colonial, que se atualizam conforme as condições históricas, atingindo a população negra em todas as esferas da vida social. Trabalhos como os das autoras Werneck (2016) e Gomes (1999), dentre outras/os,

7 [...] “João Batista de Lacerda, único delegado latino-americano ao Primeiro Congresso Universal das Raças, realizado em Londres em 1911, previa que, até o ano 2012, o Brasil estará livre do negro e do seu mestiço” (NASCIMENTO, 2017, p.87).

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apontam para o processo de naturalização em relação a esses aspectos, que tem por base o racismo institucionalizado. Para compreender esse processo de naturalização é necessário conceituar o que é o racismo e como ele opera.

As concepções modernas sobre racismo e as formas como ele se expressa estão atreladas ao conceito de raça, em seu sentido histórico e relacional (ALMEIDA, 2018), que pode mudar conforme as condições históricas, mas que não deixa de ser estruturante nas formas com que as relações entre os indivíduos são estabelecidas. Conforme Almeida (2018, p.19, grifo do autor), “por trás de raça sempre há contingência, conflito, poder e decisão, de tal sorte que se trata de um conceito relacional e histórico. Assim, a história da raça ou das raças é a história da constituição política e econômica das sociedades contemporâneas”.

Em uma revisão conceitual sobre cor e classificação de cor nas relações sociais, Guimarães (2012b) nos informa que as atribuições valorativas e a simbologia que a cor da pele representa para os povos datam de muito tempo, principalmente sobre a dualidade branco e preto. O autor resgata de Bastide (1996, p.39 apud GUIMARÃES, 2012b, p.12), “[...] que nós herdamos dos gregos e do cristianismo a polaridade, branco-preto como expressão da pureza e do demoníaco”.

Avançando as considerações, Guimarães (2012b) relata que o “simbolismo das cores” ganha diferentes contornos a depender dos povos, mas que “[...] prevaleceu, por parte dos europeus, a repulsa pelos povos de cor, que se afastavam dos padrões estéticos e dos valores de sua civilização” (GUIMARÃES, 2012b, p.13).

Os esforços imprimidos às interpretações sobre as diferenciações entre os povos datam, portanto, séculos atrás, buscando relacioná-las não só aos traços fenotípicos, como também às diferenças geográficas, culturais e biológicas. Mas o uso do conceito de “raça” como forma de explicá-las e que tem por base a hierarquização de um grupo em relação ao outro, é de certo modo, ainda recente. Com o advento do século XIX, por meio das teorias poligenistas, “[...] raça passou a ser usada no sentido de tipo, designando espécies de seres humanos distintas tanto fisicamente quanto em termos de capacidade mental” (BANTON, 1994, p.264 apud GUIMARÃES, 1999, p.23).

No entanto, notadamente a partir da década de 1950, com os horrores praticados pelo racismo nazista, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) promoveu espaços de discussões para avaliar os estudos que vinham sendo realizados sobre as diferenças entre os grupos humanos. O conceito de raça passou então a ser condenado por biólogos, geneticistas, antropólogos, cientistas sociais e outros especialistas,

Referências

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