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RACISMO INSTITUCIONAL: A PRODUÇÃO DA INVISIBILIDADE RACIAL NOS DOCUMENTOS ELABORADOS PELO GOVERNO DO ESTADO DE ALAGOAS

3 DE ONDE VEIO E PARA ONDE VAI ?: O LEGADO DA ESCRAVIDÃO NA PÓS ABOLIÇÃO

4 A POPULAÇÃO NEGRA EM ALAGOAS: DA HERANÇA ESCRAVISTA À REALIDADE ATUAL

4.2 RACISMO INSTITUCIONAL: A PRODUÇÃO DA INVISIBILIDADE RACIAL NOS DOCUMENTOS ELABORADOS PELO GOVERNO DO ESTADO DE ALAGOAS

É imperante que o debate sobre racismo atravesse as esferas institucionais em suas instâncias públicas e privadas, e que seja tomado como objeto de análise cotidiana para a proposição de medidas que busquem não apenas a inserção da população negra nestes espaços, mas para que se reconheça a existência do racismo institucional presente nas relações cotidianas, de modo que iniciativas de combate ao racismo sejam promovidas por estas instituições e que as medidas previstas em lei sejam de fato aplicadas.

Nesse sentido, passamos a analisar a série de Indicadores Básicos de Alagoas fornecidos pelo Governo do Estado. Os documentos oficiais trazem um conjunto de informações sobre a população alagoana com dados referentes à educação, saúde, defesa social etc., numa série histórica de 2010-2013 e 2012-201513, disponibilizados pelo Governo do Estado nos anos de

2014 (gestão Teotônio Vilela Filho) e 2017 (gestão Renan Filho), pela Secretaria de Estado do Planejamento e do Desenvolvimento Econômico em 2014 e pela Secretaria de Planejamento, Gestão e Patrimônio em 2017, respectivamente. Ambas em parceria com a Superintendência de Produção da informação e do conhecimento e da Diretoria de Estatística e Indicadores.

A escolha dos documentos deu-se a partir de buscas por dados oficiais que retratassem a realidade da população negra no estado a partir das iniciativas do Governo Estadual. Os documentos intitulados “Indicadores Básicos de Alagoas” volume 1 e volume 3 apresentam o seguinte objetivo:

Oferecer um conjunto de informações básicas para subsidiar os processos de análise

sobre a realidade estadual [...] além de [...] trazer para a sociedade o mais atual retrato do Estado, e contribuir na construção de políticas públicas efetivas, capazes

de promover o bem estar e uma melhor qualidade de vida para o cidadão (ALAGOAS, 2014, v.1, p.3, grifo nosso).

Chamou-nos atenção, no entanto, que os documentos oficiais, cujo objetivo é “trazer

para a sociedade o mais atual retrato do Estado” (ALAGOAS, 2014, v.1, p.3, grifo nosso),

não apresente dados sobre a população negra alagoana, tendo em vista que esta constitui a

13 Com relação ao volume 2 da série de Indicadores Básicos de Alagoas, optamos por não utilizá-lo, pois o documento apresenta dados referentes aos anos de 2011-2014, contemplados no vol. 1 (2010-2013) e vol. 3 (2012- 2015). Constando em nota explicativa que “a publicação teve início em 2014 como anual, passando para bianual em 2017”. Os documentos apresentam a mesma escrita, desse modo, ora serão utilizadas transcrições dos indicadores vol. 1, ora serão utilizadas transcrições dos indicadores vol. 3, a medida em que os dados forem contrapostos com outros documentos.

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maioria da população no estado e apresenta um dos maiores índices de mortalidade entre jovens negros no país. A população alagoana, segundo o censo de 2010, era de 3.120.494 habitantes14, sendo 2.082.972 pretos e pardos (205.154 e 1.877.818 respectivamente)15.

Por não apresentar dados desagregados sobre cor/raça, optamos por analisar não apenas os dados fornecidos pelo governo, mas a elaboração textual do documento, que, como veremos a seguir, indica um processo de ocultamento da população negra alagoana e reitera a escolha em permanecer em uma análise generalista.

O documento discorre, em sua introdução, que para a “elaboração de um diagnóstico socioeconômico que se proponha a ser útil para as Políticas Públicas, deve-se caracterizar como um “estudo da situação de uma determinada população e sua região” subsidiada por diversos elementos, “especialmente indicadores específicos sobre vários aspectos da realidade local

e/ou regional” (ALAGOAS, 2014, v.1, p.7, grifo nosso).

Compreendemos, portanto, que para tal proposta o estudo poderia incluir perspectivas de classe, gênero, raça, territorialidade etc., ao tratar sobre aspectos relacionados à saúde, educação, segurança pública, dentre outros. No entanto, como atingir o objetivo de apresentar “o mais atual retrato do estado” e diagnosticar a realidade socioeconômica de Alagoas sem o tratamento das questões raciais?

A ausência de dados específicos sobre a população negra impede e/ou mascara a observação das relações étnico-raciais no estado. “A escolha de indicadores sociais para o uso no processo de formulação de Políticas Públicas deve ser pautada pela aderência dos mesmos a um conjunto de propriedades desejáveis, particularmente a validade, confiabilidade e relevância” (JANNUZZI, 2004 apud ALAGOAS, v.1, 2014, p.8).

Desse modo, o primeiro indicador do documento trata sobre demografia em razão de sexo. Segundo a análise,

este indicador é bastante influenciado pelos movimentos migratórios e pela

mortalidade diferenciada por sexo e faixa etária permitindo vislumbrar uma melhor compreensão das ocorrências dos fenômenos sociais, ligados aos movimentos

migratórios, mercado de trabalho, estrutura familiar, dentre outros (ALAGOAS, 2017, v.3, p.23, grifo nosso).

14 A população estimada para o ano de 2018 é de 3.322.820 habitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Alagoas, 2019, p.1).

15 Foi utilizado o cruzamento das variáveis por unidade de federação, em todas as faixas etárias, por situação de domicílio total (rural e urbano), sexo total, cor ou raça (preto e pardo) no ano de 2010 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Censo demográfico, 2019, p.1).

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Em paralelo à “mortalidade diferenciada” citada em demografia, temos o indicador Defesa Social, segundo taxa de homicídio doloso.

Essa taxa é considerada como uma das mais importantes sobre indicadores de criminalidade, por se tratar de crime contra a vida, além de ocasionar grandes custos sociais e econômicos. As vidas perdidas, muitas vezes prematuras, geram sequelas emocionais nas famílias das vítimas, elevados custos hospitalares e insegurança na população, interferindo negativamente na sua qualidade de vida. Está comprovado, através de estudos encontrados na literatura acadêmica, que a prevenção é menos onerosa. Estratégia de combate à exclusão social e à pobreza tais como, geração de

emprego e renda e inserção no sistema educacional, entre outras iniciativas, poderão

contribuir para redução das taxas de homicídios. Outrossim, as mortes por homicídios

afetam a esperança de vida, devido às mortes prematuras, sobretudo de jovens do sexo masculino (ALAGOAS, 2014, v.1, p.42, grifo nosso).

Como explicitado, a demografia de determinada região sofre influência pelas condições de mortalidade diferenciada por razão de sexo e faixa etária. Nas avaliações mais recentes, após o ano de 2010, o Atlas da violência 2017 (CERQUEIRA et al., 2017), aponta uma queda nas taxas de homicídio de cerca de -21,8% em Alagoas, ocupando destaque entre os estados que registram as maiores diminuições nas taxas de homicídio. Contudo, há de se levar em conta as diferenciações quando se referem a homens e homens jovens16. “Chama a atenção as taxas de homicídios de homens jovens nos estados de Alagoas e Sergipe que atingiram, respectivamente, 233,0 e 230,4 mortes por 100 mil homens jovens” (CERQUEIRA et al., 2017, p. 26). Ou seja, a medida que são desagregadas as condições de gênero e faixa etária permite-se demonstrar os distintos cenários e realidades no interior do mesmo estado.

A tabela a seguir informa a taxa de homicídio doloso em Alagoas, segundo o número de ocorrências, porém não especifica a faixa etária ou gênero pesquisado, tampouco traz indicações sobre a cor/raça desses jovens.

Tabela 1 - Taxa de Homicídio Doloso, segundo o número de ocorrências, por cem mil habitantes – 2012-2015

Fonte: Indicadores Básicos de Alagoas (ALAGOAS, 2017, v.3, p. 62).

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Vejamos a tabela a seguir, com base nos dados fornecidos pelo Atlas da Violência 2017. A tabela demonstra que há uma variação na taxa de vitimização da população negra alagoana, na série histórica que traz dados do ano de 2006 a 2015. As taxas mais elevadas variam entre 80,6% e 87,5%, entre os anos 2010 a 2014, e registram uma diminuição que varia em -16,9% entre 2014 e 2015.

Tabela 2 - Taxa de homicídios por 100 mil habitantes de negros por Unidade da Federação – Brasil, 2005 a 2015 Taxa de homicídio por 100 mil habitantes negros por Unidade da Federação Variação %

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2005 a 2015

2014 a 2015

Brasil 31,8 32,7 32,4 33,7 34,3 36,3 35,1 36,7 36,7 38,5 37,7 18,2% -2,2% Alagoas 40,6 53,9 59,4 69,7 68,0 80,6 87,5 80,8 81,3 82,1 68,2 68,0% -16,9%

Fonte: Construída pela autora a partir dos dados disponíveis no Atlas da Violência 2017 (CERQUEIRA et al., 2017).

É válido destacar que em 2013 foi implementado, em caráter de projeto piloto pelo Governo Federal em parceria com o Governo Estadual de Alagoas e a Prefeitura Municipal de Maceió, o Plano Juventude Viva, que abrangeria mais três cidades alagoanas, tendo em vista os números alarmantes de violência letal contra os jovens negros do estado naquele período (FAUSTINO; HÜNING, 2015).

As bases para a elaboração do Plano Juventude Viva foram iniciadas a partir de um amplo processo de discussão, iniciado em 2006, onde o “Conjuve, em diálogo com a SNJ, elaborou as diretrizes e perspectivas da Política Nacional de Juventude” (BRASIL, 2014, p. 8). A partir de então, institui-se o “Estatuto da Juventude, tratando dos direitos da população jovem entre 15 a 29 anos e definindo princípios e diretrizes para o fortalecimento e a organização das políticas de juventude, em âmbito federal, estadual e municipal” (BRASIL, 2014, p.8). Culminando com sua aprovação pelo Congresso Nacional, sendo sancionado pela presidente Dilma Roussef em 2013, com os seguintes eixos:

Eixo 1: Desconstrução da cultura de violência; Eixo 2: Inclusão, oportunidade e garantia de direitos; Eixo 3: Transformação de territórios;

Eixo 4: Aperfeiçoamento institucional.

Este plano é identificado por Faustino e Hüning (2015) como portador de diversas controvérsias ao retratar como público alvo ora a juventude em si, ora a juventude negra; ora

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como política generalista, ora colocando-se como política específica para população negra - não especificando a raiz da desigualdade racial ou contextualizando as formas de violência a qual essa população está exposta. As autoras apontam também que ocorre pouca efetividade dessas ações, tendo em vista a desarticulação das ações tomadas por cada secretaria que compõe o conjunto de iniciativas em torno do plano, “dado pelos próprios processos de naturalização da violência e suas relações com a juventude pobre e negra” (FAUSTINO; HÜNING, 2015, p.1426). Soma-se a isso a não visualização das ações como direcionadas ao enfrentamento da violência, sendo a maioria das ações um apanhando de diversos programas e projetos anteriores ao Plano Juventude Viva, colocando-se como tentativa de uma resposta conduzida pelo governo, diante de um cenário alarmante posto à realidade alagoana em que o poder público é chamado para dar respostas.

No entanto, as estratégias de combate à violência ainda estão centralizadas no aparato repressor, nas iniciativas de aumento do contingente policial nas ruas e em bairros periféricos. Sendo uma violência institucionalizada, a diminuição das taxas de vitimização da população negra acaba por ocorrer em ciclos, não alcançando uma redução de fato.

De acordo com Almeida (2018), as instituições possuem a capacidade de absorver os conflitos e os antagonismos que são próprios da vida social, próprios da sua estrutura. Desse modo, entende-se: “[...] absorver como normalizar, no sentido de estabelecer normas e padrões que orientarão a ação dos indivíduos. [...] As instituições moldam o comportamento humano, tanto do ponto de vista das decisões e do cálculo racional, como dos sentimentos e preferencias” (ALMEIDA, 2018, p. 29-30).

Desse modo, o caráter repressor assumido pelas instituições, sobretudo as responsáveis pela segurança pública, estão internalizadas no modo operacional com que ocorre seu funcionamento, em que outrora “indivíduos negros trafegando soltos eram presos ‘por suspeita de escravos’, hoje são detidos com base em outras alegações que lhes devolvem sempre o mesmo passado e origem” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 92).

Ao tratar sobre racismo e a forma como ele opera institucionalmente, Almeida (2018) recorre a conceituação desenvolvida por Hamilton e Kwame (1967). Os autores consideram que o racismo é a “aplicação de decisões e políticas sobre considerações de raça com o propósito de subordinar um grupo racial e manter o controle sobre esse grupo” (HAMILTON; KWAME, 1967, p.2 apud ALMEIDA, 2018, p.33).

Almeida (2018) aponta que a contribuição de Hamilton e Kwame (1967) é decisiva, pois demonstra “que o racismo é um dos modos pelo qual o Estado e as demais instituições estendem

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o seu poder por toda a sociedade” (p.34), consolidando a supremacia de um grupo racial sobre outro, onde as “instituições atuam na formulação de regras e a imposição de padrões sociais que atribuem privilégios aos brancos ou a grupos sociais específicos” (ALMEIDA, 2018, p.35, grifo do autor).

Em junho de 2018, o site UOL Notíciasdivulgou matéria com dados que tratam das diferentes realidades em que refletem as taxas de homicídios entre negros e não negros no estado de Alagoas. A matéria apresenta dados obtidos no Atlas da Violência 2018 com informações do ano de 2016 (dado disponível mais recente), e registra taxa de 4,1 homicídios por 100 mil habitantes não negros (brancos, amarelos e indígenas) e taxa de 69,7 homicídios entre a população negra por 100 mil habitantes. Para cada branco vítima de violência letal, 17 negros foram assassinados no ano de 2016. Segundo noticiado, a redação do site UOL Notícias procurou a Secretaria de Segurança Pública de Alagoas para comentar o aumento dos casos de homicídio entre a população negra, a resposta obtida é que a mesma atua de modo a promover políticas de segurança em uma visão macro, que assista a toda população (MADERO, 2018).

Em matéria disponibilizada pelo portal TNH1, também com referência à divulgação do

Atlas da Violência 2018, destaca-se a discrepância nas taxas de homicídio entre negros e não

negros no estado de Alagoas, apresentando realidades distintas para ambas parcelas da população alagoana, como se negros e não negros vivessem em diferentes países (TNH1, 2018). No entanto, a matéria aponta que houve redução no número de homicídios em um quadro geral. Com referência ao quadro geral, em outubro do mesmo ano, em matéria divulgada pela

Agência Alagoas (pertencente ao Governo do Estado de Alagoas), o Governador do Estado

(Renan Filho) concedeu entrevista coletiva para apresentar os números referentes à diminuição da violência, e estabelecer metas que visam retirar Alagoas do quadro entre o grupo de estados com maiores taxas de violência em âmbito nacional. De acordo com a matéria publicada, as informações apresentadas pela Secretaria de Segurança Pública, tem por base os dados do Núcleo de Estatística e Análise Criminal (Neac) e indica à redução de mais de 20% no número de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) no estado (CARVALHO; SIQUEIRA, 2018).

A redução nos números de homicídios, que vem sendo apresentada e comemorada pelo Governo do Estado, constitui um fator de significativa importância no âmbito da segurança pública. No entanto, propor políticas públicas que busquem reduzir esse índice sem considerar as questões étnico-raciais não atinge o cerne da questão, tendo em vista os números alarmantes demonstrados no Atlas.

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O caso de Alagoas é especialmente interessante, pois o estado teve a terceira maior taxa de homicídios de negros (69,7%) e a menor taxa de homicídios de não negros do Brasil (4,1%). Em uma aproximação possível, é como se os não negros alagoanos vivessem nos Estados Unidos, que em 2016 registrou uma taxa de 5,3 homicídios para cada 100 mil habitantes, e os negros alagoanos vivessem em El Salvador, cuja taxa de homicídios alcançou 60,1 por 100 mil habitantes em 2017 (CERQUEIRA et al., 2018, p. 40).

De fato, houve significativa redução no número de homicídios no estado, mas apenas para o grupo racial branco. A maioria dos corpos contabilizados nas estatísticas continua sendo os corpos negros. A reposta da Secretaria de Segurança Pública do estado ao site UOL Notícias é um dos indicativos da posição omissa adotada pelo Estado, que ao atuar de modo a promover políticas de segurança em uma visão macro, sem considerar a diferenciação entre as taxas de homicídios entre negros e não negros, tende a aprofundar o processo de invisibilização da população negra, operando de modo racista, quando não considera relevante a elaboração de políticas específicas para esta parcela da população. Essa omissão é preocupante, pois estamos falando de uma unidade da federação que possui a maioria da população negra.

A conclusão é que a desigualdade racial no Brasil se expressa de modo cristalino no que se refere à violência letal e às políticas de segurança. Os negros, especialmente os homens jovens negros, são o perfil mais frequente do homicídio no Brasil, sendo muito mais vulneráveis à violência do que os jovens não negros. Por sua vez, os negros são também as principais vítimas da ação letal das polícias e o perfil predominante da população prisional do Brasil (CERQUEIRA et al., 2018, p.41).

Além do debate sobre segurança pública, a população negra em Alagoas também é negligenciada nos documentos oficiais no que se refere à saúde. Cabe, antes, destacar características do estado.

Em relação a alguns determinantes sociais, em 2010, Alagoas detém o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País (0,631), a segunda menor renda domiciliar

per capita (R$ 658,00 mensais), e um elevado Índice de Gini (0,634), apontando para

maior concentração de renda numa menor parcela da população, [...] cerca de 20% da população vive em situação de extrema pobreza, ou seja, possui renda domiciliar per

capita de até R$ 70,00 mensais, e com a maioria dos municípios (n=61; 59,8%)

possuindo entre 40% e 80% de sua população enquadrada nessa situação. Tal panorama faz com que a quase totalidade dos municípios alagoanos (96,1%) seja classificada como localidades com alta ou muito alta vulnerabilidade social (BRASIL, 2018, p.29, grifo do autor).

A tabela a seguir foi retirada do livro Brasil Saúde 2018 estados: uma análise de

situação de saúde segundo o perfil de mortalidade dos estados brasileiros e do Distrito Federal, com análises sobre as principais causas de mortalidade nos estados brasileiros, a partir

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Tabela 3 – principais causas de morte, segundo taxas ajustadas de mortalidade e variação percentual relativa Alagoas, 2000 a 2015

Fonte: Saúde Brasil Estados (BRASIL, 2018, p. 31)

O estudo registra que a maior diminuição nas taxas de mortalidade ocorreu nas doenças cerebrovasculares e o maior aumento nas taxas de mortalidade nos óbitos por violência interpessoal, o qual atingem seguimentos populacionais distintos. Destacando que “segundo dados brutos e sem correção do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), a principal causa de morte de alagoanos até 2014 era em decorrência de agressões, especialmente entre homens jovens” (BRASIL, 2018, p. 31). Ainda que o estudo não apresente dados específicos para a população negra, Alagoas se constitui como um dos estados com maiores fatores de vulnerabilidade social.

De acordo com Werneck (2016, p.539) “a população negra é majoritária entre os usuários do sistema único de saúde; por apresentarem os piores indicadores sociais e de saúde”. Para a autora, os avanços alcançados na área da saúde da população negra dão-se a partir do reconhecimento do racismo vivenciado por homens e mulheres negras como um dos fatores que produzem a desigualdade no campo da saúde. Desse modo, racismo e sexismo são reconhecidos como fatores estruturais que agravam a condição de vulnerabilidade (WERNECK, 2016).

Para elucidar as diferenciações que ocorrem no tratamento para população negra no âmbito da saúde, segundo os dados que dispõem sobre as condições de acesso e atendimento, a autora retrata o racismo institucional a partir do conceito desenvolvido por Jones (2002) que define o racismo em três dimensões, quais sejam: racismo pessoal/internalizado, racismo interpessoal e racismo institucional, em que

o racismo pode ser visto também como um sistema, dada sua ampla e complexa atu- ação, seu modo de organização e desenvolvimento através de estruturas, políticas,

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práticas e normas capazes de definir oportunidades e valores para pessoas e populações a partir de sua aparência. [...] o racismo institucional (RI), que possivelmente é a dimensão mais negligenciada do racismo, desloca-se da dimensão individual e instaura a dimensão estrutural, correspondendo a formas organizativas, políticas, práticas e normas que resultam em tratamentos e resultados desiguais. É também denominado racismo sistêmico e garante a exclusão seletiva dos grupos racialmente subordinados, atuando como alavanca importante da exclusão diferenciada de diferentes sujeitos nesses grupos (JONES, 2002 apud WERNECK, 2016, p. 541-542).

Werneck apoia-se no conceito de racismo institucional definido por Stokely Carmichael e Charles Hamilton, como uma “falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica” (CARMICHAEL; HAMILTON, 1967, p.4 apud WERNECK, 2016, p.542).

Como observado no transcorrer do texto, pode-se afirmar que em Alagoas a taxa de mortalidade por causas externas é predominante para homens jovens, sobretudo para homens jovens negros. Isso nos leva a pensar a necessidade de um olhar mais amplo para outros aspectos relacionados à condição de vida da população negra.

Desse modo, a política de saúde constitui-se como fator fundamental capaz de identificar as condições de vida da população, a partir da identificação dos fatores condicionantes e determinantes de saúde.

[...] modos de vida, trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer, cultura, acesso a bens e serviços essenciais, entre outros. Nesse sentido, podemos afirmar que o racismo é o principal determinante social em saúde para a população, já que incide negativamente sobre todos esses fatores que compõem o conceito de saúde. (BRASIL, 2017, p.23).

Diante da análise exposta nos capítulos acima, evidenciamos que os pontos de partida em todas as esferas da vida social para os grupos raciais branco e negro possuem diferenciações. Ao tratar sobre a escolarização, um estudo realizado em 2014 pelo INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA afirma que as desigualdades entre esses grupos estão conectadas a diversas situações como as condições de renda e o acesso a bens.

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