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Criando uma Cultura de Meio Ambiente. Existe alguma chance de transformação social a partir de uma idéia global desenvolvida em esfera local?

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Criando uma Cultura de Meio Ambiente.

Existe alguma chance de transformação social

a partir de uma idéia global desenvolvida em esfera local?

∗•

Maria Gracinda C. Teixeira UFRJ - Universidade Cândido Mendes

Eliane da Silva Bessa UFRJ

Palavras-Chave: Cultura local, Ambiente urbano e Gestão ambiental.

Introdução

Em um trabalho anterior1 mostramos que a questão ambiental poderia ser tratada pela teoria social dentro do tema da racionalização ocidental analisado por Weber, há um século atrás. Ele enfatizou, com muita propriedade, que há uma relação paradoxal entre racionalização e irracionalidade, ao afirmar que a racionalidade transforma-se ao mesmo tempo em tendência irracional e estrutura rígida da vida moderna. Esta visão ajudou-nos na construção de um referencial teórico que contribuiria, então, para a análise da relação - conflituosa - entre as práticas de atores sociais envolvidos com atividades pesqueiras no entorno da Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, e os processos dinâmicos do meio ambiente onde ocorrem essas práticas.

Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado

em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.

Esse estudo é um desdobramento de um projeto maior intitulado “A Responsabilidade Social e

Processos de Decisão: a Participação da Sociedade Civil e as Transformações Sócio-Ambientais da Baía de Guanabara”, que se desenvolveu no Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ, sob responsabilidade de Maria Gracinda Carvalho Teixeira, financiado pelo CNPq. Este texto foi inspirado no projeto “Gestão Ambiental na Atividade de Cultivo, Extração, Beneficiamento e Comercialização de Mexilhões na Baía de Guanabara – Uma Proposta de Transformação da Atividade Artesanal em uma Atividade Industrial da Produção Local, Economicamente Sustentável” apoiado pela Petrobrás, no qual as duas autoras integram a equipe interdisciplinar executora do referido Projeto, no Instituto Internacional Virtual de Mudanças Globais da COPPE/UFRJ.

1 Ver Teixeira, M. G. & Bessa, E. (1977), “A Modernização Industrial e a Produção Local – um estudo

dos efeitos desiguais na Baía de Guanabara”in: Anais do VII Encontro Nacional da ANPUR: Novos Recortes Territoriais, Novos Sujeitos Sociais: Desafios ao Planejamento, vol. 3, pp.1973-1995. Recife, 26 a 30 de maio.

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No desenrolar do nosso trabalho de campo estreitaram-se os laços de convivência dos pesquisadores com um destes atores - a população de maricultores. Dessa convivência resultou a necessidade de se criar um suporte técnico e prover de tecnologia adequada as atividades econômicas do grupo social, contribuindo para a passagem do que pode ser configurado como um estágio de produção artesanal para um patamar industrial. O enfoque teórico estava direcionado para a construção de um elo entre as práticas locais e as preocupações ambientais manifestadas nos fóruns internacionais, sobretudo aquelas relacionadas à sustentabilidade econômica. Naquele momento as condições conjunturais favoreciam o desenvolvimento de uma produção econômica baseada no reconhecimento do produto no mercado, através da utilização de instrumentos de regulação e controle da qualidade do produto e da implementação de códigos de gestão ambiental, visto que na prática, observava-se um certa exaustão dos métodos tradicionais de extração do produto que fatalmente resultaria no desaparecimento da atividade econômica.

Houve um deslocamento da abordagem até então utilizada, que ressaltava apenas a questão ambiental relacionada somente à esfera econômica, sem destacar a importância da dimensão social e cultural, cujo significado só foi assimilado no decorrer da convivência com os maricultores. Na evolução do trabalho percebeu-se a importância de se destacar também as questões sociais e culturais que chegam a perpassar as preocupações com o ambiental. Essa nova visão aponta os limites da abordagem restrita à questão ambiental que não sublinha com ênfase a dimensão cultural. Apesar de perceberem a necessidade de mudança das formas econômicas de produção adequadas à condições ambientalmente sustentáveis, os pescadores não conseguiam vislumbrar que os ganhos econômicos não deveriam se restringir apenas à regulamentação ambiental da sua atividade.

Mas, todavia na tentativa de reverterem a sua situação econômica os pescadores chegam a apelar para os órgãos públicos de controle e fiscalização da poluição da Baía de Guanabara, que, no entanto, omitem-se da sua responsabilidade.2 Diante deste quadro dá-se a inserção de outros atores institucionais empenhados em construir junto com eles, uma nova forma de se relacionar com a atividade da maricultura. A partir

2 Há uma superposição de órgãos públicos que deveriam regulamentar e fiscalizar a atividade pesqueira

artesanal. Observa-se, no entanto, que há uma ausência de capacitação profissional nesses órgãos e de infra-estrutura adequada.

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dessa nova realidade surge a idéia de se construir um projeto através do qual pretendeu-se atingir um maior número de pessoas nessa atividade, porém, estabelecendo-pretendeu-se uma nova relação com o trabalho para alcançar uma otimização da produção e garantir o repovoamento do ambiente natural do mexilhão, evitando o aceleramento dos efeitos ambientais detectados.

Preocupados com o futuro dessa atividade econômica e da sua própria existência nessa localidade, os pescadores desde então, buscam assessoria técnica para encontrar soluções para os problemas que se apresentavam como ameaça à continuidade da sua atividade, redundando na criação de um centro de beneficiamento de mexilhões apoiado pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, autoridades locais, universidades e ONGs e gerenciado por um órgão de representação local.

É nessa etapa de organização da atividade econômica que a manifestação com questões ambientais passou a ser incorporada no discurso dos pescadores, mas simplesmente como uma mera reprodução das determinações fixadas pelo PNUD, e não como uma crença e nem mesmo como uma mudança, em termos de valores, na medida em que as precárias condições físicas do ambiente onde vivem passam a contrastar mais ainda com a qualidade do ambiente de trabalho, ressaltando o contraste entre o ambiente econômico e o social.

Se, por um lado, era notório a preocupação com a melhoria das condições físicas onde o produto era processado, por outro, não se percebia maiores preocupações com a mudança de qualidade do ambiente onde vivem esses pescadores, marcado por uma situação de degradação das condições de saneamento ambiental e de moradia. A preocupação com o meio ambiente estava unicamente relacionada à necessidade de regulamentação da atividade da maricultura, o que viria através de um gerenciamento ambiental condizente com a exigência dessa atividade.

Do ponto de vista da organização política abriu-se uma gama de possibilidades para reconhecimento dessa atividade no estado do Rio de Janeiro. A criação do Centro de Beneficiamento de Mexilhões atraiu a atenção do público consumidor de mexilhões, órgão ambientais, extratores dispersos de mexilhões e do mercado em geral. De uma forma mais particular, a criação do Centro atraiu o estabelecimento de parcerias e chamou atenção dos órgãos ambientais de fiscalização que passaram a cobrar os

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certificados de inspeção estadual e federal como uma condição para a existência desse Centro.

Dentro de uma interpretação corporate and state managerialism os pescadores ganharam apoio tecno-tecnológico e financeiro através do PNUD, mobilizando um corpo de especialistas armado de um forte poder burocrático e regulatório, com uma perspectiva de ação racional e eficiente na administração dos recursos, de modo a promover uma “modernização ecológica” (Harvey, 1997: 178), cuja lógica é tratar a natureza como capital, estabelecer o que está situado no mercado e o que está fora dele e internalizar os custos, privilegiando a esfera econômica em relação à política (Acserald, 1999:42).

No entanto, a “modernização ecológica” ficou a dever em relação à dimensão social visto que não houve uma transferência dos ganhos econômicos para a reversão do ambiente socialmente degradado, como acima referido, onde vivem os pescadores.

Isso nos faz sugerir que a ausência de princípios de autonomia financeira e auto-gestão, a falta de acesso aos canais institucionais do poder público e a falta de

empowerment dos pescadores, podem ter contribuído para a absorção de modelos

tecnicistas de gestão que impõe seus objetivos e metas sobre uma população, cujas condições sociais e econômicas não a permitem esboçar uma visão mais crítica em relação a esses próprios modelos que estão centrados deliberadamente na promoção da melhoria econômica, sem vinculação a uma mudança das condições sociais de vida.

O nosso propósito neste trabalho é mostrar que a adoção de um projeto de gerenciamento ambiental não significa que ele resulte automaticamente em transformações de cunho social, cultural e econômico de populações a elas destinado. Levantamos a hipótese da existência de uma dissociação entre o ambiente econômico que vem acompanhado de uma mudança mais imediatista e o ambiente social e cultural, que requer mudanças mais profundas das relações sociais e do próprio conhecimento dos efeitos das práticas sociais sobre o ambiente em questão.

1. Dificuldades culturais para realizarem mudanças

Na parte que se segue apresentaremos uma reflexão ainda que breve de uma noção de cultura que nos ajudará a compreender o hiato que se forma entre mudanças

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que são rapidamente assimiladas e desejadas pelos pescadores (as mudanças econômicas) e aquelas que demandam um tempo maior, como é o caso das mudanças culturais e de valores.

É muito amplo falar de cultura; neste sentido é que temos de demarcar o campo analítico do problema em questão. Identificamos a grosso modo duas óticas: uma relacionada fundamentalmente à política, onde se coloca a questão da cultura cívica vinculada ao processo de formação da cidadania, principalmente a que diz respeito às instituições democráticas (Putnam: 1996); e outra, numa visão fundamentada por um conteúdo psico-social, que enfatiza as relações dos indivíduos no processo de construção da realidade, lidando com manifestações simbólicas e a cultura propriamente dita (Velho: 1999).

Segundo Putnam, numa ótica mais política, desde os estudos de Maquiavel e de seus contemporâneos sobre as instituições republicanas na antiguidade e na Itália renascentista eles já observaram que o fracasso ou êxito destas instituições dependia do caráter, ou seja, da virtude cívica dos cidadãos.3 Associamos esta noção hoje à dimensões do comportamento político como responsabilidade social, transparência e seriedade.

Já a corrente republicana de humanistas cívicos que enfatizavam a comunidade e as obrigações dos cidadãos para com ela, foi posteriormente superada por pensadores liberais, como Hobbes, Locke, que destacavam o individualismo e os direitos individuais como valores primordiais. Nesta perspectiva que se coloca o amplo debate entre os filósofos políticos sobre a tradição republicana ou comunitária e a tradição liberal baseada nos direitos individuais, como fundamentos da teoria democrática.

Curiosamente até agora como nos diz Putnam, o debate “transcorreu quase sem inteiramente alusão à pesquisa empírica sistemática, seja no mundo anglo-americano ou em outros lugares. Mesmo assim ele contém a semente de uma teoria da efetiva governança democrática: à medida que aumenta significativamente o número de cidadãos não virtuosos, diminui progressivamente a capacidade das sociedades liberais para funcionar bem”.4

A investigação empírica é que vai permitir verificar se o êxito de um governo

3 Ver Robert Putnam: Comunidade e Democracia – a experiência da Itália moderna, especialmente p.100. 4 idem, op. cit. p.101.

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democrático está intimamente relacionado ao seu modelo de comunidade cívica. Este inclui tópicos como a participação nos negócios públicos; igualdade política; solidariedade, confiança e tolerância; associações que incorporem práticas sociais reforçadoras das normas e valores da comunidade cívica.

A questão da participação é complexa, visto que nem toda atividade política é considerada virtuosa, ou como diz Putnam, ela contribui para o bem geral. Do mesmo modo parece que falar em virtude cívica implica numa busca pelo bem comum à custa do interesse individual. Não se pode colocar os termos dicotomicamente, de uma forma tão maniqueísta, na verdade não existe sociedade por melhor sucedida que seja que não defenda seu próprio interesse. Para Putnam, na comunidade cívica os cidadãos buscam o que Tocqueville chamava: “interesse próprio corretamente entendido, isto é, o interesse próprio definido no contexto das necessidades públicas gerais, o interesse próprio que é sensível ao dos outros”.5

A igualdade política exercida pelos cidadãos no interior da comunidade cívica implica em direitos e deveres iguais para todos. Na prática efetivamente não é assim porque os cidadãos não podem prescindir de liderança política e nem das vantagens da divisão do trabalho. A comunidade será cívica quanto mais “a política se aproximar do ideal de igualdade política entre cidadãos que seguem as regras de reciprocidade e participam do governo”.6

Solidariedade, confiança e tolerância são valores imprescindíveis para a comunidade cívica mesmo em situações de conflito, quando há discordância de pontos de vista ou opiniões entre seus pares. Estudos recentes sobre iniciativas comunitárias na América Latina mostram a importância social da cooperação local e a mobilização política como elementos que ajudam a combater o isolamento e a desconfiança mútua. Transpondo esses referenciais analíticos para o caso dos maricultores em Jurujuba, RJ, verifica-se que o grau de mobilização política e a disponibilidade para o cooperativismo não fazem parte de sua estrutura de valores e nem estão comprometidos com uma

5 idem, ibidem. p.102.

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mudança mais significativa das formas de organização do trabalho e da hierarquização do poder, a não ser como reforços dos laços econômicos que levam ao reconhecimento exclusivamente do produto pelo mercado.

A formação de redes associativas políticas e civis é uma prática fundamental que reforça os valores da comunidade cívica. Elas contribuem segundo Putnam, não só para a eficácia e a estabilidade do governo democrático, como elas incutem em seus membros hábitos de cooperação, solidariedade e espírito público. Os indivíduos que participam de associações têm mais consciência política e mais sentido de coletivo, devido a oportunidade de compartilhar o seu próprio com o outro. Este parece ser o caso dos maricultores onde identificamos uma clara consciência da importância de se melhorar o processo produtivo da maricultura, através da criação do Centro de Beneficiamento de Mexilhões, como fator propulsor de geração de emprego e renda.

Mencionamos em tese os princípios básicos de uma comunidade cívica. Entretanto, saber se uma comunidade está próxima ou distante de um ideal comunitário depende de pesquisa, de levantamento de dados sobre a sua capacidade de aglutinar e de representar os interesses de uma coletividade.

A referência a esses princípios permite-nos, assim cremos, formular de maneira mais clara o conceito de cultura cívica ou cultura política. A nosso ver ele tanto tem uma dimensão teórica quanto prática, justo porque é na ação, isto é, no exercício das práticas políticas que se cria e se reforça a cidadania.

Analisar a cultura do indivíduo/sociedade com o seu meio ambiente não é uma tarefa simples como observa Norbert Elias, pois deve-se limitar o abismo que tantas vezes parece abrir-se, no pensamento, entre o indivíduo e a sociedade. “Aqui se requer um esforço peculiar de pensamento, pois as dificuldades que temos de enfrentar, em qualquer reflexão sobre a relação entre indivíduo e sociedade, provêm de hábitos mentais específicos que hoje se acham demasiadamente arraigados na consciência de cada um de nós. Falando em termos gerais, parece extraordinariamente difícil para a maioria das pessoas, no atual estágio do pensamento, conceber que as relações possam ter estrutura e regularidade próprias”.7

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Para Elias, a relação entre os indivíduos e a sociedade é uma coisa singular. Ele nos diz que esta relação não encontra analogia em nenhuma outra esfera de existência. “Apesar disso, a experiência adquirida, observando-se a relação entre as partes e o todo em outras esferas pode, até certo ponto, ajudar-nos nesse aspecto. Ela pode ajudar a afrouxar e ampliar os hábitos mentais a que fizemos referência. Não se compreende uma melodia examinando-se cada uma de suas notas separadamente, sem relação com as demais. Também sua estrutura não é outra coisa senão a das relações entre as diferentes notas. Dá-se algo semelhante com a casa. Aquilo a que chamamos sua estrutura não é a estrutura das pedras isoladas, mas a das relações entre as diferentes pedras com que ela é construída; é o complexo das funções que as pedras têm em relação umas às outras na unidade da casa. Essas funções, bem como a estrutura da casa, não podem ser explicadas considerando-se o formato de cada pedra, independentemente de suas relações mútuas; pelo contrário, o formato das pedras só pode ser explicado em termos de sua função em todo o complexo funcional, a estrutura da casa. Deve-se começar pensando na estrutura do todo para se compreender a forma das partes individuais. Esses e muitos outros fenômenos têm uma coisa em comum, por mais diferentes que sejam em todos os outros aspectos: para compreendê-los, é necessário desistir de pensar em termos de substâncias isoladas únicas e começar a pensar em termos de relações e funções. E nosso pensamento só fica plenamente instrumentado para compreender nossa experiência social depois de fazermos essa troca”.8

Esta longa citação ainda não totalmente explorada no que concerne à teoria é para confirmar a nossa visão de relação entre indivíduo e sociedade. Embora para alguns desavisados as reflexões teóricas de Elias possam parecer num primeiro momento preceitos de uma teoria funcionalista, elas não o são porque ele não vê as relações dos indivíduos e a sociedade como entidades estanques, ou seja, como partes isoladas que formam um todo, e sim, como perspectivas diferentes de uma mesma instância. Por isto, podemos pensar em cultura tanto pelo lado dos indivíduos como da sociedade, que estaremos pensando a mesma coisa. A cultura do indivíduo é a cultura da sociedade, o que não significa que vamos compreender cultura como um bloco homogêneo, ao contrário, aqui é que residem as diferenças, a gama de múltiplas facetas,

8 idem, op. cit. p.25.

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enfim, a complexidade do que devemos definir como cultura.

Não estamos atrás de uma definição de cultura, até mesmo porque as ciências sociais, como observa Velho, já desenvolveram uma série de instrumentos de trabalho e conceitos que permitem distinguir e comparar diferentes culturas e sociedades.9 E mais, permitem que se faça recortes sem perder a visão de conjunto.

Neste sentido, é possível em qualquer sociedade distinguir áreas ou domínios específicos e que chegam a desenvolver uma cultura própria. Para entender estes domínios é extremamente importante que o investigador observe como os próprios percebem o seu universo e como interagem entre si e com ele, pois sendo produtos históricos irão expressar a realidade historicamente constituída.

O problema teórico relevante que se coloca é a dificuldade em se definir onde estão, como nos diz Velho, a unidade e a descontinuidade cultural. Ou seja, onde estão os momentos de ruptura com aquilo que parece ser de domínio maior?

Para Velho “a existência de tradições diferentes coloca o problema da comunicação entre os grupos e segmentos delas portadores. Pode-se distinguir a existência de certos temas, de determinados paradigmas culturais mais significativos e que têm um potencial de difusão e contaminação maior do que outros. Tomando-se como referência qualquer sociedade, poder-se-ia dizer que ela vive permanentemente a contradição entre as particularizações de experiências restritas a certos segmentos, categorias, grupos e até indivíduos e a universalização de outras experiências que se expressam culturalmente através de conjuntos de símbolos homogeneizadores – paradigmas, temas etc. Na realidade, esse é, por excelência, o problema básico da própria existência do que chamamos cultura: o que pode ser comunicado? Como as experiências podem ser partilhadas? Como a realidade pode ser negociada e quais são os limites para a manipulação de símbolos? Qual o grau de impermeabilidade às mensagens e como se mantêm subculturas? O que significa o desvio, o comportamento desviante enquanto manipulação ou rejeição de normas e regras dominantes? Qual a eficácia potencial da universalização de códigos particulares?

E aqui surge para o autor um problema crucial, ou seja, os indivíduos participam de forma diferenciada de códigos mais restritos ou mais universalizantes”.10 E a nosso

9 Gilberto Velho, Individualismo e Cultura. Rio de Janeiro, Zahar Editor, 1999, 5ª edição. p. 18. 10 Velho, op. cit. pp. 18 e 19.

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ver é aqui que situa-se o gap para os maricultores, entre as mudanças que são propostas de fora, isto é, a adequação em virtude do mercado de um produto econômico transformado em produto de qualidade ambiental sustentável, gerando, por conseguinte a necessidade de absorver códigos universalizantes e as mudanças que devem nascer no interior da sociedade, isto é, a própria vontade de mudar que faz parte de códigos mais restritos.

2. Análise dos mecanismos que viabilizaram o projeto dos maricultores

Em relação à atividade pesqueira o Brasil tem-se caracterizado ao longo das últimas décadas por práticas assistencialistas e clientelísticas, muito próprias da sua cultura política. Paradoxalmente no discurso o pescador artesanal, o pequeno produtor marinho, sempre foi considerado a prioridade da pesca nacional. No entanto, os investimentos, quando existem, são canalizados prioritariamente para a pesca industrial. O produto dessa situação se traduz no cenário atual da pequena produção pesqueira, onde é grave a situação em termos da falta de infra-estrutura e suporte financeiro.

É, portanto, pela ausência de uma política pesqueira direcionada aos pequenos produtores que os pescadores artesanais se organizam e fundam em 1990 a Associação Livre de Maricultores que, desde então, procuram uma nova tecnologia do cultivo de mexilhões, capaz de modificar a atividade extrativa. A existência da Associação foi o suporte necessário para a criação do Centro de Beneficiamento de Mexilhões, dentro dos moldes de uma gestão ambiental empresarial que objetiva a qualidade, a longo prazo, da atividade da maricultura. Aparece, assim, para os pescadores uma alternativa econômica que pode gerar ganho de competitividade e credibilidade da sua matéria-prima, isto é, o mexilhão.

Os pequenos produtores colocam o aspecto ambiental como a pedra angular do processo de transformação econômica da atividade da maricultura e como o elemento catalisador de outros componentes relacionados à melhoria da sua qualidade de vida, particularmente aqueles relacionados à habitação, saneamento básico e educação. Buscam atingir níveis mais elevados de organização do trabalho através de cooperativismo e da organização da produção, através de métodos que visam a modernização e expansão da produção econômica. Para os maricultores o monitoramento ambiental é fundamentalmente importante como já mencionado, pois

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garante de certa forma a qualidade de seu produto final, além da regulamentação da atividade econômica que já implicava no reconhecimento legal por parte dos órgãos ambientais.

Neste sentido é que devemos considerar o PNUD como o agente que facilitou a vontade ou mesmo a necessidade, premida pelas circunstâncias históricas e conjunturais, dos maricultores transformarem uma atividade meramente econômica em uma atividade econômica ambientalmente sustentável.

A tônica em países industrialmente mais desenvolvidos é o desenvolvimento econômico obrigatoriamente associado à questão da proteção ambiental. O cerne da questão passa a ser a forma do desenvolvimento econômico compatível com a preservação ambiental, fundamentada por critérios de eficiência política e legal.

No caso brasileiro a questão ambiental ultrapassa a simples regência por critérios de equidade e eficiência, situando-se num contexto no qual deve-se considerar os diferentes níveis de consciência ambiental manifestos no comportamento dos diversos grupos sociais, as ações do poder público e o nível elevado das desigualdades sociais, consideradas num sentido amplo.

Já entre os maricultores há visíveis sinais de conscientização que o desenvolvimento de uma atividade econômica deve estar vinculada à condições ambientalmente sustentáveis. No entanto, não é o que ocorre ao nível do poder público, cujas políticas estão “a meio caminho entre um discurso-legislação bastante ambientalizados e um comportamento individual-social predatório: por um lado, as políticas públicas têm contribuído para estabelecer um sistema de proteção ambiental no país; por outro lado, o poder público é incapaz de fazer cumprir aos indivíduos e às empresas uma proporção importante da legislação ambiental” (Viola: 1992, p.70).

Na ausência, como assinalamos, da responsabilidade social do poder público e diante do nível de conscientização dos maricultores perante as suas dificuldades econômicas e ambientais em que se encontravam, talvez a única forma para saírem do impasse era se aliarem com organismos que lhes acenassem com uma possibilidade de mudança. Como resultado de uma articulação institucional, o Comitê Nacional de Seleção do Fundo Life no Brasil, selecionou a proposta da Associação Livre dos Maricultores de Jurujuba para receber uma doação no valor de US$60.000, aplicados em duas etapas, que deveria ser acrescida da participação dos governos estadual e

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municipal. O que de fato ocorreu foi o fornecimento de suporte técnico por parte do governo do estado do Rio de Janeiro e o fornecimento de mão de obra e material para construção do Centro de Beneficiamento, por parte do governo municipal.

A proposta visava três objetivos gerais: a) preservar as reservas biológicas de mariscos da Baía de Guanabara, através da substituição progressiva da extração de mexilhões pelo seu cultivo, aumentando o volume e qualidade da produção; b) aumentar a renda auferida pelos maricultores, através da melhoria das técnicas de extração, beneficiamento e comercialização; c) fortalecer a capacidade de liderança e gerenciamento da Associação, através do exercício da coordenação do projeto e administração direta dos recursos.

E quanto aos objetivos específicos foram fixados a expansão do cultivo, construção de um centro comunitário para beneficiamento de mexilhão, treinamento e capacitação da comunidade para a mudança dos processos de trabalho e aquisição dos equipamentos necessários.

O prazo previsto de dois anos para execução do projeto não se cumpriu, precisando ser redimensionado inúmeras vezes devido à mudanças de gestão político-administrativas ocorridas nas esferas de governo estadual e municipal.

Segundo relatório do Fundo Life os resultados alcançados com a realização do projeto são expressivos. Ambientalmente falando houve crescimento da população de mexilhões e maior conscientização ambiental da comunidade; em termos econômicos o relatório aponta para um crescimento quantitativo e qualitativo da produção, gerando melhores receitas e aumento de renda da população. Da mesma forma, constatam uma melhoria institucional devido a maior presença de sócios da Associação e de maior envolvimento de pessoas nas atividades da maricultura. E no tocante à questão social a regularização da posse da terra e a maior integração social são os componentes de maior envergadura.

Para os técnicos do Fundo Life a própria realização do projeto em si traz algumas aprendizagens relacionadas a ele. De como, por exemplo, a existência de lideranças fortes dentro da comunidade é necessária para atingir as metas propostas pelo projeto e de como as parcerias com esferas de governo podem assegurar os aportes de contrapartidas substantivas ao projeto e resolver juridicamente questões fundiárias ao dar-lhe suporte legal.

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Os técnicos chamam a atenção para o principal impacto do projeto em relação ao meio ambiente: “o repovoamento de mariscos das colônias naturais decorrentes da introdução do cultivo”. Vêem como perspectiva numa terceira fase do projeto, ou seja, a expansão do cultivo, determinar a ampliação da produção, com fortes impactos econômicos e sociais, e aperfeiçoar a qualidade do marisco produzido. “A intensificação do cultivo e a decorrente expansão dos mariscos determinará efeitos na qualidade das águas da baía, pelo menos na área abrangida pela colônia de pescadores, uma vez que os moluscos funcionam como filtros dos resíduos líquidos existentes na água onde vivem”.

Outros aspectos considerados pelos técnicos do Fundo Life como ganhos ambientais significativos é, por um lado, o da introdução do gás de cozinha em substituição a queimação de lenha, por outro, a melhoria da qualidade do produto final, uma vez que houve uma transformação do processamento e higienização do mexilhão para a comercialização. Mais uma vez verificamos que os ganhos ambientais e sociais apontados pelo Fundo Life são analisados sob a ótica do ambiental restrito à esfera econômica. A melhoria da qualidade das águas onde o produto é cultivado e a aceitação deste pelo consumidor final tornam-se assim as peças chave para o entendimento do que representa um ganho ambiental em termos sociais.

Todavia, para os técnicos do Fundo Life foi a tomada de consciência por parte dos pescadores em relação às questões ambientais o grande ganho do projeto realizado, embora não expliquem como se deu repentinamente essa tomada de consciência, mas apenas a constatam através de pesquisa realizada com esta população.11 Por meio da qual eles apontam a degradação do próprio ambiente, associada as repercussões sobre a saúde, como o problema que mais os incomoda.

Ao proporcionarem os mecanismos de legalização, regulação e organização da atividade econômica da maricultura, os técnicos do Fundo Life acabaram provocando a conscientização dos maricultores em relação ao seu próprio ambiente de trabalho e de vida, que termina se revelando para eles como ambiente de contrastes entre uma produção econômica que se desenvolve num espaço de sustentabilidade ambiental e um modo de vida que se passa num ambiente de insustentabilidade social.

11 Ver Relatório: “Life Brasil – Programas de Iniciativas Locais Para o Meio Ambiente Urbano. Estudo

de Caso Projeto Mexilhão Rio Cultivo e Beneficiamento Comunitário de Mexilhões. Rio de Janeiro, nov. de 1998, pp. 25-26.

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3. Environmental Management System – construindo ambientes contraditórios O environmental management system é um instrumento que orienta ações locais baseadas numa concepção de global enviromental management. Este, por sua vez, está baseado na idéia de que o conhecimento e a tecnologia são capazes de promover soluções e controlar os problemas ambientais globais. Isto pressupõe que somente quem detém a tecnologia e o conhecimento tem o poder de controlar, administrar os recursos de outros, em nome de uma “saúde global”, de uma sustentabilidade planetária, de uma prevenção de degradação ambiental e de outros afins. Fundamentados por esta noção os órgãos internacionais e bancos multilaterais envolvidos com as questões ambientais viabilizam projetos, que acreditam solucionar problemas resultantes de práticas locais consideradas inadequadas, ao modo de como eles acham que devem ser realizadas estas práticas pelas populações locais.

Na verdade essas agencias vêem as ações transformadoras das populações sobre a natureza como ações de impacto de uma sociedade sobre o seu meio ambiente, como esferas separadas. Desconsiderando que há entre estas duas esferas uma relação histórica de interação e transformação. Como chama atenção Harvey, os “human beings

are active subjects transforming nature according to its laws and are always in the course of adapting to the ecosystems they themselves construct” (Harvey, 1997:186).

Neste sentido é que vemos como alerta aquilo que autores mais sensíveis à questão social têm trazido para o debate ambiental, chamando atenção de como as diversas populações têm modos, leis e códigos próprios de fazerem uso e de se relacionarem com o seu ambiente. Não se pode menosprezar a temporalidade e a espacialidade geradas na esfera local, senão insistiremos naquelas visões distorcidas que tendem não somente a pensar globalmente, mas a agir globalmente. Da mesma forma, o contrário – pensar local e agir localmente – incorre na mesma distorção, na medida em que desconsidera a relação com o global.

Na verdade deve-se pensar que as transformações que se processam através das práticas e ações sociais locais são elas as responsáveis pela redefinição da temporalidade e da espacialidade ao nível local. No entanto, sabemos que estas transformações, que muitas vezes ultrapassam a esfera local, não são as únicas responsáveis pela redefinição, pois devem contar com a sensibilização de atores e instituições políticas que os ajudam a desenvolver a sua potencialidade. Tais atores e

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instituições devem ter a capacidade de falar uma linguagem que expresse sua sensibilidade às dimensões ecológicas manifestadas nas aspirações sociais dessas populações. Como nos afirma Harvey, devemos estar sensibilizados para ouvir as definições de como as populações consideram o que sejam, para elas, “problemas ambientais”. Ou seja, nem sempre um problema qualificado como ambiental pelos organismos que lidam com estas questões é um problema ambiental de fato. Muitas vezes o que se percebe é que o ambiental está encobrindo uma dimensão social, cultural e econômica a ele relacionadas, mas que não são consideradas.

Este parece ser o caso de programas financiados por organismos vinculados à questões ambientais, conforme examinamos neste trabalho. Identificamos uma tentativa de impulsionar atividades econômicas por parte do governo estadual (FIPERJ – Fundação Instituto da Pesca do Estado do Rio de Janeiro) em parceria com o PNUD – Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o poder municipal (Prefeitura do Município de Niterói). A articulação desses órgãos resultou num projeto denominado Mexilhão Rio, que contou com apoio financeiro e assistência técnica para viabilizar a criação e o funcionamento do Centro de Beneficiamento de Mexilhões, em Jurujuba, por acreditarem que o projeto é capaz de produzir um ganho econômico para as famílias dos maricultores, retirando-as do mercado informal, e valorizando uma atividade pesqueira que se encontrava em plena decadência.

De fato, por um lado, não se pode negar as melhorias econômicas advindas do desenvolvimento do projeto, principalmente em relação à ampliação do mercado de trabalho, na medida em que a existência do Centro não só organizou melhor a atividade produtiva como gerou mais empregos. Por outro, a própria existência do Centro de Mexilhão que apresenta um alto nível técnico, elevando a qualidade da produção à patamares antes inatingíveis, evidencia mais ainda o contraste entre os ambientes onde vivem e trabalham.

A constatação de que os maricultores vivem em ambientes contraditórios é apenas o reconhecimento de uma situação que, em si, não explica nada. Precisamos ir adiante e averiguar as razões do porque isto ocorre.

A nosso ver uma das premissas que se deve colocar é o modelo de desenvolvimento. Existe hoje, entre os países de economia desenvolvida, uma expectativa quase universal de que qualquer ação ambiental, ou seja, uma ação que

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envolva questões relacionadas à natureza não pode prescindir do desenvolvimento sustentável, o que pressupõe uma ética de comportamento onde gerações atuais preocupam-se com gerações futuras. Na verdade espera-se uma coerência de comportamento daqueles que não a possuem e que em muitos casos desconhecem tal expectativa.

Como vem demonstrando certas análises a própria expressão desenvolvimento durável contém ambiguidades. “Dentro do espírito dos ecologistas a interpretação de desenvolvimento sustentável preconiza um volume de produção que seja suportável para o ecossistema e que seja de longa duração. É pois a capacidade de reprodução que determina a produção, e a ‘durabilidade’ implica que o processo não pode ser mantido senão em certas condições, dadas do exterior...trata-se de uma interpretação dominante que vê no desenvolvimento durável um convite para fazer durar o desenvolvimento, isto é, o crescimento. Após tornado o desenvolvimento universal é preciso ainda torná-lo eterno...Durabilidade passa a ser entendida como perenidade: não é a sobrevivência do ecossistema que define os limites do desenvolvimento, mas é o desenvolvimento que condiciona a sobrevivência das sociedades”.12

No caso dos maricultores essas ambiguidades transparecem, visto que a realidade social que eles vivem encontra-se distante da lógica do discurso da durabilidade, perenidade. Portanto, a questão não é simples como pode parecer porque é impossível desconsiderar as relações de poder que determinam as práticas sociais, que podem estar em desacordo com o modelo de desenvolvimento proposto de fora. Situa-se aqui o papel do PNUD, que ao pressupor estar imprimindo um desenvolvimento na localidade, e de fato está, porém o imprime com base na sua crença. Ou seja, ao estabelecerem que os maricultores não tinham capacidade técnica de gerirem os seus próprios recursos naturais, passam a dotá-los dos meios considerados por eles (PNUD) adequados, acreditando que alcançariam assim um modelo do que consideram desenvolvimento sustentável.

12 Ver Rist: Le Développement – Histoire d’une croyance occidentale. Genebra, Presses de la Fondation

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4. Considerações finais

Sem dúvida não podemos negar a importância dos resultados alcançados pelo projeto do PNUD, junto aos maricultores, do ponto de vista técnico e tecnológico pelas mudanças ocorridas na transição de uma produção antes artesanal para patamares considerados industrializados. Isto, por sua vez, não nos impede de tecer algumas considerações sobre os desdobramentos que surgem, como dados novos, e que apontam para uma nova situação que está se constituindo no interior daquela realidade social.

A visão de meio ambiente transmitida pelo PNUD, no caso dos maricultores, está enquadrada naquilo que consideramos uma visão exterior da própria sociedade, isto é, como uma externalidade onde o ambiente é um meio para se retirar recursos com fins de exploração, desde que de forma controlada tecnicamente, conservando os seus recursos e pagando os danos, quando for o caso.

Em oposição a essa visão compartilhamos da idéia de que ao nos referirmos a um problema ambiental, à priori estamos falando de um problema social. Os processos de utilização da natureza e de distribuição dos seus benefícios têm a ver com a organização social que decide sobre esses processos que lhe dizem exclusivamente respeito, levando em conta as especificidades naturais, históricas, sociais, técnicas e culturais do seu ambiente.

Entretanto, a visão predominante dos organismos internacionais que promovem os chamados projetos de sustentabilidade para países em desenvolvimento, é a defesa da solução técnica como a única saída para a resolução dos problemas ambientais. Justificam o estabelecimento de um sistema produtivo baseado na nova ordem econômica mundial que preconiza o desenvolvimento sustentado por um alto padrão tecnológico e uma economia fundada pelos preceitos do mercado. Em contrapartida, as precárias condições em que se encontram as populações dependentes de projetos que promovam mudanças de ordem social e econômica constituem-se um campo fértil de absorção da idéia de que um problema social será resolvido pela via da solução ambiental.

O nosso trabalho aponta para uma outra compreensão que nos permite incorporar ao ambiente a sua interrelação com o econômico, o político, o social e o cultural. A convivência com os maricultores tem mostrado que a questão dos valores

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não pode ser menosprezada na construção social de um ambiente socialmente mais adequado e condizente com as aspirações das populações.

O que parece estar em jogo é a construção de um novo paradigma ambiental, o qual considera os recursos culturais da população local, os seus valores tradicionais, as suas redes de solidariedade e a sua capacidade de auto-gestão como elementos fundamentais de uma democracia ambiental.

Retomando a hipótese inicialmente levantada nesse trabalho de que a adoção de um projeto de gerenciamento ambiental pode não resultar em melhorias das condições de vida de uma determinada população, se confirma. Com base na nossa investigação, a concepção do projeto do PNUD é fundada numa ação de cooptação, através das lideranças locais capazes de mobilizarem a população, já que é inegável os ganhos econômicos obtidos com a mudança da qualidade da sua atividade produtiva.

No nosso entendimento um projeto de tal envergadura não poderia ter se restringido apenas a uma transformação da forma de produção econômica, pois esperava-se que ele seria capaz de produzir efeitos imediatos no sentido de favorecer mudanças na qualidade de vida social da população de maricultores. Se isto não ocorreu a indagação que se faz aqui é: quais as razões que impediram que uma idéia global atingisse efeitos propagadores capazes de mudar as condições ambientais de vida da população local? A nosso ver a chave da questão encontra-se na ausência de um projeto que considere a participação da população como fator fundamental nas arenas de discussão, onde escolhas e decisões são definidas democraticamente.

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