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Centro Cultural de Lospalos: uma interpretação da casa tradicional - projecto e reflexão

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Academic year: 2021

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CENTRO CULTURAL DE LOSPALOS

Uma interpretação sobre a casa tradicional - Projeto e reflexão

Olávio Quintino Fernandes Cabral

Docente Orientador: Professor Doutor Luís Sebastião da Costa Viegas

Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitetura

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Agradecimentos

Agradeço a Deus pela graça de poder chegar a esta fase final do curso

Ao meu orientador, Professor Luís Viegas, pela sua generosidade em aceitar orientar esta dissertação, pelo seu apoio, atenção e ensinamento, os meus sinceros agradecimentos

À FAUP

À minha querida Madrinha, Dra. Maria de Fátima Castro, pela amizade e apoio

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RESUMO

Esta dissertação tem como objeto a elaboração de um projeto de um Centro Cultural para a cidade de Lospalos, em Timor Leste.

No intuito de ativar os conceitos e mecanismos da arquitetura do passado local na conceção de novos espaços arquitetónicos que correspondam a possibilidades, exigências e anseios da atualidade, a iniciativa de projetar o "Centro Cultural" resulta de uma interpretação pessoal sobre a casa tradicional de Lospalos.

Esta intenção, com efeito, não perspetiva perpetuar um modo antigo de fazer arquitetura, mas sim a captação da sua essência e, dessa forma, a ligação do passado numa dinâmica harmoniosa e criativa com o presente e o futuro.

O objetivo consiste em complementar o exercício do projeto com o da reflexão académica. Nesse sentido, procurou-se que, por um lado, o objeto projetual se clarificasse e se consolidasse através do desenvolvimento textual e, por outro lado, a reflexão se maturasse nessa dinâmica de complementaridade entre o projeto e a justificação. Assim, o texto desenvolvido não se limita à descrição na medida que serve, também, como instrumento de pesquisa e de imaginação: tendo sempre em consideração uma justa leitura sobre a casa tradicional e o programa contido no projeto. Desse modo se delineiam dois objetivos principais:

- Mostrar a conceção do “Centro Cultural” como sendo resultado da interpretação da casa tradicional de Lospalos.

- Relevar, no contexto, o programa proposto, tendo em atenção os aspetos funcional, material, técnico construtivo, espacial e simbólico.

Como resultado, é dada uma solução específica em termos de projeto que seja capaz, também como reflexão, de desencadear o debate alargado.

Numa primeira parte, para determinar o local de implantação do "Centro Cultural" far-se-á a aproximação do contexto, considerando os seus meios físicos. A segunda parte tratará do levantamento e caraterização da casa tradicional de Lospalos, evidenciando os seus elementos constituintes,

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a terceira parte definirá o programa do "Centro Cultural" e a quarta parte, a elaboração do projeto propriamente dito.

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ABSTRACT

This thesis has as its object the elaboration of a project of a Cultural Center for the city of Lospalos, East Timor.

In order to enable the concepts and mechanisms of the local past architecture in the design of new architectural spaces that match the possibilities, requirements and current anxieties, the initiative to design the "Cultural Center" is the result of a personal interpretation of the traditional house of Lospalos.

This intention, in fact, is not to perpetuate the old way of doing architecture, but to capture its essence and thus the connection of the past in a harmonious and creative dynamic with the present and the future.

The aim is to complement the project with the exercise of academic reflection. In this sense, it tried to, on the one hand, the architectural design object is clarified and consolidated through textual development and, on the other hand, the reflection is maturate in this dynamic complementarity between the project and justification. Thus, the text developed is not limited to the description as serving also as research and imagination instrument: always taking into account a fair reading of the traditional home and the program contained in the project. Therefore, outlined two main objectives: - Display the design of the "Cultural Center" as a result of interpretation of the traditional house of Lospalos.

- To highlight in the context the proposed program, taking into account the functional, material, constructive technical, spatial and symbolic aspects.

As a result, it´s presenting a specific solution in terms of project which able, as reflection, to trigger the extended debate.

In the first part, to determine the site of implantation of the "Cultural Center" is doing the approach of context, considering their physical means. The second part is dealing with the survey and characterization of the traditional house of Lospalos, showing its constituent elements, the third part will setting the program "Cultural Center" and the fourth part, the elaboration of the project.

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SUMÁRIO

Resumo/Abstract...1

Introdução...7

Parte 1 | Escolha do local de implantação 1.1. Lospalos - aspeto geral...11

1.2. Cidade e arquitetura...13

1. 3. Local de implantação...19

Parte 2 | Levantamento e caraterização da casa tradicional de Lospalos 2. 1. Configuração simbólica...29

2. 2. Materiais e sistemas construtivos...39

2. 3. Configuração espacial...47

Parte 3 | Definição do programa do Centro Cultural 3. 1. Da casa ao equipamento público...57

3. 2. Programa...59

Parte 4 | Projeto 4. 1. Conceitos...67

4. 2. Implantação...71

4. 3. Configuração formal e espacial...75

4. 4. Materiais e sistemas construtivos...83

4. 5. Desenhos...95

Considerações finais...119

Referências bibliográficas...121

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INTRODUÇÃO

A casa tradicional de Lospalos, para além da sua função habitacional, é considerada, em alguns casos, também como lugar de culto, ou seja, casa sagrada. É desconhecida, porém, até ao momento, a sua origem, onde terá surgido pela primeira vez e quem a terá inventado. Apenas se sabe que é adotada como casa tradicional dos falantes de três dialetos diferentes existentes na região de Lautém: Fataluku, Makalero e Saáne.

No livro Arquitectura Timorense, o autor Ruy Cinatti, ao referir-se a esta casa, designa-a por casa de dagadá, designação esta que está associada especificamente ao povo falante do dialeto Fataluku, de modo que não abrange os povos dos dialetos Makalero e Saáne que são igualmente detentores do mesmo estilo arquitetónica da casa. Mas, pode-se supor que o autor, utilizando esta designação, está a remeter-se aos donos das casas que ele estudara para a sua pesquisa, que de facto são falantes do dialeto Fataluku, aliás, povo dagadá. Coloca-se esta questão, na medida em que se indaga sobre origem desta casa e o tema está em aberto.

É difícil traçar uma linha narrativa sobre a casa tradicional de Lospalos, não apenas pela inexistência de dados registados, mas também porque cada casa tradicional possui uma "história" diferente de outra, uma vez que a sua construção, ou melhor, os sentidos atribuídos aos elementos construtivos estão relacionados com a tradição sócio-religiosa de cada família que nela habita. Aliás, o processo da construção da casa normalmente envolve as cerimónias tradicionais nas quais se narram as histórias dos seus habitantes, desde a preparação do caminho para ir derrubar as árvores até a colocação do último enfeite.

Justino Valentim Cailoro, como responsável pela Cultura na cidade de Lospalos face à possibilidade de - dada a dissemelhança de significados atribuídos às casas tradicionais, não obstante da semelhança da conceção arquitetónica - construir uma casa sagrada que representasse a todos, considera, prontamente, que não, pois cada elemento arquitetónico tem um significado especial referente à história do seu habitante. É possível, sim,

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uma casa tradicional (não sagrada) que representasse a todos. E esta já existe, mesmo no centro da cidade de Lospalos.

Ora, esta casa tradicional que existe no centro da cidade de Lospalos não é, porém, uma casa no sentido original, porque nunca teve uso, está lá apenas como um monumento escultórico, não é lugar de culto, nem de habitação. Assim, sem função, a casa pertence a todos mas a ninguém pertence.

Foi neste contexto que a ideia de projetar o Centro Cultural - uma casa para todos - veio à luz. Mas, para pertencer a todos, a conceção do Centro Cultural vai buscar raízes à própria casa tradicional de Lospalos: o que faz participar na conceção do novo equipamento, todo um conceito cultural e arquitetónico local, dado que um espaço cultural deve sê-lo, não apenas pela função que nele se exerce, mas como o próprio objeto arquitetónico assumido como tal.

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1. 1. LOSPALOS - ASPETOS GERAIS

Lospalos é a cidade de Timor Leste para a qual é destinado o projeto elaborado no presente trabalho.

Timor Leste encontra-se dividido em treze distritos, distribuídos pelo território de seguinte forma: Liquiçá, Díli, Manatuto e Baucau na costa norte; Lautém na ponta leste; Viqueque, Manufahi, Ainaro e Cova-Lima na costa sul; Bobonaro, Ermera e Aileu no interior montanhoso e o enclave Oecussi-Ambeno no território indonésio (Fig. 1).

O distrito de Lautém, que inclui na sua área o ilhéu de Jaco, faz fronteiras com o mar de Wetar (nordeste), os distritos de Baucau e Viqueque (oeste) e o mar de Timor (sudeste); possui uma área aproximadamente de 1.702 km2 e uma população de cerca 59.787 habitantes1.

Em termos administrativos, Lautém está subdividido em cinco subdistritos: Lospalos, Iliomar, Lautém-Moro, Luro e Tutuala (Fig. 2), sendo Lospalos o maior subdistrito do país, com cerca de 623.94 km2 e uma população de 29.236 habitantes.2

Lospalos, sendo capital do distrito de Lautém, está situada a 248 km (a leste) de Díli, capital do país, e localiza-se entre os restantes subdistritos de Lautém (o que permite a sua ligação direta com todos eles). Subdivide-se em 10 sucos e 52 aldeias, sendo que dos 10 sucos o de Fuiloro é o mais urbanizado e neste estão concentradas as atividades sociopolítica e económica principais.

O subdistrito de Lospalos faz fronteiras a leste com o subdistrito de Tutuala, a norte com o subdistrito de Lautem-Moro, a oeste com os subdistritos de Iliomar e Luro e a sul com o mar de Timor.

Topograficamente, Lospalos é caraterizado pelos planaltos de Fuiloro, com altitudes que raramente ultrapassam 500 m. De um clima quente e húmido, tem os valores de humidade mais altos do país, traduzidos em duas estações de chuva com precipitação anual de 1000 mm a 1500 mm.

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Censos 2010

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Fig. 1 | Mapa de Timor Leste

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Os seus solos são férteis e apresentam um relevo pouco acentuado, adequado à atividade agrícola.3

1. 2. CIDADE E ARQUITETURA

A cidade de Lospalos, é uma cidade pequena, em termos da hierarquização política, comparável a uma cidade comum de Portugal, mas em termos das condições de vida está longe a possibilidade de comparação. A carência de infraestruturas e de saneamento básico é o primeiro problema a reparar. A cidade, porém, possui vida própria, que gira em torno das relações familiares, das atividades de subsistência (escritório/ agricultura/ comércio), de jovens que frequentam a escola, das cerimónias religiosas, ou seja, da Igreja, do Mercado, do Hospital, das lojas/quiosques, das ruas e da praça/o campo de futebol. Deste modo, a descrição ou a memória da cidade deve-se a estes dinamismos, restringidos no aspeto físico mas, naturalmente, ricos de vivência.

É de notar que em Lospalos as ruas (os elementos horizontais) não têm nomes, pois o que dá nomes aos lugares são os elementos verticais, isto é, os edifícios e as casas. Em frente da Igreja, no Mercado "baru" (novo), perto de "toko" (lojas), no Centro Cultural, perto de "patung" (estátua), perto da casa de tal fulano, etc.: é assim que é costume a referência aos lugares. Um único elemento horizontal que tem presença forte na cidade é a praça/o campo de futebol, como referência incontornável, pois, de resto, são vazios indefinidos e, quando são ruas e largos, não têm desenhos que os caraterizem. Assim, falar da cidade de Lospalos é falar, sobretudo, dos elementos construídos.

Podemos dizer que em Lospalos existem três tipos de arquitetura: a arquitetura tradicional (Fig. 3), a arquitetura de influência portuguesa (Fig. 4 e 5) e a arquitetura de influência indonésia (Fig. 6 e 7). A arquitetura tradicional, caraterizada pela aplicação de materiais vegetais, tais como a

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GERTIL - Faculdade de Arquitectura - Universidade de Lisboa, Atlas de Timor Leste, (Lisboa, LIDEL - Edições Técnicas, Lda., 2002), p. 63.

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madeira, o colmo, o bambu e as cordas vegetais, é o tipo de arquitetura praticada pela população, particularmente, nas zonas mais rurais. A arquitetura de influência portuguesa é caraterizada pelas construções de alvenaria de tijolo, cobertura de zinco ou telha e encontra-se principalmente no centro da cidade: pois é um facto que a construção da cidade de Lospalos começou no período da colonização portuguesa. Desta arquitetura são exemplos o edifício do Centro de Saúde Comunitária, o Departamento da Educação, as lojas, o antigo mercado (agora transformado em equipamento cultural) e algumas moradias que atualmente são usadas como edifícios institucionais. Já a arquitetura de influência indonésia apresenta-se em estruturas leves de betão, paredes de blocos e cobertura de zinco, sendo ela a mais praticada pela população que vive na zona urbanizada de Lospalos e tende a chegar também às zonas mais rurais. Dos edifícios que detêm esta influência destacam-se a Igreja, o Clube (espaço multiuso), o quartel da Polícia, os edifícios administrativos, as escolas e pouco mais.

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Fig. 4 | Centro de Saúde Comunitária, Lospalos

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Fig. 6 | Edifício da Administração Local, Lospalos

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1. 3. LOCAL DE IMPLANTAÇÃO

O lugar de implantação do Centro Cultural localiza-se no centro da cidade de Lospalos, no cruzamento de duas ruas importantes: uma principal que vem desde o litoral sul e atravessa a cidade para este e outra de ligação interior. O terreno faz parte de uma zona da cidade onde estão localizados, atualmente, o complexo do Hospital e as instalações culturais. Nesta zona "convivem" construções de estilos distintos (tradicional, português e indonésio), sendo que uma casa tradicional (de origem vegetal) se faz sobressair entre a cor branca das restantes edificações (Fig. 8).

A cidade em si está situada também no cruzamento de duas vias principais, uma já referida e outra proveniente do litoral norte (Fig. 9). Caraterizada por pouca densidade, os seus elementos arquitetónicos organizam-se em contiguidade com as ruas, na maior espontaneidade, sem preocupação de alinhamento, e manifesta a falta de definição do espaço público e privado, e despropositada a relação entre o espaço construído e o vazio deixado.

No que se refere ao construído, os edifícios de relevo que são o Centro de Saúde Comunitária, a Igreja, as escolas, o Banco, os edifícios administrativos, as instalações culturais, o Clube (espaço multiuso), o Mercado e as lojas. Estes desempenham um papel importante para o funcionamento da cidade pelo seu caráter funcional e referencial, sendo a maior parte deles localizada no centro da cidade, ou melhor, constituintes da cidade (Fig. 10).

O terreno escolhido para o Centro Cultural corresponde a um sítio estratégico, uma vez que está adjacente aos equipamentos culturais preexistentes e próximo das escolas. De uma topografia plana - caraterística da zona de Lospalos, marcada geralmente por planícies - o terreno é delimitado por ruas, a norte, este e sul e por edifícios, a oeste.

Já dentro do perímetro da área da intervenção encontra-se, como elemento pré-existente importante, a casa tradicional, construída no tempo

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Fig. 8 | Vista do local de implantação. Vêem-se a casa tradicional, os equipamentos culturais e o Centro de Saúde Comunitária (mais ao fundo)

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da ocupação indonésia, como ícone na cidade. A sua presença naquela parte da cidade foi decisiva para que fossem estabelecidas aí duas relevantes edificações de caráter cultural: uma nova construção, erguida recentemente que funciona como escritório e outra de reconversão do antigo mercado (do tempo português) que funciona agora como espaço polivalente.

A zona onde está localizado o terreno de intervenção sempre foi o ponto de afluência, por causa da praça (o campo de futebol) e o mercado. Atualmente o mercado está transformado em instalação cultural, a praça ou o campo de futebol continua a ser o que era antes, ou seja, um grande espaço aberto no meio da cidade que dá acomodação a grandes manifestações sociais, culturais e desportivas. Ora, com a transformação do mercado para espaço cultural, alterou-se o caráter daquele espaço. O uso e a frequência do uso alteraram-se. O mercado era usado todos os dias, ao passo que o agora espaço cultural só se usa de quando em quando. O edifício que funciona diariamente é o de escritórios.

Assim sendo, na nossa perspetiva, a introdução do novo edifício do Centro Cultural, respetivas funções (espaço de leitura, espaço expositivo e galeria de reunião), irá ajudar a reformular e revitalizar aquela zona cultural, que, apesar de integrar uma casa tradicional (aí instalada juntamente com outros dois edifícios) demonstra-se não de todo funcional: a casa tradicional nunca foi utilizada (está ali apenas como monumento), um edifício de escritórios em funções e outro de uso polivalente que recebe, de vez em quando, atividades cívicas e culturais (reuniões, apresentações, etc.). Nestes termos, a intervenção que propomos será, portanto, uma mais valia para aquela zona, pois irá torná-la mais funcional, mais acessível e movimentada por pessoas, especialmente, jovens estudantis. Pretende-se, assim, "inaugurar" um novo modo de encarar espaço cultural, como um espaço de estudo, de contemplação e de encontro.

O novo edifício do Centro Cultural implantar-se-á no lugar outrora ocupado por uma edificação de caráter cultural, que funcionava mais ou menos como funciona agora o espaço polivalente (o mercado transformado)

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que, no entanto, fora queimada durante a turbulência de 19994.

Do ponto de vista volumétrico, consideramos que a nova edificação trará também novidade, pois o edifício do Centro Cultural é constituído por dois pisos: o que o distingue da realidade envolvente caraterizada apenas por edifícios de planta baixa. Assim, uma peça unitária e preconcebida, pensada a partir da casa tradicional, é pousada na ponta leste do terreno de formato oblongo, condicionando o desenho de passeios das ruas contíguas e do arranjo exterior.

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Em 1999 houve uma onda de violência que avassalou todo o território timorense perpetrada por parte da Indonésia em retaliação ao resultado vitorioso da Independência de Timor Leste.

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Fig. 10 | Planta da cidade, destacam-se as vias principais (azul) e secundárias (cinzento) e os edifícios principais. Legenda:

01. Casa tradicional de Lospalos 02. O Centro Cultural proposto 03. Equipamentos culturais existentes 04. Complexo do Centro de Saúde Comunitária 05. Escolas 06. Igreja e propriedade da paróquia 07. Clube (espaço

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Fig. 11 | Os equipamentos culturais e a casa tradicional de Lospalos (mais ao fundo)

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PARTE 2 | LEVANTAMENTO E CARATERIZAÇÃO DA CASA TRADICIONAL DE LOSPALOS

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2. 1. CONFIGURAÇÃO SIMBÓLICA

Os "antigos" de Lospalos concebem a casa como a mais sublime representação (miniatura) do universo. A casa sintetiza, na sua configuração, uma sistema de relações e de crenças que a colocam para lá do mero objeto utilitário. Presume-se que há um ideal de orientação que se sobrepõe ante a exigência prática.

Assim, seria oportuno começar a falar da casa versando sobre a configuração simbólica, uma vez que esta tem a estreita relação com a própria configuração formal.

Existem várias versões a este respeito que variam, quase de casa em casa, consoante a tradição de cada linhagem familiar. Há quem diga que a casa deve ser alta porque o escadote teria que ter sete degraus. O número sete que teria a ver com o número de estrelas (não se sabe quais mas a verdade é que o número sete está presente também nos rituais).5 Há quem diga que a casa é alta, para enfatizar a relação com o Além, ou para afirmar o poderio.6 Assim por diante. Ora, devido à impossibilidade de recolher os dados, fazemos nós uma interpretação própria, na base do que se conhece, a partir do objeto da casa, relacionando-o com outros "objetos" que pensamos pertinentes. Perscrutar sobre o que está na base da conceção da casa foi importante, porque, assim, pudemos encontrar referências para a conceção do nosso Centro Cultural.

Ao observarmos a casa tradicional de Lospalos (Fig. 13), somos tentados a estabelecer algumas associações, suscitadas pela sua forma: um animal de quatro patas, uma árvore em cuja sombra os homens se refugiam, ou mesmo um ser humano. Todas estas associações são dignas de referência e, provavelmente, têm a sua influência mais ou menos explícita na conceção da casa.

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Informação do Sr. Faustino dos Santos (Chefe do Departamento de Indústrias Criativas Culturais de Timor Leste)

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Uma coisa é certa: quando o desenho é intencional, desenha-se o que se conhece. Na casa tradicional de Lospalos é de notar que a forma resulta, não da necessidade da exploração de si mesma, mas antes, como necessidade de desenhar intenções, sentidos e valores. Daí a evocação das figuras (acima referidas) como constituintes de tais valores.

O búfalo e o cavalo (Fig. 14 e 15) são animais que têm para os timorenses valores tanto reais como simbólicos, pois servem de meios para a execução de tarefas humanas, para as trocas matrimoniais, para assinalar prestígio e como animais de sacrifício nas cerimónias sócio-religiosas. De resto, são animais quadrúpedes com estruturas constituídas por patas (extremadas inferiormente por casco), tronco e cabeça. No caso do cavalo o pescoço é bastante comprido, afunila-se no sentido da cabeça e tende para a forma triangular. Deste modo, sob um certo ponto de vista, o cavalo é uma figura que pode associar-se à forma da casa de Lospalos: o estrado de madeira da casa (o envasamento) evocaria o casco, os quatro pilares como que as patas sustentando o tronco que seria o volume principal e a alta cobertura de gamuti, encimada por decoração em pau de fileira, seria o pescoço encoberto de crineira no bordo superior, encimado por orelhas.

Há também o galo (Fig. 16) que, sendo animal de grande estimação pelos timorenses, simboliza força, coragem e fertilidade. “Manu-aman” (de tradução literal em português ave-masculino, ou seja, galo) torna-se popularmente uma expressão que se refere à masculinidade e virilidade, pois é conhecido o desporto tradicional dos timorenses da “Luta de galos” em que os galos são postos em combate, pela vitória dos mais fortes e corajosos. O que se pretende realçar deste animal não é o seu aspeto físico (que no caso dos mencionados anteriormente inspiram estruturas de maior saliência, embora se possa também servir de inspiração figurativa), mas sim o seu valor simbólico, como testemunham as palavras de um ancião, enquanto comenta a casa tradicional: “Porquê a nossa casa fica sobrelevada? Porque deve ser em altura que o “Manu-aman” entoar a voz.”7

Trata-se, evidentemente, de uma alusão à relação entre o galo, a casa e o homem.

A árvore, por sua vez, representa o movimento da vida, pela própria

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32 Fig. 14 Fig. 15 Fig. 16

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força de regeneração. No livro “Motivos Artísticos Timorenses e a Sua Integração”, Ruy Cinatti notou que:

“A árvore tem para o timorense uma importância só equiparável ao facto de haver nascido.” De facto, “a ela vai buscar alimentos – folhas, flores, frutos -, os materiais com que constrói as casas e confecciona o vestuário (antigamente feito a partir da entrecasca) e toda a série de utensílios domésticos e afins com que melhora o condicionalismo vital; finalmente, como paradigma axiomático de multiformes circunstâncias, a árvore é a garantia do pão, já que Timor se situa numa zonafitogeográfico adstrita. De tudo isto se apercebem os timorenses que, por configuração própria à sua cultura, a elevaram à categoria de símbolo, do qual decorrem quase todas as suas atividades sagradas e profanas.”8

Ora, de modo global, será a árvore, talvez, a que desempenha maior ligação com a construção arquitetónica (em comparação com os animais) pela estaticidade, que sugere permanência e estabilidade, e além de constituir matéria-prima para a construção. Nesse sentido, é possível estabelecer uma analogia entre a casa tradicional de Lospalos e a árvore (Fig. 17).

Se a árvore é constituída por raiz, tronco e copa, na casa tradicional de Lospalos também se reflete esta tripartição, ao adotar, na sua organização vertical, uma composição tripartida: espaço térreo fluído, zona habitacional sobrelevada e cobertura com altura muito acentuada. Estes três componentes assumem valores simbólicos ao anunciar os três níveis cosmogónicos: o mundo dos mortos, o mundo dos vivos e o mundo dos espíritos; ou, noutra versão, o mundo dos animais (seres irracionais), o mundo dos humanos (seres racionais) e o mundo dos espíritos.

A fundação da casa de Lospalos, por sistema de estacas, não se enraíza tão funda na terra: o que dá (também) uma certa ideia de se encarar a terra como “superfície”, de entendê-la mais como realidade poética e não no sentido “geológico”, ou seja, para fora e não para dentro. Deste modo,

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CINATTI, Ruy, Motivos Artísticos Timorenses e a sua Integração (Lisboa, IICT / Museu de Etnologia, 1987), p. 162

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pode dizer-se que há, na conceção arquitetónica da casa de Lospalos, uma certa atitude de distanciamento e, em simultâneo, de respeito (no sentido de não exploração) perante a terra.

Assim, ao contrário dos contextos geográficos propícios ao uso da pedra, que instigam construções megalíticas, ou ainda a ideia remontada ao tempo mais remoto de a casa-caverna, quase poderia dizer-se que a casa de Lospalos nasceu de uma folha. Como a ideia do barco terá surgido a partir de uma folha a flutuar sobre a água, assim também a ideia da casa terá começado por gesto primário do timorense proteger-se da chuva com a folha de palmeira.

Em Timor, de uma forma geral, e em Lospalos, em particular, nos tempos remotos é mais fácil deparar-se com abrigo montado sobre árvore do que “casa-gruta” (abrigo de pedra). Isto deve-se, talvez, à falta de conhecimento de meios para a exploração da pedra, mas, ao mesmo tempo, testemunha a tendência natural dos timorenses pelas construções mais leves.

Finalmente, a figura humana. Ao observarmos os enfeites da cobertura, reparamos no esmerado cuidado com que os construtores de Lospalos enfeitam a sua casa: como se de ser humano tratassem (Fig. 18). Búzios laçados ou estendidos em cordões sobre o revestimento de fibra da gamuteira, prolongamento de paus de fileira, ou ainda outros objetos evocativos, coroam, na verdade, os habitantes da casa, ao realçarem a sua posição no universo ou na sociedade a que pertencem. A figura humana é, sem dúvida, o constante na inspiração artística, presente em todas as culturas e civilizações. A própria arte, enquanto invenção humana, corresponde a expressão humana, ora sob figuras alheias, ora sob figura própria. Uma das primeiras coisas que o homem aprende a escrever é o (seu) nome, o mesmo se sucede com as primeiras figuras que o homem apreende desenhar: a figura humana.

A arquitetura, a despeito da sua primordial natureza de construção e de abrigo, sempre foi, ao longo da História, um “meio” pelo qual se ativam e se registam as criatividades artísticas (e nela se incorporam, inclusive, as obras de pinturas, esculturas e afins).

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A arquitetura tradicional de Lospalos não está isenta desse procedimento. Aliás, desde as pinturas rupestres do Neolítico e Mesolítico timorense reproduzem os motivos artísticos com referência à figura humana, cujo significado simbólico se traduz na proteção contra os espíritos malignos e na recordação dos antepassados.9 Essa prática repete-se, posteriormente, nos motivos aplicados nas casas tradicionais. No que se refere à casa de Lospalos, as decorações com a evocação à figura humana estão presentes (entre outras representações) em forma pictórica ou entalhada na face exterior das paredes, ou através de objetos ornamentais escultóricos, como já referimos.

Pode, ainda, trazer-se à memória uma outra figura: o barco (Fig. 19). Um barco à vela, resistente ao vento e à tempestade, navegando no alto mar, em triângulo, o velame erguendo-se sobre a plataforma, entre eles param e movimentam os homens. Um veleiro lançando-se ao mar faz lembrar a casa de Lospalos “caminhando” sobre planície.

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2. 2. MATERIAIS E SISTEMAS CONSTRUTIVOS

A casa de Lospalos é construída, globalmente, em materiais naturais de origem vegetal: desde os elementos estruturais, aos revestimentos e aos de ligação. Os materiais mais utilizados são pau-ferro (ai-bessi), pau-rosa (ai-ná), acadiro (ai-acadirum), bambu (au-maus), palapeira/palapa (ai-car) e gamuteira/gamuti (au-naulurir).10 Os materiais são obtidos diretamente nas florestas e pelos próprios aldeões (que pretendem construir).

Para possibilitar a tarefa, o "pretendido", normalmente congrega familiares ou pessoas conhecidas (dirigidos por um especialista, carpinteiro, caso o proprietário não o seja) que vão derrubar as árvores específicas, extraindo as madeiras e transportando, por vezes, troncos inteiros para o local a construir, onde serão efetuadas as adequações necessárias para a execução. São rudimentares os instrumentos utilizados no derrube e na aparelhagem das madeiras: o machado, a catana, o formão e a plaina rústica.11

Devido às condicionantes climáticas, escolhe-se a época para construir, de preferência, a época seca que ocorre nos meses de junho, julho, agosto e setembro: sendo a preparação dos materiais efetuada em junho e julho (tempo suficiente para que os troncos sequem) e aplicados na construção em agosto e setembro.

Na execução da casa conta-se sempre com a ajuda de especialistas, ou seja, carpinteiros, pois as exigências construtivas e decorativas são mais complexas e arrojadas: chegando a durar anos (3, 4 ou 5) a conclusão da obra.12

O terreno escolhido para implantar a casa é, de preferência, plano, tratando-se dum sistema arquitetónico preconcebível e unitário, não é adaptável aos declives.

A construção inicia-se com a fundação de quatro pilares de pau-rosa

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CINATTI, Ruy, Arquitectura Timorense (Lisboa: IICT/Museu de Etnologia, 1987), p. 221

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Ibidem, p. 132

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40 Fig. 20 | A base da casa

Fig. 21 | Detalhes construtivos

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(ai-na) em quatro buracos escavados nos vértices de uma planta quadrangular, nos quais os pilares são firmados com calços de pedra e terra (Fig. 20). A seguir, colocam-se os vigamentos, particularmente dois (feitos em pau-ferro, ai-bessi), postos em paralelo e fixos aos pilares por entalhe e cordame de gamuti e rota13. Sobre estes, coloca-se um segundo vigamento, igualmente dois (ou três, dependendo da dimensão da casa), paralelos entre si e perpendiculares aos anteriores, nos quais ainda é posto um terceiro vigamento aumentando-se em número de modo a ganhar o vão a fim de receber os barrotes do pavimento do piso, revestido, a seu tempo, de bambu espalmado ou placas de madeira (Fig. 21).

Até aqui as técnicas empregues nas ligações dos diversos elementos constitutivos são os entalhes, as cavilhas e as ligações por cordame. As mesmas técnicas que se aplicam no resto da construção (Fig. 22).14

Feita a estrutura-base, sobre ela são erguidas as paredes e a cobertura, e começam por colocar-se os esqueletos do corpo principal com travamentos, que desempenham duas funções estruturais sustentando as paredes e transmitindo para a estrutura-base as cargas concentradas provenientes de cobertura. Estes são unificados, na parte superior, com frechal que, por sua vez, se conecta à quase piramidal estrutura do teto enquanto presos, na parte inferior, às traves do pavimento (Fig. 23 e 24).

O teto em si, arma-se em varedo, finas vigotas, intermediadas de terças, concorrem a culminar-se na cumeeira. Então visualizam-se prontas quatro águas a serem cobertas com camadas de palapa e fibra de gamuti, postas em sobreposição e atadas ao varedo. Tendo a forma de quase uma pirâmide invertida, a cobertura chega a elevar-se até onze ou doze metros de altura e, em alguns casos, é forrada no interior com um esteirado de bambu espalmado, como medida de proteção contra o fogo.15 A inclinação muito acentuada da cobertura funciona eficazmente no escoamento de águas pluviais, que, chegando ao beirado, são afastadas das paredes.

A construção conclui-se com a aplicação de revestimentos e suplementos decorativos. 13 Ibidem, p. 143 14 Ibidem, p. 217 15 Ibidem, p. 145

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Fig. 23 | Uma casa (vulgar) em construção

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Já se mencionou, acima, os revestimentos empregues na cobertura e no pavimento do piso, sendo de fibra da gamuteira/palapa e de bambu espalmado, respetivamente. Quanto aos revestimentos das paredes, existem algumas variações: ou em tabuado de madeira (palavão preto ou pau-rosa), ou em palapa, ou em bambu espalmado, ou ainda em revestimento misto (Fig. 25).

As pequenas aberturas são efetuadas nas paredes, cujas folhas apoiadas nos travamentos, permitem a "acessibilidade" visual e a circulação de ar (e de fumo). Eleva-se acerca de um metro do solo um estrado de madeira donde se acede ao interior da casa através de um escadote e alçapão aberto no sobrado.

Por fim, procede-se às decorações de entalhes, desenhos incisos, pinturas e esculturas de madeira, armações de gamuti e longos cordões de grandes búzios. Os desenhos são aplicados nos vigamentos do piso, nos tabuados das paredes e as representações escultóricas aplicam-se no remate da cobertura que apresenta traves esculpidas que prolongam a cumeeira para ambos os lados e terminam em forma de proas de barcos; dos quatro cantos da cobertura pendem cordões de búzios terminando num grande univalve (Fig. 27).16

16 Idem. p. 145

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44 Fig. 25 | Corte

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45 Fig. 26 | Alçado

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Fig. 27 | Detalhe decorativo da cobertura

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2. 3. CONFIGURAÇÃO ESPACIAL

O contexto, a todos os níveis ligado à vida natural, em que a casa tradicional de Lospalos se insere é o fator determinante da configuração espacial da casa. A vida ocorre mais no exterior do que no interior, as atividades de subsistência, ou seja, os trabalhos do campo exercidos ao ar livre ocupam a maior parte do tempo dos habitantes. Normalmente, saem de manhã, passando o dia no campo a trabalhar e só retornam ao entardecer. Não raras vezes, todos (homens, mulheres e crianças) vão à faina: ninguém fica em casa. Mesmo os que ficam, realizam os seus trabalhos domésticos ao ar livre, ao redor da casa, quando não chove: como, por exemplo, secar ou pilhar o milho, preparar a comida para seus animais domésticos, as crianças a correrem de um lado para outro a céu aberto, as mães a tecerem panos sob o sobrado da casa e a conversar, etc.

O piso da casa, propriamente dita, é usado durante o dia para cozinhar, comer, ou fazer cesta. A pouca abertura em relação ao exterior e o reduzido dimensionamento do espaço interior tornam forçoso aí realizar outras atividades. Durante a noite, toda a família se acolhe para cozinhar, estar e dormir.

Relativamente às disposições interiores, o espaço apresenta-se unitário, não existem paredes divisórias, de modo que não faria sentido falar em termos “divisões interiores”. Diferentes funções atribuídas pelo espaço são assinaladas pelas disposições dos tabuados de madeira, ora no pavimento, ora no vertical assinalando pequenas compartimentações.

A localização da entrada é decisiva para que se organize o espaço interior. Abre-se o alçapão, num canto da planta quadrada, (exterior à planta inicial sobre a qual estão erguidos os quatro pilares, recordando-se que a planta do piso aéreo se amplia em metade da área medida entre os pilares). Fixando a entrada, as compartimentações jogam-se com poucas variáveis: uma antecâmara acolhe a chegada de escadote; uma zona central de uso livre, serve-se para estar, comer, dormir; uma cama encostada a uma parede, de cujo lado oposto está localizada cozinha com lareira; aproveita-se também o interior da cobertura dispondo um ou dois estrados de bambu

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ligados ao varedo, onde arrumam parte das reservas alimentares e riquezas de família (Fig. 29 e 30).

Importa salientar que não estão incluídas na organização da casa as instalações sanitárias, que, quanto muito, correspondem a improvisadas casas de banho instaladas exteriormente nas áreas contíguas.

Do ponto de vista da perceção espacial, a casa de Lospalos dá-se em formas básicas e regulares que permitem ao observador uma relação franca com o objeto. Desenvolve-se na vertical, sendo elevada contra a gravidade, não deixa de transparecer leveza; os quatro troncos de suporte em madeira fazem com que a casa se libere da ideia de construção pousada. O peso que se deve descarregar brutalmente no chão, é controlado e transmitido com delgadeza. Desvirtuando a tensão, transmite a sensação de movimento.

A gravidade acentuada pela altura da cobertura – inclusive em termos visuais, devido à cor preta forte da fibra de gamuti – é compensada, paradoxalmente, por “vazios deixados” entre os pilares no piso térreo, que dissimulam a tensão e anulam o efeito estático. O jogo formal e material confere, ao espaço, um sentido gradual, ascendente, do aberto ao fechado: semiaberto (piso térreo), fechado com pouca abertura (piso aéreo), fechado por completa (teto).

A execução com sensibilidade técnica e estética do uso da madeira - explícita especialmente nos pontos de conexão, nos detalhes de remate ou decorativos - dão uma certa profundidade que se não deixa perceber “superficialmente”. A conjugação entre a complexidade dos vigamentos, o volume simples, quase cúbico, a forma piramidal da cobertura e o interior “minimalista”, espelha uma certa tendência pela abstração/perfeição a partir da consciência do real. As três divisões verticais são claras, sem banalização, atribuindo-se a cada parte abordagem própria, as diferenciações são conjugadas em torno dum espaço ideal.

Acedendo-se ao interior, o observador é acolhido sob o sobrado, sendo a chegada anunciada por uma elevação de pavimento em madeira, a separar o espaço da casa, da terra seca ou lamaçal pela época de chuva. A chuva já se não faz sentir, a não ser o vento salpicar águas pluviais no espaço térreo desprovido de paredes.

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O sol, quanto mais alto, mais se esconde do sobrado e a sombra encolhe-se. Sobre a cabeça do observador estão entrelaçados os vigamentos que à partida, parecem exagerados em número, mas cumprem, na verdade, funções precisas. Pega-se no escadote para subir ao piso aéreo. O alçapão é bastante estreito, só dá para passagem de uma pessoa. Então, encontra-se no interior da casa: o ambiente escuro contrasta com o do exterior, que precisa de segundos para adaptar a visão. Se o revestimento do pavimento é de bambu espalmado, faz-se barulho ao caminhar-se sobre ele. Mas o espaço não é próprio para se caminhar, sendo reduzido, aberto e unitário, sugere vontade de se sentar a quem chegue. A volumosa fibra de gamuti da cobertura consegue amenizar a temperatura interior e os materiais vegetais das paredes e do pavimento, além da sua fina espessura, têm brechas que deixam circular o ar mantendo fresco o ambiente. As pequenas janelas (uma ou duas) abertas nas paredes reforçam ainda esse efeito ao estabelecerem o contacto visual com o exterior. As paisagens naturais, lá fora, ganham outra intensidade vistas a partir destas pequenas aberturas do espaço interior escurecido.

Tomando-se conta, à luz do dia, o percurso tinha conduzido o observador, dum exterior radiante, a um interior obscurecido, onde todo o movimento do espaço se introduz numa verticalidade enigmática.

Aqui, precisamente, o habitante de Lospalos repousa. No limiar da luz e sombra. Do mundo e mistério.

Quanto à relação do interior e exterior, é de ter em consideração, primeiramente, que a tipologia da casa de Lospalos é uma tipologia que resulta, não propriamente do confronto com a topografia, mas do facto de a sua implantação não proceder, por princípio, a alterações efetivas ao terreno.

As aglomerações humanas presentes nos aldeamentos tradicionais são compostas normalmente de parentescos, pessoas da mesma linhagem de família que se ocupam nas suas propriedades terreais. De modo que a elevação do piso da casa, que libera o espaço térreo e o mantém fluído, reflete, de certa forma, essa inevitabilidade da relação, que se deve manter ligada com harmonia, evitando quaisquer cortes e ruturas.

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Fluidez

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caráter sagrado a não adulterar, pois entende a família como o guardião das tradições dos antepassados (a quem respeitam e veneram) e a garantia racional da continuidade geracional; princípio que está integrado no próprio sistema da crença tradicional. Por exemplo, as próprias linguagens usadas nos tratos cerimoniais ou familiares (porque qualquer acontecimento cerimonial tem sempre o caráter familiar) são ditas por meio de alegoria, pois, ao abordar tais assuntos, se está mexendo no sagrado, em cuja falta de sensibilidade e suscetibilidade só serviria para a profanação e a desarmonização. Deduz-se, portanto, que, tal sensibilidade, digamos relacional, teria influência no modo como se estabelece o interior-exterior da casa, que apregoa continuidade e fluidez. Queremos registar, a esse respeito, dois momentos: Um, que tem a ver com a organização interna da casa, aberta e unitária, e, outro, que intermedia este mesmo interior com o exterior, que é o piso térreo liberado. Nestes dois registos está patente a ideia da continuidade. Se, por um lado, a localização da zona habitacional (num piso aéreo sem aberturas francas para o exterior) mostra a absoluta necessidade pela privacidade do interior, por outro lado, a liberação do piso térreo (como espaço neutro) mostra, porém, a necessidade da continuidade. Com efeito, por meio deste espaço neutro é assegurada a relação entre as células habitacionais no conjunto do aldeamento, embora urja em cada uma manter autónomo o núcleo interior.

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3. 1. DA CASA AO EQUIPAMENTO PÚBLICO

Como vimos, a casa tradicional de Lospalos tem lugar especial na história e na cultura de Timor. A sua forma peculiar, que se distingue das casas tradicionais de outras zonas de Timor, faz com que facilmente as pessoas com ela se identifiquem: tanto que ela se tornou ícone nacional. Desde o tempo colonial português, esta casa era reportada com alguma distinção, assim como, também, durante a ocupação indonésia, era considerada como monumento representativo da província. De tal modo que, no "Taman Mini Indonésia Indah", em Jakarta, ao lado de casas tradicionais das várias províncias da Indonésia, foi construída uma reprodução da casa tradicional de Lospalos, representando a então província de Timor-Timur. Ainda hoje lá permanece, tendo-se transformado em Museu (Fig. 33).

Em Díli, na altura capital da província, existia também uma reprodução da casa tradicional, num único jardim existente na cidade, do mesmo modo que outra fora construída no centro da cidade de Lospalos (Fig. 8), mostrando, deste modo, a sua importância e o seu poder imagético. Era recorrente a referenciação aos seus elementos arquitetónicos nos edifícios institucionais, de modo particular à sua forma de cobertura, como se vê, por exemplo, no aeroporto de Díli (Fig. 34), no edifício da Alfândega (Fig. 35), entre outros. Também era comum ver a sua imagem aparecendo nos livros da história.

Para os timorenses, a casa de Lospalos tem valor perene, particularmente como herança deixada pelos seus ancestrais. Assim, não é de admirar que hoje a referenciação à sua imagem se tenha proliferado em vários âmbitos (culturais, artísticos, etc.). Não rara vez contemplamos a réplica ou a imagem da casa de Lospalos nas esculturas (Fig. 36), nas pinturas (Fig. 37), nos designs gráficos, aludindo a relevância que ela tem enquanto objeto cultural e histórico, já presente também nos livros escolares (Fig. 38) e outros meios de registo.

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Desde que Timor se tornou independente, os timorenses têm vindo a (re)construir o seu país, tarefa que engloba vários aspetos, materiais e imateriais. A procura e a construção da sua própria identidade constituem-se das questões fundamentais. Na área da identificação, conservação e divulgação dos patrimónios culturais, para a qual o Governo dispensa um ministério, levou-se a cabo a recuperação de várias casas tradicionais existentes no território de Timor, até então, degradadas pelo tempo. Algumas casas tradicionais de Lospalos foram também alvo dessa ação. Isto prova a consciência que se tem acerca da importância destas casas na vida das pessoas e da nação, na medida em que a arquitetura é não apenas objeto funcional, mas também identitário.

Tudo isto se refere para clarificar a dimensão que a casa de Lospalos já conquistou dentro e fora do país, ultrapassando a função original e particular (como casa) tornando-se numa espécie de monumento público, fazendo parte já da memória coletiva.

Nesse sentido, ao fazer uma interpretação sobre a casa de Lospalos, torna-se aliciante tomar em consideração esta dimensão, digamos, pública, para dar lugar à interpretação da função, ou seja, a hipótese da casa ao equipamento público, como propomos nesta dissertação.

3. 2. PROGRAMA

O programa proposto neste trabalho corresponde a um equipamento público, nomeadamente, um Centro Cultural, com as seguintes valências: um espaço de leitura, um espaço expositivo e um espaço de encontro. Estas funções resultaram da interpretação sobre a casa tradicional de Lospalos, no sentido de relevá-la no contexto atual.

O processo foi, portanto, olhar para a conceção da casa tradicional de Lospalos e imaginar que tipo de espaço permitiria a sua transformação em equipamento público.

Ocorre que, em vários edifícios públicos (quer em Díli, quer em Lospalos) (Fig. 6, 7, 34 e 35) quando se faz referenciação à casa tradicional

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Fig. 34 | Aeroporto de Díli, Timor Leste

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de Lospalos, normalmente tem-se em consideração o seu "aspeto exterior", particularmente a da cobertura, e não se a considerar como um todo, isto é, pelas suas componentes formais, espaciais e construtivas. Assim sendo, o que nós procuramos através deste projeto foi uma interpretação completa sobre a casa de modo que o novo edifício, daí resultante, estabeleça uma relação dialogante com a casa tradicional, evitando a "imitação passiva e exterior" da mesma, pela qual nem a forma se adequaria à função, nem prevaleceria o sentido de diálogo.

Tradicionalmente, a casa de Lospalos, além da função de habitação, é também, um lugar de culto, onde se guardam os objetos sagrados herdados dos antepassados, e onde se tomam decisões importantes relativas à vida dos habitantes e as pessoas da mesma linhagem. A conceção da casa, nesse sentido, reflete, como já foi mencionado, aspetos que ultrapassam a mera funcionalidade da casa: estando ligada profundamente à cultura e à crença das pessoas que nela habitam. Assim, considerando estes dois aspetos, os da casa como lugar de culto e da tomada de decisões, é de presumir que a referenciação à sua forma, no tempo posterior, seja assumida na forma da Igreja de Lospalos (Fig. 7) e na do edifício da Administração Local (Fig. 6): ambos os casos retratando interpretações, digamos, contemporâneas sobre a variação de função contida na casa tradicional de Lospalos.

Ora, existindo já a Igreja e o edifício da Administração interpretando a função da casa de Lospalos, a presente interpretação incide sobre um espaço cultural, designadamente, espaços para a biblioteca, a exposição e o encontro: funções que, naturalmente, refletem a necessidade concreta da população local e que, com a sua criação, permitam melhorar a condição de vida, especialmente, promovendo a cultura do estudo, da contemplação e do encontro.

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Fig. 36 | Uma escultura (Lospalos)

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A biblioteca

A ideia e intenção desta função não seria a de biblioteca convencional (espaço marcado pela disposição de livros), mas antes, pela disposição de espaço em si, a de funcionar como uma espécie de extensão dos espaços "domésticos": uma sala de estudo comunitária (Fig. pág. 101).

Dada a situação geral de, nas casas, as pessoas não terem espaços e mobílias apropriadas, ambientes dispostos de boa iluminação e audição, que favoreçam condições para os estudos dos filhos (fazer os trabalhos de casa e preparar-se para os exames), o Centro Cultural que propomos pretende ser um espaço que albergue condições favoráveis para estas atividades.

Espaço expositivo

Ao lado do espaço de estudo, propomos um espaço dedicado à exposição, para que, através de trabalhos criativos, aí expostos, se estimule, nos momentos de intervalo, a contemplação (Fig. pág. 101).

Para abordar e valorizar as coisas que nos rodeiam com sentido de beleza, deve começar-se por exercitar o olhar. A natureza é, sem dúvida, o campo primordial para esse treino de olhar e de contemplação. Contudo, através de um desenho, de uma pintura, de uma escultura, de um objeto arquitetónico, pode desencadear-se um modo novo de olhar.

Galeria de reunião

Se as duas primeiras valências correspondem ao espaço interior, o Centro Cultural terá, também, espaço de ligação com o exterior, onde as pessoas possam conversar, sociabilizar, usufruir momentos mais soltos. Graças a esse espaço, a relação entre o interior e o exterior não será abrupta, mas natural e harmoniosa. O facto de o ambiente interior requerer disposição mais contida, por favorecer concentração, não teria que afastar, do conjunto, a espontaneidade da vida exterior, pelo que a galeria de reunião serviria para conciliar essas diferenças ambientais (Fig. pág. 100).

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Serviços

Além das valências principais, existem os serviços de apoio que englobam a zona de receção, arrumos e instalações sanitárias (Fig. pág. 100).

Arranjos exteriores

A presença de um equipamento deverá suscitar o reajustamento na sua envolvente, particularmente no caso de Lospalos em que o desenho dos espaços públicos, como as ruas e os passeios, estão muito indefinidos. Assim, os arranjos dos espaços exteriores do Centro Cultural, que será um espaço verde, contemplarão o desenho dos passeios envolventes, não apenas os imediatos ao terreno de intervenção, mas à volta de todo o quarteirão onde se insere (Fig. pág. 97 e 98).

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4. 1. CONCEITOS

A ideia basilar do presente projeto nasce da leitura de dois elementos fundamentais: a casa tradicional de Lospalos e o contexto atual da própria cidade. Ou seja, a casa tradicional de Lospalos interpretada à luz do tempo presente. A casa tradicional que representa o passado e a cidade que representa o presente. Da leitura da necessidade concreta da cidade surge o programa e da leitura da casa tradicional nasce a forma. Os dois conceitos, programa e forma, são conjugados por forma a obter um resultado final, coerente e harmonioso.

Ao contrário do que é "normal" num projeto, que se começa mediante a proposição do programa, este iniciou-se pela especulação formal e espacial, a partir da qual evoluiu para a definição do programa. O processo deve-se ao facto de a base de todo o desenvolvimento ser, antes de mais, a vontade da valorização de um objeto existente, a casa tradicional de Lospalos, particularmente no sentido da atualização da sua conceção formal, espacial e construtiva: o programa, isto é, o ser Centro Cultural resulta daí para dar à forma uma função coerente.

Esta, digamos, hierarquização (da forma à função) corresponde, não a um princípio absoluto de fazer o projeto, mas sim à natureza relativa pela qual se deve começar, pois, uma vez que o projeto foi avançando, o processo tornou-se mais complexo e já não tão linear quanto isso: as decisões foram sendo tomadas tendo em consideração todos os aspetos (formal, funcional e técnico), já não um após outro, mas quase todos ao mesmo tempo, ou, pelo menos, todos correlacionados, onde a mudança de um influencia o outro.

Para atingir a coerência e a harmonia pretendidas, colocaram-se em jogo outros conceitos, especialmente escrutinados na leitura da casa tradicional de Lospalos, tais como a leveza, a continuidade, a fluidez, o equilíbrio, a verticalidade, a unidade e o movimento.

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4. 2. IMPLANTAÇÃO

Como já foi mencionado, na Parte I, o novo edifício do Centro Cultural instalar-se-á no lugar outrora ocupado por um equipamento público, cuja demolição deixou o terreno vazio. A implantação tem como referência este indício e, também, devido à parte do terreno a ser ocupada pelo construído, portanto, a do lado este, ser a maior em relação à do lado oeste tendo em conta que, quase a meio do terreno, está localizada a casa tradicional de Lospalos.

Estas opções surgiram de forma mais espontânea, pela primeira observação feita sobre o terreno, mas depois deu-se uma leitura mais atenta pela qual as opções foram sendo reforçadas.

É de recordar que o terreno faz parte de um todo ("quarteirão") dividido em três parcelas: uma primeira, ocupada pelo complexo do Centro de Saúde Comunitária, uma segunda, pelos dois equipamentos culturais e, uma terceira, pela casa tradicional de Lospalos. Esta última (o local da implantação), está delimitada, a oeste, pelos edifícios de equipamentos culturais, a norte, pela rua principal e a praça/o campo de futebol (no lado de lá), a sul, por uma rua secundária, em cujo lado oposto estão as habitações e, a este, por uma rua (continuação da secundária) e depois um vazio indefinido.

O "quarteirão" tem um formato oblongo, sendo que a primeira parcela é a parte mais alargada, que se torna mais estreita à medida em que se avança para a segunda e a terceira. Assim, visto do ponto de vista volumétrico, a primeira é caraterizada, principalmente, pelo volume "pesado" do Centro de Saúde Comunitária, construção portuguesa de alvenaria, ao qual se juntam outros edifícios complementares mais "leves", do período indonésio. A segunda parcela é caraterizada pelas construções "leves" dos equipamentos culturais e a terceira, pela construção, mais "leve" ainda, da casa tradicional.

Independentemente do grau da intencionalidade desta organização, a massa construída parecia seguir a forma do "quarteirão": na parte maior localizada a construção mais "pesada" e na parte menor a menos "pesada",

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de tal forma que, seguindo esta lógica, parecia ser perturbador implantar o Centro Cultural (de volume consideravelmente grande) na ponta leste do quarteirão.

Na verdade, neste ponto em que as linhas limite do quarteirão convergem e as duas ruas se cruzam era necessário algum elemento significativo de remate. A casa tradicional, por si, ao nosso ver, não era suficiente para desempenhar esse papel, primeiro porque a sua localização é bastante recuada em relação à parte este do terreno, deixando nesta um vazio considerável, e segundo, porque esta mesma casa tradicional nunca teve uso, pois funciona simplesmente como um objeto escultórico. Nestes termos, considerámos ser pertinente implantar "nesse vazio" o Centro Cultural, cuja presença trará ao quarteirão - e consequentemente à cidade - uma nova força para a vivência e a leitura da cidade. O novo objeto arquitetónico, particularmente com a volumetria que o carateriza funcionará como um elemento de remate e constituirá um foco que equilibrará o próprio "quarteirão" (volumetricamente falando).

Quanto às referências geométricas, o edifício do Centro Cultural está implantado paralelamente à rua principal (como o são também os equipamentos culturais preexistentes) e distancia-se 14 metros da casa tradicional preexistente, sendo esta a distância necessária para ganhar um certo equilíbrio entre os elementos edificados e estes com os espaços vazios contíguos. A entrada está virada para a casa tradicional, estabelecendo a ligação, que se estende aos outros dois equipamentos (o edifício de escritório e o edifício polivalente), através de um percurso de terra batida, paralelo ao passeio da rua principal (mas já dentro do perímetro do terreno). Outro percurso, perpendicular ao primeiro, atravessa o terreno ligando a rua principal e a rua secundária: este percurso permite o acesso ao Centro Cultural, a partir das duas ruas (Fig. pág. 97 e 98).

Os espaços exteriores, embora sem desenhos próprios, não são "sobrantes" entre os edificados, pois são vazios propositados de modo a assegurar "espaço de respiro" e a imprimir alguma naturalidade à intervenção, por isso não se recorre a tratamento especial mas deixa-se permanecer como natural o chão (Fig. 8, 12 e pág. 98).

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4. 3. CONFIGURAÇÃO FORMAL E ESPACIAL

Aludindo aos elementos figurativos presentes na casa tradicional de Lospalos, na conceção do Centro Cultural retomou-se a figura da árvore, tão assumida que transparece, não apenas no aspeto formal e exterior, constituindo-o internamente: “um tronco”, no qual "circula" a escadaria principal de distribuição, torna-se o eixo central da composição, caraterizada pela vertical.

De planta quadrangular, tal como a casa tradicional de Lospalos, a volumetria é constituída, verticalmente, por três componentes: o espaço subterrâneo (zonas de apoio), o espaço térreo (galerias de encontro) e o espaço aéreo (zonas de exposição e biblioteca).

Tirando o piso subterrâneo, adotado para o aproveitamento do terreno e como base do corpo principal, a volumetria à vista reflete a composição da casa tradicional, ao liberar o espaço térreo, sobrelevar os pisos principais e cobri-los com um teto de quatro águas, acentuado e anelado superiormente por uma entrada de luz vertical: sob esta fonte de luz a escadaria circula, como uma veia da planta se movimenta em direção à luz (Fig. 43 e 44).

O rés-do-chão é totalmente livre, a não ser o volume da caixa de escada, de planta centralizada, que marca a entrada. Ao redor desta ladeiam as galerias de encontro, marcadas por pilares que evocam a floresta (arvoredo): uns (localizados à face das fachadas) transformam-se em planos no encontro com o volume sobrelevado, outros (mais recuados) atravessam os pisos, desde o subterrâneo ao superior, onde acabam por suportar o teto (Fig. 46, 47 e 48).

A imagem do arvoredo é patente, tanto pelo interior como pelo exterior. Se pelo exterior se denota a procura dessa imagem exprimida em toda a volumetria, desde o rés-do-chão (através dos pilares) aos espaços principais que resultam como que do entrelaçamento desse arvoredo; pelo interior a mesma ideia é patenteada pelos pilares enfileirados nos espaços.

Do ponto de vista espacial, prevalece a intenção da criação do espaço interior que difere do espaço exterior, de forma que essa diferença

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não fosse drástica e total, mas neutra, isto é, na relação entre o espaço interior e o espaço exterior, houvesse uma continuidade e fluidez. Esta intenção é sugerida porque não obstante o tipo de espaço que o programa propõe (que requer concentração no interior) não se pretende criar um ambiente interior inusitado.

Há geralmente nas construções comuns em Timor uma tal "desdramatização" na relação entre o interior e o exterior, que difere, por exemplo, da experiência nas cidades mais consolidadas onde essa relação é (in)tensa.

Na conceção do Centro Cultural de Lospalos tentámos captar essa, digamos, naturalidade, em que o interior não é totalmente autónomo do exterior, mas há uma relação franca. Com efeito, julgamos que esta relação é conseguida, primeiro, graças ao espaço térreo liberto: as galerias de encontro no rés-do-chão, no fundo, funcionam como uma espécie de antecâmara, espaço neutro, que permeia o interior e o exterior. Outra situação que possibilitam esta relação são as aberturas francas, particularmente na zona da biblioteca.

Nos espaços interiores propriamente ditos, os quatro pisos distinguem-se naturalmente pelas funções que ocupam, sendo caraterizados pelas próprias disposições interiores e pelas aberturas que estabelecem a relação com o exterior. A iluminação natural é fundamental na caraterização dos espaços, na medida em que a planta dos pisos é a repetição do mesmo formato quadrado e a altura dos pés-direitos não varia, a não ser a do piso térreo, sutilmente mais baixa, e a do piso superior, mais alta devido à altura do teto.

Assim, visto do ponto de vista da abertura/iluminação, o Centro Cultural dispõe-se através de diferentes ambientes. O espaço do rés-do-chão/galerias de encontro é semiaberto, tratando-se de espaço de transição. A partir deste acede-se ao edifício: o primeiro piso que alberga a receção e o espaço de exposição é caraterizado por um ambiente mais contido, graças às janelas quadradas, em pequeno formato, expostas ao longo das quatro paredes que sugerem, ora paragem, ora movimento, pois funcionam como,

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