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O TEATRO NA RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE

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Academic year: 2019

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JOSANNE PINHEIRO TAVARES

O TEATRO NA RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

CENTRO DE ARTES – CEART

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO -

MESTRADO

JOSANNE PINHEIRO TAVARES

O TEATRO NA RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teatro (Mestrado) do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Orientadora: Prof. Dra. Márcia Pompeo Nogueira

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JOSANNE PINHEIRO TAVARES

O TEATRO NA RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre no curso de pós-graduação em Teatro na UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina.

Banca Examinadora:

Orientadora: ________________________________________________ Profª Dra. Márcia Pompeo Nogueira

UDESC

Membro: ________________________________________________ Profº Dr. Renan Tavares

UNIRIO

Membro: _________________________________________________ Profª Dra. Cristiana Tramonte

UFSC

Suplente: _________________________________________________ Prof.ª Dra. Maria Brígida Miranda

UDESC

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AGRADECIMENTOS

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Teatro – PPGT/ UDESC.

À Profª. Dra. Marcia Pompeo Nogueira pela atenção e consideração que sempre teve com meu trabalho.

Ao Profº Dr. José Ronaldo Faleiro pela gentileza e pelo empréstimo de livros.

Aos meus pais e irmãos, cunhados, sobrinhas pela generosidade contagiante e pelo carinho.

A minhas irmãs Juliana pelas traduções e Joanne Paula pela atenção com os entraves da formatação.

Aos meus filhos e marido Diogo, Henrique, Amanda e Tito pela sinceridade, dedicação e paciência.

A minha amiga Janaína pelo incentivo e por acompanhar a minha caminhada.

A todas as pessoas que estiveram envolvidas nos processos teatrais realizados no Canto da Lagoa por me ensinarem a olhar o mundo com mais esperança.

À pesquisadora, educadora e amiga Mari pela atenção, paciência e dedicação durante a pesquisa de campo e pelo lindo trabalho que vem desenvolvendo na comunidade do Canto da Lagoa.

Aos meus colegas do Mestrado: Adriano, Afonso, Roseli, Ana Menk, Ana Lara, Moira, Yve, Yftah, Nado, Cida, Ismênia, Elis.

Aos meus amigos de longas datas.

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RESUMO

A hipótese desenvolvida nessa dissertação é de que o teatro poderia contribuir para a relação escola-comunidade.

Num primeiro momento, tentamos conhecer o tipo de relação escola-comunidade que vem se constituindo ao longo do século XX. Nesse longo processo, marcado pelo autoritarismo, mantêm-se ações contraditórias ora paternalistas, ora de controle social. Ainda hoje, estudos indicam a presença dos condicionantes do autoritarismo que dificultam a participação da comunidade na escola.

Num segundo momento, buscamos um tipo de teatro que possa contribuir para o pleno exercício da cidadania, colaborando para a conscientização e mobilização do coletivo comunidade. Para essa investigação utilizamos três modelos de teatro na relação escola-comunidade: - o teatro elaborado na escola e apresentado para a comunidade; - o teatro elaborado na escola com a colaboração da comunidade; - o teatro realizado por um coletivo que congrega escola e comunidade.

Completa-se o ciclo de investigações com um Estudo de Caso de experiências teatrais realizadas na Escola Desdobrada João Francisco Garcez e NEI- Núcleo de Educação Infantil do Canto da Lagoa, ambas instituições pertencentes à rede pública municipal de Florianópolis. Identificamos, a partir de sua investigação, que pais, família, moradores do bairro, ex-alunos, diretora, professores se tornaram companheiros jogando, refletindo, decidindo, criando, construindo todas as etapas da elaboração de uma peça teatral.

Uma das conseqüências decorrentes desse movimento coletivo foi a mudança significativa que aconteceu na escola de ensino fundamental do bairro que encontrava-se em péssimas condições.

Nesse estudo se evidencia a possibilidade do teatro ser utilizado como meio de fortalecer as relações entre membros internos e externos à instituição educacional para que, juntos, possam alcançar conquistas políticas e pedagógicas vistas como prioritárias para o aumento da qualidade de ensino.

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ABSTRACT

The assumption developed in this dissertation is that the theatre could contribute to the school-community relationship.

In the first instance, we try to know the sort of school-community relationship that has been constituted over the 20th century. In this long process, marked by authoritarianism, it sustains contradictory actions, sometimes paternalist, sometimes of social control. Until the present day, studies indicate the presence authoritarianism’s conditionings, which difficult the community’s participation in school.

Secondly, we aim a type of theatre that can contribute to the full-blown exercise of citizenship, co-operating to lead consciousness and mobilization of the school-community collectivity. To this investigation, we use three models of theatre in the school-community relation: - the theatre elaborated at school and presented to the community; - the theatre elaborated at school with community’s collaboration; - the theatre produced by a collective congregated by school and community.

We complete the investigations’ cycle with a Case Study of theatrical experience performed at “Escola Desdobrada João Francisco Garcez” (School João Francisco Garcez) and “NEI – Núcleo de Educação Infantil” (Nursery School) of Canto da Lagoa, both institutions belonging to the public municipal network of Florianópolis. We identify, through this investigation, that parents, family, neighborhood, ex-students, principal and teachers became fellows playing, reflecting, deciding, creating and building all the elaboration’s stages of a theatre play.

One of the consequences originated from this collective movement was the meaningful change that happened at the elementary school of the neighborhood, which was in really bad conditions.

In this study, it becomes evident the possibility to use the theatre as a way to strengthen the relations between internal and external members of the educational institution, in order to, together, get political and pedagogical conquests seen as priorities to the increase in teaching’s quality.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 08

CAPÍTULO 1: A RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE... 17

1.1 INTRODUÇÃO ... 17

1.2 A RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE NAS CORRENTES EDUCACIONAIS... 18

1.2.1 Escola Tradicional ... 19

1.2.2 Escola Nova... 20

1.2.2.1 A relação escola-comunidade na Escola Nova... 23

1.2.3 Pedagogia Tecnicista ... 24

1.2.3.1 A relação escola-comunidade na Pedagogia Tecnicista ... 25

1.2.4 Pedagogia Libertadora e sua ligação intrínseca com a relação escola-comunidade... 26

1.3 CAMINHOS DA RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE... 28

1.4 PERSPECTIVAS ATUAIS DA RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE... 30

1.5 ENTRAVES PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA RELAÇÃO MAIS DEMOCRÁTICA ... 32

CAPÍTULO 2: EM BUSCA DE UMA PRÁTICA TEATRAL QUE CONTRIBUA PARA O PLENO EXERCÍCIO DA CIDADANIA ... 37

2.1 INTRODUÇÃO... 37

2.2 O TEATRO ELABORADO NA ESCOLA E APRESENTADO PARA A COMUNIDADE ... 38

2.2.1 Origens do teatro elaborado na escola e apresentado para a comunidade... 39

2.2.2 O jogo e a democratização do acesso ao fazer teatral ... 43

2.2.3 O Jogo Teatral como experiência artística ... 44

2.2.4 A comunidade como platéia ... 48

2.3 O TEATRO ELABORADO NA ESCOLA E APRESENTADO COM A COLABORAÇÃO DA COMUNIDADE ... 49

2.3.1 Origens da colaboração da comunidade na prática teatral ... 50

2.3.2 Teatro, festa e colaboração como avanço na relação entre escola e comunidade ... 51

2.4 O TEATRO QUE É REALIZADO POR UM COLETIVO QUE CONGREGA ESCOLA E COMUNIDADE ... 54

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2.4.2 O método de Boal: exercícios, jogos e técnicas para devolver a “ação ao povo” ... 57

2.4.3 A contribuição de Freire para práticas teatrais da escola com a comunidade ... 60

2.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO ... 64

CAPÍTULO 3: ANÁLISE DAS EXPERIÊNCIAS DESENVOLVIDAS NA ESCOLA DESDOBRADA MUNICIPAL JOÃO FRANCISCO GARCEZ E NO NEI CANTO DA LAGOA... 69

3.1 TEATRO NA ESCOLA DO CANTO: O INÍCIO DA PESQUISA ... 69

3.2 O CONTEXTO DA ESCOLA ... 73

3.3 AS EXPERIÊNCIAS ... 76

3.3.1 Uma história da Ilha ... 76

3.3.2 Teatro da festa junina: casamento caipira... 85

3.4 ANÁLISE DAS EXPERIÊNCIAS... 88

3.4.1 O teatro elaborado no NEI e apresentado para a comunidade do Canto da Lagoa ... 88

3.4.2 O teatro elaborado no NEI com a colaboração da comunidade do Canto da Lagoa ... 93

3.4.3 O teatro realizado por um coletivo que congrega o NEI e a comunidade ... 97

3.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPÍTULO... 99

CONCLUSÃO... 102

REFERÊNCIAS ... 108

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INTRODUÇÃO

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não tínhamos muito tempo para desenvolver as oficinas, Nogueira contactou a diretora da escola Marilde Juçara Fonseca e esta organizou um grupo para a atividade. Iniciamos o primeiro contato com a diretora fazendo uma visita à escola e ficamos sabendo que as pessoas que participariam da experiência teatral eram os pais dos alunos, os quais tinham sido convidados através de bilhetes que as crianças levaram para casa. Fiquei preocupada, pois com a experiência que tinha, sabia que muitas vezes os pais, distanciados das atividades realizadas na escola, não chegavam a ler os recados vindos da instituição e tive receio do grupo não se formar. A diretora garantiu que a comunicação com os pais através de bilhetes era um meio utilizado com freqüência na escola. No dia do primeiro encontro, lá estavam nove mulheres. Todas tinham afinidade com a diretora, a qual também estava presente para a prática teatral. A partir desse dia comecei a observar, mais atentamente, a relação que existia entre aquelas mulheres. Com o passar dos encontros, fui percebendo que a escola não estava apenas cedendo um espaço para o grupo fazer a oficina teatral, aquele era mais um momento em que escola e comunidade1 estavam compartilhando a discussão de um tema que dizia respeito a todos.

A descoberta de que foram realizadas várias experiências teatrais entre membros internos e externos da escola, antes desse encontro, foi aguçando minha curiosidade sobre o tipo de relação que existia entre escola e comunidade. Havia proximidade entre as pessoas, respeito às opiniões de todos os participantes, e a diretora dividia o espaço como mais um membro do grupo. É a partir dessas observações que surge a hipótese do teatro ser utilizado como meio de contribuir para a relação da escola com a comunidade.

A pesquisa bibliografia foi o primeiro passo para compreender como a relação escola-comunidade tem se efetivado de fato nas escolas públicas. Tentamos2, então, encontrar algumas resposta para essa questão. A pesquisa bibliográfica nos mostra que a relação escola-comunidade não é assunto novo, há muito tempo essa questão vem sendo proposta sob diversos pretextos. No primeiro capítulo, apresentamos quatro correntes pedagógicas e sua tentativa de lidar com essa relação: Escola Tradicional; Escola Nova; Pedagogia Tecnicista;

1O significado de“comunidade” no âmbito dessa pesquisa é sustentado pelo pensamento de Paro (1995, 2001).

Esse autor não utiliza “comunidade” como um termo sociológico rigoroso. Para ele “comunidade” significa o “conjunto de pais/família que, ou por residirem no âmbito regional servido por determinada escola, ou por terem fácil acesso físico a ela, são usuários, efetivos ou potenciais, de seus serviços” (Paro, 2001, 1995, p. 15).

2 Quando utilizo a primeira pessoa do plural quero evidenciar a participação da orientadora dessa pesquisa Prof

Dra. Márcia Pompeo Nogueira, que sempre esteve atenta as minhas colocações e preocupações, colaborando nas observações, indicando caminhos para pesquisa. Por esse motivo, com exceção da descrição do episódio do

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e Pedagogia Libertadora. O que constatamos, nesse percurso, é que a aproximação dos pais com a escola se fez de acordo com a visão que os teóricos da educação tinham da população menos favorecida. Para alguns deles, a população possuía uma “cultura inferior”, criando um sentido preconceituoso para a participação: ora paternalista, ora de controle (SPÓSITO, 1993, 2002). Somente a Pedagogia Libertadora, proposta por Paulo Freire (1997, 1999, 2003), trouxe um novo entendimento de como poderia ser estabelecida uma relação escola-comunidade mais democrática. Freire demonstra seu comprometimento com as pessoas da população, volta-se para elas com humildade, ouvindo, conversando, pois entende que os dois lados, escola e comunidade, têm coisas importantes para serem ditas. Porém, a teoria freireana não alcança as escolas de forma globalizada. Mesmo depois da implantação da gestão democrática nas escolas públicas, persistem alguns condicionantes internos e externos à participação popular (PARO, 1995, 2001). Esses condicionantes dizem respeito à hierarquia autoritária nos estabelecimentos de ensino, na figura de um diretor que não consegue construir relações mais democráticas no cotidiano da escola; às inúmeras dificuldades encontradas pelos educadores no trabalho diário escolar, como a falta de: material pedagógico, espaço físico, remuneração adequada, levando-os a conceber princípios democráticos somente na teoria; à dificuldade em definir interesses coletivos entre escola e comunidade o que conseqüentemente dificulta a elaboração do Projeto Político Pedagógico da unidade escolar; escolas que se fecham às solicitações da comunidade. Acreditamos que a superação da situação vivida pelas escolas públicas depende, em grande parte, do aumento do exercício democrático tanto na sala de aula, no cotidiano da escola, como nas relações que a escola mantém com as pessoas que vivem no seu entorno. Um movimento entre escola e comunidade com princípios mais democráticos facilitaria a definição das prioridades e por força de uma ação coletiva poderia haver mais pressão junto aos órgãos públicos exigindo que se cumprisse aquilo que é direito de todo cidadão, uma educação de qualidade. Assim, é preciso que a “abertura dos portões e muros escolares” (SPÓSITO, 2002) inclua propostas de trabalho que aproximem escola e comunidade no sentido de estabelecer um diálogo sem imposições hierárquicas nem paternalistas; criar um espaço de discussão mais amplo, paralelo aos canais representativos, em que possam ser estabelecidos os “interesses coletivos” do grupo; e fortalecer a comunicação entre as pessoas que vivem no entorno da escola respeitando suas crenças, expressões e manifestações.

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(2000) identificam como pleno exercício da cidadania: a conscientização e mobilização dos cidadãos para a conquista dos direitos políticos, civis e sociais.

Assim, chegamos nas questões centrais da pesquisa: seria possível definir formas de aproximação entre escola e comunidade através do teatro? Dentre essas formas de aproximação haveria um tipo de prática teatral que favoreceria a comunhão de interesses da escola e da comunidade? Essa prática teatral poderia contribuir enquanto exercício de democracia, fortalecendo a voz da comunidade e seu poder de reivindicação de uma melhor qualidade de ensino? Na busca de uma resposta para essas questões, desenvolvemos o segundo capítulo.

A estratégia utilizada para composição do segundo capítulo foi a organização de modelos que indicam diferentes maneiras utilizadas para elaborar práticas teatrais na relação escola-comunidade. Temos então, num primeiro modelo, o teatro elaborado na escola e apresentado para a comunidade, num segundo modelo, o teatro elaborado na escola com a colaboração da comunidade e, por último, o teatro que congrega um coletivo escola e comunidade. Com esses modelos apresentamos uma reflexão sobre a trajetória, ou pistas da trajetória, de algumas formas usuais de elaboração de práticas teatrais na relação escola-comunidade. Em cada modelo, apontamos, também, possíveis avanços decorrentes dessa trajetória. Para evidenciarmos esses avanços apresentamos teorias propostas por vários autores.

Viola Spolin (1999, 2001) aparece no primeiro modelo como referência sobre o uso do Jogo Teatral como metodologia que facilita o envolvimento de não-atores, crianças, jovens ou adultos, em atividades teatrais. Spolin acreditava que todas as pessoas são capazes de atuar e que, através do jogo, o sujeito pode exercitar a cooperação, a troca de informações, tomando decisões individuais e coletivas, enquanto se intera da linguagem teatral. Os Jogos Teatrais também são um meio de construção de processos teatrais que tanto podem ser transformados em espetáculo, sendo apresentado para a comunidade, como podem servir para a construção de processos que não visam à produção de uma peça teatral. A questão que deixamos em aberto nesse modelo é: de que maneira poderiam ser incluídas questões de interesse da comunidade nas atividades teatrais? Um processo baseado no jogo pode incluir mais facilmente elementos da cultura local, ou dados sobre problemas da escola e da comunidade?

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comunidade em que o teatro pode representar parte da festa. Giacalone (1998) define elementos que subsidiam essa reflexão. Jellicoe (1987) reforça o segundo modelo com a idéia de avanços no tipo de colaboração o qual pode ser promovido no processo teatral. A questão que desponta nesse modelo é a maneira como são abertas as possibilidades de colaboração da comunidade em processos teatrais realizados em estabelecimentos de ensino poderia modificar a relação entre escola e comunidade?

O terceiro modelo traz indicações de uma aproximação mais intensa da comunidade com a atividade teatral realizada na escola. Isso porque esse modelo sugere que pais, família e vizinhos do bairro estejam envolvidos com a própria criação do processo teatral. Membros internos e externos à unidade educacional podem, a partir dessa proposta, dividir a responsabilidade na construção de projetos teatrais. Utilizamos duas teorias para sustentar a discussão sobre essa possibilidade: Teatro do Oprimido de Augusto Boal (1988a), Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire (2003). Esses dois autores comungam com a idéia de que é preciso oferecer às pessoas instrumentos que as auxiliem na conscientização de que somos sujeitos políticos e temos responsabilidade na construção de uma sociedade melhor. Boal pensa que o homem comum, o trabalhador, de espectador passivo pode se transformar em protagonista da cena teatral, reconhecendo-se como um sujeito político que reflete sobre a sua atuação no contexto em que vive. Em Freire, encontramos o método dialógico voltado para uma educação humanizadora. Esse autor também propõe a abertura de espaços em que as pessoas possam refletir sobre seus problemas de uma maneira conscientizadora. As estratégias boalina e freireana para desenvolver uma atividade com um grupo ou moradores de uma localidade podem ser combinadas, pois possuem uma estreita ligação em seus propósitos. O objetivo desses autores é respeitar a cultura local, levando para o centro das discussões problemas identificados pelos moradores de determinada localidade ou grupo. Para eles, observa-se o modo de pensar das pessoas sobre seus problemas e juntos educador e educando ou artistas, não-atores e coordenadores de projetos teatrais refletem sobre as possíveis soluções. O que nos instiga nesse modelo de teatro na relação escola-comunidade é como no cotidiano de uma instituição de ensino seria possível desenvolver práticas teatrais nas quais pessoas comuns, não atores, trabalhadores de várias áreas se encontrem para dialogar sobre suas reais necessidades, apresentando idéias, opinando e decidindo sobre questões que dizem respeito ao coletivo escola-comunidade? A história viva dessas pessoas poderia ser utilizada como matéria de interesse comum tanto para a escola como para a comunidade?

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experiências que foram selecionadas para a análise, propriamente dita, referem-se a um período em que se inicia o envolvimento dos pais na elaboração de atividades teatrais no NEI Núcleo de Educação Infantil – Canto da Lagoa3. Os processos selecionados foram a peça teatral Uma história da Ilha e a peça teatral Teatro da festa junina: casamento caipira. Essas peças foram desenvolvidas no NEI, no período de 1994 a 1995. Embora elas sejam destacadas como centro da análise sobre um tipo de teatro que pode contribuir para a relação escola-comunidade, a oficina teatral realizada na Escola do Canto no Projeto Abraçando é evidenciada nesse capítulo como uma experiência que ajudou na formulação das primeiras observações e impressões de nossa hipótese.

Além das teorias do primeiro e segundo capítulos a obra de Marilde Juçara Fonseca: A participação da família na instituição de Educação Infantil, limites e possibilidades (FONSECA, PPG/UFSC-Dis, 2000) serve como guia para construção do terceiro capítulo. Essa autora analisa, nessa obra, a participação dos pais no NEI, fornecendo dados sobre o contexto da escola e sobre as formas de participação dos pais na escola, comentando, ainda que muito sucintamente, sobre a experiência teatral Uma história da Ilha. É, também, no terceiro capítulo que apresentamos os resultados obtidos nas entrevistas realizadas com as pessoas ligadas às experiências teatrais. Foram feitas entrevistas com a diretora Marilde Juçara Fonseca4, pais, mães, coordenadores de processos teatrais e pessoas da comunidade que estiveram envolvidos com as experiências teatrais. Nas entrevistas, foi possível perceber como se formou um coletivo disposto a lutar para transformar uma escola multisseriada da rede estadual de ensino de Santa Catarina, que contava com apenas nove alunos inscritos e estava em péssimas condições, numa escola de qualidade. Pais e professores unidos enfrentaram diversas reuniões nas Secretarias de Educação que culminaram na doação da escolinha estadual para a administração pública municipal em 1995. Essas conquistas marcam a história das instituições educacionais do Canto da Lagoa.

O Estudo de Caso foi o método mais adequado que encontramos para investigar um tipo de teatro capaz de contribuir para a relação da escola e comunidade. Isso porque a problemática inicial dessa pesquisa surge a partir da observação de uma atividade que queríamos investigar, e esse método, enquanto uma análise qualitativa, ajuda a responder o “como” e o “porquê” o teatro no NEI e Escola do Canto contribui para as conquistas do

3 Tanto o NEI como a Escola do Canto são instituições educacionais da rede pública municipal de Florianópolis,

e ficam próximas uma da outra. Essas instituições possuem uma ligação com o histórico da relação do teatro realizado com escola e comunidade.

4 Desde 2005 Fonseca não é mais diretora da Escola do Canto, mas ainda trabalha nesse estabelecimento de

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coletivo escola-comunidade. A ordem da investigação fica definida nessa seqüência: no primeiro capítulo, apresentamos a pesquisa bibliográfica a respeito da relação escola comunidade, no segundo capítulo, apresentamos uma pesquisa bibliográfica a respeito do tipo de teatro que pode favorecer o encontro da escola e da comunidade fazendo com que esse encontro fortaleça as ações do coletivo para o pleno exercício da cidadania e, por fim, apresentamos, no terceiro capítulo a descrição e a análise do objeto selecionado para o Estudo de Caso: as peças teatrais Uma história da Ilha e Teatro da festa junina. O que obtivemos a partir desse material é “...uma seqüência lógica que conecta os dados empíricos às questões iniciais de estudo da pesquisa e, por fim, às suas conclusões” (YIN, 1989, p.27 apud BRESSAN, 2000).

Já dissemos anteriormente que as duas peças teatrais selecionadas para o Estudo de Caso indicam o início do envolvimento da comunidade em atividades teatrais no NEI e Escola do Canto. Por esse motivo, escolhemos compreender como esse processo foi construído. Isso daria margem para entendermos o tipo de relação que ainda hoje se percebe entre os membros internos e externos da Escola do Canto.

Sobre a condução do Estudo de Caso, utilizamos entrevistas, análise de documentos, análise de dados arquivados e observação direta.

Utilizei entrevistas semi-estruturadas, para melhor explorar as informações dos entrevistados. Dessa forma, pude estimular o fluxo natural de informações garantindo um clima de confiança junto ao entrevistado, para que esse se sentisse à vontade para se expressar livremente, com o apoio de um roteiro flexível (LÜDKE,1986). Iniciei as entrevistas em agosto de 2005 e no decorrer da pesquisa fui buscando mais informações, fazendo contatos, indo até a casa dos entrevistados. Entrevistei, no total, treze pessoas, das quais dez foram indicadas por Fonseca. Uma dificuldade estava no fato das experiências terem acontecido há muito tempo. Por esse motivo muitas pessoas que estiveram envolvidas com as experiências não tinham mais contato com a escola, tanto professores como pais que não moram mais no bairro, o que tornou impossível o contato com tais pessoas. Alguns entrevistados não puderam nos dar informações precisas, pois confundiam os trabalhos teatrais nos quais haviam participado.

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pesquisa. Não foi utilizado o mesmo artifício para os profissionais que estiveram envolvidos nos processos teatrais, todos foram apresentados com seus nomes originais. Porque no folder da apresentação teatral esses profissionais são citados com seus nomes originais. As únicas exceções aconteceram com Lecinho Vieira e Reonaldo Manoel Gonçalves, ambos aparecem com seus nomes originais. Lecinho não era profissional das instituições educacionais e não foi entrevistado, mas é citado pelos entrevistados e aparece em destaque no folder como um dos responsáveis pela direção da peça Uma história da Ilha. Reonaldo Manoel Gonçalves, o Nado, que não era pai, nem morador do bairro, nem membro da escola. Era um amigo que atuou como um autêntico profissional dialógico.

No Estudo de Caso, também está presente o material encontrado nos arquivos da escola, os quais foram redigitados e fotocopiados estão apresentados nos ANEXOS A, B, C. Não consegui fotos com boa qualidade para colocar no trabalho. As imagens de uma fita de vídeo do ensaio da peça Teatro na festa junina, comentada no terceiro capítulo, não permitiram produzir boas fotos. Todas as fotografias que foram tiradas no dia da apresentação de Uma história da Ilha apresentaram problemas por causa de um defeito na máquina fotográfica do NEI. Diz Fonseca que não havia naquela época as facilidades tecnológicas tão acessíveis nos dias de hoje. Os poucos registros das experiências justificam-se diante da hipótese de que não havia uma grande expectativa com o resultado que seria apresentado. Naquele momento, o que importava era a experimentação, a descoberta diante da nova possibilidade que o grupo estava criando. A apresentação foi conseqüência de um trabalho que foi crescendo no decorrer dessas experimentações e o resultado final foi muito maior do que o esperado.

A observação direta, que é a visita ao local de estudo, quando o observador faz a coleta de evidências para o Estudo de Caso, aconteceu em várias ocasiões (BRESSAN, 2000). Durante a oficina do Projeto Abraçando, no início e no fim das atividades, eu sempre conversava com as pessoas e observava o movimento que acontecia na escola. Nossos encontros eram às 7 horas da noite, não havia aula com os alunos nesse período, mas muitos moradores do bairro faziam atividades ali: curso de capoeira, estudo do Evangelho, alguns meninos jogavam vôlei na quadra de esportes. No Projeto Bruxas5, desenvolvido no período de agosto a dezembro de 2004, pelas alunas da graduação em Cênicas da UDESC: Mariana

5 O Projeto Bruxas surgiu em decorrência do entusiasmo das pessoas que participaram do Projeto Abraçando. O

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Andrade Godinho e Mauren Kelli Oltramari, a observação direta foi constante, pois observei as atividades, com um olhar distanciado, registrando o que via. Nos encontros eu chegava antes e ficava conversando com as mães e as crianças que as acompanhavam. Como algumas entrevistas aconteceram na Escola do Canto, estive várias vezes nesse estabelecimento de ensino e passava algum tempo andando pela escola, conversando com a merendeira, com as professoras na sala dos professores, observando as crianças. Procurei, durante o terceiro capítulo, registrar um pouco das evidências e impressões que tive durante a observação direta.

A observação participante, segundo Bressan (2000), é “um tipo especial de observação, na qual o observador deixa de ser um membro passivo e pode assumir vários papéis na situação do caso em estudo e pode participar e influenciar nos eventos em estudo”. Esse tipo de observação aconteceu por ocasião da minha atuação como coordenadora da oficina do Projeto Abraçando, junto com Manoela. Naquele momento, enquanto coordenadora, pude observar algumas situações que em outras circunstâncias seria impossível perceber. Mas essa experiência, assim como o Projeto Bruxas, não estão entre as práticas teatrais analisadas no Estudo de Caso, pois estenderia demais o trabalho desta dissertação.

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CAPÍTULO 1 - A RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE

1.1INTRODUÇÃO

Uma idéia corrente, nos dias atuais, é que todas as crianças e adolescentes têm direito ao ensino escolar. Compreendemos como ensino escolar o espaço de apropriação, de um saber historicamente acumulado. Como conseqüência de uma luta histórica para a ampliação do acesso ao saber, hoje, a grande maioria das crianças brasileiras tem a possibilidade de freqüentar uma escola.

A pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas revela que “a esmagadora maioria da população escolar brasileira não domina nem mesmo 50% (48,3 % é a média nacional) dos conteúdos que se espera que tenham aprendido nas escolas” (OLIVEIRA, 1994, p.4). Isso se deve, em grande parte, aos problemas presentes nas escolas. Problemas esses que se tem arrastado por décadas1. Podemos citar entre eles: a precariedade do espaço físico, a falta de professores, a defasagem nos equipamentos e instrumentos educacionais, os baixos salários dos educadores e a falta de segurança, tais aspectos contribuem para que o ensino dirigido às classes menos favorecidas torne-se ineficiente.

A universalização do saber é considerada algo desejável do ponto de vista social, no sentido de oferecer melhoria da qualidade de vida da população. Não só especialistas em educação, mas também os pais, conferem à educação escolar o papel de efetivar a melhoria da qualidade de vida. Isso pode ser comprovado pela quantidade de pais que todos os anos fazem filas para matricular seus filhos, principalmente nas grandes cidades, onde a concentração de crianças é maior.

1 Sobre esse assunto indicamos RIBEIRO, 1990; TEXEIRA,1976; GADOTTI e ROMÃO, 2001; GADOTTI,

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Como muitos especialistas e pais, acreditamos que não basta às crianças ocuparem um banco escolar, seria preciso que o ensino a elas oferecido trouxesse, também, uma oportunidade digna de acesso ao saber historicamente acumulado.

Uma das alternativas para a melhoria da qualidade de ensino é o aumento da participação da sociedade civil nas decisões tomadas sobre a coisa pública como meio de minimizar os problemas sociais. Dessa forma, a aproximação entre escola e comunidade tem sido vista como uma fértil contribuição para o aumento das conquistas políticas e pedagógicas nas instituições de ensino. O princípio desse pensamento está na idéia de uma participação que amplie o direito de decisão dos sujeitos envolvidos no processo educacional: pais/família, alunos, professores, funcionários e direção, permitindo sua atuação enquanto sujeitos políticos. Essa alternativa parte da promoção de uma escola mais aberta, que receba a comunidade não apenas para repassar aos pais as queixas que se tem sobre os filhos, mas que juntos, membros internos e externos da instituição, possam decidir sobre os destinos da educação realizada em cada estabelecimento.

Entretanto a participação dos pais na escola não é recente. Entender como essa relação tem sido constituída e como de fato ela se efetiva na atualidade é o foco de nossa investigação nesse primeiro capítulo.

1.2 A RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE NAS CORRENTES EDUCACIONAIS

O século XX foi cenário de inúmeras experiências na área da educação. Isso porque uma sociedade em mudança exige também mudanças de paradigmas educacionais. Nesse sentido, a história revela o nascimento de várias correntes educacionais como resposta aos anseios políticos, econômicos e intelectuais de grupos diversos, e a relação da escola com a comunidade foi influenciada por esse contexto.

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de que forma esses conceitos influenciaram a relação entre a escola e a comunidade. Destacamos, assim, as seguintes tendências pedagógicas:

Pedagogia Tradicional ou Escola Tradicional

Pedagogia Renovada Progressivista ou Escola Nova Pedagogia Tecnicista

Pedagogia Libertadora

1.2.1 Escola Tradicional

Enquanto alguns dos nossos vizinhos na América Latina já tinham criado sistemas de educação pública durante o século XIX, a idéia de democratização do ensino no Brasil começa a se expandir somente nas primeiras décadas do século XX. A monarquia mantém-se no poder, através de artimanhas políticas, até 1889, quando, sob o patrocínio intelectual do liberalismo, o Brasil se torna um país republicano. Segue então um período de arranjos e contradições que se estende pela Primeira República2 (PATTO, 1996 e PINTO, 1986). Durante o período da Primeira República, é a Escola Tradicional, classista e acadêmica, responsável pela formação da elite, que terá evidência.

A tendência Tradicional de educação se caracterizava por acentuar o ensino literário, com base em modelos que representam o que de mais alto a humanidade já atingiu em realizações artísticas e científicas. Dessa forma, a Escola Tradicional requisita receptividade e passividade dos alunos, e o professor é a figura central no processo educacional. Outra característica marcante da Escola Tradicional é o fato de que os conteúdos, os procedimentos didáticos e a relação professor-aluno não têm “nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades sociais.” (LIBÂNEO, 1985, p.22). Nesse sentido Spósito afirma:

Ao mesmo tempo que se instituiu como meio especializado para a transmissão de parcela do conhecimento sistematizado e da cultura da sociedade, a escola foi concebida pelas teorias pedagógicas como meio protegido sem interferência do mundo externo, consubstanciado na idéia de ‘clausura’. (SPÓSITO,1993, p.165)

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Nessa forma Tradicional de escola, a relação escola-comunidade é praticamente inexistente. Como diz Di Giorgi, o ideal é afastar a criança da influência da família e da comunidade. Desconfia-se da família, na medida em que o calor humano nela presente não permite que a criança avance no sentido da autonomia moral. Os pequenos dramas domésticos, as brigas, reconciliações, etc., são vistos como enormes entraves para que cada um possa se aproximar da grandeza humana, da essência do Homem, que constitui objetivo maior desse tipo de educação (DI GIORGI, 1986, p.20).

Entre os membros da Igreja Católica, tida como religião oficial no Brasil, incluíam-se muitos dos defensores desse tipo de pedagogia. Incentivavam os métodos aplicados na Escola Tradicional, divulgando orientações para que os pais educassem seus filhos com base nessa pedagogia.

É preciso que a mãe controle o contato dos filhos com o mundo (...) Há um conjunto extenso e repetitivo de orientações práticas cujo objetivo é guiar as mães para que mantenham uma autoridade inquestionável, pregando o dar ordens com firmeza de modo a “exigir a obediência pronta”, o corrigir todos os “pequenos defeitos”, não perdoa de imediato se a criança erra, mesmo se houver arrependimento, sendo necessário esperar o “fruto da correção”, o não elogiá-lo a não ser por ações de extrema correção e o não dar explicações, pois a ordem fica “acabada depois [que] se começa um diálogo.” (Revista Família Cristã apud BITENCOURT; IOKOI, 1996, p.192)3

A Escola Tradicional, com o auxílio da Igreja, incentivava a família a manter um regime rigoroso de obediência às regras e à hierarquia social. Sob a ótica tradicionalista, a ordem social só podia ser mantida através do autoritarismo, como forma de controlar os impulsos da criança. Essa influência marcou gerações, e, ainda hoje, podemos encontrar pessoas que tomam alguns dos princípios rígidos da Escola Tradicional como prática ideal para a educação de jovens e crianças.

1.2.2 Escola Nova

Até 1930, o grosso da população brasileira encontrava-se excluído da escola. A partir dessa data, uma pressão de vários segmentos da sociedade projeta, no atendimento escolar e particularmente na “erradicação” do analfabetismo, um meio de colocar o Brasil mais próximo do mundo desenvolvido. Dentre as manifestações de apoio ao projeto de expansão

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do ensino, um duplo interesse pode ser percebido: por um lado, a influência de grupos populares exigindo escola para seus filhos. Por outro lado, havia o interesse dos coronéis para ver aumentado o número de votantes, ampliando seu curral eleitoral. Ambos, grupos populares e membros da hegemonia política da época, cada um a sua maneira, pareciam compreender a democratização da educação como um instrumento político. Assim, cria-se um forte movimento de “entusiasmo pela educação”. A Pedagogia da Escola Nova vem responder a esse “entusiasmo”, tendo Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo como alguns de seus maiores defensores. É nesse processo que se ergue a bandeira da democratização da educação pública, gratuita e laica no Brasil.

Nascido em um momento histórico marcado por profundas convulsões sociais, o movimento escolanovista não tinha como característica a uniformidade e idéias homogêneas. Além de abrigar correntes que tinham pensamentos diversos4, o movimento escolanovista teve vários representantes, e cada um deles possuía uma maneira particular de conceber a educação, dentro de um quadro geral que era a oposição ao ensino Tradicional. Desse modo, esse movimento sofreu transformações internas, mas é nesse período, primeiras décadas do século XX, que a relação escola-comunidade começa a ganhar contornos mais definidos.

Para refletirmos sobre esse cenário, tomemos como referência o pensamento de Jonh Dewey, teórico americano que influenciou profundamente o pensamento de renovadores da educação no Brasil.

Dewey não acreditava que o homem sozinho pudesse alcançar a vida democrática5, era preciso algum tipo de restrição externa. Isso porque entendia liberdade não como

4Além de Dewey que defendia o pragmatismo, Claperède defendia a educação funcional; Ferrière defendia a

pedagogia reacionária e elitista era coordenador do Bureau Internacional dês Écoles Nouvelles, pregava que a direção do processo escolar fosse feita apenas pelos alunos com o objetivo de fazer surgirem “os chefes naturais”, os quais poderiam , então executar seu poder para, depois, melhor exercerem seu papel de mando na sociedade, enquanto os demais interiorizariam desde pequenos seu papel subalternos – pregava ele que a escola deveria funcionar como mecanismos de “seleção natural”; já Celestin Freinet defendia como centro de sua metodologia a questão do trabalho. Nesse cenário, havia também a influência dos movimentos que deram origem à Escola Nova como o Plano Dalton de Helena Parkhurst, Maria Montessori e a Pedagogia Montessori, Decroly e os centros de interesse e Roger Cousinet que defendia o jogo como base do Método Pedagógico Cousinet, estimulando o trabalho em grupo (DI GIORGI, 1986).

5 Cunha registra em seu artigo John Dewey: filosofia polítca e educação, o nascimento de uma concepção

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faire, e, sim, como um imperativo moral, um projeto, uma experiência que deve ser levada adiante a fim de construir uma sociedade mais socializada. Dewey se apóia na idéia de que “Vida, experiência, aprendizagem – não se podem separar.” (DEWEY, 1978, p.16). Para ele, a educação é uma ferramenta poderosa a serviço da democracia, e a escola um espaço regulador, onde os indivíduos devem ter acesso ao conhecimento acumulado pela experiência humana. Mas Dewey acreditava que nem todas as experiências vividas pelo homem são válidas, algumas podem ser negativas. Dessa forma, a escola deve constituir-se como um fator de “reconstrução social”, e as atividades devem ser organizadas para transformar a escola numa sociedade em miniatura, preparando os alunos para a vida.

Em oposição aos princípios da Escola Tradicional, o interesse da criança é parte central da teoria da Educação Nova. Em vez de impor os modelos a serem seguidos, em que o aluno tem que se esforçar ao máximo para alcançar o gênio criador, como fazia a Escola Tradicional, pelo pensamento de Dewey, a escola deveria estar livre de tais modelos. Contudo isso não significa uma educação espontaneísta, na qual o aluno só faz o que quer sem a interferência do adulto, mas uma educação que estimule a curiosidade e a sensibilidade infantis. Por conta disso, era importante que o dia-a-dia dentro de uma escola renovada tivesse várias atividades como desenhos, brincadeiras, trabalho em argila, teatro, jogos, excursões. Essas atividades representam um dos três eixos básicos que deveriam sustentar a Educação Nova. Além disso, havia o estímulo ao trabalho, incluindo aulas de marcenaria, corte e costura, por exemplo, e o estudo propriamente dito (DI GIORGI, 1986).

No Brasil, Anísio Teixeira foi o grande divulgador das idéias de Dewey, mas essa não foi a única corrente abraçada pelos nossos renovadores. Fernando de Azevedo e Lourenço Filho desenvolveram, cada um a sua maneira, seus próprios conceitos sobre a Educação Nova. Alguns fundamentos da Escola Tradicional foram mantidos por esses teóricos em meio a teses propriamente reformistas, que eles defendiam. O autoritarismo é, no discurso de Lourenço Filho, necessário para a sociedade.

A liberdade em excesso é a escravidão às paixões. Não será a liberdade no mundo futuro, como não o foi tempo nenhum. Demais o que a observação científica nos ensina, é que a educação, recurso pelo qual a sociedade se perpetua, tem de ser sempre, em grande parte, obra da autoridade. (LOURENÇO FILHO, 1974, p.115)

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passou a propor uma escola dual: uma escola para as elites e outra escola para as massas. Essa proposta pode ser comprovada pelo Manifesto dos Pioneiros, documento que refletia os ideais dos reformadores brasileiros. Como afirma Patto:

A brecha deixada pelo Manifesto [dos Pioneiros] ao preconizar o ensino profissionalizante, “de preferência manual”, aos trabalhadores braçais – criando uma evidente cisão no discurso democratizante que de um lado grifava a necessidade de distribuir o alunado pelas várias modalidades de ensino de acordo e somente de acordo com suas aptidões e de outro associava um tipo de ensino a uma classe social – (...) Tudo se passa, tanto no âmbito do discurso educacional como no da legislação, como se as faculdades e aptidões das classes trabalhadoras fossem inferiores e como se seus integrantes tivessem como vocação o trabalho braçal. (PATTO, 1996, p. 102)

1.2.2.1 A relação escola-comunidade na Escola Nova

A aproximação dos pais, família e comunidade aparece como necessária, nos princípios da Escola Nova, a partir de 1919. As estratégias de aproximação comungam com o projeto proposto pelos renovadores: um novo modelo na organização das escolas, mas incluindo as concepções autoritárias. Sendo a escola um espaço para a “reconstrução social”, e havendo duas vertentes educacionais explícitas no discurso escolanovista, somente as famílias “sãs”, ou a elite, poderiam colaborar com a escola, enquanto as famílias das classes menos favorecidas precisariam de ajuda (SPÓSITO, 1993).

Para os reformistas, o ensino das elites, a antiga escola secundária, não precisava da promoção de canais que aproximassem escola e família. Considera-se a existência de uma harmonia entre a proposta pedagógica da escola e os interesses dos pais desses alunos que freqüentam a escola. O que equivale dizer, sob a ótica dos reformistas, é que a elite se interessava pelo estudo de seus filhos, ao passo que as famílias pobres não tinham o mesmo interesse. Dentro dessa perspectiva, “somente a escola para os pobres precisou ser redefinida, tendo em vista sua abertura para a população.” (SPÓSITO, 2002, p.47)

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As APMs - Associações de Pais e Mestres são criadas ainda no início do movimento. Essas associações são introduzidas para dar continuidade aos objetivos de “ver saneada a sociedade brasileira, pela força do civismo e das campanhas de higienização6(...)” (SPOSITO, 1993, p.169). Pretendiam os pensadores da Escola Nova elevar o nível cultural da população, por eles considerada insuficiente.

1.2.3 Pedagogia Tecnicista

A escola, na década de 1970, reflete as medidas utilizadas na década anterior para encobrir a transição de uma política democrática para uma ditadura militar. Medidas que visam à centralização e modernização da administração pública, que torna a administração escolar mais burocratizada. Nessa época, aumenta o controle social pelo Conselho de Segurança Nacional, que fiscaliza inclusive as ações educacionais. A hierarquia autoritária, dentro das instituições de ensino torna-se ainda mais severa nesse período. Outro fator preponderante é o aumento do número de crianças e adolescentes nas escolas brasileiras por conta, principalmente, de três medidas: o aumento da escolaridade obrigatória de quatro para oito anos, a criação dos cursos de profissionalização em nível médio, e a eliminação de parte do esquema seletivo das escolas. Com isso, as escolas “incham” e os recursos destinados à educação não sustentam as próprias medidas tomadas pelo Estado. Os princípios educacionais que passam a vigorar nesse novo momento político nacional são: “objetividade, racionalidade e neutralidade, condição necessária a um determinado modo de pensar a cientificidade (...)” (ALMEIDA, 2003, p.10). Tudo em função de uma escola que formasse a mão-de-obra necessária para o desenvolvimento industrial do país, dentro de um contexto que visava à produtividade e à eficácia educacional.

Estando essa tendência pedagógica baseada em princípios modeladores do comportamento humano, com base na psicologia behaviorista, muitos incentivos e

6 As campanhas de higienização são fruto de um processo que nasceu na Europa por volta dos séculos XVIII

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recompensas são oferecidas aos alunos, levando a uma grande competitividade entre eles. Um exemplo desse tipo de recompensa era o fato de que os bons alunos pertenciam à turma A, enquanto os alunos mais fracos ficavam na turma B, ou C. Assim se mantinha um ambiente controlador, que rotulava os alunos como mais ou menos eficientes e produtivos. Também se exigia dos professores a operacionalização dos objetivos, como instrumento para medir comportamentos e controlar os alunos. Nessa época, são criados os testes de múltipla-escolha, em que o aluno escolhe a opção já programada pelo educador. O uso da tecnologia aplicada à educação é estimulado pelo uso das máquinas de ensinar através da instrução programada com o tele-ensino, e múltiplos recursos audiovisuais, imperando a racionalidade da máquina sobre o trabalho humano. Na Pedagogia Tecnicista, a escola se torna altamente burocratizada.

1.2.3.1 A Relação Escola-Comunidade na Pedagogia Tecnicista

Numa política que toma ações contraditórias, ao mesmo tempo que reprimia movimentos populares, o Estado institucionaliza a participação da população em canais de interação com as instituições públicas, ditando normas e controlando o movimento de participação. “Ao eliminar a cidadania, (...) colocando-a ‘em recesso’, o Estado repõe em seu lugar uma caricatura de participação política e social, ou cidadania sob ‘tutela” (GUILHERME apud SPÓSITO, 1993, p.163). Assim, a participação da família é considerada de grande importância, a ponto de ser obrigatória a criação das APMs - Associações de Pais e Mestres. As APMs passam a ser tuteladas por regras burocráticas, ou seja, estabelecem uma condição de “cidadania sob controle” (SPÓSITO, 2002).

A idéia de integração dos pais na vida da unidade escolar, desde a sua origem, faz-se sob o conceito de colaboração7, implicando trabalho conjunto, mas não tendo o sentido de participação nas decisões sobre os bens públicos. Esse conceito foi apregoado ainda na Escola Nova, agora na Pedagogia Tecnicista esse ideal é retomado e ampliado. Logo todas as famílias atendidas pela escola devem colaborar com a manutenção dos estabelecimentos de ensino. As APMs, única associação criada para integração dos pais com a escola nesse período, torna-se cada vez mais burocratizada afastando a família das unidades escolares. Esse burocratização foi fundamental para que a participação decaísse:

7 Colaborar significa trabalhar em comum com uma ou mais pessoa. Já participação política, tomada em seu

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Os mesmos documentos que propunham as técnicas para cativar os pais, listavam as exigências para o funcionamento das APMs, contendo grande número de atividades burocráticas que poderiam ser executadas apenas pelos que tivessem domínio completo do código escrito, regras de escrituração contábil e tempo disponível. O conteúdo dessas exigências acabava, de fato, por privilegiar a presença do diretor (...) em virtude de suas atribuições e esfera de poder, para atender às recomendações. (SPÓSITO, 1993, p. 179)

O motivo apontado pelas autoridades para a falta de participação dos pais acabou recaindo sobre a própria população, pois considerava-se a convivência com pessoas de ‘baixo nível sócio-econômico’ como o grande entrave para a participação. Surge o Projeto de Dinamização das APMs, em que as festas são identificadas como um meio de aproximação entre escola e comunidade. As festas, nessa perspectiva, tinham como objetivo ‘despertar o sentimento patriótico e comportamentos sociais; incrementar as campanhas e datas cívicas; preservar as tradições folclóricas; identificar manifestações populares como componentes da cultura de um povo.’8 As festas também serviam para angariar fundos, suprindo as deficiências da escola.

Os pais são encorajados, através das associações, a manifestarem seu patriotismo, sendo atribuído a eles algumas responsabilidades na conservação dos campos de recreio e das salas de aula. Contudo mantém-se a idéia de que a escola é do governo, isolada da comunidade.

1.2.4 Pedagogia Libertadora e sua ligação intrínseca com a relação escola-comunidade

A Pedagogia Libertadora tem na teoria de Paulo Freire a base central de sua tese. Paulo Freire é defensor não só da democratização do ensino, como tantos outros pensadores o foram, mas também é defensor de práticas democráticas dentro da escola pública. Defende, por exemplo, a “ingerência crescente tanto dos educandos como de suas famílias nos destinos da escola.” (FREIRE, 1999, p.23).

Durante algum tempo, teóricos da educação afirmaram que “não é próprio da pedagogia libertadora falar em ensino escolar, já que sua marca é a atuação ‘não-formal”

8 Tais informações foram retiradas do Relatório de Atividades da Comissão de Festas/Projeto Dinamização da

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(LIBÂNEO, 1985, p.33). Entretanto, nos dias atuais, elementos da Pedagogia Libertadora são adotados por professores e educadores não só no Brasil, mas em muitos outros países.

A proposta de educação freireana está centrada no diálogo com a realidade, privilegiando a ação e reflexão, para a conscientização do indivíduo e do coletivo ao qual esse faz parte. Freire cria esse discurso a partir de constatações feitas como um educador que percebe a distância existente entre o discurso dos intelectuais e a realidade vivida pelas classes menos favorecidas. Não é voltando-se para estas pessoas e dizendo-lhes como devem agir em situações difíceis que os problemas podem ser resolvidos. O meio pelo qual as pessoas vivem e os fatos que ocorrem no dia-a-dia real de cada indivíduo está repleto de complexidade, que o discurso dos intelectuais não consegue alcançar. Por isso é preciso a troca de informações através do diálogo. É preciso que o intelectual entenda a intrincada lógica construída pelos indivíduos que residem em determinada localidade, ouvindo-os. Quem são as pessoas que circulam pela comunidade e que a habitam? Pelo que anseiam? Qual o interesse delas? Essas perguntas devem fazer parte de um primeiro contato com a comunidade. Somente ouvindo as pessoas é que tais perguntas podem ser respondidas. Depois desse contato, os interessados em atuar em determinada comunidade podem discutir com as pessoas o melhor modo de juntos promoverem uma verdadeira educação. Logo, para Freire, a escola democrática deve atender a todos os indivíduos que por ali circulam, suas experiências e necessidades devem ser ouvidas. Assim, “a escola deve ser também um centro irradiador da cultura popular, à disposição da comunidade, não para consumi-la, mas para recriá-la” (FREIRE, 1999, p.16). Os problemas existentes no bairro não podem ser negados pelos profissionais que atuam na escola, pois seu papel deve ser marcado pelo ato de ouvir e trabalhar, junto com a comunidade, as necessidades ali existentes. Como diz Freire, a “escola é também um espaço de organização política das classes populares” (FREIRE, 1999, p.16). Importa para esse educador que a escola favoreça não só o conhecimento sistematizado, mas que favoreça também um espaço de discussão, fortalecendo não só o sujeito, como também a coletividade que a escola representa.

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educação popular. Dizia Freire que não devemos chamar o povo à escola para receber instruções, postulados, receitas, ameaças, repreensões e punições, mas para participar coletivamente da construção de um saber, que vai além do saber de pura experiência feito, que leve em conta as suas necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe transformar-se em sujeito de sua própria história (FREIRE, 1999, p.16).

Logo falar em democracia e não permitir que os homens tenham liberdade, por conta de ações autoritárias, e que com isso não possam expor o seu pensamento é uma farsa, diz Freire. Somente, assim, o diálogo pode quebrar o isolamento e provocar a comunicação. Afinal “sem ele não há comunicação e sem esta não há verdadeira educação.” (FREIRE, 2003, p.83)

1.3 CAMINHOS DA RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE

As idéias de Freire, no âmbito da educação pública, não foram suficientes para confirmamos uma tradição de participação nas decisões sobre a escola pública. Se na Escola Tradicional os hábitos e costumes da família e da comunidade deveriam ser distanciados da escola, a partir do movimento escolanovista cria-se a expectativa de um sistema educacional mais democrático. Esse movimento previa a construção de uma escola pública, gratuita, laica e que rompesse com o postulado da Escola Tradicional de escola classista, voltada apenas para as elites. Mas essa expectativa se confirma apenas em partes. O processo histórico revelou que os renovadores também se preocupavam com a formação de novas elites intelectuais, concebendo a democracia como “o governo dos mais capazes numa harmoniosa combinação entre elites e massas.” (AZEVEDO apud SPÓSITO, 1993, p.172). Criaram assim uma cisão no pensamento pedagógico que se refletiu na relação escola-comunidade. A integração entre escola e comunidade era necessária na concepção dos renovadores, mas as famílias das classes menos favorecidas precisavam ser instruídas, principalmente nas questões relativas à saúde. Essas famílias deveriam ser ajudadas, denotando o caráter assistencialista que a relação entre escola-comunidade assumiu. São criados os canais de participação como as APMs para colaborar com a escola, e serviam para orientar os pais das classes menos favorecidas sobre os hábitos morais, sanitaristas e de higienização.

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transformam as APMs em instituições obrigatórias nas escolas. Extremamente burocráticas, como era o desejo do Estado, as APMs passaram a ter o diretor de escola como figura central.

Uma importante averiguação feita por Spósito (1993), quando investiga documentos relacionados às teses do Congresso das APMs realizadas em São Paulo em 1980, é que mesmo em uma época marcada por forte presença de movimentos populares, estranhamente esses movimentos mantinham-se fora do discurso dos educadores. As regras criadas pelas APMs não permitiam abrir espaço para a atuação dos movimentos populares dentro da escola. Na história das APMs, que marca a relação entre a escola e comunidade, denotamos que o chamamento para a participação sempre aconteceu de cima para baixo, os pais eram requisitados apenas para colaborar, nunca para serem ouvidos sobre suas reais necessidades em relação ao processo educacional.

Contudo surge do outro extremo da linha uma proposta para evitar os desígnios manipulativos e hegemonistas que podem surgir por trás da participação. Essa proposta surge no conceito de participação popular com raízes na Pedagogia Libertadora. Ela está centrada numa ação democrática baseada no diálogo, na comunicação, na troca de informações como fonte do entendimento entre dirigentes e dirigidos, para a formação de cidadania. A Pedagogia Libertadora se constrói sob esse prisma porque não foi criada dentro de quatro paredes, ela é fruto do contato direto da teoria com a prática, do intelectual com o “povo”, como convencionalmente Freire chama a “comunidade”.

Posicionamo-nos a favor do pensamento freireano porque defendemos a idéia de democratização como um direito do cidadão de opinar sobre os rumos da sociedade. Quando falamos em ampliar o direito de decisão do cidadão sobre o espaço público, estamos propondo ampliar o próprio conceito que costumeiramente se tem de atuação democrática. Porque, quando falamos em processo democrático imediatamente nos lembramos do voto como o meio mais adequado de exercitarmos nosso direito como cidadãos. No entanto, a democracia não se resume no direito ao voto. Democracia é também uma disposição para ouvir os argumentos e considerar o ponto de vista do outro, porque um movimento democrático se manifesta não só nas eleições e em reuniões públicas, mas também continuamente em muitos aspectos diferentes da vida cotidiana, quando buscamos o acordo completo e dispomo-nos a permitir que qualquer pessoa se associe e participe (LUCAS, 1985).

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Para nós, a participação não pode ser reduzida a uma pura colaboração que setores populacionais devessem e pudessem dar à administração pública. Participação ou colaboração, por exemplo, através dos chamados mutirões por meio dos quais se reparam escolas, creches, ou se limpam ruas ou praças. A participação para nós, sem negar este tipo de colaboração, vai mais além. Implica, por parte das classes populares, um “estar presente na História e não simplesmente nela estar representadas”. Implica a participação política das classes populares através de suas representações ao nível das opções, das decisões e não só do fazer o já programado. (FREIRE, 1999, p.75)

Com a abertura política, na década de 1980, novos rumos são dados para a educação, diante de um entusiasmo que atingia vários movimentos sociais, professores, intelectuais. A redemocratização do ensino torna-se o eixo norteador do pensamento educacional brasileiro. Nessa nova fase, volta-se a reforçar a necessidade da aproximação da comunidade com a escola. Mas existiria um espaço para a participação da comunidade na escola nos moldes da perspectiva libertadora? Quais seriam as perspectivas atuais da relação escola-comunidade?

1.4 PERSPECTIVAS ATUAIS DA RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE

A partir de 1980, algumas perspectivas educacionais começam a girar em torno dos princípios de uma educação crítica que pudesse dar conta de reverter o atraso educacional no qual a escola estava imersa. Surge a possibilidade de uma Gestão Democrática, como “condição necessária da reforma educacional brasileira.” (GADOTTI; ROMÃO, 2001, p.18). Inicia-se, com isso, um novo momento para a relação escola-comunidade.

O movimento em prol de uma gestão democrática ganha respaldo na Constituição Nacional de 1988. Através desse dispositivo a gestão democrática do ensino público é identificada como um dos preceitos no qual a educação deve ser gestada. Os argumentos dessa lei, promovendo o fim do analfabetismo, a universalidade do ensino fundamental e melhorias na qualidade da educação declaram que a “ educação, direito de todos, e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade(...)”9 (CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA,1988, p.91). Essa proposta de Gestão parte de uma

9 Item selecionado do Capítulo III Da Educação, Da Cultura e Do Desporto – Seção I da Educação –Artigo 205.

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tentativa de renovar as relações dentro da escola, para tornar o ambiente mais favorável ao ensino, tornando a sociedade civil também responsável pelo ensino público. Sob os princípios de autonomia, descentralização e da participação de todos os membros componentes da comunidade escolar: pais, alunos, professores, direção e demais funcionários, a gestão democrática passa a ser compreendida como um movimento que privilegia as peculiaridades de cada estabelecimento. Portanto o Estado oficialmente é o mantenedor da escola, mas através da participação dos vários segmentos internos e externos a ela, as particularidades de cada estabelecimento devem ser respeitadas.

A implementação da gestão democrática animada pela constituição brasileira promoveu a incorporação de elementos próprios de um processo democrático. Vários canais institucionais são criados para a efetivação dessa proposta. A eleição para diretores de escola, como forma de democracia representativa10 é um desses elementos. O PPP - Projeto Político Pedagógico da escola faz parte de um trabalho inovador, porque entre outras concepções apóia-se no envolvimento de membros internos e externos à escola (GADOTTI, 2001, p.33) Foi criado para que as ações realizadas na gestão democrática possam ser sistematizadas, avaliadas, redefinidas nessa nova perspectiva educacional.

Outro canal institucional, criado para efetivar a gestão democrática, são os Conselhos de Escola - CE ou Conselhos Deliberativos11 – CD, também sob a forma de democracia representativa.

Os Conselhos ou Colegiados de escola podem ser considerados como um avanço em relação às propostas anteriores de aproximação da comunidade com a escola, devido à sua função deliberativa, podendo agir sobre os destinos da instituição pública. Foi proposto por um deputado do PT (Partido dos Trabalhadores) paulista em 1983, e aos poucos outros Conselhos Estaduais de Educação absorveram a idéia de um Conselho formado por membros internos e externos da escola: o diretor, pais, alunos, professores e funcionários do estabelecimento educacional, eleitos por voto, com o poder de deliberar sobre os assuntos ligados à unidade escolar. A implantação dos CDs partem da necessidade de um novo instrumento de aproximação entre a escola e a comunidade, já que as APMs mostravam-se ineficientes, não atraíam os pais a participarem. Todavia as APMs continuam asseguradas, com a função de ampliar e manter o equipamento escolar. Cabe notar que, por mais que esses

10 Referente ao pensamento de BOBBIO (1986, p.44) a expressão “democracia representativa” significa

genericamente que as deliberações coletivas, isto é , as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem mas por pessoas eleitas para essa finalidade.

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canais tenham evoluído, a participação dos pais, nos moldes da educação libertador, continua distante da realidade educacional da maioria das escolas.

Numa leitura crítica sobre o assunto, o prof. Vitor Henrique Paro diz que depois de duas décadas de propostas e averiguações os canais institucionais criados especificamente para garantir a participação dos vários setores internos e externos à escola, como os Conselhos Deliberativos, têm-se apresentado como “instrumentos imperfeitos”, não correspondendo de modo satisfatório aos objetivos previstos na sua formulação: congregar opiniões para a resolução dos problemas educacionais (PARO, 2001, p.12).

Uma hipótese levantada por Spósito (2002) é que a democracia representativa possui paradoxos. Mecanismos formais e ritualistas da representação podem distanciar do processo decisório a vontade dos demais representados, colaborando para a exclusão das reais necessidades da comunidade escolar.

A prática democrática não se resume na indicação de representantes que imediatamente se desligam de seus representados. Como já comentamos anteriormente, a democracia não se resume no direito ao voto. Democracia é também uma disposição para ouvir os argumentos e considerar o ponto de vista de outro. Como vivemos em uma sociedade que se diz democrática, mas que ainda precisa de muito esforço para efetivá-la, acreditamos que a democratização do ensino, ainda está sendo construída.

Assim, torna-se evidente que a idéia de gestão democrática deveria potencializar os movimentos de participação popular, mas para isso se concretizar alguns obstáculos precisam ser superados. Fatores que entravam a participação no cotidiano da escola precisam ser reavaliados, para que conquistemos a abertura de novos espaços de participação, mais adequados à situação de cada estabelecimento de ensino.

1.5 ENTRAVES PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA RELAÇÃO MAIS DEMOCRÁTICA

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um núcleo de pressão e exigir o atendimento dos direitos da população e defender seus interesses em termos educacionais. Núcleo de pressão não significa um núcleo isolado, até porque a escola tem sido questionada pelo seu afastamento do cotidiano vivido pelas pessoas que a constituem, se pondo em “clausura”. Nessa perspectiva, Paro (2001) aponta para uma escola que se une com associações educativas mais amplas ou a outras entidades da sociedade civil, como meio imprescindível para alcançar uma escola verdadeiramente universal e de boa qualidade no Brasil. Paro (1995) chega a essas conclusões depois de analisar uma escola pública paulista e encontrar ali condicionantes do autoritarismo que entravam e/ou facilitam a participação da comunidade na instituição. Segundo esse autor, existem condicionantes internos e externos à participação, que estão ligados à prática autoritária que ainda permeia as relações ditas democráticas.

O autoritarismo na prática educacional pode ser observado na contradição existente entre o discurso e a atuação de muitos educadores diante da relação dita democrática nas escolas públicas. Segundo Paro:

(...) esse fenômeno mostra-se particularmente sério quando atentamos para o comportamento de pessoas que, de uma forma ou de outra, se convenceram, um dia, da importância da democracia, mas, ao depararem com as dificuldades da prática, foram adotando paulatinamente atitudes cada vez mais distantes do discurso democrático, acomodando-se a elas, mas sem renunciar ao antigo discurso liberal, que acaba servindo tão-somente como uma espécie de escudo a evitar que revejam criticamente seu comportamento. (PARO, 2001, p.18)

Uma escola que mantém relações autoritárias em suas práticas internas demonstram pouca probabilidade de uma relação democrática com a comunidade. Como afirma Paro (2001), não pode haver democracia plena sem pessoas democráticas para exercê-la.

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não cabe mais falar em movimento democrático tendo a frente dos estabelecimentos de ensino diretores que reneguem a participação da comunidade.

Somados a esse quadro de condicionantes, também estão os interesses dos diversos grupos que se encontram na escola. Os alunos, os pais, os agentes de serviços gerais, os professores formam grupos que manifestam diferentes desejos e circulam pelos estabelecimentos de ensino. Paro (1995, 2001) coloca o interesse imediato de cada grupo como um condicionante sócio-politico, porque todos esses grupos possuem seus interesses particulares.

Os “interesses coletivos” deveriam ser o alvo das discussões em uma escola, mas os grupos nem sempre conseguem percebê-los. Falta, muitas vezes, clareza em atitudes e práticas, que os levem a agir de comum acordo. Isso talvez porque concepções ambíguas de participação criadas por várias correntes pedagógicas, reforçadas pelo discurso neoliberal, estejam impregnadas nas ações educacional. Para isso seria preciso inicialmente que os envolvidos no processo educacional se conscientizassem de qual proposta democrática querem seguir, para depois definir quais os interesses coletivos devem ser tomados como prioridade da escola. Isso só poderá acontecer se as relações entre a escola e a comunidade não mais se constituírem de forma burocrática, hierárquica e autoritária. Nesse sentido, o PPP da escola pode contemplar aspectos para a construção da escola mais democrática, criando outros espaços de participação.

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