• Nenhum resultado encontrado

O Jogo Teatral como experiência artística

No documento O TEATRO NA RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE (páginas 45-49)

CAPÍTULO 2: EM BUSCA DE UMA PRÁTICA TEATRAL QUE CONTRIBUA

2.2 O TEATRO ELABORADO NA ESCOLA E APRESENTADO PARA A

2.2.3 O Jogo Teatral como experiência artística

Spolin (2001) estudou com a socióloga e professora Neva L. Boyd, que foi sua grande referência. De 1924 a 1927, Spolin estudou na Recreational Training School em

Chicago´s Hull House, fundada por Boyd. Essa instituição era “constituída por voluntários, destinada à integração e desenvolvimento cultural de filhos de imigrantes” (PUPO, 2006, p.136). Lá teve um treinamento em jogos, na arte de contar histórias, em danças e canções folclóricas. Como sublinha Pupo (2006), nesse período Spolin toma consciência da importância do jogo e da noção de situação-problema dentro de atividades visando à inserção social daquelas crianças em situação de vulnerabilidade social. Mais tarde, como professora de drama em Chicago WPA (Works Progress Administration) desenvolveu jogos “não verbais e não psicológicos” para ajudar no treinamento de alunos de drama e no trabalho comunitário com imigrantes analfabetos e seus filhos. Em 1946, Spolin muda para Califórnia para dirigir o Young Actors Company em Hollywood, onde fica até 1955. É nessa época que escreve Improvisação para o Teatro, cuja versão final é publicada em 1963. Spolin contou com a contribuição do filho, Paul Sills, para a formulação de sua obra. Sills estava à frente do Second City, um dos grupos que protagonizou o movimento de renovação teatral norte americana dos anos de 1960. 4

O livro de Spolin é um manual, o primeiro no gênero, que pode auxiliar tanto professores, coordenadores de projetos comunitários, como diretores e atores na construção de um processo teatral com base nos jogos improvisados. Para Spolin, o jogo prescinde da

3 Uma outra corrente que utiliza os jogos em atividades teatrais é de origem francesa: Jogos Dramáticos. Dentre

os autores franceses que escreveram acerca do assunto Desgranges destaca: Leon Chancerel (1953), Pierre Leenhardt (1973) e, especialmente, Jean-Pierre Ryngaert (1991). No Brasil, atualmente, Maria Lúcia de Souza Barros Pupo se destaca na produção teórica sobre esse tema.

4 Os jogos teatrais chegam ao Brasil na década de 1970, trazidos por Ingrid Dormien Koudela . A esse respeito

noção de talento ou qualquer pré-requisito anterior ao próprio ato de jogar. Spolin acreditava que a criança, o jovem ou o adulto não ator, enfim, todas as pessoas podem aprender algo sobre teatro através da experiência proporcionada pelos jogos.

Com esse manual, Spolin cria um “sistema de atuação estrutural ao isolar em segmentos técnicas teatrais complexas.” (KOUDELA in SPOLIN, 2001, p.24) Três elementos da linguagem teatral são selecionados vez a vez como foco de investigação: a percepção espacial e cenográfica, o espaço ficcional (ONDE), a construção do personagem (QUEM) e elementos do desenvolvimento da ação dramática (O QUE). Todo o processo está baseado na proposição de problemas a serem solucionados através do “foco” do jogo. A resolução de problemas está fundada na idéia de que é o jogador, juntamente com o grupo, quem deve encontrar suas próprias respostas para as situações vividas na cena. Um exemplo desse tipo de jogo é:

Mostrar o Quem por meio do uso de um objeto

Dois jogadores - Os jogadores estabelecem um objeto, que vai mostrar Quem eles são. Eles usam esse objeto durante uma atividade. Foco: mostrar o Quem por meio do uso de um objeto.

EXEMPLO: Quem – dois físicos. Objeto – quadro-negro, A e B permanecem sentados calmamente, olhando para algo que está a curta distância diante deles. A levanta-se e caminha até o objeto. Pega um pedaço de giz e escreve alguns números – obviamente uma equação. B observa enquanto escreve, murmura sons indefinidos. A olha para B com interrogação . B concentra-se no quadro-negro e então ergue-se, vai até ele e escreve uma outra equação. B vira-se para A com interrogação. A: “você tem razão, esta é a solução”. (SPOLIN, 2001, p. 125)

Nesse jogo, o “foco” está em estabelecer um objeto e, mantendo uma relação com o objeto os jogadores devem comunicar, para os demais participantes, quem são os personagens que o estão utilizando. Durante todo o jogo, desde a escolha do objeto até o encerramento da atividade, são os participantes que tomam todas as decisões. Todos os problemas são resolvidos pelos jogadores.

A liberdade pessoal que os jogadores usufruem na área do jogo está fundada no limite imposto pela regra, que também garante a cooperação e participação de todos. Dessa forma, também o tema para a elaboração de um processo teatral pode emergir do próprio grupo. A aprendizagem se dá num nível de complexidade crescente, de acordo com o nível de cada grupo que se dispõe a investigar a linguagem teatral.

Um ponto fundamental, nesse aprendizado, é a constante intervenção do professor- diretor dando instruções para que os participantes mantenham o “foco” de investigação durante as atividades. Essa intervenção, ou “instrução”, faz com que o participante elabore soluções centradas no foco do problema proposto, sem desviar seu aprendizado para outros fins. Cada elemento da linguagem teatral é cuidadosamente exercitado e revisado. Aos poucos os participantes vão desenvolvendo uma familiaridade com o fazer teatral, conscientizando-se da função de cada um desses elementos.

A interligação entre foco, instrução, elementos estruturais da linguagem teatral se completa com a avaliação. A avaliação é imprescindível na construção de um processo teatral, pois está relacionada com a participação da platéia enquanto parte concreta do treinamento teatral. Porque “(...) sem platéia não existe teatro.” (SPOLIN, 2001, p.11) Para que o participante aprenda a comunicar-se com a platéia durante as oficinas teatrais existe sempre o momento da avaliação. Enquanto um grupo atua, tentando solucionar um problema proposto pelo Jogo Teatral (sempre observando o foco, que pode ser um objeto, uma pessoa, ou uma ação na área do jogo), a outra parte do grupo assiste a ele e se manifesta no final. Não para fazer julgamentos do que estava certo ou errado, mas para apresentar sua “leitura” do que foi realizado no espaço do jogo, identificando se o problema foi solucionado. Assim como destaca Pupo:

Na medida em que visa ao desenvolvimento da capacidade de jogo numa perspectiva de comunicação teatral, [o Jogo Teatral] têm na platéia - interna ao próprio grupo de jogadores – um elemento essencial para a avaliação do crescimento dos participantes. (PUPO, 2005, p. 24)

Os encaminhamentos propostos por Spolin (2001) seguem no intuito de preparar o participante para uma ação cênica não mecânica, não artificial. É por isso que essa autora insiste na idéia de corporificação de um objeto ou tornar real uma ação através do equipamento sensorial (físico) dos jogadores. Isso significa que o participante não deve colocar em cena seus sentimentos, mas tentar comunicar fisicamente no jogo um sentimento ou uma intenção prevista para determinada cena. Um exemplo de corporificação está presente no jogo Exagero Físico:

Dois ou mais jogadores - Estabelecem Onde, Quem e O que. Cada ator deve assumir uma qualidade física exagerada que vai manter durante a cena. EXEMPLOS: altura de dois metros, altura de 0,50 m, peso de 100 quilos, sapatos tamanho 50, um peito muito largo, dedo indicador de 30 cm de comprimento, as pernas e pés são de molas, as pernas se pés são de rodinha.

(...) Os atores andam pelo palco e assumem qualidades exageradas de acordo com a instrução. (SPOLIN, 2001, p. 239)

Nessa atividade, o participante deve escolher um lugar, um personagem e uma ação assumindo uma qualidade física exagerada. Através de movimentos corporais o jogador deve mostrar a qualidade física escolhida tomando cuidado para não contar através de sinais ou palavras que está muito alto, muito gordo ou que os pés estão grandes. O foco, nesse exercício, é o jogador comunicar onde ele está, quem ele é e o que está fazendo através dos exageros físicos, colocando todo o corpo a serviço dessa comunicação.

A cada encontro, o coordenador vai incluindo novos desafios e acrescentando outros aspectos da encenação. É através da forma como cada grupo resolve os problemas que o coordenador avalia quais os jogos adequados às necessidades dos jogadores.

Um processo baseado nos Jogos Teatrais não precisa partir de um texto pronto, ele pode ser criado pelos próprios atores como parte da experiência criativa. Mesmo quando se escolhe um trabalho com um determinado texto, ele é apropriado como mais um elemento no jogo. Os “signos que emergem a partir do ato de jogar têm a propriedade de iluminar uma determinada leitura daquele texto, dentre outras possíveis.” (PUPO, 2001, p. 186)

Assim os Jogos Teatrais são conduzidos sempre com base na experiência cênica e na análise crítica. Eles reúnem valores artísticos através do ato de jogar, associando elementos próprios da linguagem teatral.

A cooperação entre os participantes que atuam no jogo, fazendo acordos, partilhando da construção de um projeto cênico, superando possíveis limitações se expondo para o grupo, imaginando, refletindo, avaliando, agindo, isso permite que se chegue à conclusão de que o Jogo Teatral fundamenta-se na idéia de que a depuração estética da comunicação teatral é indissociável do crescimento pessoal do jogador (PUPO, 2001, 2005).

A prática teatral elaborada a partir do sistema spoliniano é uma atividade que está ligada à proposta contemporânea de teatro. O teatro contemporâneo tem por princípio o trabalho coletivo, o envolvimento de todo o grupo de participantes na pesquisa teatral, valorizando a criação coletiva.

A trabalho baseado nos Jogos Teatrais tem na ação coletiva uma de suas características principais. Os jogos de improvisação organizados por Spolin são um convite à participação do indivíduo no grupo. Todos os participantes têm a oportunidade de jogar, ou atuar na área de jogo, através dos princípios de liberdade e divertimento presentes no jogo, e que são mantidos no Jogo Teatral. As regras têm papel fundamental no Jogo Teatral e favorecem uma

relação democrática entre os jogadores. Desde que o jogador queira se envolver com a atividade proposta no Jogo Teatral, pouco importa se ele tem ou não talento. Não existe apenas uma resposta correta para os problemas propostos nos exercícios, o caminho para a resolução de tais problemas vem do envolvimento do aluno na atividade e dos acordos mútuos que vão sendo estabelecidos entre os jogadores. São acordos feitos entre os participantes ou entre as equipes que jogam. Esses acordos geram novas descobertas que surgem para resolver situações na área do jogo e que enfatizam a criação coletiva.

Ao elaborar práticas teatrais na escola, hoje os professores ou responsáveis pelo processo têm nos jogos uma grande contribuição para desenvolver seu trabalho. Através do Jogo Teatral é possível “fazer com que os participantes de qualquer idade adquiram consciência sobre a significação do teatro e possam, através dele, emitir um discurso sobre o mundo” (PUPO, 2001, p.182).

No documento O TEATRO NA RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE (páginas 45-49)