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O TEATRO ELABORADO NA ESCOLA E APRESENTADO COM A

No documento O TEATRO NA RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE (páginas 50-55)

CAPÍTULO 2: EM BUSCA DE UMA PRÁTICA TEATRAL QUE CONTRIBUA

2.3 O TEATRO ELABORADO NA ESCOLA E APRESENTADO COM A

A característica desse modelo de atividade dramática realizada na escola é que ela acontece com a ajuda da comunidade: na preparação dos figurinos, na confecção do cenários ou outras tarefas do processo teatral.

O sentido de colaborar pode estar ligado à questão financeira que envolve o processo dramático. Por exemplo, não tendo verba para comprar as roupas do figurino de uma representação, os professores ou direção de uma escola recorrem aos pais ou a comunidade para que estes ajudem de alguma maneira na montagem da peça. As mães costuram os figurinos, os pais constroem o palco, a avó empresta uma peça de roupa antiga.

Outra possibilidade é que o grupo gestor da escola entenda que é necessária a aproximação entre escola e comunidade promovendo esse tipo de encontro através da ajuda dos pais no processo teatral. Um exemplo dessa situação é quando as mães são convidadas para passar as roupas do espetáculo, ou a escola convida os pais para juntos elaborarem os figurinos dos seus filhos, no intuito de manter os pais mais próximos da atividade teatral e da escola. De uma forma ou de outra, essa ajuda amplia a aproximação da família e escola. Qual seria a origem desse tipo de aproximação, e quais os benefícios da colaboração da comunidade em práticas teatrais?

2.3.1 Origens da colaboração da comunidade na prática teatral

A falta de estudo sobre esse assunto torna difícil precisar em que momento o teatro na relação escola-comunidade começou a ser feito com a colaboração dos pais, membros da família ou vizinhos da escola.

Um breve olhar sobre o papel do teatro nas escolas brasileiras, no auge da Pedagogia Tecnicista, importada dos EUA, pode mostrar algumas características das práticas teatrais e a participação permitida naquele momento.

Como conseqüência das medidas governamentais ocorridas durante a ditadura militar nesse período as escolas tornam-se superlotadas, demandando maiores gastos com a educação. O investimento em educação não aumenta em relação ao “inchaço” provocado na rede pública. A participação dos pais, diante dessa situação, é vista pelo poder público como necessária pela colaboração que pode ser dada para manutenção dos estabelecimentos de ensino. Não esquecendo que, ao mesmo tempo em que se promove a participação dos pais cria-se um controle burocrático sobre essa participação, limitando o envolvimento desses nas atividades realizadas na escola. Supomos que diante dessa situação a ajuda da comunidade, na realização de práticas teatrais na escola, tenha se tornado cada vez mais necessária como meio de colaborar com os gastos.

No apogeu da Pedagogia Tecnicista, o pensamento em torno das atividades teatrais na escola era de que para essa arte cabia um papel meramente instrumental. Utilizado para desenvolver bons hábitos, atitudes e habilidades. Os conteúdos eram pautados na dramatização de fundo psicológico, quando não assumiam o papel de atividade coadjuvante de outras matérias do currículo.

O aporte teórico para a prática teatral nas escolas era quase inexistente, em conseqüência da falta de professores formados para esse área de ensino. Com a LDB 5692/71, torna-se obrigatório o ensino da arte nas escolas, e surgem cursos nas universidades brasileiras para formação dos professores de Educação Artística. Inicia-se uma nova polêmica: a polivalência desse profissional. Isso porque o estudante de Educação Artística estudava três áreas da arte: música, teatro e artes plásticas, tendo de aplicá-las na sala de aula. Aquilo que aparentemente parecia ser uma solução para o problema do ensino da arte nas escolas causou grande polêmica entre os profissionais dessa área. A polivalência do professor de arte, que se traduz por uma formação superficial nas linguagens artísticas, pode ser entendida como um máscara colocada na formação do professor para encobrir as reais intenções do Estado. Num tempo de severa censura, a arte não poderia ser totalmente liberada

nas escolas havendo, assim, a necessidade de um controle sobre a formação desses profissionais.

Sem a presença de profissionais capacitados para o ensino do teatro nas escolas, as atividades teatrais se mantiveram ligadas às representações em festividades comemorativas. As festas na escola também faziam parte das estratégias criadas para aproximar os pais, estimulando a colaboração, como meio de angariar fundos para melhoria dos estabelecimentos de ensino. O teatro nessas festas se torna um entretenimento.

As festividades reforçavam a idéia de moral e civismo, e o teatro era um meio eficaz de manter viva, na lembrança das pessoas, os feitos dos heróis brasileiros: o Descobrimento do Brasil, A história de Tiradentes, Dia da Independência, Proclamação da República. Também festejava-se o “Dia das Mães” , “Dia dos Pais”, e as “Festas Natalinas”, etc. A mais comum das festas era a “Festa Junina”.

Supomos que uma montagem teatral elaborada para ser apresentada durante uma festa precisasse de alguns recursos para: construir os cenários, os figurinos, a maquiagem, os adereços e objetos cenográficos, a ajuda das famílias era imprescindível para que as escolas públicas realizassem tal tarefa. Os pais e a comunidade entram em cena, não para compartilhar idéias e dar opiniões, mas para garantir o sucesso das representações ajudando naquilo que a escola decide fazer.

Com o fim da ditadura militar, as escola brasileiras começam a viver um outro momento que tem como foco a formação de um ambiente educacional mais democrático, requisitando uma outra forma de participação da comunidade. Também as festas nas escolas vão, aos poucos, democratizando-se. A colaboração da família, pais, vizinhos começa a ser construída de outro modo.

2.3.2 Teatro, festa e colaboração como avanço na relação entre escola e comunidade

Liberada dos limites impostos pela ditadura militar, a festa na escola ganha mais liberdade; revelando-se, portanto, como uma forma de aproximar a escola da comunidade.

A festa evidencia-se como um espaço-tempo em que é possível o encontro das pessoas que vivem numa localidade, combinando as mais diversas formas de expressar os bens culturais do grupo que ali reside. Possui um caráter comunicativo, que geralmente manifesta- se de forma lúdica e espetacular. O lúdico está presente nos jogos, nas brincadeiras, nas danças, momento de suspensão e de transgressão da vida cotidiana. A espetacularidade é decorrente da combinação entre a dança, a história da localidade, o jogo, os trajes típicos,

naquilo que o grupo considera importante ser lembrado, comemorado e reproduzido. Assim, torna-se imprescindível observar a festa como um ato coletivo pertencendo a um espaço- tempo que favorece a aproximação entre os indivíduos. Amaral recorre à Durkheim para salientar que a festa é necessária para a manutenção da coletividade:

Durkheim diz [que], com o tempo, a consciência coletiva tende a perder suas forças. Logo, são imprescindíveis tanto as cerimônias festivas quanto os rituais religiosos para reavivar os "laços sociais" que correm, sempre, o risco de se desfazerem. Neste sentido, poderíamos imaginar que, quanto mais festas um dado grupo ou sociedade realizam, maiores seriam as forças na direção do rompimento social às quais elas resistem. As festas seriam uma força no sentido contrário ao da dissolução social. (DURKHEIM, 1968, p.536 APUD AMARAL, 1998, sem paginação)

Giacalone (1998) faz uma síntese definindo alguns modelos de festas. Dessas categorias duas em especial, ao nosso ver, se enquadram no tipo de festas realizadas na escola. A festa realizada com periodicidade calendarial5 que é usada para comemorar um tempo cíclico. É um retorno com determinado ritmo temporal, capaz de renovar o cotidiano de determinada localidade, ou grupo. Compreende um tempo de abundância e desperdício, de tensões e liberações. Também destacamos a festa que apresenta conexão com um evento fundante. Esse tipo de festa relaciona-se com um ato de fundação, seja de caráter laico ou religioso, e celebra a história de um grupo.

A festa significa também “destruição das diferenças entre os indivíduos” (AMARAL, 1998). As pessoas se envolvem com o ritmo da dança, com o prazer da culinária, com o desperdício, os excessos, a liberação das tensões. No auge da festa, não se afirmam hierarquias que comandem a diversão e tenham controle sobre os conflitos ocasionais por conta dos excessos. Giacalone (1998) afirma que a festa, como qualquer evento coletivo, possui um “estatuto do viver coletivo”, enraizado na vivência de grupo. Por isso cada grupo cria, ao longo de sua convivência, símbolos e regras que organizam e garantem a passividade, ou não, dentro do ambiente festivo entre os participantes. Afinal, a festa é uma experiência possível para todas as pessoas, uma experiência que faz emergir as diferenças, mas também as semelhanças. Antes de qualquer coisa, a função da festa é de socialização, de agregação.

A linguagem utilizada no espaço-tempo da festa é polissêmica, pois se exprime de várias formas: escrita, falada, corporal, musical, visual (GIACALONE, 1998, p.132). A

5 Giacalone apresenta outras categorias de festa: a ritualização dos comportamentos, a gratuidade econômica, a

ludicidade, a representação do imaginário, a variedade de linguagens utilizadas para comunicar e dar forma às vivências dos grupos e as experiências humanas criam uma multiplicidade de modos de representação. Logo o teatro pode integrar-se à festa complementando a espetacularidade ali presente.

Se a escola solicita a colaboração da comunidade na realização de uma festa ou de um teatro que se torna uma festa haveria uma maneira adequada de ser estabelecida essa relação de colaboração? É Ann Jellicoe (1987) que nos traz referências para refletir sobre essa questão. Jellicoe descrevendo o trabalho teatral realizado com não-atores, pessoas de comunidades rurais no interior da Inglaterra revela os benefícios da colaboração. Diz essa autora que a relação a ser construída depende de confiança e credibilidade. Esses dois elementos têm que ser conquistados pelas pessoas que orientam e planejam um projeto com comunidade. Afirma Jellicoe:

Eu descobri que (...) as pessoas são muito cautelosas para se comprometerem até que estejam certas de que elas não parecerão tolas; que as pessoas irão começar hesitantemente a se doar de alguma maneira; que uma vez que as pessoas estejam seguras, elas darão e dividirão generosamente seu tempo, energia, talentos, habilidades e entusiasmo, e, quando fizerem isto, tornar-se- ão mais a vontade e amigáveis com os outros (...)6 (JELLICOE, 1987, p.8)

Aos poucos, Jellicoe foi descobrindo que grupos com os quais desenvolveu projetos teatrais sentiam-se satisfeitos em fazer parte do trabalho realizado na localidade onde viviam. A ajuda da comunidade no trabalho teatral faz com que as pessoas se sintam compartilhando de uma experiência, sendo responsáveis de alguma forma por ela. A partir do momento que uma família, o pai, a mãe, o tio, a avó dedicam seu tempo para construir uma peça do vestuário para seu filho, ou participam de reuniões para decidir como podem ajudar, a aproximação começa a ganhar um sentido de comprometimento com a unidade escolar.

Jellicoe diz que, quando terminava a apresentação da peça na comunidade, ela notava uma grande amizade entre as pessoas. Cada pessoa atuava e se comprometia de uma maneira diferente, mas “havia a mesma vontade de ajudar quando chegava a hora de limpar o palco; até o policial local vinha no seu dia de folga para ajudar a desmontar os andaimes, e as

6 I discovered that (…) people are very cautious to commit themselves until they are certain they won’t be

made to look foolish; that people will begin tentatively to give – in whatever way is in their nature; that once people are secure they will give and share unstintingly their time, energy, talents, skills and enthusiasm and as they do so they will become more warm and friendly towards each other. (JELLICOE, 1987, p.8)

equipes de homens, mulheres e crianças traziam escovas e baldes e lavaram tudo.”7 (JELLICOE, 1987, p.14)

Ao promover o aumento do comprometimento da comunidade com a prática teatral realizada na escola, modificamos também uma relação distante dos pais que, ao serem chamados somente para assistirem a uma encenação na escola, não sabem quanto trabalho foi despendido para a organização da atividade teatral. Se há uma participação dos pais durante a elaboração do processo teatral, todo o trabalho passa a ser mais valorizado. A maneira como são abertas as possibilidades de colaboração da comunidade em processos teatrais realizados em estabelecimentos de ensino poderia modificar a relação entre escola e comunidade?

2.4 O TEATRO QUE É REALIZADO POR UM COLETIVO QUE CONGREGA ESCOLA

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