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Modificação objetiva dos contratos de empreitada de obras públicas: (novos) pressupostos e limites

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Universidade do Minho

Escola de Direito

Carlos Jorge Ferreira da Rocha

julho de 2018

Modificação Objetiva dos Contratos

de Empreitada de obras públicas:

(Novos) pressupostos e limites

Carlos Jorge Ferreira da Rocha

Modificação Objetiv

a dos Contratos de Empreit

ada de obras públicas: (No

vos) pressupos

tos e limites

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Carlos Jorge Ferreira da Rocha

julho de 2018

Modificação Objetiva dos Contratos

de Empreitada de obras públicas:

(Novos) pressupostos e limites

Trabalho efetuado sob a orientação da

Professora Doutora Isabel Celeste Monteiro da Fonseca

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Direito Administrativo

Universidade do Minho

Escola de Direito

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III

Agradecimentos

No desenvolvimento de um trabalho de investigação, todos temos momentos bons, menos bons e, por vezes, mesmo, maus momentos, que nos levam a auto questionarmo-nos se valerá a pena os sacrifícios por que passamos e a privação da companhia dos amigos e, principalmente, da família.

Assim, tenho que reconhecer que não seria possível o desenvolvimento deste trabalho se não existissem forças exteriores que, de uma forma ou doutra, contribuíram para ultrapassar os momentos menos bons e permitiram que este labor se concretizasse.

Seria ingratidão da minha parte não referenciar individualmente determinadas pessoas que, direta ao indiretamente, contribuíram para que este trabalho se tornasse uma realidade.

Quero agradecer à senhora Professora Doutora Isabel Fonseca, a quem estarei eternamente grato, pela qualidade da sua orientação ao longo deste trabalho, pelo seu imenso conhecimento, capacidade e dedicação e, particularmente, pela sua amizade.

À minha esposa e aos meus filhos, um agradecimento muito especial pelo encorajamento e incentivo que sempre demonstraram e prestaram desde a fase inicial deste mestrado até à conclusão desta dissertação, e um grande pedido de desculpa pela privação da minha companhia. Ao meu grande amigo Dr. José Saavedra, pela sua disponibilidade e pela ajuda que sempre me prestou ao longo desta caminhada.

Também ao grande amigo e colega de licenciatura na Universidade de Coimbra Dr. Augusto Neves, que sempre me encorajou e se disponibilizou para me ajudar a ultrapassar as dificuldades com que me deparei.

A todos os colegas e amigos que frequentaram comigo este mestrado na Universidade do Minho.

À D. Deolinda, que sempre se disponibilizou para me ajudar nas minhas estadias em Braga. Não querendo, de todo, correr o risco de deixar de fora pessoas merecedoras deste agradecimento, agradeço ainda, a todos aqueles que de alguma forma contribuíram para que isto se tornasse possível.

Ao meu pai, que embora já não esteja entre nós, é para mim uma referência e uma incondicional força inspiradora que me apoia e permite ultrapassar todos os desafios a que me tenho proposto.

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V

Resumo

Modificação objetiva dos contratos de empreitada de obras públicas: (Novos) pressupostos e limites.

Pela primeira vez, o Direito Europeu da contratação pública teve a pretensão de regular a alteração dos contratos públicos em execução, impondo o legislador europeu, através da Diretiva 2014/24/EU, um novo regime substantivo aos Estados Membros, que ficaram constituídos na obrigação de o integrarem, de forma inovadora ou através do reajustamento, dos seus ordenamentos jurídicos.

Integrando-nos na fação dos que defendem que o Direito nacional tem necessidade de reajustar o seu regime jurídico, este trabalho tem como objetivo proceder à análise daquilo que nos foi proposto, pelo regime talhado pela Diretiva suprarreferida, particularmente o do seu artigo 72.º, em contraponto com a solução proposta pela comissão de revisão do Código dos Contratos Públicos e a forma de (não)aceitação pelo legislador nacional, perante o estudo do conteúdo ínsito no Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, que procede à revisão deste código, que entrou em vigor em janeiro de 2018.

Seguindo-se a análise e estudo do regime jurídico substantivo dos pressupostos e limites de modificação objetiva dos contratos administrativos numa perspetiva geral ou regra, e destes, no caso particular do contrato de empreitada de obras públicas.

Em sede conclusiva apresentamos as considerações relativas à (não)harmonização do regime jurídico nacional com o regime europeu, propondo a transposição textual do regime jurídico europeu.

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VII

Abstract

Objective modification of public works contracts: (new) assumptions and limits

For the first time, the European public procurement Law had the intention of regulating the change of public procurement. The European legislator imposes, through the Directive 2014/24/EU, a new substantive regime to the Member States, which were formed to be obliged to integrate it, in an innovative way or through the readjustment of their legal systems.

Integrating ourselves in the fraction of those who have the need to readjust its legal system, this work has the goal to carry out the analysis of what has been proposed by the established regime through the Directive mentioned above, particularly in its article 72, in counterpoint with the proposed solution by the revising Commission of the code of public contracts and the way of (non) acceptance by the national legislator, before the study of the content of Decree-Law 111-B/2017 of August 31, which proceeds to the revision of this code, that comes into force in January 2018.

Afterwards, we analyse and study the substantive legal regime of the assumptions and limitations of the objective modification of administrative contracts in a general perspective or rule, and of these, in the particular case of the public works contract.

As a conclusion we present the considerations related to the (non) harmonisation of the national legal regime with the European one,proposing the textual transposition of the European legal system.

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IX

Índice

Introdução.………..13

1- Apresentação do tema e sua relevância…….………...13

2- Delimitação do objeto……….16

3- Objetivos dos novos regimes (do europeu e do nacional) ………18

3.1. O quadro antigo português (em vigor até janeiro de 2018) …………19

3.1.1. O regime regra.………...19

3.1.2. O quadro que muda e a razão por que muda..……….21

Cap. I - A solução europeia, em especial a traçada na Diretiva 2014/24 ………..23

§1. O contributo da jurisprudência………….……….23

1.1. Das decisões do TJUE e dos Tribunais Administrativos nacionais….23 1.2. Acórdão Pressetext / 2008…..…..……..……….24

1.3. Os desafios lançados pela Comissão Europeia (Proposta de 2011 de alteração à diretiva de 2004)..……….….27

§2. O regime talhado no art. 72.º da Diretiva ………32

2.1. De que resulta este regime….………32

2.2. Da sua previsão……….………..34

Cap. II - A solução nacional ………..41

§1. A solução acolhida na Proposta de 01.08.2017 ………...41

§2. O regime regra (sobre pressupostos e limites de alteração aos contratos de bens e serviços em vigência/execução)…….……….48

2.1. Pressupostos…….……….51

2.2. Limites……….……….59

§3. O regime específico das empreitadas..………..66

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X

3.1.1. Os trabalhos complementares como pressuposto de modificação……….……….………..69 3.1.2. Revisão ordinária de preços………..……….72 3.2. Limites……….73 3.2.1. Trabalhos complementares resultantes de circunstâncias não previstas ………...………73 3.2.2. Trabalhos complementares resultantes de circunstâncias imprevisíveis ou que uma entidade adjudicante diligente não pudesse ter previsto……….……….74 §4. Reflexão……..………...74 Conclusões ………..79

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XI

Lista de Abreviaturas

AAFDUL – Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa Ac. – Acórdão

ARAP - Autoridade Reguladora das Aquisições Públicas Art. - Artigo

CCP – Código dos Contratos Públicos

CCPR – Código dos Contratos Públicos Renovado ou Novo Código CE – Comissão Europeia

Cfr. - Conforme

CPA – Código do Procedimento Administrativo DL – Decreto-Lei

FDUL- Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa NEDip – Núcleo de Estudos de Direito Ius Pubblicum RJEOP – Regime jurídico das empreitadas de obras públicas Proc. – Processo

PME – Pequenas e Médias Empresas

sncp – Serviço Nacional da Contratação Pública da República de Angola TC - Tribunal de Contas

TCAS – Tribunal Central Administrativo Sul TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia UE – União Europeia

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Introdução

1. Apresentação do tema e sua relevância

No que concerne à modificação objetiva dos contratos públicos jurídico-administrativos1

em execução, poderemos afirmar que não se trata de uma novidade, podendo considerar-se já um velho tema, já muito debatido pela doutrina e jurisprudência2, particularmente, no que diz

respeito ao poder de modificação unilateral do contraente público3, constituindo mesmo, este

poder, uma das principais caraterísticas identificadoras e caracterizadoras do regime substantivo do contrato administrativo.

Na perspetiva clássica, o poder de modificação unilateral4 dos contratos administrativos,

também designado como ius variandi, assentava no poder de predominância da Administração nas relações contratuais, legitimado pela proteção dos interesses públicos5, que caracterizou e

diferenciou os contratos administrativos dos demais contratos.

1 O Art. 178 do DL n.º 422/91, de 15 de novembro, que aprovou o CPA (revogado pelo CCP aprovado pelo DL n.º 18/2008, de 29

de janeiro) definia no n.º1 como Contrato Administrativo, “o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa” e, no n.º 2, enumera taxativamente que “São contratos administrativos, designadamente, os contratos de: a) Empreitada de obras públicas; b) Concessão de obras públicas; c) Concessão de serviços públicos; d) Concessão de exploração do domínio público; e) Concessão de uso privativo do domínio público; f) Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar; g) Fornecimentos contínuos; h) Prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública.

2 Como se pode comprovar pela decisão histórica do Conseil d`Etat, de 10 de janeiro de 1902, relativo à Compagnie Nouvelle du Gaz

de Deville-lès-Rouen, onde estava em causa um contrato de concessão, com caráter exclusivo, relativo à iluminação pública a gás da localidade de Deville-lès-Rouen, mas que, perante o surgimento e a possibilidade de iluminação elétrica, aquele município decidiu autorizar a Compagnie Electrique de la Banlieu de Rouen a colocar os fios elétricos e demais infraestruturas, destinados à iluminação elétrica da referida localidade, sendo esta autorização considerada pelo concessionário da iluminação a gás, uma violação da sua exclusividade contratual referente à iluminação pública. O Conseil d`Etat acabou por anular a autorização para a instalação da iluminação elétrica, dando o “direito de preferência” à companhia concessionária da iluminação a gás, permitindo-lhe a possibilidade de passar a encarregar-se da iluminação pública através da utilização de energia elétrica; ainda pelo Aresto do Conselho de Estado francês, de 11 de março de 1910, que em sede de recurso, relativo à Compagnie Générale Française des Tramways de Marselhe, em que estava em causa uma decisão do préfet des Bouches-du-Rhôn de fixar unilateralmente o horário de verão dos elétricos daquela empresa, mesmo não estando previsto no respetivo contrato e no caderno de encargos que lhe serviu de base, considerou a decisão no sentido de aumentar a frequência da circulação dos elétricos, tendo em conta o aumento das necessidades de serviço público, “implica para a Administração, o direito não apenas de aprovar os horários dos elétricos de um ponto de vista da segurança e da comodidade dos passageiros, como de prescrever as modificações necessárias para assegurar, no interesse público, o funcionamento normal do serviço”, reconhecendo, ainda, o direito ao pedido de uma indemnização decorrente desta alteração não prevista no contrato, que podemos considerar a reposição do equilíbrio financeiro do contrato, nos termos seguintes: “se considerar que tem fundamento para tal, apresentar um pedido de indemnização, como reparação dos prejuízos que lhe sejam causados por intermédio da modificação das regras de exploração do serviço em causa”. Podemos ainda afirmar que foi desde esta época reconhecido o princípio da adaptabilidade do contrato administrativo por razões de interesse público, centrado nos poderes exorbitantes do dono da obra pública ou concedente, embora só na segunda decisão (1910) se reconheceu a obrigação de o contraente público restabelecer o respetivo reequilíbrio financeiro.

3 Relativamente ao poder de modificação unilateral dos contratos públicos, MARCELO REVELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO MATOS,

Contratos Públicos, Direito administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, Lisboa, 2008, pg. 143; LOURENÇO VILHENA DE FREITAS, Direito dos contratos públicos e administrativos, AAFDL, Lisboa, 2014, p. 391 e seg.; JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS/FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Noções fundamentais de direito administrativo, Almedina, Coimbra, setembro de 2009, p. 243/244; MARCELLO CAETANO, Princípios fundamentais do direito administrativo, 2.ª Reimpressão portuguesa da reimpressão da edição brasileira de 1977, Almedina, Coimbra, 2003, p. 196, onde refere que uma das manifestações deste poder, é a possibilidade de “nos contratos de obras públicas, (…) assiste à Administração o direito de impor alterações nos projetos que serviram de base aos trabalhos”.

4 O Art. 180º do CPA aprovado pelo DL n.º 422/2001, de 15 de novembro (entretanto revogado pelo DL n.º 18/2008, de 29 de janeiro,

que revogou os artigos 178.º a 189.º), que tinha por epígrafe “Poderes da Administração”, regimentava esses poderes relativos à modificação dos contratos, nos seguintes termos: “Salvo quando outra coisa resultar da lei ou da natureza do contrato, a Administração Pública pode: a) Modificar unilateralmente o conteúdo das prestações, desde que seja respeitado o objeto do contrato e o seu equilíbrio financeiro”.

5 Relativamente ao conceito de interesse público, vd. JOSÉ FONTES, Curso sobre o novo Código do Procedimento Administrativo, 5.ª

Edição revista e atualizada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 44, segundo este autor “O interesse público é definido, em regra, de forma primária pelos órgãos políticos do Estado. A definição é, portanto, e por regra, externa à administração pública, impõe-se exogenamente e pode ser variável, em razão do tempo e da circunstância territorial. (…) Na ação quotidiana das Administrações Públicas, cabe aos órgãos dirigentes avaliar o respeito e o cumprimento das normas legais bem como do interesse público”;

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MARCELLO CAETANO refere que, o fundamento deste poder de ordenar unilateralmente modificações, “é que a Administração serve o interesse público e não pode exonerar-se do dever de procurar sempre os melhores processos técnicos e os meios materiais e jurídicos de realizá-lo”6.

Desta faculdade de proceder à modificação dos contratos resultava, por um lado, o reconhecimento da existência e posse de um poder próprio do contraente público, de extracontratualmente, modificar os contratos administrativos7 por razões de interesse público, por

outro, a definição das condições e dos limites do exercício desse poder, com vista a definir os parâmetros de proteção dos interesses dos cocontratantes.

Embora subsista este poder de modificação unilateral sustentado pela defesa do interesse público8, atualmente a doutrina confere grande relevância ao estudo do regime da modificação

objetiva dos contratos públicos, não tendo como principal alvo ou objeto a reflexão sobre este poder, mas sim, sobre a necessidade da sujeição e do respeito dos procedimentos contratuais, na fase de adjudicação e de execução, ao princípio da concorrência9-10.

Tornou-se evidente que a definição de limites ao poder de modificação dos contratos passou, não apenas, a ter como objetivo a proteção do cocontratante, mas também, a proteção dos demais concorrentes, revelando-se a proteção da concorrência como um novo critério de limitação da modificação dos contratos público-administrativos.

6 MARCELLO CAETANO, Princípios…, op. cit., 197.

7 MARCELO CAETANO, Manual de direito administrativo, Tomo I, Vol. I, 10.ª Edição (Reimpressão), revista e atualizada pelo Prof. Doutor

Freitas do Amaral, Livraria Almedina, 1980, p. 588, diz que para o Direito português o contrato administrativo é “o contrato celebrado entre a administração e outra pessoa com o objeto de associar esta por certo período ao desempenho regular de alguma atribuição administrativa, mediante prestação de coisas ou de serviços, a retribuir pela forma que for estipulada, e ficando reservado aos tribunais administrativos o conhecimento das contestações, entre as partes, relativas à validade, interpretação e execução das suas cláusulas”.

8 Nos termos do art. 302.º al. c) do CCP, “(…) o contraente público pode (…) modificar unilateralmente as cláusulas respeitantes ao

conteúdo e ao modo de execução das prestações previstas no contrato por razões de interesse público, com os limites previstos no presente Código”.

9 Cf. PEDRO COSTA GONÇALVES, com colaboração de CARLA MACHADO e JOSÉ AZEVEDO MOREIRA, Direito dos Contratos Públicos,

Almedina, Coimbra, 2016, p. 567. Referimos ainda a existência de vários preceitos no nosso CCP (grande parte de origem ou influência europeia) que têm por objeto a proteção da concorrência nos procedimentos de contratação pública, sendo um ponto com maior referência nas Diretivas de 2014, que relativamente ás suas antecessoras, deram grande relevância a esta matéria, desenvolvendo a concretização e densificação do princípio da concorrência como forma de prevenir a existência de práticas anti-concorrenciais. Relativo ao principio da concorrência vd. NUNO CUNHA RODRIGUES, O princípio da concorrência nas novas diretivas sobre contratação pública, in e-book A transposição das Diretivas Europeias de 2014 e o Código dos Contratos Públicos, Instituto de Ciências Jurídico-políticas/Centro de Investigação de Direito Público, FDUL, maio de 2016, p. 57-64; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, com a colaboração de MIGUEL NEIVA DE OLIVEIRA, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, 2.ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2016, p. 184-189; e, para melhor esclarecimento sobre a aplicação das regras da concorrência no direito da contratação pública, vd. CLÁUDIA VIANA, Os princípios Comunitários na contratação pública, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 169-180.

10 JOÃO AMARAL E ALMEIDA e PEDRO FERNANDES SANCHES, A Contratação pública de serviços de assessoria jurídica, in Estudos

em homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, Vol. II, FDUL, Coimbra Editora, 2010, p. 375, afirma que “(…) quando a concorrência se destina a encontrar o cocontratante de uma entidade administrativa, a concorrência arvora-se, em simultâneo, numa garantia da igualdade dos prestadores no mercado – pretende-se uma tutela de interesses privados ou particulares – e num meio de que a administração dispõe para maximizar as possibilidades de encontrar as condições contratuais adequadas no mercado – pretende-se então uma tutela de interesses públicos e necessidades gerais ou coletivas”.

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No que diz respeito à realização de empreitadas de obras públicas, o princípio da concorrência11 tem especial importância aquando da realização do procedimento de adjudicação,

mas, igual relevância, lhe deve ser atribuída na fase de execução dos contratos, de forma a acautelar a prevaricação das partes contratantes12, que, não raras vezes, utilizam o instituto da

modificação objetiva com violação deste princípio, porque, em concreto, pode corresponder a uma modificação substancial, que a existir, obriga a um novo concurso público, mas que muitas das vezes, de forma fraudulenta, procuram ultrapassar essa imposição13.

A regra para a realização de obras públicas é o recurso ao contrato de empreitada de obras públicas14, que nos termos do n.º 2 do art.º 16 do Código dos Contratos Públicos15, está

sujeito à concorrência de mercado, o que desde logo obriga a cautelas relativamente às modificações objetivas levadas a efeito no decurso da execução da obra.

As diretivas 2014, em grande parte consequentes da jurisprudência do TJUE, vêm, precisamente, reforçar a ideia, de que, em matéria de contratação pública, devem ser respeitados os princípios estruturantes da União Europeia aplicados à contratação pública, onde se pode constatar a preponderância do princípio da concorrência16.

A publicação do Decreto-Lei n.º111-B/2017, de 31 de agosto, introduziu alterações ao Código dos Contratos Públicos17, decorrentes da necessária transposição daquelas diretivas, que

no seguimento do seu enquadramento e no cumprimento das obrigações europeias, contemplaram inovações que se centraram, essencialmente, na procura da simplificação,

11 Sobre o princípio da concorrência nos diversos procedimentos de contratação pública, vd. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO

ESTEVES DE OLIVEIRA, com a colaboração de MIGUEL NEIVA DE OLIVEIRA, Concursos…, op. cit., p. 184 e seg.

12 MARIA JOÃO ESTORNINHO, Direito dos contratos públicos, um olhar português, Almedina, Coimbra, 2006, p. 369, refere que “Há

muito que a contratação pública tem vindo a ser submetida a um procedimento de natureza concorrencial, pese embora nem sempre regulado de forma pormenorizada. Historicamente, a primeira função do concurso público terá sido a de combater conluios entre a administração e os empreiteiros ou fornecedores e fenómenos de corrupção”.

13 Relativamente ao princípio da concorrência e a sua densificação, vd. NUNO CUNHA RODRIGUES, O princípio da concorrência…, op.

cit., p. 58/59, que com base nas conclusões da advogada-geral Stix-Hackl vem dizer que este princípio tem três funções essências no contexto da contratação pública: “i) O princípio visa as relações entre as empresas, isto é, os concorrentes ou proponentes, pretendendo-se que exista entre estes uma concorrência paralela no que se refere ao pedido de fornecimento; ii) O princípio diz respeito à relação entre as entidades adjudicantes que devam ser qualificadas como empresas e as empresas, em particular ao comportamento de uma entidade adjudicante com uma posição dominante no mercado relativamente às empresas, ou ao de uma empresa em posição dominante no mercado para com a entidade adjudicante e à apreciação deste comportamento à luz do artigo 102.º do TFUE; iii) O princípio tem por objetivo proteger a concorrência do ponto de vista institucional”.

14 Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de direito administrativo, Tomo II, Vol. II, Revista e atualizada pelo Professor Doutor FREITAS DO

AMARAL, 3.ª Reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, p. 1004.

15 Aprovado pelo DL n.º 18/2008, de 29 de janeiro, alteradopela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, pelo Decreto--Lei n.º 223/2009,

de 11 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de outubro, pela Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 131/2010, de 14 de dezembro, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de julho e pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro.

16 Como se pode comprovar logo no considerando (1) da Diretiva 2014/24/UE, relativa aos contratos públicos, formulado nos seguintes

termos: “A adjudicação de contratos públicos pelas administrações dos Estados-Membros ou por conta destas deve respeitar os princípios do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), designadamente os princípios da livre circulação de mercadorias, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, bem como os princípios deles decorrentes, como os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação, do reconhecimento mútuo, da proporcionalidade e da transparência. Contudo, no que se refere aos contratos públicos que ultrapassem um determinado valor, deverão ser estabelecidas disposições que coordenem os procedimentos nacionais de contratação pública, a fim de garantir que esses princípios produzam efeitos práticos e os contratos públicos sejam abertos à concorrência”.

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desburocratização e flexibilização dos procedimentos de formação dos contratos públicos, com vista ao aumento da eficiência da despesa pública e à promoção de um melhor e mais fácil acesso àqueles contratos por parte dos operadores económicos. Apontaram, também, a introdução de várias melhorias e aperfeiçoamentos ao regime vigente, que visam a correta interpretação e aplicação de diversas normas, beneficiando da experiência da aplicação e do trabalho da jurisprudência e da doutrina sobre o Código dos Contratos Públicos.

2. Da delimitação do objeto

Nesta matéria, entendemos que existe uma impossibilidade de traçar, antecipadamente, uma linha reta e precisa, que objetivamente, separe o que é possível daquilo que é impossível, relativamente à modificação dos contratos de empreitada de obras públicas, quando eles já estão em execução. A existência desta (im)possibilidade requer sempre uma apreciação dos casos concretos e das modificações em causa, com o objetivo da sua subsunção às normas existentes, permitindo saber se se enquadra nos pressupostos previamente determinados e dentro dos limites exigidos, sem que se questione a violação de princípios de contratação pública18, que exigiriam a

necessidade de se proceder ao lançamento de um novo concurso.

Esta apreciação só é possível se, de forma objetiva e antecipada, pré-existir um regime normativo que permita a realização desta operação. Embora se reconheça a existência de uma vasta escrita sobre a temática da alteração objetiva dos contratos públicos19, constatamos que até

à publicação das diretivas de 2014, e no caso concreto do contrato de empreitada de obras públicas, não existia legislação europeia que versasse sobre a alteração destes contratos.

O Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que foi, ao longo dos anos, objeto de várias alterações, introduzidas pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 223/2009, de 11 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 278/2009, de 2 de outubro, pela Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 131/2010, de 14 de dezembro, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de julho e pelo Decreto-Lei n.º 214 -G/2015, de 2 de outubro, já previa regulação geral e específica sobre esta matéria.

18 JOSÉ F. F. TAVARES, O Código dos contratos Públicos: Notas sobre a natureza, enquadramento e fiscalização dos contratos públicos,

in Comentário à revisão do Código dos Contratos públicos, AAFDL Editora, Lisboa, 2017, p. 139, reforça a ideia de que “Toda a atividade da Administração Pública é conformada e delimitada por princípios” e que “No que respeita à atividade contratual pública (…), para além dos princípios gerais comuns a toda a atividade de administração pública, máxime o da prossecução do interesse público, assumem uma relevância acrescida e especifica na contratação pública os princípios da concorrência, da imparcialidade, da igualdade de tratamento e da não-discriminação, bem como os princípios da boa-fé, da confiança, transparência e da fundamentação”.

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No contexto europeu, resultou da vasta atividade jurisprudencial do TJUE e da doutrina que sobre ela escreveu, que o princípio da concorrência, que inicialmente apenas era focado na fase de adjudicação, tornou-se imperativo acautelá-lo, também, durante a fase de execução dos contratos, mormente, no que à modificação objetiva dos contratos diz respeito.

As decisões deste tribunal, fundamentalmente a partir do acórdão Pressetext (2008), despertaram a atenção do legislador europeu para a necessidade de normatizar sobre esta matéria, com a pretensão de desenvolver novos conceitos ou esclarecer aqueles que, entretanto, já haviam sido desenvolvidos pelos tribunais, sendo que no primeiro caso eram indiscutivelmente necessários, desde logo devido à sua inexistência e, no segundo, devido à utilização de conceitos indeterminados ou imprecisos.

Assim, com este propósito, surgem as Diretivas Contratação Pública/201420, em que

destacamos a Diretiva 2014/24/UE, que de forma inovadora e, pela primeira vez, veio regulamentar a nível europeu a execução dos contratos públicos21, com a pretensão de definir de

forma objetiva, um regime jurídico relativo à modificação desses contratos, com inclusão e previsão dos pressupostos e limites aceitáveis, que obrigou os legisladores nacionais dos EM à sua transposição22 e, consequentemente, à necessidade de reajustamento dos seus regimes

substantivos de contratação pública.

Neste sentido, circunscrevendo o nosso labor à análise, que se pretende crítica, aos (novos) pressupostos e limites para proceder à modificação objetiva dum contrato de empreitada de obras públicas em execução, e à análise concreta do novo regime europeu previsto no artigo 72.º da Diretiva 2014/24/UE, da proposta apresentada pela comissão de alteração do CCP e da alteração do regime contemplado pelo DL 111-B/2017, de 31 de agosto23, que entrou em vigor

20 Indicamos como Diretivas da Contratação Pública/2014: a Diretiva 2014/23/UE do Parlamento e do Conselho, de 26 de fevereiro

de 2014, relativa à adjudicação dos contratos de concessão; a Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do conselho, de 26 de fevereiro, relativa aos contratos públicos (que revoga a 2004/18/CE); a Diretiva 2014/25/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nas setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (revoga a 200/17/CE).

21 Criando um regime substantivo europeu, para os contratos públicos em execução.

22 Nos termos do art. 249.º (ex-art.189.º) do Tratado CE, “a diretiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a

alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”, ou seja, não produz diretamente os seus efeitos, está dependente de um ato de transposição. Embora assim sendo e, atendendo que alguns EM nem sempre cumprem essa obrigação de transposição das diretivas dentro do prazo fixado ou o faz de forma incorreta, o TJ, no sentido de resolver as situações de incumprimento dos Estados, e de forma a garantir o efeito útil do Direito comunitário e impedir o prevalecimento do incumprimento dos EM para que os particulares (e empresas) não pudessem invocar estas normas, aplicou a tese do efeito direto às diretivas, vd. CLÁUDIA VIANA, Os princípios.., op. cit., p. 594 e seg.; GOMES CANOTILHO,J. J., Direito constitucional e teoria da constituição, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2003, afirma que “As diretivas comunitárias são atos normativos que: 1) vinculam os Estados-membros a uma obrigação de resultado, deixando discricionariedade de valoração aos Estados quanto à forma e meios de alcançar os resultados; 2) por isso, fornecem aberturas para regimes particulares nacionais, assegurados que sejam princípios uniformes que devem informar os resultados. (…) as diretivas surgem, por vezes, cheias de pormenores regulativos (diretivas medida), defendendo uma parte da doutrina que, quando forem dotadas de conteúdos normativos concretos, são imediatamente aplicáveis a entidades individuais ou coletivas âmbito dos Estados-membros”. Já em 5 de fevereiro de 1963, na defesa do princípio do efeito direto do direito comunitário, o TJUE, relativamente ao pagamento de direitos aduaneiros, se pronunciava nesse sentido no Acórdão GEND & LOOS/ADMINISTRAÇÃO FISCAL, Proc. 26/62, que pode ser consultado em: https://institutoeuropeu.eu/images/stories/Van_Gend_en_Loos.pdf.

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em janeiro de 2018, temos a pretensão de responder a uma questão que identificamos como fundamental:

Correlacionando o objetivo do legislador europeu com o do legislador nacional e, ainda que aquele aceite que o quadro jurídico dos Estados Membros comporte especificidades no âmbito desta temática a aplicar a determinados contratos administrativos, conseguiu este último a harmonização plena do seu regime substantivo com o regime europeu?

3. Objetivos dos novos regimes (do europeu e do nacional)

Perante a obrigatoriedade dos EM procederem à transposição do art. 72.º da Diretiva 2014/24/UE, evidenciou-se a existência de uma desigualdade entre os Estados, traduzindo-se num fenómeno de Europa a diferentes velocidades24, que se evidenciou, desde logo, pelas

propostas de transposição, como também, através daquelas, entretanto, efetuadas.

ISABEL CELESTE M. DA FONSECA deu a título de exemplo, e como forma de evidenciar essa desigualdade, o caso dos ordenamentos jurídicos alemão e dinamarquês, em que este artigo foi transposto na sua totalidade, acolhendo uma solução muito semelhante nos dois sistemas jurídicos, mas reforçou a ideia de que, em grande parte das situações assim não foi, como se verificou, particularmente, nos sistemas jurídicos em que a regulação da execução dos contratos é mais pormenorizada que foram patentes grandes dificuldades - como o nosso caso - o que se aceita, tendo em conta a figura do contrato administrativo e do seu regime de matriz francesa, caracterizado pela exorbitância de poderes do contraente público, mormente de modificação unilateral das prestações contratuais25.

Com base nesta problemática, perspetivavam-se dificuldades de harmonização do regime nacional com o europeu e, sérios receios, de que este último poderia fazer desaparecer os traços identitários ou caraterizadores do regime substantivo do contrato administrativo, embora sendo certo, não obstante, que o legislador dos Estados manteriam, ainda, algum espaço de opção quanto aos quantitativos abaixo dos quais não se pode considerar que haja impacto financeiro da alteração introduzida26.

24 Neste sentido ISABEL CELESTE M. FONSECA, Pressupostos e limites da modificação do contrato público existente: um velho tema,

novas dificuldades, in e-book A transposição das Diretivas Europeias de 2014 e o Código dos Contratos Públicos, Instituto de Ciências Jurídico-políticas/Centro de Investigação de Direito Público, FDUL, maio de 2016, p. 78 e seg.

25 Ibidem, p. 84 /85.

26 Como bem refere ISABEL CELESTE M. FONSECA, Pressupostos e limites…, op. cit., p. 79, situações em que “por ser pouco

significativo o impacto que a alteração produz no contrato ou por se apresentar dentro dos limiares “de minimis”, abaixo dos quais não se considera que possa existir alteração substancial, no quadro europeu”.

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Posto isto, podemos afirmar que os novos regimes, não terão, certamente, como objetivo incompatibilizar o Direito europeu com o nacional, pelo que devemos olhar para eles de forma a que exista uma convergência, que vise criar a harmonia desses regimes27.

Tendo como base este objetivo, olhamos para o quadro geral das novas Diretivas e identificamos aspetos relevantes, que se pretendem transpostos para o Direito interno e que evidenciam os objetivos explícitos do legislador europeu.

Assim, como objetivos prioritários comuns, identificamos, desde logo, (i) o intuito de simplificar e flexibilizar os procedimentos de contratação pública a nível europeu e (ii) o uso dos procedimentos de contratação pública, como um instrumento para alcançar objetivos de política europeia pré-estabelecidos no âmbito da política ambiental, política social e promoção do emprego e inovação.

Já numa perspetiva secundarizada daqueles objetivos, identificamos vários objetivos subordinados, como sejam, (i) a clarificação e interpretação de conceitos existentes no regime vigente de contratação pública, mediante a incorporação da jurisprudência do TJUE, (ii) facilitar o acesso das PME aos procedimentos de contratação, (iii) reforçar a componente eletrónica na tramitação procedimental, (iv) reforçar a prevenção da corrupção28 e das garantias de

imparcialidade e (v) a profissionalização da contratação e dos agentes.

Neste sentido, vamos de seguida contrapor o regime nacional, correspondente ao CCP publicado pelo DL n.º 18/2008, de 29 de janeiro – que resulta da transposição das diretivas de 2004 e da reunião de variadíssimos diplomas avulsos existentes – com o art. 72.º da diretiva 2014/24/UE publicada em 28 de março de 2014, e verificar se o legislador nacional, ao proceder à sua transposição para o seu ordenamento jurídico, correspondeu às expectativas e aos objetivos traçados pela Europa.

3.1- O quadro antigo português (em vigor até janeiro de 2018) 3.1.1. O regime regra

Na Parte III do CCP publicado pelo DL n.º 18/2008, de 29 de janeiro, o nosso legislador inseriu o regime substantivo dos contratos administrativos, subdividindo-o nos Títulos I e II, que regulam, respetivamente, Contratos administrativos em geral e Contratos administrativos em especial. No Capítulo V do Título I, contemplou o regime jurídico das Modificações objetivas dos

27 Vd. ISABEL CELESTE M. FONSECA, Pressupostos e limites…, op. cit., p. 79.

28 Como bem refere JOSÉ F. F. TAVARES, O Código dos contratos…, op. cit., p. 141 ao dizer que “A contratação pública constitui, por

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contratos, que segundo o seu art. 311.º, se concretiza conjugado com os fundamentos previstos no art. 312.º, que como refere, “o contrato pode ser modificado com os fundamentos no artigo seguinte” (remetendo para o art. 312.º), ainda que com o respeito dos limites estabelecidos no art. 313.º e as consequências consagradas nas alíneas a) e b) do n.º 1 e n.º 2 do art. 314.º do CCP.

Assim nos termos do art. 311.º os contratos administrativos podem ser modificados: i) Por acordo das partes, que não pode revestir forma menos solene do que a do

contrato [alínea a) do n.º 1, do art. 311.º];

ii) Por decisão judicial ou arbitral [alínea b) do n.º 1, do art. 311.º];

iii) Por ato administrativo do contraente público quando o fundamento invocado sejam razões de interesse público [al. c) do art. 302.º e n.º 2 do art. 311.º]. Embora não esteja elencado no art. 311.º, a Doutrina entende que os contratos administrativos, podem ainda, ser alterados no decurso da sua execução pelo “fait du prince” ou “facto do príncipe”, entendendo-se este como uma modificação resultante de situações extracontratuais e fora dos poderes de conformação contratual da entidade adjudicante, mas que resultem de alterações constitucionais, legais ou regulamentares, ou seja, resultantes de um diploma normativo de aplicação genérica que afeta um determinado contrato, embora não o tenha, diretamente, por objeto29.

Parte da Doutrina, embora reconheça que este poder de modificação pode radicar fora da pessoa coletiva pública contraente, na senda da doutrina francesa, estabelece uma correspondência entre a modificação estabelecida pelo fait du Prince e aquela que resulta do ato da própria entidade contratante que decide as modificações das prestações contratuais30.

A existência desta possibilidade pode ser retirada da al. a), n.º 1 do art. 314.º do CCP, já em sede de consequências da alteração de um contrato público jurídico-administrativo, que, segundo a sua provisão, o cocontratante tem direito à reposição do equilíbrio financeiro, nos termos do CCP, sempre que o fundamento para a modificação do contrato seja “(…) a alteração anormal e imprevisível das circunstâncias imputável à decisão do contraente público, adotada fora

29 Sobre o fait du prince, vd. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Sobre o regime de modificação dos contratos administrativos no novo Código

dos Contratos Públicos, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, p. 5, que pode ser consultado no sitio:

http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/maa_MA_12941.doc; ALEXANDRA LEITÃO, O tempo e a alteração das circunstâncias contratuais, artigo elaborado com base na intervenção apresentada no V Encontro de Professores de Direito Público, subordinado ao tema “O Tempo e o Direito Público”, que se realizou nos dias 27 e 28 de Janeiro de 2012, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 9, disponível em:

http://www.icjp.pt//content/o-tempo-ealtera-o-das-circunst-ncias-contratuais; DIOGO FREITAS DO AMARAL com a colaboração de PEDRO MACHETE e LINO TORGAL, Curso de direito administrativo – Vol. II, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2013, p. 642; PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito dos…, op. cit., p. 575.

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do exercício dos seus poderes de conformação da relação contratual, que se repercute de modo específico na situação contratual do cocontratante”.

Não pretendemos fazer uma análise aprofundada dos fundamentos e limites contemplados por este código, atendendo a que estes serão tratados mais á frente, e já sob a égide do CCPR.

O regime europeu de modificação dos contratos, decorrente do novo art. 72.º da Diretiva 2014/24/UE, impôs aos EM a sua transposição para os seus ordenamentos, que no nosso caso particular, devido ao facto de já existir um regime substantivo específico para os contratos administrativos, tornou-se imperativa a necessidade de reconfiguração e reajustamento do regime já existente no que concerne aos fundamentos e limites31 (aspetos a tratar e desenvolver no

Capítulo II).

3.1.2. O quadro que muda e a razão porque muda

Da imposição de integrar o direito europeu, resultou a necessidade de alterar o nosso regime substantivo dos contratos públicos.

Assim, com este propósito, e no que concerne à matéria de modificação objetiva dos contratos, como já referimos, não devemos necessariamente pensar neste tema apoiado num critério abstrato que visualize o direito nacional em total rota de colisão com o estabelecido no direito europeu32.

Portanto, norteando-nos por esta premissa, ou seja, vendo as alterações como necessárias, e de forma a pôr de lado incompatibilidades e incongruências do regime do CCP com o regime europeu, constatamos, desde logo, que uma das primeiras razões se consubstanciou na existência da necessidade do reajustamento linguístico-terminológico33, que resultou da obrigação

de se substituir expressões como, v.g., “trabalhos a mais” , “alteração anormal e imprevisível” e eliminação do regime dos “trabalhos de suprimento de erros e omissões”.

Mudaram os pressupostos e os limites da modificação dos contratos públicos em geral e, em especial, os do contrato de obras públicas, pelo que se tornou de imperativa necessidade, considerarem-se e enquadrarem-se os novos pressupostos e os novos limites a ter em conta no momento da alteração do contrato quando este já se encontra na sua fase de execução.

31 Tendo em vista a transposição das diretivas 2014, já referidas supra, todo este regime será alvo de alterações substanciais,

contempladas no DL n.º 111-B/2017, 31 de agosto, submetido a consulta pública entre agosto e outubro de 2016.

32 Como refere ISABEL CELESTE M. FONSECA, Pressupostos…, op. cit., p. 80. 33 Ídem.

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Cap. I. A solução europeia, em especial a traçada na Diretiva 2014/24 §1. O contributo da jurisprudência

1.1. Das decisões do TJUE e dos Tribunais Administrativos Nacionais

É de reconhecimento geral que, no que concerne à modificação objetiva dos contratos públicos, o TJUE teve um papel crucial - que consideramos mesmo, o mais relevante - para o desenvolvimento de regulamentação de referência nesta temática, sendo-lhe reconhecido em concreto esse valor, através da vasta citação dos seus acórdãos de referência pela doutrina, que numa primeira fase, estimulou os legisladores nacionais e europeus a sobre ela se debruçarem e, numa segunda, a um consequente reconhecimento de uma imperativa necessidade de legislar neste campo 34.

Ao nível dos ordenamentos jurídicos nacionais, e já não muito recentes, podemos referenciar, em concreto, e relativamente à modificação dos contratos públicos, dois acórdãos do Conseil D`État francês, do início do século XX, que versam sobre esta matéria e que são apontados como a génese do seu tratamento e muito relevantes para decisões posteriores35: o primeiro, foi

proferido em 1902, no qual foi reconhecido que o município podia alterar de forma substancial as características do contrato existente, impondo ao concessionário cocontratante, Compagnie nouvelle du gaz de Deville-lès-Rouen, a substituição da iluminação a gás pela iluminação elétrica; o segundo, data de 1910, em que o tribunal reconheceu a admissibilidade da decisão do Préfet de Bouches-du-Rhône, firmando o direito deste, por motivo de interesse público, para impor unilateralmente ao concessionário Compagnie générale française des tramways, um aumento da área de cobertura da rede e dos horários dos elétricos dos transportes urbanos, alargando o contrato, sem ponderar limites de natureza quantitativa36.

Ao nível das decisões de referência europeia, podemos destacar alguns acórdãos do TJUE, em que este tribunal se pronuncia de forma indireta sobre o problema da modificação dos contratos, onde se incluem o acórdão de 24 de setembro de 1997, processo C-76/97, Walter Tõgel/ Niederösterreichische Gebietskrankenkasse (instituição oficial de segurança social do Land

34 Do vasto número de acórdãos, podemos desde logo apontar, a título de exemplo dessa relevância: Ac. de 05/10/2000,

Comissão/França, Proc. C-337/98; Ac. de 29/04/2004 Comissão/Cas Succhi di Fruta SpA, Proc. C-496/99; Ac. de 17/07/2008 ASM Brescia SpA/Comune di Rodengo Siano, Proc. C-347/2006 e o Ac. de 19/06/2008 Pressetext Nachrichtenagentur GmbH/ Republik Österreich (Bund), APA-OTS Originaltext-Service GmbH e APA Austria Presse Agentur registrierte Genossenschaft mit beschränkter Haftung.

35 Que na perspetiva clássica, uma das caraterísticas que identificou o contrato administrativo, foi o ius variandi, consubstanciado no

poder que o contraente público dispunha para proceder a alterações dum contrato público, por um ato unilateral. Neste sentido v. PEDRO COSTA GONÇALVES, Direito dos contratos…, op. cit., p. 566; com o mesmo propósito e reconhecimento do princípio da adaptabilidade dos contratos públicos, ISABEL CELESTE MONTEIRO DA FONSECA, Pressupostos e…, op. cit., p. 77.

36 Vd. TIAGO DUARTE, “Os elétricos de Marselha não chegaram a Sintra: o Tribunal de Contas e os limites à modificação dos contratos”,

in Revista de contratos públicos, n.º 3, CEDRIPE, setembro-dezembro 2011, p. 28-29; PEDRO GONÇALVES, Acórdão Pressetext: modificação de contrato existente vs. Adjudicação de novo contrato, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 73, janeiro/fevereiro 2009, p. 19, nota de rodapé (30).

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da Baixa Áustria), o acórdão de 5 de outubro de 2000, processo n.º C-337/98, Comissão/República Francesa e o acórdão de 29 de abril de 2004, Comissão/CAS Succhi di Fruta37.

Já no acórdão Pressetext, o TJUE debruçou-se de forma direta sobre as modificações objetivas dos contratos e a sua substancialidade, que pode ou não, determinar a obrigatoriedade de proceder à realização de um novo procedimento de adjudicação.

1.2. Acórdão Pressetext / 2008

Apontamos este acórdão como o ponto de viragem ou de partida, porque, embora exista jurisprudência anterior do TJUE, com muita relevância38, não ostenta a profundidade e o cuidado

de pormenorizar a abordagem da temática da modificação dos contratos. Nesta decisão, muito bem estruturada, destaca-se a precisão da delimitação do problema e a profundidade de conceitos. Por isso, apontamos este acórdão, como aquele que releva o momento a partir do qual o Direito europeu da contratação pública sentiu a necessidade de se debruçar sobre o tema da modificação dos contratos públicos com o objetivo de definir critérios e densificar conceitos, o que até aqui não existia, mas que neste acórdão, teve já um tratamento cuidado e relevante, não só, admitindo em concreto a possibilidade de alteração/adaptação dos contratos públicos em execução, como também contribuiu largamente para o desenvolvimento e definição de conceitos que serviriam de base ou referência para o legislador europeu.

PEDRO GONÇALVES, referindo-se a este acórdão, diz que:“(…) representa um marco significativo da jurisprudência europeia, podendo colocar-se, desde já, no patamar de relevância que ocupam outras decisões do mesmo tribunal no plano da evolução do direito comunitário”39.

Mas, logo a seguir, e muito bem, exalta e a sua pertinência, realçando o contágio do direito europeu, que até aqui estava circunscrito aos procedimentos pré-contratuais40, à fase de execução

dos contratos, designadamente no que concerne à sua modificação, afirma que: (…) a sua relevância decorre da conjugação de dois fatores fundamentais. Por um lado, e embora não seja o primeiro a representar uma tal orientação, o acórdão denota um fenómeno de expansão do direito comunitário da contratação pública: este, paulatinamente, vai abandonando o paradigma

37 Estes acórdãos podem ser consultados em https://curia.europa.eu/jcms/jcms/j_6/pt/.

38 Como exemplo de acórdão relevantes e anteriores ao Pressetext: Ac. de 05/10/2000, Comissão/França, Proc. C-337/98; Ac. de

29/04/2004 Comissão/Cas Succhi di Fruta SpA, Proc. 496/99 e Ac. de 17/07/2008 ASM Brescia SpA/Comune di Rodengo Siano, Proc. C-347/2006.

39 Vd. PEDRO GONÇALVES, Acórdão Pressetext…, op. cit., p. 11. 40 Para a seleção do cocontratante.

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inicial de regulamentação limitada aos processos de seleção do contratante, para abranger a disciplina de aspetos claramente relacionados com a fase da execução do contrato. Por outro lado, o acórdão ocupa-se de um assunto diretamente relacionado com uma questão central e nuclear – poder-se-ia dizer mesmo identitária – do regime jurídico específico dos contratos públicos com natureza jurídica administrativa: o “poder de modificação do contrato”.41

É um Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (Terceira Secção) de 19 de junho de 2008, Proc. C-454/0642, cujo objeto é um pedido de decisão prejudicial43 nos

termos do art. 234.º do Tratado CE, apresentado pelo Bundesvergabeamt44 (Áustria), por decisão

de 10 de novembro de 2006, que entrou naquele Tribunal em 13 de novembro de 2006, no processo Pressetext Nachrichtenagentur GmbH (a seguir «PN») contra a Republik Österreich (Bund), APA-OTS Originaltex-Service GmbH (a seguir «APA-OTS»), APA Austria Presse Agentur registrierte Genossenschaft mit beschränkter Haftung (a seguir «APA»), que resulta de um litígio relativo aos serviços de agência noticiosa.

A PN é uma agência noticiosa, de pequena dimensão, presente no mercado austríaco desde 1999, detentora de um arquivo muito reduzido, que apenas de forma limitada redigia comunicados de imprensa para as autoridades austríacas. Por sua vez, a APA tratava-se de uma agência noticiosa, constituída na Áustria sob a forma de uma cooperativa registada de responsabilidade limitada, detentora de um grande arquivo, considerando-se, juntamente com as suas filiais, o maior operador no mercado austríaco das agências noticiosas.

Em 199445, a Republik Österreich (Bund) celebrou com este operador um contrato que

previa o fornecimento de certos serviços contra remuneração, permitindo às autoridades austríacas consultar e utilizar informações sobre a atualidade, pedir informações e comunicados de imprensa de caráter histórico provenientes de uma base de dados da APA (designados por “APADok”), e também utilizar o serviço de textos originais da APA (designados por “OTS”), tanto para sua informação como para difusão dos seus próprios comunicados de imprensa. A base de

41 PEDRO GONÇALVES, Acórdão Pressetext…, op. cit., p. 12.

42 Para consulta e leitura deste acórdão - InfoCuria - Jurisprudência do Tribunal de Justiça, disponível em: http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?language=pt&jur=C,T,F&num=C-454/06&td=ALL.

43 O pedido de decisão prejudicial tinha por objeto a interpretação da Diretiva n.º 92/50/CEE do conselho, de 18 de junho de 1992,

relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços e a Diretiva n.º 89/655/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos, conforme alteração pela Diretiva n.º 92/50.

44 O Bundesvergabeamt austríaco é um órgão criado por lei, que funciona permanentemente e tem jurisdição obrigatória sobre casos

relacionados com contratos públicos, em que o Estado-Federal é entidade adjudicante. Decide, no âmbito de processos com natureza contraditória, com base em normas jurídicas do direito federal austríaco. Funciona simultaneamente em primeira e em segunda instância. Os seus membros, no exercício das respetivas funções, não estão sujeitos a quaisquer instruções, sendo nomeados por períodos mínimos de cinco anos e, por vezes, por tempo indeterminado. Neste sentido, constitui um órgão jurisdicional na aceção do artigo 234.° CE e pode dirigir pedidos de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

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dados da APADok compreendia os dados do serviço desde 1 de janeiro de 1988 e os comunicados tratados pelo serviço OTS desde 1 de janeiro de 1989.

O contrato de base foi celebrado por tempo indeterminado, sob reserva de uma cláusula que permitia às partes renunciar à rescisão do mesmo até 31 de dezembro de 1999.

Em 2000, a APA constituiu, sob a forma de uma sociedade de responsabilidade limitada, a APA-OTS, uma filial que detém a 100%, existindo entre as duas sociedades um acordo de transferência dos lucros e perdas do qual resulta que esta última está financeira, administrativa e economicamente integrada na primeira, de que resulta o dever de conduzir e gerir os seus negócios segundo as instruções daquela. Além disso, a segunda ficava obrigada a transferir os seus lucros anuais para a primeira, a qual, por seu lado, deve compensar a segunda pelas perdas anuais, caso existam.

Em setembro de 2000 a primeira transferiu para a segunda as suas atividades relativas ao serviço OTS (serviço de textos originais), sendo a Republik Österreich (Bund) informada desta alteração em outubro do mesmo ano, concordando as autoridades austríacas que o serviço OTS fosse fornecido pela APA-OTS e, desde então, remuneraram diretamente esta última pela realização desse serviço.

As disposições do contrato base foram alteradas por dois aditamentos, de 2001 e de 2005, a produzirem efeitos, respetivamente, em janeiro de 2002 e 2006, sendo que o primeiro, procede a quatro alterações com os propósitos e consequências seguintes: i) o montante da licença pela utilização dos artigos de redação e dos arquivos de imprensa (que devido à transposição para o euro e à cláusula de indexação, reduziu o preço para o ano de 2002 em 0,3%); ii) o preço fixado para a consulta em linha dos serviços de informação por minuto (que sobre reserva do arredondamento efetuado aquando da transição para o euro não foi modificado); iii) para o cálculo da indexação, o índice para o ano de 1994, com base no índice dos preços ao consumidor de 1986, foi substituído, como ponto de referência, pelo índice de cálculo para o ano de 2001 com base no índice dos preços ao consumidor de 1996; iv) em derrogação deste mecanismo de indexação, certos preços foram fixados imediatamente para os anos de 2002 a 2004 (resultando numa redução de 2,94% para o ano de 2002, e de 1,47% para o ano de 2003, contrariamente à aplicação da cláusula de indexação, que a ser utilizada, aumentaria o preço). No segundo aditamento ao contrato, introduziu duas novas alterações: i) a renúncia à rescisão, acordada no contrato de base até 31 de dezembro de 2008; ii) o aumento da percentagem de

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desconto sobre o preço de consulta em linha dos serviços de informação da APA, de 15% para 25%.

Perante o tribunal estava essencialmente em causa a interpretação do conceito «adjudicação» na aceção do direito dos contratos públicos, cumprindo-lhe apurar em que condições é que a alteração de um contrato vigente deve ser considerada nova adjudicação de um contrato público de serviços, uma vez que, a sê-lo, pode existir a necessidade de um novo procedimento de adjudicação46 como forma de garantir a tutela jurídica efetiva às empresas

prejudicadas e garantir o efetivo cumprimento de princípios de contratação pública, entre os quais se destacam os princípios da concorrência47, da igualdade de tratamento48 e da transparência49.

Neste acórdão, o tribunal, ao decidir que as alterações introduzidas no contrato base não consubstanciavam a adjudicação de facto de um contrato novo50, não só sustentou o

reconhecimento da possibilidade da modificação objetiva dos contratos, que neste caso era de serviços, como aprofundou, de forma inovadora, o conceito de modificações substâncias que obrigam à adjudicação de um novo contrato, contribuindo assim para o desenvolvimento do Direito da Contratação Pública, servindo de base ao novo regime substantivo da modificação de contratos durante o seu período de vigência contemplado nas Diretivas 2014.

1.3. Os desafios lançados pela Comissão Europeia (Proposta de 2011 de alteração à Diretiva de 2004)

Em 2011, a Comissão Europeia (doravante também designada por CE), através da comunicação 2011 [COM (2011)], lançou o livro verde sobre a modernização da política de contratos públicos da UE, com o objetivo de desenvolvimento de um mercado dos contratos públicos mais eficiente na Europa.

46 PEDRO GONÇALVES, Acórdão Pressetext…, op. cit., p. 13, diz que “No fundamental, o TJ via-se confrontado com a exigência de

esclarecer e de precisar as condições em que as alterações introduzidas num contrato público representam verdadeiras modificações de um contrato existente ou integram já a adjudicação dum contrato novo.”

47 Como bem diz MARGARIDA OLAZABAL CABRAL, O concurso público nos contratos administrativos, Almedina, Coimbra, 1997, p. 83

e 84, o princípio da concorrência em matéria de concurso público “(…) será o da livre concorrência ou competição aberta”, sendo o concurso, “(...) por essência, um procedimento em que se faz apelo à concorrência, admitindo-se que vários interessados disputem (concorram) a celebração do contrato. Do que se trata é de escolher entre esses concorrentes, o que seja melhor e ofereça melhores condições”.

48 Ibidem, p. 86, que no respeita ao princípio da igualdade na contratação pública, diz que igualdade significa “tratar, primeiramente

todos os potenciais concorrentes, e depois, todos os efetivos concorrentes, nas mesmas condições, concedendo-lhes as mesmíssimas oportunidades e não fazendo quaisquer discriminações entre eles”. Sendo que, em sede de contratação pública, defende que o juízo de igualdade “será feito a partir dos requisitos gerais estabelecidos, sendo absoluta a igualdade entre todos os que os preencham e não sendo permitidas quaisquer outras considerações”, e para que seja garantida a absoluta igualdade, “(…) não são permitidas a partir daí quaisquer discriminações, ainda que essas discriminações se baseiem em razões de interesse público”.

49 A transparência dos contratos públicos consubstancia-se com a necessidade de publicação dos concursos, de forma a permitir o

acesso aos mesmos por parte de todos os interessados para disputarem entre si, segundo os critérios previamente estabelecidos, a posterior celebração do contrato publicitado.

50 O TJUE chega àquela conclusão, com fundamento na ideia de que nem todas as alterações dos contratos são consideradas alterações

substanciais, sendo certo que apenas estas são condições injuntivas de uma nova adjudicação sustentada por um novo procedimento de contratação.

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Neste livro a CE define a “Estratégia Europa 2020 para um crescimento inteligente,

sustentável e inclusivo, apresenta uma visão da economia social de mercado da União Europeia para a próxima década, assente em três prioridades que se reforçam mutuamente: desenvolver uma economia baseada no conhecimento e na inovação, promover uma economia hipocarbónica, que utilize eficazmente os recursos e seja competitiva, e fomentar uma economia com níveis elevados de emprego e que assegure a coesão social e territorial”.

A CE reconhece que os contratos públicos desempenham um papel essencial para o desenvolvimento dessa estratégia, apontando-os como um dos instrumentos de mercado a utilizar para alcançar estes objetivos. Mais especificamente, através dela, faz o convite para a utilização dos contratos públicos para: i) melhorar as condições-quadro para a inovação empresarial, utilizando plenamente as políticas de estímulo à procura; ii) apoiar a transição para uma economia hipocarbónica e que utiliza eficazmente os recursos, nomeadamente promovendo um maior recurso aos contratos públicos ecológicos; e, iii) melhorar o ambiente empresarial, especialmente para as PME inovadoras.

Esta Comissão sublinhou ainda que, “(…) a política de contratos públicos deve assegurar uma utilização o mais eficiente possível dos fundos públicos e que é necessário manter os mercados da contratação abertos em toda a UE. Num contexto de grandes restrições orçamentais e dificuldades económicas em muitos Estados-Membros da UE é especialmente importante otimizar os resultados dos contratos públicos através de procedimentos eficazes. Perante estes desafios, é mais do que nunca necessário um mercado europeu dos contratos públicos operacional e eficaz, que possa contribuir para atingir estes ambiciosos objetivos”.

Muitas partes interessadas ostentavam a preconização da revisão do sistema de contratos públicos da UE, a fim de aumentar a sua eficiência e eficácia. Por conseguinte, e em consequência dessa recomendação, a CE anunciou que iria efetuar consultas alargadas tendo em vista a apresentação de propostas legislativas o mais tardar no início de 2012, com o objetivo de simplificar e atualizar a legislação europeia aplicável aos contratos públicos, a fim de tornar os processos de adjudicação mais flexíveis e permitir uma melhor utilização deste tipo de contratos para apoiar outras políticas.

A geração de diretivas de 2004, correspondiam à consolidação normativa em matéria de processos de adjudicação de contratos públicos, onde identificamos as Diretivas 2004/17/CE51 e

51 Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de

(30)

29

2004/18/CE52, e materializavam o último passo da longa caminhada que teve início em 1971

com a adoção da Diretiva 71/305/CEE53. Estas diretivas, tinham por objetivo principal garantir

que os operadores económicos tiravam pleno proveito das liberdades fundamentais no domínio dos contratos públicos, mediante a garantia de procedimentos transparentes e não discriminatórios. Mencionavam, ainda, um conjunto de objetivos relacionados com a integração de outras políticas, como a proteção do ambiente e as normas sociais54 ou a luta contra a

corrupção55.

Assim, dado o papel fundamental dos contratos públicos para enfrentar os atuais desafios, e com o objetivo de questionar todos os interessados, a Comissão no livro verde para a contratação pública, lança questões cujas respostas se pretendiam como contributivas para o desenvolvimento da futura regulamentação europeia nesta matéria, o que se concretizaria nas diretivas 2014.

Foram lançadas questões específicas, relativas à execução dos contratos56, que inovaram

relativamente às diretivas 2004 (que nada falavam sobre esta matéria), e que passaram a ser contempladas nas de 2014, das quais destacamos a Diretiva 2014/24/UE57, que previu um

conjunto de regras sobre a execução contratual, afastando-se dos objetivos das de 2004, que idealizavam apenas a correta conformação das propostas dos operadores económicos em sintonia com o previsto no programa e no caderno de encargos. Assim, a execução dos contratos, passa a ter relevância para a contratação pública europeia.

A Comissão Europeia, constatando que os problemas verificados, concretamente, durante a fase de execução dos contratos, podem ter consequências graves do ponto de vista do princípio da não discriminação entre empresas concorrentes e da solidez das aquisições do setor público em geral, colocou a questão de saber se as regras da UE devem prever instrumentos regulamentares específicos que permitam às entidades adjudicantes lidar com estes problemas de forma mais eficaz.

Assim, tendo em conta as preocupações manifestadas, em matéria de execução contratual, nomeadamente as contempladas no parágrafo anterior, a Comissão Europeia através do livro Verde sobre a modernização da política de contratos públicos da UE para um mercado

52 Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de

adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços.

53 Diretiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas

de obras públicas.

54 Ver considerandos 5 e 46 da Diretiva 2004/18/CE e considerandos 12 e 55 da Diretiva 2004/17/CE. 55 Ver considerando 43 da Diretiva 2004/18/CE e o correspondente considerando 40 da Diretiva 2004/17/CE.

56 Sobre as questões específicas em matéria de execução contratual, lançadas pela Comissão Europeia, vd. Livro Verde, COM (2011)

de 27/1/2011, p. 26 e seg.

57 Vd. Art. 72.º da Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, que regula a “Modificação de contratos durante o seu

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