• Nenhum resultado encontrado

O arquivo já não é o que era : a transformação digital na mediateca da Sport TV

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O arquivo já não é o que era : a transformação digital na mediateca da Sport TV"

Copied!
88
0
0

Texto

(1)
(2)
(3)

Resumo

O arquivo em suportes físicos tem perdido terreno para o arquivo digital nas estações televisivas portuguesas e a Sport TV não é exceção. A implementação do arquivo digital veio impactar a organização desta empresa mediática e alterar a política da constituição do conteúdo em património do canal. A mediateca, departamento onde o arquivo se insere, e a redação, foram as áreas mais afetadas por esta mudança. Os técnicos de conteúdos audiovisuais, cujas atividades quotidianas passam, também, por escolher o conteúdo que vai para arquivo desempenham, assim, um papel similar ao do gatekeeping no jornalismo, temática aprofundada neste estudo. Os conceitos de gatekeeping e gatewatching, desenvolvidos por comparação com o trabalho realizado na mediateca, ligar-se-ão à temática do património do canal, uma vez que é por meio da seleção que o conteúdo arquivado figurará na narrativa construída pelos jornalistas. Este trabalho foi desenvolvido em consonância com o período em que, de fevereiro a agosto, integrámos a mediateca da Sport TV, e prolongou-se até à nossa entrada na redação. Na mediateca pudemos observar de perto as dinâmicas de trabalho daquele departamento e as relações intra e interdepartamentais; na redação pudemos corroborar os testemunhos obtidos. Os dados apresentados e discutidos permitiram-nos refletir algumas problemáticas decorrentes do processo de transição estudado na área do arquivo digital em televisão. Palavras-chave:

(4)

Abstract

The archive on physical media has lost ground to digital archiving on Portuguese television stations and Sport TV is no exception. The implementation of the digital archive had an impact on the organization of this media company and changed the policy of the structure of the channel's main content. The media library, the department where the archive is inserted, and the newsroom were the areas most affected by this change. Audiovisual content technicians, whose daily activities also include choosing the content to be archived, have a similar role to gatekeeping in journalism, which is the subject of this study. The concepts of gatekeeping and gatewatching, developed in comparison with the work done in the media library, will be linked to the channel heritage theme, since it is the selected content that will be on the narrative created by the journalists. This work was developed during a 7 month period, February to August, where we we joined the Sport TV media library and lasted until our entry into the newsroom. In the media library, we could closely observe the work dynamics of that department and the intra and interdepartmental relations; in the newsroom, we could corroborate the testimonies obtained. The data presented and discussed allowed us to have a reflection on some issues occurred during the process studied in the area of digital archive on television.

Key words:

(5)

Agradecimentos

À Sucena e à Rita. À Isabel e ao Fernando. À Teresa e à Paula.

À minha orientadora do relatório de estágio, Professora Doutora Camila Arêas. Ao Diogo e ao João.

A todos os outros que me acompanharam.

(6)

ÍNDICE GERAL

INTRODUÇÃO ... 1

Capítulo 1 - APARECIMENTO DO JORNALISMO DESPORTIVO EM PORTUGAL ... 7

1.1 Breve história da cobertura desportiva nos média: da imprensa escrita à televisão ... 7

1.1.1 Luzes, câmera… televisão! ... 9

1.1.2 A era da informação: o advento da internet ... 10

1.1.3 A evolução do ambiente digital e os novos desafios deontológicos no jornalismo desportivo ... 13

1.2 Contribuição sociológica para a análise do campo jornalístico televisivo ... 17

Capítulo 2 – O ARQUIVO MEDIÁTICO NA ERA DIGITAL ... 27

2.1 Do arquivo tradicional ao arquivo digital ... 27

2.2 Do arquivo ao património: o processo de seleção no arquivo ... 33

MEMÓRIA DESCRITIVA DO ESTÁGIO ... 40

METODOLOGIA ... 43

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS ... 48

CONCLUSÃO ... 60

BIBLIOGRAFIA ... 63

(7)

1

INTRODUÇÃO

À imagem do que vem acontecendo, ou acontecerá a breve trecho, noutras estações televisivas - vide o exemplo da Rádio e Televisão de Portugal (RTP) e da Sociedade Independente de Comunicação (SIC) -, a implementação do arquivo digital em empresas mediáticas representa o passo seguinte no que ao caminho da evolução tecnológica diz respeito.

Na introdução do presente trabalho, pretendemos contextualizar o leitor sobre a temática tratada ao longo deste relatório de estágio, que tem como objeto de estudo o arquivo audiovisual da Sport TV, e que se centra no processo de transição do arquivo de conteúdos em suportes físicos para formatos digitais, dada a sua inevitabilidade, como perceberemos adiante.

A Sport TV, principal estação televisiva portuguesa de conteúdos desportivos e detentora de um arquivo audiovisual de enorme importância e relevância nacional, assumiu-se desde logo como a opção de estágio prioritária.

Por força da conjugação entre o meu gosto pessoal pelo desporto (e, sobretudo, por futebol) e a minha formação académica, esta empresa afigurou-se como o lugar ideal para desenvolver o presente relatório de estágio, possibilitado pelos conhecimentos adquiridos ao longo de seis meses na mediateca da Sport TV.

Desta forma, e considerando a importância e a novidade do processo de transição do arquivo tradicional para o digital que tive oportunidade de acompanhar, o arquivo audiovisual da Sport TV constitui o objeto de estudo deste trabalho.

Se até há poucos anos o suporte físico de excelência para guardar e arquivar conteúdos audiovisuais eram as videotapes, o fim da sua comercialização a nível nacional e internacional1, provocado pelo surgimento de novos formatos mais económicos e com maior

capacidade de armazenamento, tornou inviável continuar a arquivar os conteúdos nesta tecnologia obsoleta.

1 Nos Estados Unidos da América, por exemplo, o último filme a ser lançado neste formato foi Eragon, em

(8)

2

Assim, a aquisição de novos equipamentos, como softwares digitais que garantissem melhores condições de trabalho e preservação, tornou-se imprescindível.

Em Maio de 2017, a Sport TV definiu implementar um sistema de arquivo digital, o Digital Asset Management (DAM), assente nas mais recentes tecnologias disponíveis no mercado e com uma componente de gestão de conteúdos integrada. Este sistema permite migrar os processos de constituição de arquivo existentes para uma nova base tecnológica que salvaguarda e preserva a integridade dos conteúdos, assegurando um importante contributo para a conservação e perpetuação do património do canal.

Se até novembro de 2018, o arquivo assentava numa tecnologia ultrapassada (videotapes) e não permitia a sua disponibilização, consulta e rentabilização de forma eficiente e rápida, a partir desta data houve mudanças profundas no que à organização da empresa diz respeito. Exemplo destas mudanças é verificado, por exemplo, na relação entre o principal repositório de cassetes do canal – o Edifício Altejo, situado na Urbanização da Matinha – e o próprio arquivo, situado na Mediateca do Edifício Sport TV. Desde que a empresa implementou o arquivo digital, parte do conteúdo anteriormente solicitado ao técnico de conteúdos audiovisuais presente no Edifício Altejo passou a estar acessível no Edifício Sport TV, alterando as dinâmicas de trabalho aplicadas até então.

Na Mediateca da Sport TV, os técnicos de conteúdos audiovisuais que lá trabalham são responsáveis pela gestão de todos os conteúdos, sejam eles produzidos ou adquiridos pela empresa. Para concretizar este objetivo, realizam todas as tarefas inerentes à sua gestão: aquisição, seleção, descrição, pesquisa, media manager e recuperação.

Do ponto de vista sociológico, a mudança para o arquivo digital teve impacto imediato na relação entre trabalho e técnica. A externalização de tapes com capacidade limitada de crescimento e armazenamento deu lugar a um repositório em rede que funciona como ponto de entrada no arquivo, e o designado “desarquivamento best effort”, que necessitava de um operador para inserir a tape indicada no sistema, passou a ser imediato.

Desta forma, e dada a importância da adaptação aos novos métodos de trabalho e respetivas normas, um dos temas centrais desenvolvidos neste estudo reside nas mudanças provocadas nas relações de trabalho no seio da Sport TV, resultantes das transformações técnicas do arquivo digital.

(9)

3

As mudanças descritas no parágrafo acima só foram possíveis por meio de um investimento por parte da organização. Há muito que a mediateca da Sport TV estava carenciada de uma modernização e esta representou uma fração do orçamento anual da empresa. Esta temática, sempre sensível – por força do atraso naquele que era um investimento inevitável - não deixou de ser tratada com frontalidade no primeiro capítulo deste trabalho, dada a sua centralidade neste estudo. Através das reuniões em que tivemos oportunidade de participar com todos os departamentos – da administração ao grafismo -, pudemos obter uma visão global das relações laborais estabelecidas entre estes e entender a dependência, em alguns casos financeira, que existe.

Noutro âmbito, o trilho percorrido pelos conteúdos audiovisuais do canal até configurarem património é analisado em O arquivo mediático na era digital. A temática é explicada neste capítulo, que também discorre sobre a possibilidade de eternizar o património através das tecnologias de informação digital, tomando como exemplo a deterioração inevitável dos suportes físicos que, atualmente, em formato digital, já não só correm este risco como não precisam de manutenção. Desta forma, o arquivo digital permite a preservação do património do canal que, sem este sistema, corria o risco de ser perdido para sempre e não mais ser recuperável.

Outra das temáticas tratadas no segundo capítulo tem a ver com a questão que o processo de constituição do arquivo digital levanta: quais são os critérios de seleção utilizados para arquivar determinado conteúdo em detrimento de outro? Neste sentido, trabalhámos os conceitos gatekeeping e gatewatching, que serão desenvolvidos por comparação com este processo de seleção de conteúdos para arquivo.

Num paralelismo entre o trabalho de jornalista e o de técnico de conteúdos audiovisuais, percebemos e mostrámos que, em ambas as profissões, a subjetividade inerente a estas, bem como a seleção do conteúdo considerado importante e relevante, são uma constante.

Assente no processo de transição descrito, que à data da minha entrada na organização contabilizava aproximadamente três meses, desenvolvemos um estudo sobre a constituição do arquivo digital da Sport TV, tendo em vista dois objetivos principais:

Do ponto de vista científico, o estudo de caso sobre a transição para o arquivo digital da Sport TV permite-nos pensar e interrogar a modernização dos arquivos audiovisuais em

(10)

4

ambiente televisivo de forma mais ampla. Neste sentido, a investigação centrar-se-á na análise do processo de constituição de arquivo digital – e respetivos critérios de seleção – da Sport TV, na orla de uma problemática que explora as articulações entre o arquivo e o património. À parte este objetivo, analisar-se-á ainda, à luz da sociologia, quais as alterações nas relações de trabalho que advieram da mudança do arquivo em suportes físicos para o arquivo digital e relacionar-se-ão os processos de constituição de arquivo no campo mediático e na era digital, em comparação com os métodos de arquivo utilizados até esta alteração.

Do ponto de vista profissional, esta investigação poderá oferecer elementos de análise para uma avaliação empresarial mais fina no que toca à utilidade (pontos positivos) e os problemas (pontos negativos) da transição para o arquivo digital, tanto do ponto de vista técnico, quanto sociológico.

Deste modo, e considerando as diretrizes orientadoras para a elaboração de um relatório de estágio, este trabalho tem como objetivos primordiais desenvolver e responder às seguintes perguntas, que configuram a nossa problemática de estudo:

1. Qual foi o impacto (positivo e/ou negativo) da transição do arquivo tradicional para o arquivo digital no quotidiano de trabalho dos técnicos de conteúdos audiovisuais e dos jornalistas?

À parte a Mediateca, a alteração estudada estendeu-se aos demais departamentos da empresa. A titulo de exemplo, podemos ressaltar que:

a. Na Documentação, os processos de compactação em fita e base de dados foram substituídos por softwares com diferentes módulos (ingest, catalogação, busca, realização, edição, entre outros) e um hardware composto por servidores, armazenamento em disco de baixo custo e biblioteca digital de fitas LTO.

b. Na Redação, viabilizou-se a consulta do arquivo desde os postos de trabalho dos jornalistas e a utilização do conteúdo nele armazenado, mediante autorização. c. No que respeita ao Armazenamento, os processos de transferência de ficheiros são

agora estabelecidos em ambas as direções.

Partindo da descrição das mudanças descritas acima, e apoiados na perceção obtida e registada através da observação participante complementada com as entrevistas aos

(11)

5

trabalhadores de algumas das áreas acima mencionadas, o nosso objetivo é perceber como o novo paradigma do arquivo digital afetou a organização laboral dos técnicos de conteúdos audiovisuais.

Se até à data da implementação do arquivo digital na mediateca da Sport TV, o quotidiano de um técnico de conteúdo audiovisual era marcado por uma determinada rotina laboral, a partir de novembro de 2018 esta sofreu alterações profundas. Neste sentido, tentaremos perceber quais as mudanças detetadas pelos profissionais influenciados por esta alteração.

2. Quais os procedimentos de seleção para arquivo digital dos conteúdos da Sport TV e, de que forma, estes contribuem para a constituição do conteúdo do canal em património? A seleção do material audiovisual está sujeita a um conjunto de normas e procedimentos que assegurem que nenhum documento de potencial valor seja eliminado.

Da autoria de Adérito Pinho, supervisor da mediateca da Sport TV, preveem um exercício permanente que assegure a prática coerente dos procedimentos para a seleção dos conteúdos.

O interesse histórico, a vertente comercial e a perspetiva de reutilização para emissão são as diretrizes orientadoras das normas supracitadas que configuram a prática coerente dos procedimentos definidos para a seleção dos conteúdos.

Neste sentido, e considerando as restrições de ordem financeira, operacional e técnica que influenciam a quantidade e a natureza do material a conservar justifica-se, por parte de todos os intervenientes, a prática das regras definidos pelo supervisor do departamento.

As análises que desenvolvemos destes procedimentos têm como intento perceber, através do recurso a entrevistas e documentos internos, de que modo o conteúdo selecionado para o arquivo digital influi na configuração do património do canal, tanto em termos de história, como de memória.

Para responder às perguntas que impulsionaram a realização deste estudo, apoiámo-nos em diferentes instrumentos metodológicos que nos permitiram explorar e desenvolver as hipóteses de investigação em curso, a fim de validá-las ou refutá-las.

Numa primeira fase da investigação, apoiando-nos nos campos teóricos da sociologia, priorizou-se a recolha de dados referentes à organização do trabalho empresarial da Sport

(12)

6

TV através de “observação participante” de caráter informal - porque o recurso ao bloco de notas não obedeceu às regras e normas sistemáticas convencionadas - e “entrevistas exploratórias”. Nesta fase, a descrição e análise das relações intra e interdepartamentais assumiram especial relevância. Com efeito, a primeira semana de estágio pautou-se por um conhecimento das dinâmicas de cada departamento, através de reuniões com um representante de cada um destes. Esta primeira etapa de observação informal permitiu-nos adquirir uma visão global da organização da empresa e das relações sociais existentes no seio desta.

Posteriormente, e numa etapa mais adiantada, em que as relações entre o arquivo digital e a constituição de património são os temas dominantes do capítulo, o recurso à “análise documental” e “entrevistas”, com o supervisor do arquivo, três técnicos de conteúdos audiovisuais, um elemento do departamento criativo e um jornalista encerraram os métodos de investigação deste trabalho. As respostas obtidas por parte dos técnicos de conteúdos audiovisuais revestem-se de especial importância, na medida em que é através delas que analisaremos se estes compreendem e cumprem na íntegra os critérios de seleção e, ainda, se têm consciência de serem parte ativa e integrante do processo de constituição do património do canal.

(13)

7

Capítulo 1 - APARECIMENTO DO JORNALISMO DESPORTIVO EM PORTUGAL

1.1 Breve história da cobertura desportiva nos média: da imprensa escrita à televisão “O jornalismo é a vida”

(Traquina, 2005: 19) No capítulo que dá o mote para o enquadramento teórico deste trabalho, e indo ao encontro da célebre divisa de que o jornalista se rege pelo binómio “uma frase/uma ideia”, entendo que esta pequena sentença de Nelson Traquina em Teorias do Jornalismo – Vol. 1 ilustra, de forma breve e concisa, a importância que atribuo à atividade jornalística no quotidiano de uma sociedade democrática, em que qualquer cidadão pode expressar a sua opinião de forma livre e sem receio de represálias, jornalistas incluídos.

Destarte, neste ponto do trabalho, procuraremos relacionar o progresso e o caminho trilhado pelo jornalismo desportivo, uma das especializações desta área mais representativas em Portugal2.

Desde o Acta Diurna3, o mais antigo jornal impresso de que se tem memória e registo, ao

jornalismo multiplataforma que se pratica nos dias de hoje, são inúmeras as mudanças que se têm verificado no campo.

Se recuarmos ao início do século XIX, época que coincide com a profissionalização do jornalismo4, podemos compreender a evolução desta atividade ao longo de mais de duzentos

anos. O desenvolvimento da economia de mercado, o aumento da população urbana e/ou o progresso tecnológico nas telecomunicações afiguram-se como motivos para o progresso desta área, assumindo a imprensa escrita o papel principal no que respeita à emergência do fenómeno de mass media (Lopes, 2010: 1-2, citado por Latas, 2017: 9).

2 Dada a relação dimensão/população de Portugal, o autor deste trabalho considerou que as três publicações

desportivas diárias – A Bola, Record e O Jogo – justificam esta afirmação.

3 Título do primeiro jornal conhecido. https://pt.wikipedia.org/wiki/Acta_Diurn

4 De acordo com Traquina (2005), França e Estados Unidos foram os pioneiros na profissionalização da

atividade jornalística, sendo que, no caso destes últimos, o registo do início do ensino de jornalismo remonta a 1860.

(14)

8

A partir da segunda metade do século XIX, emergiu, entre outras, uma nova temática que resultou num “elemento cultural de grande importância nos países do sul da Europa e de grande interesse por parte dos meios de comunicação: o Desporto” (Latas, 9). Os primórdios do jornalismo desportivo em Portugal remetem-nos às duas últimas décadas do século XIX, onde a caça, primeiramente, e a tauromaquia, um ano depois, se erigiram como as primeiras modalidades a propiciar o aparecimento de periódicos desportivos, especialização do jornalismo desconhecida até então pelos portugueses5 (Aguiar, 2015: 34).

Esta especialização, segundo Tavares (2009) citado por Monteiro (2018), deve-se à “à evolução dos meios de comunicação e à formação de grupos sociais consumidores de media cada vez mais distintos”. Por sua vez, Abiahy (2000) citada por Pêgo (2015) defende que esta segmentação se deve à lógica capitalista que os meios de comunicação procuraram seguir por força dos gostos da audiência serem cada vez mais díspares.

Em Portugal, contudo, a fraca adesão a este novo modelo, motivou a extinção destes periódicos, levando a que se iniciasse um novo formato: o diário generalista desportivo6, no

qual cabiam várias atividades desportivas em lugar de apenas uma, conseguindo, assim, captar a atenção de uma fatia maior de leitores (Aguiar, 2015: 35; Pêgo, 2015: 35).

Na transição do século XIX para o século XX, chegou a Portugal uma modalidade até então pouco praticada7 e que viria a mudar o paradigma do jornalismo desportivo português: o

futebol.

Desde que o futebol se assumiu como a modalidade mais praticada e com maior audiência em Portugal, vários foram os jornais que despontaram desde o seu surgimento. O Sport de Lisboa (1915-1934), Os Sports (1919-1945), o Sporting (1921-1953) ou A Voz Desportiva (1926-1975), várias foram as amostras de uma imprensa desportiva que crescia e começava a consolidar-se de norte a sul do país (Aguiar, 2015; Pêgo, 2015).

5 Se esta especialização do jornalismo era desconhecida dos portugueses até à data, em Londres já se iniciara,

em 1852, com o Sportman.

6 Foi com O Velecepodista que se deu o início deste novo género periódico.

7 De acordo com Neves (2013), o primeiro jogo de futebol em Portugal foi realizado em 1988 e apenas na

(15)

9

A consolidação do jornalismo desportivo enquanto especialização no panorama da imprensa escrita portuguesa atingiu patamares mais elevados aquando do aparecimento de dois dos três jornais que até aos dias de hoje se mantêm com tiragens diárias: A Bola, em 1945, e o Record, em 1949. (Pêgo, 2015). De lá para cá, O Jogo, fundado há quase trinta e cinco anos (1985), completa o “triplete” no que respeita aos jornais diários desportivos que ainda se mantêm em atividade.

1.1.1 Luzes, câmera… televisão!

À imprensa, anos depois, juntou-se-lhe a televisão. Dada a sua centralidade neste estudo, reveste-se de especial importância contextualizar o papel que esta plataforma desempenhou no processo evolutivo do jornalismo desportivo e quais as especificidades que propiciou. Segundo Monteiro (2018), as primeiras emissões desportivas televisivas datam dos anos 30, nos EUA. Na Europa, a Alemanha, durante o período de regime nazista entre os anos de 1933 e 1945, foi pioneira quando, por ordens de Hitler, transmitiu os Jogos Olímpicos com o intuito de tentar demonstrar a alegada superioridade da raça ariana. O torneio de Wimbledon, em 1937, foi o evento seguinte, transmitido pelo canal britânico BBC e, só em 1948, é transmitido o primeiro jogo de futebol, aquando do Mundial de Futebol realizado em França.

Em Portugal, a primeira estação de televisão surgiu em 1955, quando, após várias tentativas, é criada a Rádio e Televisão de Portugal (RTP). Anos depois, em 1968, nasce a RTP2, estação que servia de complemento ao primeiro. Trinta e quatro anos após a criação do primeiro canal de televisão em Portugal, aparecem os dois primeiros canais privados: SIC e TVI.

À imagem do que aconteceu com a imprensa escrita, a televisão também originou canais especializados em desporto e é neste segmento em que a Sport TV, primeira estação televisiva portuguesa de conteúdos desportivos, se insere.

Se até então a imprensa escrita encarava o jornalismo desportivo como um género, sobretudo, informativo, a televisão introduziu o elemento da espetacularidade (Monteiro, 2018: 35). A possibilidade de assistir, inicialmente em preto e branco e, posteriormente, a cores, veio alterar o paradigma do que era receber a informação desportiva até então. Como

(16)

10

escreve Pinheiro (2009), “a forma como o público via e pensava o desporto e a informação desportiva sofreu uma considerável alteração a partir da chegada da televisão”.

A espetacularização do fenómeno desportivo foi uma das características que a evolução do jornalismo proporcionou. A televisão, por força da imagem, rompeu com o arquétipo que que vigorava. A possibilidade de assistir a um jogo contribuiu de forma contundente para a mediatização do desporto. Sobre esta mudança, Felisbela Lopes (2011) corrobora esta ideia, afirmando que “(…) Hoje, a televisão é sinónimo de espectáculo, mesmo quando se fala em informação” (2011: 63).

Assim, o apelo aos sentidos por meio da imagem trouxe uma nova forma de olhar o fenómeno desportivo em Portugal, embalada pela emoção inerente a quem assiste pela televisão. Segundo a mesma autora, “a televisão dirige-se prioritariamente ao nosso olhar, incitando os telespectadores a seguirem as respectivas emissões como se estivessem no centro do universo televisivo” (2006: 3).

1.1.2 A era da informação: o advento da internet

Na última década do século transato, Manuel Castells publicou La Era de la Información, obra tripartida na qual a primeira parte, La Sociedad Red (1996), trata da globalização e do desenvolvimento tecnológico por que passaram (e continuam a passar) a produção de informação por força das redes. O pensador e sociólogo espanhol, em A Sociedade em Rede: Do Conhecimento à Acção Política, afirmou que o “mundo está em processo de transformação estrutural desde há duas décadas. É um processo multidimensional, mas está associado à emergência de um novo paradigma tecnológico, baseado nas tecnologias de comunicação e informação”. (2005: 17)

À boleia da obra de Castells, Rogério Santos em Jornalistas e Fontes de Informação escreveu que o texto jornalístico contemporâneo nasce do processo supra, “do produto de uma grande variedade de forças culturais, tecnológicas, políticas e económicas, específicas numa sociedade e num tempo determinados”. (2003: 6)

Assim, o despontar de novas tecnologias como a Internet possibilitaram ao jornalista aceder a toda a informação de que necessita para trabalhar, independentemente do local de onde ela provém. “A internet tornou-se o melhor amigo do jornalista. As redes sociais estão na moda.

(17)

11

O Facebook, o Twitter, disponibilizam informação pertinente que imaginemos, está apenas à distância de um clique” (Ávila Santos, 2012:40)

No que refere ao jornalismo desportivo, tratamos de uma editoria muito específica, como escreveu Joana Silva, do Blogue de Jornalismo Especializado da Universidade Lusófona Porto:

O jornalista que faz desporto não tem de saber tanto de futebol como o Mourinho, tanto de basquetebol como o Michael Jordan ou tanto de golfe como o Tiger Woods (…) Tem de saber essencialmente de jornalismo, mas é importante que tenha conhecimentos da área em questão. É importante que goste de desporto, mas tem de estar atento a outras áreas, porque jornalista é jornalista – tem de saber fazer política, economia, cultura, sociedade… Tem de compreender e analisar bem o fenómeno desportivo, mas fundamentalmente, tem de saber muito de jornalismo e saber usar esses conhecimentos8. (Silva, 2011)

O trabalho que ainda há não muito tempo - duas décadas, sensivelmente - pressupunha ir ao terreno falar com as fontes, de forma a aferir a informação desejada, atualmente dá lugar à pesquisa em redes sociais – que podem ser dos clubes, dos jogadores, dos empresários, ou de qualquer outro agente desportivo9.

A definição de furo jornalístico, que antes prendia-se, maioritariamente, com ser pioneiro em chegar ao local e/ou ao interveniente que detinha a informação, hoje está à disposição de todas as pessoas na mesma altura, através destas ferramentas tecnológicas. Como Cristina Ávila Santos explica, o Twitter, por exemplo, é hoje tido como “um pilar fundamental no jornalismo desportivo. O jornalismo assume-se hoje como um campo aberto de saber numa sociedade onde todos os agentes sociais podem delinear as estratégias comunicacionais” (2012: 3).

8 Joana Silva, Blogue de Jornalismo Especializado, Universidade Lusófona Porto: 11 de Maio de 2011 -

http://jornalismoespecializado.blogs.sapo.pt/34948.html.

9 Representante legal de figuras profissionais do desporto, como atletas e treinadores.

(18)

12

Por sua vez, Cláudia Lopes, atual Coordenadora de Comunicação e Plataformas do Sporting Clube de Portugal10, corrobora a ideia de que as redes sociais são, atualmente, uma

ferramenta imprescindível de qualquer jornalista seja qual for a área11.

Hoje em dia tu tens os jornais estrangeiros, de repente sai uma notícia em Londres e tu tens ali o Twitter, hoje muito utilizado por todos os meios de comunicação social, por muitos jogadores, já que não tens uma facilidade directa de contacto com os jogadores tens através das redes sociais daquilo que eles colocam, acho que é fundamental. (Lopes, 2012)

Ainda que a essência do jornalismo, que tem como função primordial informar (Traquina, 2005) se tenha mantido, os avanços tecnológicos trouxeram, também, informação em catadupa.

As notícias são atualizadas de minuto a minuto nas páginas da Internet, dos vários órgãos de comunicação. A difusão da informação alcançou grandes dimensões de rapidez e extensão, que permitiram o nascimento de um novo olhar sobre o mundo. (Ávila Santos, 2012:2)

O excesso de informação tem, também, o condão de muitas vezes induzir o jornalista e, consequentemente, o recetor da mensagem a erro. Assim, um dos desafios que esta nova era tecnológica encerram tem, precisamente, a ver com a credibilidade da notícia.

Numa entrevista concedida a um blog12 administrado por estudantes na área da Comunicação

e Jornalismo, e que posteriormente seria publicado na edição 567 do Observatório de Imprensa, Daniel Ferreira abordou este desafio, elencando-o como o “grande dilema do jornalismo contemporâneo”.

Conforme Daniel Ferreira escreveu, o jornalista

(…) Tem de ter equilíbrio, mas, sobretudo, compromisso com a informação, o cidadão e a verdade dos fatos, sempre escutando duas, se possível três, quatro, cinco versões do fato. Contextualizando o fato, aprofundando, investigando e narrando para a audiência.

10 À data destas declarações, a jornalista era diretora-executiva do Maisfutebol.

11 A Agência Financeira da TVI alimenta-se de vários jornais online que noticiam ao minuto, bem como de

agências noticiosas.

(19)

13

É possível dar a informação, atender ao interesse público e garantir a audiência sem fazer da notícia um espetáculo. (Ferreira, 2009)

O jornalista especialista em Gestão de Informação prossegue, não deixando passar em claro a importância da credibilidade e reputação nas organizações mediáticas.

Há, muitas vezes, desencontro de informações, os dados não batem, narrações superficiais, textos mal escritos, inverdades tratadas como pura verdade factual. Isso não é bom para a credibilidade e própria existência dos veículos de imprensa, sobretudo no mundo contemporâneo. (Ferreira 2009)

1.1.3 A evolução do ambiente digital e os novos desafios deontológicos no jornalismo desportivo

A evolução e consequente modernização do jornalismo, da qual a televisão foi figura de proa, acarretou diversos novos desafios para os seus profissionais. Atualmente, o jornalismo desportivo, transversal às várias plataformas, depara-se com distintos problemas deontológicos, sendo um deles a liberdade criativa no exercício das suas funções, limitada de sobremaneira por entidades externas à redação.

Em 2011, António Varela escreveu no diário desportivo Record que

O desenvolvimento da imprensa e do desporto conheceu um impulso singular no séc. XIX, tendo ambos conhecido níveis de massificação consideráveis. Hoje, desporto e media não vivem um sem o outro, coabitam sob estrita dependência. Como é que se faz então para proteger o nosso negócio, atacamo-lo? É hoje claro que o ‘jornalismo desportivo’ vive entalado entre o compromisso de dar notícias, mesmo que essa tarefa não seja muitas vezes simpática, e fazer aquilo a que pomposamente algumas pessoas chamam de ‘promover o espectáculo’, missão paradoxalmente vedada por quem tem as estrelas sob contrato, os clubes, que reduzem a participação pública dessas figuras a declarações telecomandadas. (Varela, 2011)13

O artigo de opinião acima parcialmente transcrito, propõe uma reflexão sobre a dependência do jornalismo/jornalistas dos clubes, das empresas injetoras de capital que as detêm e de outros fatores externos que condicionam a atividade jornalística. A opção de transmitir ao

13 Opinião: O que são os jornalistas? Por António Varela,

(20)

14

leitor, ouvinte ou espetador a notícia é, não raras vezes, condicionada por aquilo a que Varela designa de “promoção de espetáculo”.

O autor do artigo distingue as duas principais atividades do jornalismo contemporâneo: noticiar, que descreve como tarefa “pouco simpática” e promover o espetáculo, referindo as dificuldades inerentes a esta pelos obstáculos que os clubes levantam; é neste ponto que surge um dos maiores desafios para os jornalistas, na medida em que a informação que têm é a que lhes é dada pelos clubes e respetivos departamentos de comunicação, naquilo a que Varela designa de “declarações encomendadas”, descurando, por vezes, a premissa da verdade e do valor-notícia, em detrimento de ter algum conteúdo para dar à audiência. Deste modo, o valor-notícia, que de acordo com Traquina (2005:19) pode resumir-se em tudo o que é importante e/ou interessante, é deixado de lado e subjugado pelos interesses económicos e comerciais latentes do meio onde o jornalista se move. Ora, segundo Traquina, para além de “num quadro de checks and balances (a divisão e equilíbrio dos poder entre poderes) ter a responsabilidade de ser o guardião (watchdog) do governoa democracia, o profissional desta área tem o dever de informar os cidadãos”; esta informação tem, contudo, de obedecer a um dos princípios básicos do jornalismo: a verdade. (Traquina, 2005: 23). Todas as notícias assumem um pressuposto tácito que tem a ver com veracidade destas: quem as recebe, adota uma postura de confiança perante a informação nela contida. “O principal produto do jornalismo contemporâneo, a notícia, não é ficção, isto é, os acontecimentos ou personagens das notícias não são invenção dos jornalistas” (Traquina, 2005: 20), mas, por força das pressões exercidas sobre o campo jornalístico, este princípio é regularmente descurado.

Um exemplo paradigmático do incumprimento do princípio referido acima no jornalismo desportivo são as contratações de jogadores na silly season: não raras vezes, os jornais diários desportivos fazem capas e alimentam “novelas” com notícias falsas, um dos flagelos do jornalismo contemporâneo, na ânsia de maior tiragem e, consequentemente, melhores números.

António Varela escreve ainda que

Com o avançar do tempo, o jornalismo tem sido um negócio e as notícias uma mercadoria que tem alimentado o desenvolvimento de companhias altamente lucrativas

(21)

15

(Traquina, 2005). Se atentarmos nos principais financiadores das grandes confederações do desporto da atualidade (FIFA e Comité Olímpico Internacional), quem lhes proporciona lucros milionários, e de todos os clubes profissionais, quem lhes garante as remunerações dos desportistas: as televisões. São os contratos de compra e venda dos direitos de transmissão que asseguram o negócio. E quem tem o negócio age no interesse de não o estragar, deseja promovê-lo até à exaustão, na tentativa de garantir mais e mais audiências. (Varela, 2011)

A dependência do mercado e a subversão dos valores éticos e deontológicos do jornalismo em nome de vendas levam-nos, assim, à Teoria Geral dos Campos.

À luz desta teoria, aflorada por Pierre Bourdieu em, por exemplo, Sobre a Televisão, e desenvolvida no subcapítulo seguinte, os campos jornalístico e económico não podem ser tidos como a soma das individualidades, mas como o resultado das suas relações.

A dependência económica – uma das dependências mais flagrantes na atualidade - tem levado, não raras vezes, à tentação de optar por valores éticos pouco claros, confluindo numa toada sensacionalista, em que o principal intuito é vender o jornal/telejornal como um produto que agarra os leitores e ouvintes (Traquina, 2005: 27), descurando a deontologia profissional.

Deste modo, o relacionamento do campo jornalístico com o mercado mediático - com todos seus imperativos de ordem comercial e concorrencial - influencia a tomada de decisões e estratégias em ambiente de negócio (Ávila Santos, 2012: 19).

Ainda na orla da subjugação de interesses a que os jornalistas estão sujeitos, existe uma preocupação latente por parte dos meios de comunicação social em ir ao encontro do que o público espera ver.

Assim, para Cristina Ávila Santos, o jornalismo português serve uma audiência exigente, que contribui cada vez mais para a definição da programação televisiva (2012: 5), que tem vindo a adaptar-se à evolução e modernização dos meios de comunicação.

A evolução dos meios de comunicação extravasou para além fronteiras (…) A globalização ocorreu de tal forma que podemos, na verdade, conceber a forma de funcionamento dos media como um grande sistema mundial, por meio do qual fluem quantidades ilimitadas de informações, notícias, propaganda política, publicidade, cinema, jornais, revistas, programas de rádio e televisão, através de diversos suportes

(22)

16

tecnológicos, desde os feixes hertzianos ao satélite, o que promoveu um desequilíbrio em matéria informativa entre os países mais desenvolvidos e nos menos desenvolvidos. (Cruz, 2002: 337)

(23)

17

1.2 Contribuição sociológica para a análise do campo jornalístico televisivo

A discussão não é nova. A dependência dos media do mercado é algo inevitável, considerando que é este quem os direciona e sustenta.

Neste capítulo, propomo-nos a estabelecer uma relação entre o campo jornalístico - espaço pontuado por dinâmicas próprias, mas dependente das relações com os outros campos -, e o conceito de produção cultural, assente numa perspetiva sociológica de análise da comunicação.

Alicerçados em Sobre a Televisão, buscamos compreender o estado atual do campo jornalístico televisivo português. Os mecanismos de censura (implícita) e condicionamento por trás dos ecrãs serão o nosso foco principal. Nesta obra, Pierre Bourdieu (1930-2002) desenvolve os pressupostos teóricos daquilo que define como o “campo” jornalístico, analisado em função das relações que estabelece com outros campos, tais como o cultural, o científico, o político, o económico, entre outros.

Atualmente existem muitos e variados tipos de campos na sociedade contemporânea: jornalístico, económico, cultural, científico, educacional, entre outros. Em cada um, inserem-se posições sociais “superiores” que inserem-se tornam objetos de “consagração social”. O campo jornalístico é um destes campos. Para Bourdieu, o campo jornalístico é uma pequena estrutura de relações sociais, composta por posições hierárquicas com uma ou mais espécies de capitais específicos.

O papel dos média na cultura, gera discórdia desde meados do século XIX – altura em que começa a dar-se a massificação da imprensa -, tendo atingido maiores proporções aquando do aparecimento do conceito de Indústria Cultural, dando origem a uma profunda reflexão sobre estes e a produção cultural.

O conceito de Indústria Cultural, proposto pela Escola de Frankfurt14, e elaborado por

Theodor Adorno e Max Horkheimer, foi descrito como sendo a indústria da diversão vulgar, difundida nas televisões, rádios, jornais, revistas e propagandas (estas últimas, após a primeira Grande Guerra, assumiram uma conotação negativa, atingindo o seu auge com o

14 Nome dado ao grupo de pensadores alemães do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt nascido em

(24)

18

aparecimento de Goebbles15). Esta indústria levaria à massificação da imprensa e uma

consequente “homogeneização” de comportamentos.

Para Adorno e Horkheimer, o desenvolvimento tecnológico é posto ao serviço da lógica do capitalismo, dando azo ao consumo e à diversão, sendo estes encarados como focos de distração em relação aos problemas sociais.

(…) A dominação técnica progressiva se transforma em engodo das massas, isto é, em meio de tolher a sua consciência. Ela impede a formação de indivíduos autónomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente. Mas estes constituem, contudo, a condição prévia de uma sociedade democrática. (Horkheimer, M. & Adorno, T., 2002)

Paralelamente, Paul Lazarsfeld, da corrente oposta16 à dos autores supracitados, explica que

os consumidores estão aptos a optar pelo produto que mais os satisfaz, havendo então uma variação do produto dos média: o produto cultural é produzido e orientado para satisfazer os gostos das pessoas.

Para Lazarsfeld, os media são vistos como instrumento de negócio, tendo sempre como pano de fundo o termo influência; isto é, o sociólogo americano apresentou-nos a possibilidade de pensar a receção dos média em função do individuo, dos seus círculos sociais e dos contextos de vivência, mas, também, a capacidade critica dos consumidores a transformar o sentido da mensagens mediáticas.

De todo o modo, e transpondo as teorias referidas acima para o campo jornalístico, o relato de acontecimentos que contribuam para um melhor entendimento sobre os assuntos públicos é o ideal deontológico do que deve ser o jornalismo: objetivo, factual e crítico dos poderes estabelecidos.

Atualmente, e no que se refere aos modelos de financiamento mediático, prevalece a tradição comercial. A autonomia de quem escreve não passa, não raras vezes, de um pensamento utópico. Para Pierre Bourdieu, a produção jornalística, se em larga escala e situada na esfera

15 Ministro da Propaganda Nazista no governo de Adolf Hitler.

(25)

19

da reprodutibilidade, goza de uma baixa autonomia e de um baixo estatuto simbólico - não obstante possuir um elevado capital económico.

O capital económico provém de um financiador (podendo este ser, por exemplo, parte do poder económico), ao qual o jornalista deve obedecer, sob pena de ficar sem trabalho ou de propagar algo contra aquilo em que acredita ou que entende ser o correto. Assim, este é refém das indicações dadas por quem está acima na pirâmide hierárquica, podendo ser conduzido a escrever algo que vá ao encontro de ideias de outrem, descurando o código deontológico por que se deve reger um jornalista. Esta situação dá azo ao desprezo pelo essencial da informação e limita a autorreflexão e a autocrítica numa situação em que o jornalista tem de escrever algo que não abone a favor de quem manda e financia.

Ao invés do que acontece na produção jornalística em larga escala, a produção em baixa escala e inserida na esfera da não reprodutibilidade, possui um alto capital de autonomia e um elevado estatuto simbólico. Neste âmbito, o jornalista poderia – por suposição - usufruir dos valores da democracia, sem receio de dar a sua opinião e de escrutinar publicamente os grandes detentores do poder e as atividades por estes desenvolvidas, valendo-se do diminuto capital económico para produzir de forma desinteressada. “Pode-se medir o grau de autonomia de um campo de produção (…) com base no poder de que dispõe para definir as normas da sua produção (…).” (Bourdieu, 1970: 106)17

As questões da manipulação e da liberdade de pensamento abordadas por Bourdieu relacionam-se com a ideia de que o jornalista já não é tido como mediador neutro, distante (e superior) aos jogos de interesse da sociedade, pois já não está condicionado pela objetividade inerente à profissão, mas responde a interesses económicos e sociais (Pereira, pp. 6).

Consciente do perigo a que a televisão expõe ao campo jornalístico - contrariando a liberdade dos jornalistas e cedendo, assim, ao imperativo da “busca da mais ampla audiência” (1997: 10) -, o pensamento de Pierre Bourdieu relaciona-se com a ideia da submissão dos canais “ao índice de audiência”.

17 Excerto do capítulo O Mercado de Bens Simbólicos da obra Economia das Trocas Simbólicas consultada

em

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1204/mod_resource/content/1/O%20mercado%20de%20bens%20si mb%C3%B3licos%20%28trecho%29.pdf.

(26)

20

Esta matéria é tratada por Mariana Carvalho Santos na sua dissertação de mestrado, na qual descreve os programas como “mercadorias para atrair espetadores” (Santos, 2016: 7). Como Setton refere no seu artigo, sustentando-se nas reflexões de Adorno e Horkheimer, a lógica do mercado passa a dominar os espaços da “subjetividade e do espírito” (2001:27).

Existe quase uma espécie de “amnésia coletiva”, uma primazia dado ao “furo” jornalístico e à novidade, que impede os recetores de discernirem sobre temas cujo impacto mediático já se esvaiu mas de grande importância; assim, as redações vivem num estado de agitação permanente, numa busca desenfreada pelo que é novo e, consequentemente, pelas audiências. Os jornalistas buscam o mesmo assunto que a concorrência, impedindo assim a democratização da informação. Desta forma, “a lógica do mercado torna-se manipuladora. Manipula produtores e consumidores, todos envolvidos na teia da audiência” (Setton, 2001). A subserviência dos jornais e televisões aos grandes grupos económicos que os detêm são disto exemplo. Atualmente, existem dois grandes grupos económicos na estrutura da comunicação social desportiva em Portugal; são eles a GlobalMedia e a Cofina.

Pegando no exemplo da primeira, a GlobalMedia subsistiu graças à injeção de capital chinês, conseguindo assegurar a sustentabilidade dos jornais O Jogo, Jornal de Notícias, Diário de Notícias, TSF e Dinheiro Vivo. Detida por pessoas afetas a determinado clube, coaduna a sua linha editorial na defesa deste.

Bourdieu refere e analisa ainda a tendência de uniformização e banalização do trabalho jornalístico que confluem na procura por algo que suscite reações, gere polémicas e alavanque as audiências – três objetivos partilhados por parte dos jornalistas, que resulta numa semelhança de conteúdos e que em nada os diferencia uns dos outros.

Contudo, esta produção jornalística de “caráter industrial”, feita a pensar numa abrangência maior de audiência, não é nova e data, pelo menos, dos anos 30 do século transato. (Setton, 2001)

Cultura de Massa, isto é, produzida segundo normas maciças da fabricação industrial; propaganda pelas técnicas de difusão maciça (…) destinando-se a uma massa social,

(27)

21

isto é, um aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos aquém e além das estruturas internas da sociedade (classes, família, etc.). (Morin, 2002)18

Ainda no artigo de Setton, a autora baseia-se em alguns elementos que diz servirem de base para o seu argumento. Um destes elementos é a metamorfose de textos jornalísticos em “mercadorias”, conferindo-lhes, assim, um caráter uniforme e pouco heterogéneo (2001: 27). Esta homogeneização do campo jornalístico é resultado da quase nula procura da diferenciação por parte dos jornalistas, cujo “ângulo” no olhar está formatado para ver as coisas de determinada maneira, com o intuito de atrair o maior número de espetadores e não o de informar; a “busca do sensacional e do espetacular” (Bourdieu, 1997:25).

A semelhança entre os conteúdos produzidos é explicada à luz de um “efeito de fechamento, de censura de trabalho coletivo”: os jornalistas, por força de tanto se lerem uns aos outros, de trabalharem em função do que o colega faz, acabam por confinar-se a um pequeno leque de temas e abordagens, não conseguindo expandir a sua cobertura noticiosa a outros assuntos com tanta ou mais relevância, estando reféns de uma baixíssima autonomia, provocadas pelas mudanças na estrutura das empresas de comunicação, que levaram a uma submissão da produção jornalística à lógica de exploração do sistema capitalista (Fidalgo, 2005: 6; Bourdieu, 1997: 34).

Esta ideia, explicada pelo sociólogo francês naquilo a que chama de “censura invisível” - uma censura que é estrutural, resultado das diversas relações de poder que pesam sobre a produção jornalística (pressões económicas, comerciais, lógica concorrencial, índice de audiência) -aponta algumas ligações de poder, nas quais são possíveis perceber alguma subserviência ideológica do jornalista em relação ao empregador, ao Estado, ao mercado, às grandes empresas de telecomunicações e a outros poderosos grupos económicos; uma

espécie de pacto de não-agressão do primeiro em relação aos últimos, motivadas pela pressão económica. Ainda que de forma inconsciente, os intervenientes em televisão estão assim reféns de uma série de imposições subentendidas. (Bourdieu, 1997: 19-24)

A pressão económica acaba por resultar numa busca incessante por audiências, gerando “a cólera, o asco ou o desencorajamento” nos jornalistas. (Bourdieu, 1997:53)

18 Consultado em

(28)

22

Assim, a televisão afigura-se como um instrumento de manutenção de ordem simbólica, amparada nos mecanismos invisíveis de censura.

As estratégias da indústria dos media e das comunicações, as inter-relações entre os media e as indústrias de comunicação, os mecanismos de propriedade e de controlo das organizações específicas dos meios de comunicação, as tendências da comercialização, integração e diversificação, as orientações do Estado, entre outros factores da chamada economia política da comunicação, têm tido uma repercussão inegável nos rumos do jornalismo e na sua afirmação como profissão. (Garcia, 2010: 130)

Para Bourdieu, porém, a grande preocupação – na sequência lógica da teoria desenvolvida pelos filósofos e sociólogos alemães – dizia respeito à influência que os produtos jornalísticos podiam exercer nas massas, resultante de uma lógica de audiências cada vez mais prevalecente.

Olhando, por exemplo, as notícias de variedades, que apelam ao lado mais emocional dos espetadores e que têm por efeito produzir o vazio político, despolitizar e reduzir a vida do mundo à anedota e ao mexerico – é facilmente identificável o quão desprovidas de informação essencial e rigorosa são. Contudo, abarcam um vasto alcance de espetadores que, consequentemente, se traduz num elevado nível de audiências, num claro exemplo do que é produção em larga escala, contribuindo para o aumento da violência simbólica na televisão. (Bourdieu, 1997)

Decidir que opiniões devem ser permitidas ou proibidas significa escolher opiniões para as pessoas. Quem escolhe opiniões para o povo possui controlo absoluto sobre as suas ações e pode manipulá-las em benefício próprio com perfeita segurança. (John Stuart Mill)

Outro exemplo desta violência simbólica tem a ver com a publicidade ou a imposição de produtos e modelos sociais: “através dos anúncios persuasivos mantém a ortodoxia do grupo dos dominantes por meio da difusão e imposição maciça de suas marcas e produtos que podem se converter em modelos sociais e estilos de vida” (Paiva e Sousa, 2014).

Noutro âmbito, o imediatismo crescente é outro dos imperativos que pesam sobre o campo jornalístico.

“Na maior parte dos casos a expressão “em direto” significa apenas que as imagens e os sons que se estão a ver e ouvir não são gravadas previamente. Isso não demonstra de

(29)

23

modo algum que elas sejam significativas em relação ao acontecimento tratado. As técnicas modernas do audiovisual permitiram diminuir consideravelmente o lapso de tempo que separa a ocorrência de um acontecimento do instante da sua transmissão” (Jespers, 1998: 65, citado por Morais, 2015).

Jespers (1998), por seu turno, alude à importância que a televisão atribui a determinado evento, por força da facilidade da transmissão em direto que existe atualmente. A crítica do jornalista belga dialoga com a crítica de Bourdieu na medida em que, não raras vezes, a cobertura de um acontecimento é proporcionada pela facilidade e imediatismo que a tecnologia atualmente proporciona, deixando de lado a premissa da relevância jornalística, pondo em causa a “qualidade da notícia” (Jespers, 1998; Morais, 2015).

De mãos dadas com a crítica de Jespers, surge a visibilidade “cega” que a televisão proporciona, ou, noutras palavras, a necessidade de mostrar alguém, descurando premissas fundamentais, como a preocupação do interveniente em saber de antemão se está condicionado, de alguma forma, no seu discurso.

Bourdieu escreve que, nesses casos, o convidado está “ali (…) para se fazer ver e ser visto” (1997: 16), trocando a genuinidade pela notoriedade, a designada “instrumentalização”. Nesta ordem de ideias, o discurso jornalístico deve apresentar-se como “um discurso de realidade, que se opõe (…) ao discurso da ficção (Dela-Silva, 2007:6).

À semelhança do que acontece atualmente com a internet, a televisão tinha (e tem) um raio de alcance alargado, chegando a todo o globo, algo que ainda se mantém19. Desta forma,

toda a informação veiculada abrange um leque de audiência bastante grande, condicionando-a à menscondicionando-agem que é perpcondicionando-asscondicionando-adcondicionando-a.

Ainda sobre os efeitos do imediatismo inerente ao fenómeno televisivo, Bourdieu debruça-se sobre o binómio pensamento-velocidade: quem fala, na maior parte das vezes, não tem tempo suficiente para pensar e desenvolver uma ideia, originando discursos pré-formatados e aceites na globalidade por serem politicamente corretos e irem ao encontro do que a audiência deseja ouvir, recebendo-os sem reservas (1997: 38-50).

19 A título de ilustração, no panorama mediático internacional, podemos apontar o caso brasileiro, em que

segundo um estudo de 2018, apenas 2,8% da população não tem televisão no Brasil.

Http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2018-02/uso-de-celular-e-acesso-internet-sao-tendencias-crescentes-no-brasil

(30)

24

Este imperativo configura um dos desafios sociológicos do jornalismo atual: equilibrar a pressão do imediatismo e, ao mesmo tempo, ser rigoroso no processo de produção e verificação dos factos (Moreira dos Santos, 2018).

Numa sociedade em que, cada vez mais, a televisão “privilegia certo número de fast-thinkers que propõem fast-food cultural, alimento cultural pré-pensado, (…) ”, ganha força a ideia das pesquisas levadas a cabo nas décadas de 70 e 80, nas quais pôde verificar-se que a televisão privilegia o “pré-digerido”. (Bourdieu, 1997:41)

Nos telejornais, a título de exemplo, a uniformização e banalização do trabalho jornalístico é uma forma de captar a atenção de todas as falanges do público, pois devem evitar-se assuntos sensíveis, que gerem discórdia e divisões: devem focar-se em “assuntos-ônibus”, definição proposta pelo autor que se refere a temas não fraturantes e aceites por todos (Bourdieu, 1997: 63).

A televisão vinca e perpetua os valores já existentes, seguindo as pisadas do conformismo e do acatar o que é imposto, numa lógica de vermos o que queremos ver e o que nos é dado a ver. “Através de um discurso de aparência democrática, a informação veiculada pela televisão é formatada para agradar a todos, faz uso da despolitização dos conteúdos, do apelo às informações omnibus”. (Setton, 2001:30)

A dominância económica e de capital simbólico no campo jornalístico televisivo, que lhe confere prevalência sobre os outros meios (ditando o que é importante e, consequentemente, rentável 20 (Bourdieu, 1997: 54), dá azo a que os seus intervenientes, sejam, não raras vezes,

“manietados”.

A televisão é um universo em que se tem a impressão de que os agentes sociais, tendo as aparências da importância, da liberdade, da autonomia, e mesmo por vezes uma aura extraordinária (basta ler os jornais de televisão), são marionetes de uma necessidade que é preciso descrever, de uma estrutura que é preciso tornar manifesta e trazer à luz. (Bourdieu, 1997: 54)

Um exemplo paradigmático das relações promíscuas originadas pelo descrito no parágrafo acima pode ser encontrado no exemplo da TV Tupi, cujo modelo de concessão “teve como

20 O aparecimento da internet vem alterando, gradualmente, este paradigma; ainda assim, a televisão continua

(31)

25

pano de fundo do cenário uma forma de moeda de troca política”, no qual a empresa de televisão obteve o direito de transmitir imagens a troco de favores políticos ao governo de Juscelino Kubitschek, Presidente do Brasil, que viu nesta plataforma potencial para “intensificar a sua visibilidade”. (Somma Neto, Caleffi e Covalesky Dias, 2015)

Assim, é possível concluir que os media conferem poder simbólico a agentes de outros campos e vice-versa – bem como verificar a influência que isto exerce na autonomia dos campos. As possibilidades antidemocráticas da televisão e da tecnologia assumem a forma de ideologia, presente em todos os espaços da convivência social, e são responsáveis pela crescente submissão dos indivíduos à lógica de mercado (Bourdieu, 1997 e Setton, 2001). A “restrição estrutural” exercida pelos mecanismos do campo jornalístico junto dos outros campos (jurídico, científico, entre outros) de produção cultural dá azo a mudanças nas relações de força no seu interior. Assim, a televisão é, por força das suas vicissitudes, o “espelho” da força exercida pelo campo jornalístico nos demais. (Bourdieu, 1997:81-85)

O mundo do jornalismo aparenta ser o mais suscetível a uma dominação externa a seu próprio campo. Por estar estreitamente dependente dos níveis de audiência, compromete sua produção em função da ditadura do mercado. (Bourdieu, 1997)

A respeito da produção cultural, os jornalistas estão, de certa forma, manietados, pois o grau de autonomia destes está intrinsecamente ligado ao poder económico: ou seja, um jornalista – à partida – não poderá escrever algo que possa prejudicar o principal financiador do órgão de comunicação social onde trabalha, por maior que seja a importância desse tema, correndo o risco de ficar sem emprego. Outra situação que condiciona a autonomia do jornalista é o poder simbólico das altas instâncias governativas, que ditam os temas e os assuntos que devem estar na ordem do dia. Estas restrições não deixam de ser significativas, uma vez que quase 1/3 (29,9%) dos jornalistas escolheram esta atividade pela autonomia profissional21.

Deste modo, a compreensão da relação entre o campo jornalístico televisivo e o conceito de produção cultural, à luz da teoria sociológica de Pierre Bourdieu torna-se, deste modo, fundamental para compreender as decisões dos jornalistas em ambiente televisivo. As decisões tomadas, bem como os imperativos (comerciais, empresarias, políticos) aos quais

21 Fonte: “As Novas Gerações de Jornalistas Portugueses”.

(32)

26

têm de responder, irão influenciar decisivamente o conteúdo que irá configurar património do canal, uma vez que este vai constituir no futuro a memória e a história – social, nacional, internacional - registada hoje ou no passado.

(33)

27

Capítulo 2 – O ARQUIVO MEDIÁTICO NA ERA DIGITAL 2.1 Do arquivo tradicional ao arquivo digital

“Guardar, preservar e descrever uma memória feita de imagens e sons. É essa a função do arquivo”22

(Serafim, 2005) Assumindo-se como objeto de estudo deste trabalho, reveste-se de especial importância descrever as alterações de que o conceito de arquivo foi alvo, desde a sua origem até aos dias de hoje.

Estima-se que os primeiros registos de arquivo remontem à pré-história. O Homem, conduzido pela necessidade de expressar-se, iniciava o registo de acontecimentos quotidianos por conta de gravuras e pinturas desenhadas no interior de grutas e cavernas (Saturnino, 2010; Pires, 2011). Estas tinham, também, por objetivo preservar memórias e, deste modo, configuram a origem do que hoje é comummente entendido por arquivo. Ao longo do tempo, a definição de arquivo tem vindo a sofrer algumas alterações. A origem etimológica da palavra é francesa, data do século XVII e tinha como significado o local onde os conteúdos e documentos eram guardados.23

Nessa época, cabia à Igreja o papel de, não só guardá-los, mas, também, geri-los. Anos depois, já na designada Idade Moderna24, o conceito de arquivo volta a ganhar um novo

sentido por força do “novo sistema administrativo absolutista e centralizador dos Estados modernos do século XVI”: neste período, o arquivo era visto como “(…) um elemento fundamental da administração e a adquirir uma função predominantemente jurídico-política.” (Pires, 2011; Frade, 2015).

A produção dos documentos em máquinas e a crescente oferta tecnológica confluiu numa massificação do que até então era relativamente fácil de arquivar. Como consequência da

22 https://www.publico.pt/2005/02/13/jornal/arquivo-audiovisual-da-rtp-recuperado-a-pensar-no-futuro-5497. 23 Segundo o New Oxford American Dictionary.

24 A Idade Moderna foi um período específico da História do Ocidente que procedeu a Idade Média. Teve

início em 1453 d.C.

(34)

28

evolução descrita, nasceu em França, durante a sua Revolução25, o primeiro arquivo nacional

a nível mundial, “com o intuito de conservar a história e a memória cultural do país”, onde deveriam constar as provas das conquistas e glórias do país (Frade, 2015; Saturnino, 2010). Foi após a Revolução Francesa que o cuidado com a preservação de documentos nos arquivos por parte dos Estados de vários países, como Inglaterra, Estados Unidos, Itália e Espanha, começou a ser tido, e que as práticas arquivísticas se desenvolveram, “ganhando autonomia e centrando-se na gestão dos documentos dos arquivos, com base no princípio da proveniência” (Saturnino, 2010; Frade, 2015).

Este princípio, determinante na evolução da arquivologia, foi responsável pela “organização dos acervos documentais, a classificação dos documentos de acordo com a sua origem e especificidades e o acesso aos documentos para utilizações futuras” (Rousseau e Couture citados por Frade, 2015: 11).

“Na Época Contemporânea os arquivos vão adquirir dupla dimensão, onde se por um lado são garantia dos direitos dos cidadãos, por outro conservam e gerem a memória do passado da nação e por isso vão ser objecto da investigação histórica” (Reis, 2006).

Reis (2006), em O arquivo e arquivística evolução histórica, atribui ao arquivo na sociedade contemporânea o papel de preservar “a memória do passado da nação”, conferindo-lhe como que parte da responsabilidade de ser um dos primeiros redutos na formação de património. Com o avançar do tempo, o arquivo foi-se assumindo, cada vez mais e de forma gradual, como uma solução de conservação e preservação de memórias passadas, ao invés das funções “administrativas” desempenhadas até então (Bautier, citado por Reis, 2006). Deste modo, a contemporaneidade26 introduz um conceito desconhecido até então: o de

arquivo audiovisual. Para Pires (2011: 26), os arquivos audiovisuais são coleções de documentos audiovisuais. O mesmo autor, citando Edmonson (2004), acrescenta à definição de arquivo audiovisual que este é “uma série de imagens em movimento fixadas ou

25 Iniciada no dia 17 de junho de 1789, foi um movimento impulsionado pela burguesia e que contou com

uma importante participação dos camponeses e das massas urbanas que viviam na miséria.

26 A Cinemateca Francesa, surgida em 1936, foi, porventura, o primeiro espaço destinado a preservar

(35)

29

armazenadas num suporte com ou sem acompanhamento de som que, quando projetado, dá uma impressão de movimento”.

Atualmente, e segundo o Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística (2004), o conceito de arquivo refere-se ao “conjunto de documentos produzidos e acumulados por uma entidade coletiva, pública ou privada, pessoa ou família, independente da natureza do suporte”.

A digitalização dos conteúdos representa, por ora, a mais recente evolução do processo de transição que o arquivo e a arquivística têm percorrido desde os seus primórdios.

Se até à revolução tecnológica, que teve início em meados da década de 80 do século XX, todo o material era arquivado em formato físico, o advento das novas tecnologias marcou uma nova era no que ao arquivo diz respeito (Saturnino, 2010).

Santos (2010), citado por Frade (2015: 11), afirma que esta mutação, que se dá, inicialmente, com a massificação do computador, introduz um “novo paradigma quer para a arquivística, quer para o arquivista, que tem de se adaptar” não só às novas tecnologias mas, também, a novos métodos de trabalho.

Os novos métodos de trabalho originaram uma nova leva de profissionais, que se formaram e especializaram nesta nova área: o arquivo audiovisual. Se até então as funções de um arquivista não contemplavam por inteiro o conhecimento intrínseco das ferramentas digitais, desde que a tecnologia se erigiu como elemento fundamental do trabalho arquivístico, foram vários os profissionais de outras áreas que migraram para este novo setor, “trazendo conhecimentos de tecnologia própria para o seu manuseamento e conservação” (Torres, 2014).

Segundo Costa, A. e Lopes, A. (2018), ainda que as empresas, no momento de recrutamento, não estejam completamente esclarecidas quanto à existência desta nova especialização, os profissionais de arquivo ainda não têm a visibilidade necessária; neste âmbito, devem contar com o apoio das universidades onde se formaram, bem como das entidades desta classe. Na sua dissertação de mestrado, Pires (2011), apoiado em Edmonson, dissocia as funções desempenhadas pelo comummente designado arquivista do arquivista audiovisual, indo ao encontro das ideias anteriormente referidas.

(36)

30

Um arquivista audiovisual é uma pessoa formalmente qualificada ou credenciada como tal, que está responsável profissionalmente por um arquivo audiovisual, pelo seu desenvolvimento, gerenciamento, preservação ou acesso à sua coleção. (Edmonson citado por Pires, 2011)

O objetivo de tal distinção relativas à designação e às responsabilidades dos arquivistas tinha como objetivo “separar territórios entre organizações”, o que, por outras palavras, quer dizer que apenas organizações com profissionais capazes de exercer funções especializadas em audiovisuais podiam ser detentores de um arquivo deste tipo (Pires, 2011).

Assim, o surgimento do computador e das redes de TV, primeiramente, e da internet, numa fase posterior, possibilitou a qualquer cidadão aceder e consultar, onde e quando quiser, por meio das tecnologias, a informação desejada contida naquilo a que se pode chamar objeto digital. (Saturnino, 2010; Frade, 2015).

O conceito de objeto digital, que veio substituir o conceito de documento, é descrito como uma “coleção de componentes lógicos que representam documentos, que, no mínimo, contém informação básica como texto, imagem, voz ou gráficos (…)” (Torres, 2014). Segundo Thibodeau (2002) citado por Frade (2015), este objeto digital não é mais do que um “conteúdo de informação, de qualquer tipo ou formato, que seja representado por código binário”, tais como fotografias, vídeos ou documentos.

(…) Podemos destacar que há um conjunto de tecnologias desse ramo, como o Centro de Elaboração / Documentação de sistemas integrados ou sistemas de gerenciamento eletrónico de documentos específicos para empresas do setor de Mídias sociais (Codina, 2000)27

Alicerçado na era digital, surge o Arquivo Audiovisual de Televisão. Na Sport TV, este departamento, designado Mediateca, é responsável pela gestão de todos os conteúdos audiovisuais produzidos e adquiridos pela empresa.

A evolução tecnológica trouxe às empresas de comunicação a perceção de que os conteúdos anteriormente produzidos e guardados em formato analógico nos seus arquivos possuem incalculável valor se rentabilizados. O acesso a conteúdos exibidos anteriormente, bem como

27 No original: “(…) podemos señalar que existe un conjunto de tecnologías propias de esta rama, tales como

sistemas integrados Redacción/Centro de Documentación o sistemas de gestión electrónica de documentos que son específicos para las empresas del sector de los medios de comunicación social”.

Referências

Documentos relacionados

A espectrofotometria é uma técnica quantitativa e qualitativa, a qual se A espectrofotometria é uma técnica quantitativa e qualitativa, a qual se baseia no fato de que uma

Figura 8 – Isocurvas com valores da Iluminância média para o período da manhã na fachada sudoeste, a primeira para a simulação com brise horizontal e a segunda sem brise

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Apothéloz (2003) também aponta concepção semelhante ao afirmar que a anáfora associativa é constituída, em geral, por sintagmas nominais definidos dotados de certa

A abertura de inscrições para o Processo Seletivo de provas e títulos para contratação e/ou formação de cadastro de reserva para PROFESSORES DE ENSINO SUPERIOR

Transformar los espacios es también transformar la dinámica de las relaciones dentro del ambiente de trabajo, la glo- balización alteró el mundo corporativo, en ese sentido es

3) nome de domínio em disputa registrado com o fim de prejudicar diretamente a Samsung e seus consumidores, criando um risco de confusão com a marca notoriamente conhecida