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Estratégias de construção e preservação da memória e da tradição do Colégio Pedro II à luz das memórias de ex-alunos.

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CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

LUANA MENDONÇA CARAVELLAS

ESTRATÉGIAS DE CONSTRUÇÃO E PRESERVAÇÃO DA

MEMÓRIA E DA TRADIÇÃO DO COLEGIO PEDRO II À LUZ DAS

MEMÓRIAS DE EX-ALUNOS.

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciada em Ciências Sociais, sob a orientação da Profa. Dra. Rosana da Câmara Teixeira

NITERÓI 2017

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LUANA MENDONÇA CARAVELLAS

ESTRATÉGIAS DE CONSTRUÇÃO E PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA E DA TRADIÇÃO DO COLEGIO PEDRO II À LUZ DAS MEMÓRIAS DE EX-ALUNOS.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do grau Licenciada em Ciências Sociais.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________ Profa. Dra. Rosana da Câmara Teixeira (Orientadora)

Universidade Federal Fluminense – UFF

__________________________________________________________________ Profa. Dra. Elisabete Cristina Cruvello da Silveira

Universidade Federal Fluminense

__________________________________________________________________ Profa. Dra. Renata de Sá Gonçalves

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Hilda e Ubirany por todo o incentivo aos meus estudos, compreensão nas dificuldades e por acreditarem em cada sonho meu. Agradeço ao meu

amor, Rafael, pelo apoio e ajuda na escrita desse trabalho.

Agradeço a minha prima Edinamária por ter me dado a primeira luz, na disposição para entender o que se passava na minha cabeça. Foi assim que consegui escrever as

primeiras palavras.

Agradeço por fim, à minha professora Rosana da Câmara pela orientação, paciência e compreensão na minha escrita. E também a todos os ex-alunos que participaram desta

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RESUMO

Este trabalho é resultado de reflexões que se originam de experiências do tempo em que eu era estudante do Colégio Pedro II. As relações estabelecidas entre a instituição e os alunos tornaram-se objeto do meu interesse ao longo do curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF). Neste estudo tenho como objetivo a discutir algumas estratégias da construção da tradição do Colégio Pedro II, da sua memória coletiva a partir das memórias afetivas de ex- alunos, das suas visões sobre esta experiência. Afinal, em que medida, ter pertencido a esta instituição repercute na construção da identidade destes indivíduos? Para este trabalho foram utilizadas diferentes metodologias: entrevistas por email e enquete através das redes sociais com ex-alunos. Outra abordagem foi o acompanhamento de páginas da rede social facebook e de páginas na internet que têm como pauta o colégio. O objetivo desse estudo é analisar a partir dessas falas o papel da memória afetiva do ex-aluno na manutenção dessa tradição, contribuindo para a sua existência material e imaterial.

Palavras-chave: 1. Colégio Pedro II; 2. Memória; 3. Tradição; 4. Emoções; 5. Identidade.

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ABSTRACT

This work is the result of reflections that originate from experiences of the time when I was a student of Colégio Pedro II. The relations established between the institution and the students became an object of my interest throughout the course of Degree in Social Sciences of the Federal Fluminense University (UFF). In this study, I have the objective of discussing some strategies for constructing the tradition of the Pedro II College, from its collective memory based on the affective memories of former students, from their views on this experience. After all, to what extent, having belonged to this institution has repercussions on the construction of the identity of these individuals? For this work different methodologies were used: face-to-face interviews and survey through social networks with alumni. Another approach was to follow the pages of the social network facebook and of pages in the internet that have like agenda the college. The purpose of this study is to analyze from these lines the role of this affective memory of the ex-student in relation to the college in the construction and perpetuation of this tradition, contributing to its material and immaterial existence.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7

CAPITULO I: ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS

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CAPÍTULO II. O COLÉGIO PEDRO II E A INVENÇÃO DE UMA TRADIÇÃO

17

CAPÍTULO II: AS ESTRATÉGIAS DE CONSTRUÇÃO E PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA

25

CAPÍTULO IV: COLETA E ANÁLISE DE DADOS

34 CONSIDERAÇÕES FINAIS 61 REFERÊNCIAS 64 ANEXOS 66

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INTRODUÇÃO

Este trabalho é resultado de reflexões que se originam de experiências do tempo em que eu era estudante do Colégio Pedro II. As relações estabelecidas entre a instituição e os alunos se tornaram objeto do meu interesse ao longo do curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF). Assim, a escolha dessa temática relaciona-se diretamente à minha própria trajetória no colégio. Fui aluna no período de 2006 a 2008, no recém-inaugurado campus de Niterói, localizado no Barreto. Ao longo dos três anos como estudante, e posteriormente, como licencianda da UFF, tornou-se cada vez mais evidente os laços existentes entre os sujeitos participantes dessa instituição. Entre 2015 e 2016 retornei ao colégio assumindo um novo papel: o de bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID-UFF1) atuando no Subprojeto de Ensino de Sociologia2. O PIBID possibilita que os estudantes de graduação façam uma imersão no espaço escolar a fim de aprender experiências pedagógicas e práticas de ensino. Na condição de bolsista, tive acesso a setores antes não frequentados como aluna, como por exemplo, a sala de professores, que ilustra a hierarquização vigente, que denota as marcações espaciais entre alunos e professores. Ao me tornar frequentadora assídua do colégio, participando do planejamento e discussão das atividades a serem desenvolvidas com os demais colegas pibidianos e com o professor supervisor do projeto, pude também ouvir e dialogar com os professores sobre os alunos, sobre a conjuntura institucional e pedagógica. Tal vivência enriqueceu as minhas percepções sobre a dinâmica cotidiana da escola.

O meu primeiro contato com a instituição ocorreu quando soube que as inscrições estavam abertas para o concurso de ingresso de secundaristas no campus de Niterói, e fui pesquisar sobre a escola em seu portal eletrônico. Lembro o choque que tivelogo na primeira página do site, pois se ouvia o hino da escola através de um coral. Neste instante percebi que havia ali um elemento de distinção.

1

O PIBID é um programa de aperfeiçoamento vinculado à Fundação Capes e criado pelo Ministério da Educação com o objetivo de articular a formação docente universitária à formação para atuar na educação básica. Para mais informações: http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid/pibid(acessado em 16/11/17).

2

Atuei no Subprojeto de Ensino de Sociologia coordenado pela profa. Elisabete Cruvello (UFF) e sob a supervisão do prof. Marcelo Araújo (Colégio Pedro II).

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Dois momentos específicos marcaram minha trajetória como aluna. O primeiro aconteceu no dia inaugural das aulas. O início do ano letivo costuma ser marcado, em todos os campi, por uma grande celebração de boas vindas aos ingressantes. Neste dia, os 220 alunos já devidamente uniformizados, foram acomodados juntamente com os pais ou responsáveis,em cadeiras de plástico na quadra poliesportiva, enquanto o diretor geral e o diretor da unidade discursavam. Estavam presentes também o secretário de educação de Niterói e o prefeito da cidade. No encerramento do evento, o diretor do campus proferiu a seguinte frase: “A história desse colégio se confunde com a história do país”. Entendi então, que aquele colégio era “diferente”. Esta percepção foi corroborada nos três anos em que ali estive. Outra situação, emblemática da qual me recordo, aconteceu na formatura de conclusão de ensino médio. Na ocasião, a bibliotecária da escola recitou o seguinte poema de Nelson Rodrigues (Jornal O Globo, 29/09/63):

“Uma das mágoas que eu tenho na vida é a de não ter sido, na minha infância ou juventude, aluno do Pedro II. Andei por colégios mais lúgubres do que a casa do Agra. Mas há, em mim, até hoje, a nostalgia de não ter estudado ou fingido que eu estudava lá. A rigor, não são os professores que me interessam no Pedro II. Nem os seus problemas de ensino. O que me deslumbra no aluno do Pedro II não é o estudante, mas o tipo humano. Ele deve ser um mau aluno (tomara que seja), mas que natureza cálida, que apetite vital, que ferocidade dionisíaca. Olhem para as nossas ruas. Em cada canto, há alguém conspirando contra a vida. Não o aluno do Pedro II. Há quem diga, e eu concordo, que ele é a única sanidade mental do Brasil. E, realmente, não há por lá os soturnos, os merencórios, os augustos dos anjos. Os outros brasileiros deveriam aprender a rir com os alunos do Pedro II”.

Nos dois momentos foi exaltada a marca identitária de pertencer ao CPII. Essas lembranças ficaram na minha memória pessoal e afetiva e ressurgiram como questionamentos quando voltei a ter novamente um vínculo com a instituição, como licencianda e bolsista do Pibid.

Na condição de bolsista, pude observar os aspectos, que não conseguia enxergar outrora, articulando minhas impressões e observações, especialmente, da relação aluno-escola ao conhecimento sociológico e antropológico. Nesse processo, a experiência como ex-aluna da instituição esteve presente e, de certo modo, orientou meu olhar e minhas intenções de análise. Mas, sem dúvida, como licencianda, fui criando novos laços com a escola através de vivências diferentes e complementares que resultaram nesta pesquisa.

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Para o desenvolvimento desta, tive que reorganizar as memórias afetivas da aluna confrontando-as com as observações da licencianda. A minha primeira preocupação foi: como conciliar estas memórias de modo que não entrassem em conflito e paralisassem meu estudo?Ter como tema de estudo um campo que me era familiar é uma tarefa complexa no fazer antropológico. Roberto Da Matta (1978, p. 28) afirma que “vestir a capa de etnólogo é aprender a realizar a dupla tarefa de transformar o exótico no familiar e/ou transformar o familiar em exótico”. Apesar daminha familiaridade evocada pelas lembranças do período vivido no colégio, o meu olhar diferencia-se do de outrora. Agora eu era desafiada a lidar com elas a partir de um exercício antropológico de distanciamento. Referindo-se a esta passagem de Da Matta, Gilberto Velho acrescenta outros elementos para demonstrar a complexidade desta tarefa:“Assim, volto ao problema de Da Matta, para sugerir certas complicações. O que sempre vemos e encontramos pode ser familiar, mas não é necessariamente conhecido e o que não vemos e encontramos pode ser exótico, mas, até certo ponto, conhecido”. (VELHO, 1977, p.126).

Embora, as minhas lembranças e experiências afetivas tenham sido o ponto de partida para a formulação de várias questões. O fato é que elas não garantiam respostas para as mesmas. Assim, minha análise é resultado dos diferentes modos através dos quais me relacionei com o colégio: ex-aluna, ex- estagiária da licenciatura, ex-pibidiana e, por fim, pesquisadora. Todos os olhares que resultam dessas distintas inserções, se articulam de modo contrastivo.

A memória como fenômeno social se estrutura de diversas maneiras, em vários ambientes, na relação com a família, com a escola, com os amigos do bairro, enfim no conjunto das relações sociais. Pode ser individual, coletiva, referir-se a um fato histórico, às lembranças de um evento nacional. Segundo Halbwachs (1999) a memória é criada coletivamente. Um aluno do Pedro II carrega consigo uma marca dessa tradição que é manifestada e exercitada, mesmo que inconscientemente, nas simbologias e práticas que incorpora ao longo da sua trajetória. Assim, é possível dizer que ele adquire um habitus próprio do estudante pedrossecudense3. Neste trabalho tenho como objetivo a discutir a construção da tradição do Colégio Pedro II da sua memória coletiva a partir das memórias afetivas de ex- alunos, das suas visões sobre

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esta experiência. Afinal, em que medida, ter pertencido a esta instituição repercute na construção da identidade destes indivíduos? Do ponto de vista teórico, me apoiei em autores como Michael Pollak, Maurice Halbwachs, Eric Hobsbawm e Pierre Nora que se debruçam sobre conceitos importantes para esta pesquisa, tais como memória individual, coletiva, tradição e lugar de memória. Por outro lado, Pierre Bourdieu contribuiu para as minhas reflexões com a noção de habitus. Foram consultados os livros do acervo disponível nas bibliotecas da escola, sobretudo a de São Cristovão. A tese da Vera Lucia Cabana de Queiroz Andrade (1999) resgata a memória histórica da instituição desde a sua fundação também foi muito útil. A partir do seu recorte pude fundamentar a pesquisa relacionando a memória dos alunos com a oficial propalada pela instituição, buscando identificar a interlocução entre as duas.

O colégio foi o parâmetro para reformas educacionais do país, mesmo que tenha ocorrido resistência a muitas delas. O CPII está circunscrito na história educacional de tal modo que se transformou em padrão idealizado de ensino desde a sua fundação, criando uma “aura” em torno de si que se manifesta tanto no discurso daqueles que o projetaram quanto dos que vivenciam. Ao longo das leituras sobre a instituição, me chamou a atenção o fato de que, dentre os muitos artigos, teses, dissertações e livros, a grande maioria foram escritos por ex- alunos ou ex-professores. Mesmo que sejam textos acadêmicos, percebe-se a presença de elementos afetivos na produção escrita. Este fato fortaleceu a minha convicção de que seria relevante pesquisar a relação da memória afetiva dos ex-alunos e o CPII. A minha hipótese era que a singularidade do colégio no âmbito educacional brasileiro não se restringia às qualidades pedagógicas, mas também, ao investimento simbólico da instituição na construção de laços de afeto com alunos e ex-alunos, através dos seus símbolos e rituais cotidianos, de tal modo que se sentissem orgulhosos de fazer parte dessa história e dessa tradição, mesmo depois de finalizado o ciclo escolar. Os sujeitos que compõe a instituição compartilham um sentimento de pertencimento, ser do colégio Pedro Segundo é fazer parte da história do país. Assim, são compartilhados emoções, afetos e memórias que são percebidos tanto nas narrativas dos indivíduos quanto nos discursos oficiais que mostram a força desse trabalho de construção da memória coletiva. Reforçando o lugar distintivo dessa instituição no cenário educacional brasileiro e daqueles que fazem ou fizeram parte desta.

A instituição exerce um poder simbólico do ponto de vista que estimula a incorporação de um ethos e um habitus de ser aluno do Colégio Pedro Segundo que

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pode ser verificado nos depoimentos coletados tanto oralmente, como em redes sociais, através de questionários, que revelam um conjunto de emoções partilhadas. Para este trabalho foram utilizadas diferentes estratégias metodológicas: entrevistas por email e enquetes através das redes sociais com ex-alunos. Outra abordagem foi o acompanhamento de páginas da rede social facebook e de páginas na internet que têm como pauta o colégio.

Nas falas dos entrevistados encontrei similaridades discursivas, as palavras “orgulho”, “gratidão”, “tradição” estiveram presentes na maioria das respostas e comentários. A despeito de dissonâncias em alguns pontos, pode-se afirmar que nas narrativas, o Colégio Pedro II é uma instituição que transcende o princípio da escolarização e do tempo ali vivido, transitando num espaço temporal passado-presente-futuro. Para os ex-alunos, ter pertencido a uma instituição dotada de significados, simbologias, tradições, identidade, memória histórica, os torna diferenciados. Tentarei analisar a partir dessas falas o papel dessa memória afetiva do ex-aluno em relação ao colégio na construção e perpetuação dessa tradição, contribuindo para a sua existência material e imaterial, que lhe conferem um lugar distintivo no imaginário social.

Existem dezenas de colégios centenários pelo Rio de Janeiro. Os Liceus, por exemplo, foram criados no mesmo período histórico do Pedro II, no entanto, parecem não carregar a mesma carga memorial. A minha hipótese é que as estratégias de construção da memória coletiva acionadas pela instituição, incorporadas e reconstruídas por esses indivíduos reforçam o sentimento de pertencimento. Realizada principalmente através dos seus simbolismos, corporificada através de uma memória oficial que é transmitida oralmente e materialmente através dos relatos dos diretores, funcionários, ex-alunos e de documentos como livros, revistas, dissertações e matérias nas redes sociais. Os aspectos afetivos são relevantes para a compreensão do contexto que envolve a imagética do colégio e para explicar a sua importância institucional. No primeiro capítulo irei abordar algumas reflexões teóricas de autores que se debruçaram sobre a problemática da memória. No segundo capítulo trato da história do colégio ao longo das reformas educacionais, reforçando o seu lugar e interferências nas decisões educacionais até a perda do seu papel político. No terceiro capítulo, o foco recai na configuração institucional, suas práticas, simbolismos e estratégias de preservação da memória. No quarto capítulo serão expostas as análises dos questionários com ex-alunos, recorrências e contradições em relação à memória oficial divulgada pelo colégio.

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CAPITULO I – Algumas reflexões teóricas

Esta pesquisa tem como sustentação teórica as concepções de Maurice Halbwachs, Pierre Nora, Michel Pollack e Eric Hobsbawm, e os conceitos de memória coletiva, identidade e tradição. Podemos pensar a memória institucional e a dos ex-alunos à luz das ideias desses autores, pois trabalham o conceito de memória na perspectiva das ciências sociais, ampliando o que antes tinha um viés fundamentado especialmente na história e nas áreas biológicas.

As memórias dos ex-alunos do Colégio Pedro II são revividas de maneiras diferentes. As redes que os interligam perpassam os campos físico, virtual e psicológico. Segundo Halbwachs (2006), a memória deve ser vista além da individualidade, enfatizando o fato de ser sempre uma memória socialmente construída, que retendo elementos sociais, torna-se coletiva. Mesmo que para uma pessoa, a memória pareça exclusivamente dela, o cenário é de um mundo real, os objetos podem ser compartilhados por outras pessoas. As nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais somente nós estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos (HALBWACHS, 1999).

Dessa maneira o autor apresenta as formas através das quais o indivíduo constrói sua memória através do conceito de “memória coletiva”. Ele nos mostra modos através dos quais as memórias são construídas a partir de um grupo, ou seja, todos aqueles que fazem ou fizeram parte da vida de uma pessoa. Portanto, mesmo que uma situação não exista mais, ela pode ser rememorada por suas testemunhas.

Halbwachs afirma que as nossas lembranças podem ser sempre relembradas pelos outros fazendo com que uma lembrança tome vida, conectando o real e o fictício. Ou seja, as lembranças que foram formadas através de nossas experiências de vida, com aquelas que foram vividas por outros. Desde o momento em que nós e as testemunhas fazemos parte de um mesmo grupo e pensamos em comum sob alguns aspectos, permanecemos em contato com esse grupo, e continuamos capazes de nos identificar com ele e de confundir nosso passado com o seu (HALBWACHS, 1999). Mesmo que não estejamos na presença de um grupo, é a partir dele que nos organizamos. E a duração da memória está relacionada à sua existência, se este deixar de existir, as suas memórias também perecerão. Para que a memória seja relembrada, o indivíduo tem que

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se identificar com o grupo através dos “quadros sociais de memória” que orientam a memória individual.

As imagens podem ser criadas através das lembranças de outros e repassadas. Mas não é possível dizer quais lembranças são as exatas, se são as que são passadas ou aquelas que construídas primeiramente em nosso espírito (HALBWACHS. 1999), na medida em que cada uma delas tem uma relevância.

As memórias podem ser construídas historicamente, como é o caso daquelas difundidas pelo Colégio Pedro II. As imagens criadas fazem parte de um passado e são incorporadas pelas lembranças de cada ex-aluno. Por exemplo, para Halbwachs há dois tipos de memória, uma autobiográfica e a outra histórica,

[...] enquanto a primeira se apoia na segunda, a segunda seria bem mais ampla que a primeira. Por outra parte, ela não nos representaria o passado senão sob uma forma resumida e esquemática enquanto que a memória de nossa vida nos apresentaria um quadro bem mais contínuo e tenso (HALBWACHS, 1999, p.55).

A partir dessas considerações, podemos dizer que o questionário aplicado com os ex-alunos funcionou como uma espécie de impulsionador das suas lembranças, porque foram dados mecanismos para que as memórias fossem resgatadas a partir de um convite no grupo do facebook. A ideia de memória coletiva está intrinsicamente ligada ao que considero ser a memória do colégio: historicamente construída, ao longo dos anos, valorizada pela instituição e pelos alunos. E por sua representatividade, memória e tradição reverberam no meio social. A memória individual e a coletiva são construídas conjuntamente e são fortalecidas criando um sentimento de identidade e sentido de pertencimento.

Michael Pollak indica como a dimensão social se materializa, voltando a sua atenção para o processo da constituição da memória coletiva.

“Torna-se possível tomar esses diferentes pontos de referência como indicadores empíricos da memória coletiva de um determinado grupo, uma memória estruturada com suas hierarquias e classificações, uma memória também que, ao definir ao que é comum a um grupo e o que, o diferencia dos outros, fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e as fronteiras sócio-culturais” (POLLAK, 1989, p.3).

Pollak diz que Halbwachs via a construção da memória através de uma coesão social dada por uma “comunidade afetiva” através de uma negociação entre memória individual e afetiva. O autor investiga como os fatos sociais são dotados de uma

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durabilidade através do processo, do enraizamento das memórias pelos atores. E revela um campo de disputa entre as memórias, que podem ser aquelas oficiais, de um determinado grupo contra outro. Dentro dessas disputas, as lembranças podem ficar silenciadas e ao mesmo tempo serem transmitidas oralmente, em contraposição àquelas oficiais.

No caso do Pedro II, observei recentemente um conflito entre as memórias dos ex-alunos e a da instituição. Há uma festa chamada “Feijoada dos ex-alunos” que acontece no campus de São Cristovão pelo menos há 20 anos. Porém, neste ano de 2017, por decisão da reitoria, não aconteceu. Apesar de a festa ser reconhecida como uma tradição por aqueles que participam, a atual gestão apresentou argumentos para deslegitimá-la, silenciando uma demanda de parte dos ex-alunos. Entretanto esta decisão do colégio pode ser interpretada como uma estratégia de preservação da memória oficial da instituição, por mais paradoxal que isto pareça. Nesse sentido, o evento tradicionalmente realizado e valorizado pelos ex-alunos pode ter sido interpretado como uma situação que traria riscos para a tradição oficial.

“A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades” (POLLAK, 1989, p.8).

Mudanças como essa de cancelamento da festa, reverberaram na forma de tensões relacionadas à da identidade do grupo envolvido e ao seu sentimento de pertencimento, visto que tais festas são consideradas importantes para a coesão do mesmo, e da memória partilhada. O que põe em questão as estratégias de legitimação da memória da escola, já que a própria investe no vínculo afetivo dos ex-alunos com a instituição.

Segundo Pollak (1989) muito embora a memória deva ser entendida como um fenômeno coletivo e social submetido a flutuações e transformações existem “marcos ou pontos relativamente invariantes” (p.201). Nos questionários dos ex-alunosmuitas das repostas repetem-se. O que pode ser interpretado como um processo de “solidificação das memórias” (POLLAK, 1992, p.201), na constituição da identidade enquanto aluno, durante a passagem pelo colégio. Pollak estabelece como elementos constitutivos da memória individual e coletiva, aqueles “acontecimentos vividos

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pessoalmente” e os “acontecimentos vividos por tabela” (p.201), ou seja, situações que não foram vividos pela pessoa, mas pela coletividade a qual ela se sente pertencer. Por meio da socialização pode ocorrer tamanha identificação com o passado, que se pode falar do fenômeno de uma memória herdada. Como por exemplo, observei em relação às memórias afetivas dos ex-alunos relacionadas à exposição ao passado da instituição, à sua trajetória ao longo do tempo, marcada por momentos célebres. Pela referência aos antigos alunos que foram e/ou são personalidades de destaque na sociedade, ao papel desempenhado pelo colégio na educação brasileira, tido como símbolo de qualidade e excelência. Essas noções são incorporadas e refletem nas emoções evocadas pelos ex-alunos em alusão ao Pedro II, como é o caso do sentimento de orgulho, categoria central nos discursos, falas, entrevistas. Desse modo, esse processo de construção da memória coletiva pode acontecer de modo consciente ou inconsciente, sendo organizado pela memória individual. Podemos entender o sentimento de identidade em alguns casos, não se restringindo à relação ex-aluno-instituição, mas que reflete na imagem como uma pessoa se vê e se representa aos outros fora do grupo aluno-escola.

“Podemos, portanto, dizer que a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua construção de si” ( POLLAK, 1992, p 204).

Essa identidade, produzida como um modo de aceitação e reconhecimento social, também pode ter caráter conflitivo, já que envolve disputas em relação ao outro, como exemplificado no episódio da negação do colégio em permitir a realização da “Feijoada dos ex-alunos”. Toda vez que uma memória é instituída há “o trabalho da própria memória em si”, de manutenção da unidade e perpetuação da memória. A modificação de uma tradição afeta a própria significação da memória.

As tradições do colégio têm origem na sua fundação. As suas características de excelência e qualidade são projetos político-pedagógicos que foram transformados em tradição. Assim como tantos outros elementos que foram solidificados e incorporados pela instituição, e que tem por propósito tanto a perpetuação quanto a sua projeção para o futuro.

Em “A invenção das tradições”, Hobsbawm (1997) relata que as tradições podem ser criadas com algum propósito. Por tradição inventada, o autor denomina

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“um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras e abertamente aceitas, tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado” (p.9).

Apesar de decorridos 180 anos do período imperial do colégio, há um laço real, embora superficial com este passado, pois a configuração em que muitas tradições foram criadas, não existe na atualidade, gerando alguns conflitos. Neste sentido, observa-se a preocupação de resgate do passado, de manter um sentido de continuidade, evocando aquela imagem, mesmo em uma sociedade tão distante de outrora. Diferentemente do costume, como diz Hobsbawm, a tradição é criada para perdurar, assim como ilustra o caso do Colégio Pedro II. Há uma grande resistência às mudanças, pois estas podem, como dizem os ex-alunos no questionário aplicado, “quebrar com a tradição”. Já os costumes podem sofrer mudanças, desde de que se mantenha uma relação com o seu passado. As convenções seriam no entanto práticas rotineiras, sem marcas ideológicas, que poderiam ser modificadas quando convém.

Para Pierre Nora (1993), a memória tem origem em algo que já aconteceu. E por isso “há locais de memória porque não há meios de memória” (NORA, 1993, p.7). Ou seja, há um rompimento do que foi um dia, e o que é no presente. O laço existente com o passado se dá em um local de memória. Segundo o autor, a nossa sociedade, devido às mudanças ocorridas, está condenada ao esquecimento do passado (NORA, 1993, p.8).

Há um lugar de memória porque a transportamos através da história. E a história para Nora é algo mais estático, fixo no tempo de algo que não existe mais, enquanto a memória está viva ela está exposta a todas as modificações do lugar em que ocupa. Ao mesmo tempo em que houve períodos de ligação entre história e memória, assinala que atualmente se perdeu, pois havia uma unidade na forma de construção de uma história.

Para Nora, os lugares de memória “nascem e vivem do sentimento, de que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações (...)” (NORA, 1993, p.13). O autor faz uma diferenciação entre o que diz ser memória verdadeira, que seriam os hábitos, atitudes cotidianas e a memória transformada em histórica, que é pensada, construída, não natural. A memória para ele também se materializou através de documentos, museus, arquivos. A partir de Nora podemos entender que na Instituição Pedro Segundo residem esses dois tipos de memória. A memória vivida, que é passada no cotidiano aos alunos e rememorada pelo grupo de pertença ao colégio, e também pelos ex-alunos que a despeito de não

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participarem mais do cotidiano da instituição, ainda sentem-se pertencentes ao mesmo, pois o laço foi mantido através da memória. Esta se constitui de maneira inconsciente. Quando as memórias são vivenciadas as pessoas não pensam nela, não pensam diretamente que estão constituindo uma memória, mas tornam-se conscientes a partir do momento em que é necessário relembrá-las, através daquilo que é capaz de mobilizá-las.

Por outro lado, observa-se a presença de mecanismos que sustentam o que Nora chama de memória transformada em história, pois a instituição mantém e cataloga suas memórias através de documentos reunidos no Centro de Documentação e Memória do Colégio (CEDOM). Assim, a identidade da instituição é definida e redefinida não somente através do seu projeto político-pedagógico, mas também da sua memória documental e iconográfica. A escola é a sua recordação, buscando no passado afirmar a sua identidade para se constituir em referência no presente. Há uma relação de “história-memória, em que não se distancia do passado. “É a memória que dita e a história que escreve” (NORA, 1993, p.18).

O colégio enquanto lugar de memória é revestido de um simbolismo, que é sustentado por significados materiais e imateriais, que levam a práticas, modos de pensar e agir. “Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um ritual. (NORA, 1993, p. 15).

E, para abordar a problemática de que trata esta pesquisa, esses autores foram fundamentais para o desenvolvimento de reflexões a respeito do que acredito que seja a estrutura constituinte do Colégio Pedro II, a saber: suas memórias e tradições.

CAPÍTULO II. O COLÉGIO PEDRO II E A INVENÇÃO DE UMA TRADIÇÃO A memória do colégio se constitui através do resgate da memória e da difusão de uma tradição, com a formação de grupos capazes de perpetuar seu legado, visão de mundo e valores comportamentais valorizados. Isto acontece num fluxo e refluxo de produção memorial, partindo da instituição e dos ex-alunos, e reverberando na projeção de uma dada imagem social.

Na sua criação, o colégio ocupou lugares centrais na armação de um projeto político no país, mas que passou por crises de identidade ao longo dos anos, devido às mudanças políticas educacionais. Assim, foi necessária a recriação do seu modus

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operandi para que pudesse manter-se como instituição de referência no cenário brasileiro, resgatando a sua memória e tradição. A implantação de seu projeto educacional seguiu o modelo de sociedade que se almejava construir. Tinha como paradigma, a formação no ensino das humanidades, que permanece até hoje central, a despeito de ter se tornado instituto tecnológico.

O período de 1837-1937, estudado por Andrade (1999), marcou a fase em que o colégio era visto como instrumento de identidade de Estado. Logo após a independência do Brasil, houve a necessidade de construir uma identidade nacional, e a educação foi utilizada como ferramenta deste novo processo. Foram criados vários centros educacionais como os Liceus (1836), o Imperial Colégio de Pedro Segundo (1837), a Academia Imperial de Belas Artes, além de institutos de pesquisa. A ordenação da memória histórica por Vera Lúcia Cabana de Andrade foi o referencial usado para a sistematização dos períodos de reformas educacionais perpassados pelo CPII. Em sua tese de doutorado, intitulada “Colégio Pedro II: Um lugar de memória”, a autora apresentou o colégio do império à república, relacionando à construção de uma identidade escolar própria.

O desenvolvimento de uma nova história ocorreu através da pesquisa do então Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), sob a luz de um modelo europeu, formulando um projeto civilizatório que tinha como objetivo destacar o Brasil no cenário internacional.

Antes de ser Colégio Pedro Segundo, sua origem foi um Seminário chamado Abrigo dos Órfãos de São Pedro em 1733, que tinha como propósito retirar os meninos brancos da rua, sendo posteriormente chamado de Seminário de São Joaquim. Neste período, os seminários funcionavam como grandes geradores de professores.

Em 1834, com o Ato Adicional, o poder das escolas que antes era central, passou a ser responsabilidade das províncias, surgindo os primeiros Liceus que preparavam para o ensino superior, e eram controlados pelo poder central. O ministro Bernardo Pereira de Vasconcelos transformou o Seminário de São Joaquim, no Imperial Colégio Pedro Segundo, no qual haveria um ensino integrado e seriado, com foco nas humanidades, seguindo modelos não apenas de sociedades, mas de educações europeias. Fundado em 2 de dezembro de 1837, teve como princípio organizador padrões europeus, valorizando o ensino enciclopédico e o bacharelismo (ANDRADE, 1999).

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No dia da inauguração, estava presente a elite política da época, incluindo o Imperador e suas irmãs, fato que foi noticiado nos jornais da época que o apontavam como modelo de educação progressista. Ao longo do tempo, produziu um modelo institucional de educação que propagou valores e visões de mundo. A formação humanística foi escolhida através de disputas, pois havia opiniões divergentes a essa corrente, revelando o ensino tecnológico como outra vertente.

Para ingressar no colégio, era necessário ter a idade mínima de dez e máxima de doze anos, e realizar uma prova de seleção. A criação do estatuto do colégio delimitava o objetivo da formação do “ bom cidadão” (ANDRADE, 1999), o caráter disciplinante em relação ao comportamento dos alunos e a grade curricular. Também expressava seu elemento de exclusão. Os alunos que tivessem baixo aproveitamento seriam jubilados e aqueles de destaque receberiam prêmios por mérito. Ao cumprir todo o período escolar, o aluno receberia o título de Bacharel em Ciências e Letras, o qual dava o direito de prosseguir os estudos na graduação.

Em meados do século XIX, a confraria do Imperador decide implantar uma nova memória nacional através da cultura e da educação. O Imperador passou a ser assíduo nas celebrações no colégio, supervisionando os eventos artísticos.

Com a reforma de 1850, o colégio foi dividido em internato e externato e o aumento da estrutura física tinha por objetivo atender o aumento da demanda de alunos. Na reforma de 1857, foi acrescida mais uma disciplina que buscava superar as críticas de ser um curso essencialmente humanístico, implementando alternativas entre um curso mais clássico ou de formação científica, para acolher os alunos que tinham por interesse ingressar logo no mercado profissional.

A grande maioria do quadro discente do colégio era composta por alunos da elite e de camadas intermediárias da sociedade. O ensino do externato e internato não era gratuito, porém havia cotas para alunos pobres e filhos de professores. O corpo docente era escolhido pelo governo que incentivava a produção de livros didáticos para a uniformização do ensino.

Com a reforma de 1878, do Ministro Leôncio e Carvalho, o colégio sofreu mudanças significativas como a retirada do ensino religioso obrigatório, alteração da faixa etária para o ingresso no1º ano, e o aumento da diversidade de alunos que poderiam ingressar com gratuidade.

Em 1881, o novo ministro realizou reformas nas disciplinas e na organização administrativa. As congregações tinham o poder de elaborar provas, concursos, formar

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bancas para admissões, dando mais autonomia gerencial à escola. As mudanças da sociedade levaram a serem criados projetos para a modernização, para desconstruir uma excessiva erudição. Em 1885 foram admitidos alunos do sexo feminino, porém, na gestão do ministério seguinte, voltou a ser proibida. No ano de 1888 ocorreu uma modificação dos planos de estudos, e foi ampliada a gratuidade para os alunos do internato e externato. O internato foi transferido para o local que hoje é o campus de São Cristovão (ANDRADE, 1999).

A relação que o imperador estabeleceu com o colégio transpareceu nas rememorações e na tradição que se consolidou. As reformas educacionais na república acompanharam o novo sentimento que pairava na época, os ideais do progresso, da evolução social. O ideal de escola livre, laica e universal se fortalecia, uma nova moral educacional modernizante é estabelecida, ocasionando numa crise de identidade da instituição. O colégio passou por diversas reformas para adequar-se ao novo período para proteção da sua tradição. Muitas modificações foram realizadas, com destaque para a laicidade do Estado como ponto fundamental da nova constituição, o não monopólio do ensino superior pelo Estado (ANDRADE, 1999).

Seis dias após a Proclamação da República, o ministro Aristides da Silveira Lobo, modificou o nome do Imperial Colégio de Pedro Segundo, para Instituto Nacional de Instrução Secundária e Ginásio Nacional. A mudança decorre do movimento de apagamento da herança da família real. Na atuação do ministro Benjamin Constant foi criado o “ Pedagogium”, ensino profissional destinado a professores. Esse projeto modificava a organização do ensino bacharelesco para o viés republicano.

No Ginásio os alunos deveriam fazer um exame chamado de “madureza” no final do período escolar, a aprovação dava direito à continuidade dos estudos na graduação. Foi modificada, também, a forma de ingresso dos professores, não havendo mais a seleção através da apresentação de teses, que foi criticada pelas temáticas estarem distantes da realidade do aluno. O título exclusivo de Bacharel em Ciências e Letras foi, no entanto, mantido.

Em 1892 o internato foi extinto, e foram criados dois externatos que depois foram fundidos no centro da cidade. O curso do Ginásio Nacional passou a ser realizado em seis anos e o aluno deveria fazer o exame de madureza para ter o título de Bacharel em Ciências e Letras.

Em 1901 entrou em vigor um novo regulamento para a educação, na qual o Ginásio Nacional teve o currículo reduzido. No mandato do presidente Nilo Peçanha

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ocorre uma nova mudança no nome do colégio, passando de Externato e Internato do Ginásio Nacional, para Externato Nacional Pedro Segundo e Internato Nacional Bernardo Vasconcelos, em virtude do reconhecimento da importância de Dom Pedro II e de Bernardo Vasconcelos para o desenvolvimento da cultura e educação. Apesar do reconhecimento histórico desses personagens, havia um descontentamento entre docentes e discentes que desejavam a volta da unidade escolar. Em 1911, com o ministro Rivadávia da Cunha Correa apresentou um projeto de lei que modificava a o arranjo do sistema de ensino, no qual foram abolidas distinções como a concessão de títulos, como o de bacharel em Ciências e Letras do Colégio Pedro II.

O decreto referente à reforma do Colégio Pedro Segundo apresentou os seguintes pontos:

“1º)Abolição dos privilégios de qualquer espécie; 2º) Autonomia didática e administrativa, cessando, de fato, a intervenção do Estado; 3º) Substituição da carta de bacharel em ciências e letras pelo certificado; 4º) Transformação , criação e extinção de cadeiras, com a preocupação de infundir um critério prático ao estudo das disciplinas; 5º) Diminuição do número de matérias e do numero de horas de aula; 6º) Conservação apenas das quatro primeiras séries de estudo do internato; 7º) Um só diretor para as duas seções do Colégio, eleito pela Congregação; 8º)Restauração da denominação de “Colégio Pedro II” ao estabelecimento unificado” (BRASIL. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Decreto Nº 2356 de 31 de dezembro de 1910. Reforma do Colégio Pedro II. Rio de Janeiro. 1910 apud ANDRADE, 1999, p.75).

Apesar das grandes modificações, a instituição manteve a sua tradição de excelência e o rigor disciplinar. O título de bacharel em ciências e letras virou símbolo da memória coletiva, resgatando a tradição. Na reforma de 1915, o ministro Carlos Maximiliano fez modificações mais administrativas. Os diretores do colégio passaram a ser nomeados pelo presidente, os alunos do CPII teriam que fazer a prova no final do curso para o acesso ao ensino superior, pois não havia mais a promoção automática.

A Reforma Rocha Vaz de 1925 modificou o regimento interno do colégio, o externato e internato passaram a ter diretores diferentes, as escolas particulares deveriam seguir os programas do Colégio Pedro II. O ministro Campos, em 1932, redefiniu a finalidade do ensino secundário,

“A finalidade exclusiva do ensino secundário, não há de ser a matrícula nos anos superiores; seu fim, pelo contrário, deve ser a formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional, constituindo no seu espírito todo um sistema de hábitos, atitudes e comportamentos que a viver por si e tomar em qualquer situação, as

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decisões mais conscientes e mais seguras” (ID. Decreto nº 21241 de 04 de abril de 1932. Organiza o ensino secundário. Rio de Janeiro, 1932 apud ANDRADE, 1999, p. 83).

Apesar das mudanças da finalidade do ensino médio, o currículo enciclopédico permaneceu. Houve grandes transformações no corpo dos alunos, com o ingresso do alunado de ambos os sexos. Em 1934, a Congregação e toda a comunidade escolar se unem contra o projeto de municipalização das escolas, pois significaria o desmantelamento da tradição do CPII. O repúdio foi acolhido por deputados e teve apoio da imprensa, o que colaborou com a sua vitória.

As tantas reformas que foram aqui retratadas demonstram as sucessivas tentativas do Estado em construir um modelo de educação baseado no modelo calcado na exaltação dos valores nacionais. Passando pelo Império que tinha o padrão educacional europeu como referência e pela República Velha, que passou a dar as responsabilidades do ensino para estados e municípios, descentralizando a gestão. Os reflexos transcorridos no Colégio Pedro II revelam a importância central no espectro educacional brasileiro, tendo por muitas vezes direcionado os caminhos de tais reformas através da força política exercida pelos sujeitos do colégio e principalmente pela sua carga tradicional.

Com a necessidade de expansão em 1950, foram criadas mais três secções escolares, o Engenho Novo, Humaitá e Tijuca. Todos como externato, e o internato em São Cristovão passou a funcionar em regime de semi-internato. Na década de 1970, foi criada a Unidade de Realengo, atendendo à grande demanda e ao número de alunos excedentes que realizavam a prova de seleção, mas não conseguiam vaga. Em 1971, sob a Lei de Diretrizes e Bases de nº 5692, o governo proibiu a seleção para o ingresso à 5º série. Assim, a entrada no colégio passou a ser predominantemente através de concurso público para 5ª série e 1ª série do atual ensino médio. Todavia, o diretor geral, professor Tito Urano da Silveira, fez um acordo com a Secretaria Municipal de Educação, para que os alunos da 4ª série da rede municipal do Rio de Janeiro com melhor aproveitamento pudessem continuar os estudos na 5ª série.

Mesmo sendo selecionados os melhores alunos da rede municipal, o CPII se propôs a oferecer aulas de reforço para que estes estudantes pudessem se enquadrar na proposta pedagógica do colégio, e também para manter o nível de excelência. Com a criação dos “Pedrinhos”, como foi batizada a educação infantil, de 1ª a 4ª série foi extinta a parceria com o município. Os “Pedrinhos” faziam parte do que foi chamado de

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“O Novo Velho Pedro Segundo”. Um Plano diretor que tinha como objetivo realinhar o plano pedagógico, sem perder a visão do seu período imperial, de manter-se com excelência e qualidade. Esse nome foi dado ao Plano Geral de Ensino ( PGE) depois da realização do 1º Encontro Pedagógico em 1979.

A partir de 2004 foram criados os campi de Realengo, Duque de Caxias e Niterói, em parceria com as prefeituras dos municípios. A unidade de Niterói teve o seu primeiro prédio cedido pela prefeitura, somente em 2016. A escola é hoje uma autarquia federal, equiparada aos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, com a sanção da lei 12.677/12, e conta com 14 campi e mais de 13 mil alunos. Conforme dados do site oficial do Colégio Pedro II, como a tabela abaixo:

TABELA 1 Divisão do CPII por Campi por curso.

Campi Curso oferecido

Centro Ensino Fundamental: Do 6º ao 9º anos

Ensino Médio Regular: 1ª à 3ª séries PROEJA: Curso Técnico em Manutenção e Suporte de Informática

Curso Técnico em Administração

Realengo Centro de Referência em Educação Infantil Realengo I Ensino Fundamental: Do 1º ao 5º ano

Duque de Caxias Ensino Médio Regular: Da 1ª à 3ª séries (matutino e vespertino)

PRONATEC: Recepcionista

Engenho Novo I Ensino Fundamental: Do 1º ao 5º ano Engenho Novo II Ensino Fundamental: Do 6º ao 9º ano

Ensino Médio Regular: 1o à 3º ano

Ensino Médio Integrado - Técnico em Informática:1ª a 3ª série

PROEJA

Humaitá I Ensino Fundamental Do 1º ao 5º ano

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Ensino Médio Regular: Da 1ª à 3ª série

Niterói Ensino Médio Regular: Da 1ª à 3ª série

Realengo I Ensino Fundamental: Do 1° à 5° ano

Realengo II Ensino Fundamental: Do 6º ao 9º ano Ensino Médio Regular Da 1ª à 3ª série

Ensino Médio Integrado - Técnico em Instrumentos Musicais:Da 1ª a 3ª série

PROEJA: Técnico em Administração,Técnico em Manutenção, Suporte de Informática

São Cristovão I Ensino Fundamental: Do 1º ao 5º ano

São Cristovão II Ensino Fundamental: Do 6º ao 9º ano

São Cristovão III Ensino Médio Regular: Da 1ª a 3ª série

Ensino Médio Integrado - Técnico em Informática: Da 1ª a 3ª série

Ensino Médio Integrado - Técnico em Meio Ambiente: Da 1ª a 3ª série

Tijuca I Ensino Fundamental1º ao 5º anos

Tijuca II Ensino Fundamental: 6º ao 9º anos Ensino Médio Regular:1ª à 3ª séries

Ensino Médio Integrado / Técnico em Informática:1ª a 3ª séries

PROEJA: Técnico em Manutenção e Suporte em Informática / Técnico em Administração

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Em 2006, o Colégio Pedro II acatou mais uma proposta lançada pelo MEC e implantou o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio. Atualmente, algumas unidades oferecem duas modalidades: Ensino Médio Integrado e Educação de Jovens e Adultos (Proeja).

Com a publicação da Lei 12.677 de 25 de junho de 2012, o Colégio Pedro II foi equiparado aos Institutos Federais, que são regidos pela Lei 11.892 de 28 de dezembro de 2008. Essa mudança possibilitou a alteração da sua estrutura organizacional, as Unidades passaram a ser denominadas de Campi, a direção geral passou a ser chamada de reitoria e foram implementado cursos Latu Sensu e Strictu Sensu pela Pró-Reitoria de Pós-graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura (PROPGPEC).

CAPÍTULO III. ESTRATÉGIAS DE CONSTRUÇÃO E PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA

“A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades.” (POLLAK. 1989,p.8).

Falar da memória do Colégio Pedro II é refletir sobre o trabalho de regate de uma memória que se fundamenta num tempo passado, mas que se conserva no tempo presente. A memória coletiva resgata do passado elementos que a constituem: “É na corrente de pensamento contínuo, de uma continuidade que nada tem de artificial, já que retém do passado somente, aquilo que ainda está vivo ou capaz de viver na consciência do grupo que a mantém” (HALBWACHS, 1999, p.56).

Ao longo dos anos o colégio desenvolveu diversos mecanismos de manutenção de sua memória e tradição, tais como: arquivos, livros, documentos que têm a intenção de preservar a sua importância material e imaterial a o longo dos anos. São diversos os materiais que registram o seu acervo de diferentes origens, desde documentos oficiais e históricos, até aqueles pertencentes a ex-alunos e professores. A história é contada, e vivenciada por quem a conta. Como afirmou Halbwachs, isso ocorre porque o autor sente-se ainda pertencente a este grupo, os laços não foram cortados.

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“Não é certo então, que para lembrar-se, seja necessário se transportar em pensamento para fora do espaço, pois pelo contrário é somente a imagem do espaço que, em razão de sua estabilidade, dá-nos a ilusão de não mudar através do tempo e de encontrar o passado no presente; mas é assim que podemos definir a memória; e o espaço só é suficiente estável para poder durar sem envelhecer, nem perder nenhuma de suas partes” (HALBWACHS,1999, p.111).

Em comemoração aos180 anos do colégio em 2017 e dos 450 anos da cidade do Rio de Janeiro, foi lançado o livro: “Colégio Pedro II: Pólo Cultural da cidade do Rio de Janeiro: trajetória dos seus uniformes escolares na memória coletiva da cidade”, escrito por duas professoras da instituição, Vera Lucia Andrade e Beatriz Santos, como parte do trabalho de preservação da história e memória. O marco temporal entre o aniversário do CPII e da cidade do Rio, expõe o costume de atrelar a memória do colégio ao Estado. O livro foi desenvolvido pelo Centro de Documentação e Memória (CEDOM) criado em 4 de agosto de 2014. O centro é destinado à preservação da memória histórica e científica e se localiza no Campus do Centro. Tem origem de setores que participaram na elaboração documental do colégio, sendo o primeiro em 1987 quando foi formado um grupo para planejar os eventos comemorativos do sesquicentenário. Desde então a comissão veio trabalhando com os documentos oficiais, revisando e reeditando. O acervo do colégio conta com mais de 9000 itens, composto por livros didáticos de professores catedráticos, leis do Brasil, teses de concurso, obras raras. A recuperação documental também é uma estratégia de memória do colégio.

Por muito tempo, era comum ex-alunos se tornarem professores, havia uma predileção na contratação. Preferencialmente aqueles que tivessem tido algum destaque durante a trajetória escolar, recebido premiações. A tradição ocupa um lugar central no cotidiano da comunidade escolar, cujas práticas são orientadas por ela. Existem muitos elementos que expressam essa tradição, que são mantidos na tentativa de reforçar a identidade da instituição, mesmo que sofram adaptações para se adequarem ao momento presente. Podemos dizer, a partir de Hobsbawm (1997) que as tradições foram inventadas para corresponder a uma ambição política: ser o colégio, modelo da nação. Todavia, ele manteve-se restrito a uma pequena camada da população, à elite e camadas médias do Rio de Janeiro. Desde as políticas de subsídio e cotas de ingresso aos pobres durante o Império até as políticas de assistência estudantil e cotas raciais e sociais na atualidade. As ofertas de auxílio aos alunos socialmente vulneráveis não correspondiam a real demanda. A partir de 2005, 50% das vagas oferecidas para o 5º ano do ensino fundamental e para o 1º ano do ensino médio passaram a ser destinadas a alunos

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oriundos de escolas públicas, porém no primeiro momento isto não significou que estas vagas seriam preenchidas por eles. Em 2006, no recém inaugurado campi de Niterói, foram oferecidas 210 vagas, das quais 50% foram destinadas para alunos de escolas municipais de Niterói. Entretanto, muitos dos alunos que não obtiveram a nota de corte necessária, sendo desclassificados. As vagas foram remanejadas para os estudantes da rede privada. O quadro formado era composto preponderantemente pela classe média de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí. A partir dos estudos de Pierre Bourdieu (1998), as análises de desempenho escolar não podem ser dissociadas dos perfis socioeconômicos dos estudantes. O capital cultural é um grande determinante para o sucesso. De modo geral, apresentam êxito na instituição escolar aqueles que provêm de segmentos mais abastados, a despeito da forma de ingresso ao colégio revelarem a sua diversidade social. De acordo com a dissertação de mestrado de Maria Cristina da Silva Galvão(2008), nos anos de 2002, no campus de São Cristovão, o ingresso por meio de sorteio possibilitou a entrada de alunos de diferentes estratos sociais origens sociais, filhos de médicos, empregadas domésticas e desempregados. Enquanto para o concurso público, muitos dos alunos fizeram cursinho preparatório. Menos de 1\10 dos pais dos alunos das séries iniciais tinham diploma universitário e ¼ exerciam profissões de baixa remuneração. Já com os pais do 3º ano, 20,9% exerciam profissões de ensino superior, dentre elas aquelas com maior prestígio social como médicos, engenheiros, advogados. A autora também constatou que 98,05% dos estudantes do 3º ano conversavam com os pais sobre a continuidade dos estudos após o ensino médio. O estudo do perfil socioeconômico demonstrou que 51,72% dos pais das classes iniciais pertencem à classe trabalhadora, enquanto 87,37% dos alunos do ensino médio confirmaram ser de classe média ou média baixa.

A tradição e a história da escola despertam nos discentes um imaginário da sua representatividade. O fato de ter tido alunos de reconhecida notoriedade social, motiva ao sentimento de orgulho, pois a posição de aluno do Pedro II é vista como um marco social distintivo. Os campi mais antigos como o do Centro, que foi tombado como Patrimônio Histórico Nacional, desperta a curiosidade dos alunos pela historicidade do prédio, favorecendo a criação de um sentido de pertencimento. O artigo da professora de história do Campus Centro, Ana Beatriz Frazão Ribeiro (1989) descreve um projeto realizado com os alunos do oitavo ano, para desenvolver a noção de sentido e de cuidado com o patrimônio. Segundo a professora, quando o aluno conhece a história do colégio onde estuda, cria raízes com a instituição, sente o prédio como seu, valoriza o

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passado e procura enaltecê-lo no presente. Nesse sentido, pode-se afirmar que a escola é uma instituição conservadora que mantém as estruturas de conservação das classes. Mesmo que tenha as suas políticas de assistência estudantil, não é incomum receber críticas ao seu caráter elitista. E, estas, não se restringem às questões materiais, como o preço do uniforme escolar ou à compra dos livros escolares, mas se refere, ainda a uma certa mentalidade, ao elitismo subjetivado. “Cada família transmite a seus filhos mais por via indiretas que diretas, um certo capital cultural e um certo ethos” (BOURDIEU,1998, p.41). Assim, o nível de escolarização dos pais contribui diretamente para o rendimento do aluno e para traçar um cálculo futuro da vida escolar. O capital cultural se expressa na linguagem, na familiaridade com as obras de arte, com o cinema, teatro. No caso do ingresso dos alunos por sorteio, a origem social é manifestada de forma subjetiva no cotidiano escolar. A adaptabilidade a uma escola que cobra uma rotina intensa de estudos, afeta diretamente aqueles oriundos de escolas públicas. É mais fácil que os estudantes de classes mais privilegiadas correspondam à demanda dos professores. O ensino rigoroso exige, sobretudo, uma dedicação aos estudos que necessita de condições significativas para o cumprimento das obrigações escolares. Segundo a pesquisa de Galvão (2008), existe uma diferença de percepção da expectativa educacional e da importância atribuída à educação entre os alunos que ingressam por sorteio e por concurso. Nas palavras de Bourdieu (1966, p.49):

“As crianças das classes médias devem à sua família não só os encorajamentos e exortações ao esforço escolar, mas também um ethos de ascensão social e de aspiração ao êxito escolar que lhes permite compensar a privação cultural com a aspiração fervorosa à aquisição da cultura”.

No caso estudado, o ethos social da instituição, se confunde com o ethos do aluno. O ethos da escola é composto pela tradição, pela memória institucional e institucionalizada nos alunos, através dos símbolos materializados na sua vivência. De uma forma que os alunos a interiorizam, e os ex-alunos a conservam. O aluno é reconhecido como parte de um grupo que possui características próprias. No imaginário social ele é caracterizado como “um aluno de excelência”, “de sucesso”, “de prestígio social”. As experiências e sucessos daqueles que tiveram o seu nome marcado pela instituição tornam-se espelho e objetivo. E esse ethos próprio do “pedrosecundense” é constituído através do habitus do aluno. Segundo Bourdieu (apud WACQUANT, 2007) o habitus capta a “interiorização da exterioridade e a exteriorização da interioridade”. Ou seja, o aluno do Pedro II a partir dos modos de pensar e agir da instituição, se

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constrói como um ser social específico. Esse habitus o guia em sua conduta escolar e se perpetua em seus discursos que ultrapassam os muros da escola. É estruturado através da memória e estratégias pedagógicas institucionais, e é estruturante, pois a cada geração ele é herdado e representado pelos alunos conforme o momento que é vivido.

O habitus não é inerte, fixo ao tempo, ele apresenta regularidades, conflitos e distorções, portanto, não é difícil encontrar pontos de discordância. São observados dissensos por parte do alunado em relação aos aspectos institucionais que reverberam no cotidiano. Como por exemplo, o uniforme escolar, como será apresentado no capítulo 4. Há aqueles que o consideram ultrapassado, mas há também os que pensam que alterações significam desrespeito a sua tradição.

As relações entre aluno-ex-aluno-instituição são centrais na categoria distinção. O aluno do CPII sente-se distinto de qualquer outro, tanto do ponto de vista da escola, quanto dos discentes. A manutenção do valor e meta de ensino de excelência é um dos pilares para o seu caráter distintivo. Para a escola os seus estudantes estão entre os melhores do país, para os ex-alunos, eles fizeram parte de um dos melhores colégios públicos no Brasil.

Já no primeiro dia de aula, o recém ingresso defronta-se com uma série de rituais e simbologias. Há uma cerimônia de apresentação do colégio aos ingressantes. Nela, os novos alunos tomam conhecimento dos primeiros elementos dessa tradição. Primeiramente através do uniforme característico, que é composto por uma blusa branca com o brasão colado no bolso esquerdo, saia e calça azul marinho. Todos os calçados devem ser pretos, sem adornos. A origem do uniforme remonta a moda francesa do período de 1820 e 1870. “O uniforme constituía-se de jaqueta preta, calça e gravata preta, colete e sobrecasaca, inicialmente na cor verde, e a partir de 1887, azul.” (ANDRADE E SANTOS, 2016, p.47). O uniforme era a representação da indumentária da elite francesa.

Um dos símbolos carregados no peito, no uniforme e na bandeira da escola, é a esfera armilar circundada por ramos de café e tabaco que figuram no fundo azul celeste, foram (re) inventados pela tradição para serem usados como símbolos perenes do passado glorioso” (ANDRADE, 1999, p.102). A esfera armilar era símbolo da bandeira imperial e foi utilizado como símbolo do colégio como resgate da origem lusitana.

Ainda nesta cerimônia, o estudante, através do discurso do diretor da unidade, toma conhecimento da memória histórica. Existe um ritual no primeiro dia de aula, que se diferencia em cada campus. Nos campi que mantiveram a tradição do Pelotão da

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bandeira, os ingressantes são recepcionados com um ritual específico: os alunos marcham até o mastro carregando as bandeiras do Brasil, Rio de Janeiro e do CPII, e cantam o hino do Brasil e o hino da escola. De acordo com ANDRADE (1999), o colégio, ao longo da sua história, produziu “uma cultura escolar própria correlacionada à sua natureza institucional singular” (p.96), através do seu papel histórico e das tradições, simbologias que compõe elementos e configurações distintivas. O projeto da escola desde a sua fundação foi o de tornar-se atemporal. Assim, as disputas pela memória se constituíram em mecanismos de luta política e de identitária. Perpassando períodos de glória e de instabilidades para consolidar sua tradição escolar. “Numa perspectiva construtivista, não se trata mais de lidar com os fatos sociais como coisas, mas de analisar como os fatos sociais se tornam coisas, como e por quem eles são solidificados e dotados de duração e de estabilidade” (POLLAK, 1989, p.4). Nesse sentido, o colégio Pedro Segundo pode ser entendido como um lugar de memória, noção proposta por Pierre Nora, pois produz memória desde o seu sentido mais abstrato ao material, seja através de símbolos, rituais ou documentos, em diversas instâncias e em tempos distintos.

”Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se a imaginação o investe de aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um ritual. Mesmo um minuto de silêncio, que parece o extremo de uma significação simbólica, é, ao mesmo tempo, um corte material de uma unidade temporal e serve, periodicamente, a um lembrete concentrado de lembrar. Os três aspectos coexistem sempre (...). É material por seu conteúdo demográfico; funcional por hipótese, pois garante ao mesmo tempo a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas simbólica por definição visto que caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vivida por pequeno número uma maioria que deles não participou”(NORA, 1993, p.21).

Ao longo do tempo o colégio foi sedimentando a sua identidade através de uma imagética construída desde a sua fundação e que permanece em constante construção e manutenção. Engloba uma grande variedade de mecanismos e de estratégias para que não haja a perda da memória que a mantém. Desde a criação de um registro documental até de comunidade afetiva, tudo contribui para a sua aura simbólica.

O período Imperial e o papel do Pedro Segundo no colégio foram utilizados como premissa para a sustentação de seu caráter distintivo, usado como argumento político na rememoração simbólica da importância histórica do seu patrono. Assim, crises institucionais são enfrentadas na tentativa de recuperar através da lembrança o

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passado em que o colégio fazia parte do centro das discussões educacionais. A memória é utilizada como forma de preservação da identidade, e é através da tradição que o colégio mantém a sua continuidade. Um dos patrimônios do colégio são os seus ex-alunos, lembrados e celebrados por suas conquistas e o seu destaque social exaltado como parte da história/legado da escola. Em muitas das celebrações oficiais são citados nomes de ex-alunos como parâmetro que fundamenta a sua excelência escolar, principalmente aqueles que tiveram impacto na sociedade brasileira. São dadas condecorações para os alunos de destaque. Há, inclusive, no Espaço Cultural do Colégio Pedro II, localizado em São Cristovão, uma parede em homenagem aos alunos eminentes, símbolos do êxito da instituição. A homenagem aos estudantes eminentes que se projetaram constitui estratégia fundamental de celebração e preservação da tradição. No dia 24 de março de 2016 foram entregues cinco títulos de “aluno eminente” aos seguintes ex-alunos: o nadador paralímpico André Brasil, a atriz Denise Fraga, o publicitário Franco Paulino, a professora Lélia Gonzalez (in memoriam) e o ex-treinador das Seleções Brasileiras de Basquete Feminina e Masculina Miguel Ângelo da Luz. Os alunos do terceiro ano do ensino médio integrado que tiveram o melhor desempenho acadêmico em seus campi receberam o título de Pena de Ouro, sendo nove estudantes no total. Por sua vez, a professora Araken de Abreu e Silva recebeu o título de Bacharel Honoris Causa.

“A titulação de “Aluno Eminente” não se restringe e é sua concessão tão somente aos ex-alunos, que tenham ocupado altas funções na esfera da administração Pública ou Comunitária ou que tenham acadêmica relevância. A condição “sinequa non” é ter honrado, com trabalho profícuo e jamais ter perdido ou deixado de lado o “espírito público” que o Colégio Pedro II lhe tenha ensinado: a ética e o espírito de cidadania operante” (VIERA et al., 2013)

O primeiro título de aluno Eminente foi entregue em 2 de dezembro de 1982, no 145º aniversário do colégio. A solenidade aconteceu no salão nobre do colégio, anteriormente chamado de “Salão D. Pedro II”. Apesar da substituição do Título de bacharel em ciências pelo certificado de conclusão de curso, há um título simbólico. Na colação de grau, a título simbólico, sempre são citados alguns nomes de alunos Eminentes, para a exemplificação da “honrosa” titulação de bacharel.

“Enquanto houver ex-alunos do Colégio, se um possível ato equivocado, desvairado quiser vir a extingui-lo, jamais poderá destruí-lo ou amesquinhá-lo, enquanto puder ser gritada a Tabuada e se cantar o Hino do Colégio” (VIERA et al.,2013)

Referências

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