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Processo 5835/18.5T8BRG.G1.S1 Data do documento 7 de julho de 2021 Relator Ricardo Costa

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Admissibilidade de recurso > Recurso de revista > Dupla conforme > Matéria de facto > Matéria de direito > Impugnação da matéria de facto > Reapreciação da prova > Poderes da relação > Violação de lei > Lei processual > Revista excecional > Reclamação para a

conferência > Resposta > Extemporaneidade > Desentranhamento > Nulidade de acórdão > Excesso de pronúncia > Audição prévia das partes > Princípio do

contraditório > Decisão surpresa

SUMÁRIO

I - Na averiguação da “dupla conformidade decisória” na matéria de direito (competência regra do STJ: art. 682.º, n.º 1, do CPC), enquanto obstáculo ao conhecimento do objecto da revista para o STJ, não releva a alteração da decisão sobre a matéria de facto operada pela Relação ao abrigo do art. 662.º, n.º 1, do CPC se essa não coincidência decisória não tiver apresentado impacto na motivação jurídica crucial do litígio que funda a reiteração em 2.ª instância do decidido em 1.ª instância, nem contrariar o resultado declarado pela sentença apelada e a construção que está na base da parte dispositiva da decisão.

II - Fundando-se o recurso de revista na averiguação das regras inerentes ao exercício dos poderes-deveres previstos no art. 662.º, n.º 1, do CPC quanto à reapreciação pela Relação da matéria de facto, sindicável nos termos do art. 674.º, n.º 1, al. b), do CPC, esta impugnação não concorre para a formação da “dupla conformidade”, uma vez que é apontado à Relação erro de interpretação ou aplicação da lei processual que é privativo e apenas emergente do acórdão proferido no âmbito da apreciação do recurso de apelação quanto à apreciação da impugnação da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto; logo, quanto a esta pronúncia e decisão, não estamos perante duas decisões sucessivas conformes e sobreponíveis, antes uma primeira decisão, tomada a título próprio pela Relação, susceptível de ser impugnada através do recurso de revista (normal, sem prejuízo da interposição de revista excepcional quanto à matéria de direito afectada pelas decisões conformes).

III - O STJ pode sindicar a aplicação da lei adjectiva pela Relação em qualquer das dimensões relativas à decisão da matéria de facto provada e não provada (arts. 662.º, n.os 1 e 2, 674.º, n.º 1, al. b), do CPC) – não uso ou uso deficiente ou patológico dos poderes-deveres em segundo grau, controlando o respectivo

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modo de exercício em face do enquadramento e limites da lei para esse exercício –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662.º, resultam da remissão do art. 663.º, n.º 2, para o art. 607.º, n.os 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau), com a restrição constante do art. 662.º, n.º 4, do CPC («Das decisões da Relação previstas no n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça»).

IV - Assumindo-se a 2.ª instância como um verdadeiro e próprio segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto, com autonomia volitiva e decisória nessa sede, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostraram acessíveis com observância do princípio do dispositivo, sempre que essa reapreciação se move no domínio da livre apreciação da prova e sem se vislumbrar que se tenha desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório, essa actuação regida pelo art. 662.º, n.º 1, do CPC é insindicável em sede de revista, nos termos conjugados dos arts. 662.º, n.º 4, e 674.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPC.

TEXTO INTEGRAL

Processo n.º 5835/18.5T8BRG.G1.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação ….., …...ª Secção Cível Reclamação: arts. 656º, 652º, 3, 679º, CPC

Acordam em Conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I) RELATÓRIO

1. Notificada da Decisão Liminar Sumária, proferida pelo aqui Relator, mediante a qual se julgou improcedente a revista normal interposta a título principal e se ordenou a remessa dos autos à Formação Especial deste STJ, a que alude o art. 672º, 3, do CPC, para o efeito de julgamento dos pressupostos específicos de admissibilidade da revista excepcional interposta a título subsidiário, veio a Ré e Recorrente de revista «Ascendi Norte – Auto Estradas do Norte, S.A.» apresentar Reclamação para a Conferência (arts. 652º, 3, 679º, CPC) do segmento decisório relativo à revista normal.

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“i. Salvo o devido respeito e mormente por melhor opinião, a douta decisão liminar sumária constitui uma decisão surpresa e enferma, por isso, de nulidade, dado não parecer ter sido respeitado o disposto nos artigos 655º nº 1 e 3º nº 3, ambos do C. P.C. (cfr. C. P. C. artigo 615º nº 1, al. d) – 2ª parte, por força do disposto no artigo 666º do mesmo Código);

ii. Não obstante, mantém-se que existe violação pelo menos do disposto no artigo 662º nº 1 do C. P. C. por parte do ac. do TR….., na medida em que não foi rigoroso (longe disso) na consideração dos meios de prova (particularmente – mas não só – testemunhal) indicados pela R., então apelante, com o objectivo de ser reapreciado o decidido em 1ª Instância e, por outros motivos, diferentes claramente daqueles da 1ª Instância, incorreu, também ele, em omissão de pronúncia relativamente a uma parte dessa reapreciação da matéria de facto requerida no recurso de apelação;

iii. Por isso, e para lá do aditamento de um facto novo que não é correcto, que não resolve as questões colocadas no recurso de apelação, que não corresponde e nem encontra eco nos meios de prova que ao ac. do TR….. incumbia analisar, inexiste a dupla conformidade no que concerne, no mínimo, quanto à matéria de facto (cfr., por todos, Ac. deste S. T. J., de 28.01.2016 (proferido no âmbito do proc. nº 802/13.8TTVNF.P1.G1-A.S1; relatora: Conselheira Ana Luísa Geraldes);

iv. Acresce ainda dizer que o mesmo sucede em relação a toda a restante matéria de facto a que se alude no recurso de revista normal e quanto à utilização de presunções judiciais por parte da decisão da 2ª Instância.”

2. As Autoras e Recorridas vieram apresentar Resposta, pugnando pelo indeferimento da Reclamação em todas as suas vertentes.

Na sequência, a Recorrente e aqui Reclamante veio requerer o desentranhamento dessa Resposta, bem como a sua devolução às Apresentantes, alegando a sua extemporaneidade, com os seguintes fundamentos:

“(…) a reclamação apresentada pela R./recorrente foi notificada electronicamente às AA./recorridas com data de 22 de Abril p. p., o que significa que estas se devem dela considerar notificadas, no máximo, no dia 26 de Abril, coincidente, como sabido, com uma segunda-feira. (…) Tal como a R./recorrente/reclamante dispunha de 10 dias contados da notificação da douta decisão singular para apresentar, como fez, a reclamação daquela decisão, parece que não sobra dúvida alguma que também as AA./recorridas dispunham do mesmo prazo de 10 dias para exercer o respectivo contraditório, se, evidentemente, assim o quisessem, sob pena de não o fazendo dentro daquele prazo se dever pelo menos presumir que não pretendiam(eram) exercer esse direito. Ora, contados aqueles 10 dias a partir do dia seguinte àquele referido 26 de Abril, também não haverá dúvida ou hesitação alguma no que se refere à conclusão de que

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aquele prazo de que dispunham as AA./recorridas ter terminado no dia 6 de Maio p. p., o que, evidentemente, equivale a dizer/concluir que aquela indicada peça processual, apresentada a 17 de Maio, é nitidamente extemporânea.”

Em contraditório, as Recorridas vieram contestar essa posição, fundando a sua resposta numa lógica de antecipação processual, antes de serem notificadas para o exercício do contraditório e a admissão da Reclamação pelo Relator.

3. O processo tem como Autoras AA, BB, CC, DD e EE, que intentaram acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra «Ascendi Norte – Auto Estradas do Norte, S.A.», pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia global de € 323.599,74 (trezentos e vinte e três mil quinhentos e noventa e nove euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros legais, desde a data da citação e até integral pagamento, a título de indemnização pelos danos que alegadamente sofreram em razão de um acidente de viação ocorrido na A...., do qual resultou a morte de FF, companheiro da primeira Autora e pai das demais.

A Ré apresentou Contestação, arguindo a excepção da ilegitimidade da Autora AA e impugnando os factos invocados pelas Autoras, recusando ter incumprido as obrigações que sobre si impendem enquanto concessionária da via. Concluiu pela procedência da exceção invocada e pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.

Foi admitida a intervenção acessória provocada da «AIG Europe, Limited – Sucursal em Portugal» (presentemente «AIG Europe, SA – Sucursal em Portugal»), a qual apresentou Contestação, também invocando a ilegitimidade da autora AA, e impugnando a matéria de facto alegada na petição inicial, nomeadamente quanto ao incumprimento das obrigações da Ré enquanto concessionária da A11, bem como quanto aos danos que as Autoras invocam. Concluiu pela procedência da exceção arguida e pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

O Juiz …. do Juízo Central Cível ….. (Tribunal Judicial da Comarca … . ) proferiu sentença em 11/10/2019,que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar às Autoras “as quantias de € 5.000,00 – cinco mil euros) – (ponto 2.2.1) e € 70.000,00 – setenta mil euros – (ponto 2.2.2), o que perfaz a quantia global de € 75.000,00 – setenta e cinco mil euros –, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da presente decisão e até integral pagamento”. Mais condenou a Ré a pagar à autora CC “a quantia de € 22.500,00 – vinte e dois mil e quinhentos euros – e a cada uma das demais autoras a quantia de € 20.000,00 – vinte mil euros – (ponto 2.2.3), acrescidas tais quantias de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da presente decisão e até integral pagamento”. Absolveu a Ré do demais peticionado.

A Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação …. (TR…..), pedindo que a acção fosse julgada totalmente improcedente e a Ré absolvida do pedido. Em acórdão proferido em 14/5/2020, o TR….., no domínio da solicitada reapreciação da matéria de facto, dando por cumpridos os ónus de

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alegação previstos para esse efeito no art. 640º, 1, e 2, a), do CPC, manteve inalterados os factos provados n.os 13, 14, 17, 28 e 29, assim como os factos não provados n.º 41, e aditou um novo facto provado como n.º 20-A; quanto à decisão de mérito, confirmou e manteve integralmente a decisão impugnada; julgou-se no dispositivo como improcedente o recurso de apelação.

Novamente inconformada, a Ré interpôs recurso de revista para o STJ, sendo normal a título principal, por não se verificar a dupla conformidade que a obstasse, e excepcional a título subsidiário, visando a revogação do acórdão de 2.ª instância e a sua substituição por decisão que julgasse totalmente improcedente a acção e a absolvição do pedido.

As Autoras apresentaram contra-alegações, invocando a dupla conformidade para afastar a revista normal e a inadmissibilidade da revista excepcional, devendo manter-se na íntegra o acórdão recorrido.

*

Ficaram consignados os vistos legais (arts. 657º, 2, 679º, CPC).

Identificadas as questões levantadas na Reclamação da Decisão Sumária antes proferida e consignados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) APRECIAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO

4. Questão prévia da tempestividade da Resposta das Recorridas à Reclamação

Apresentando as Autoras e Recorridas de revista Resposta à Reclamação, colocou-se incidentalmente nesta instância a questão da sua tempestividade e, portanto, aferição da sua admissibilidade.

Decidindo.

Sendo objecto de Reclamação, esta impugnação segue o regime do art. 652º, 3 (na sequência dos arts. 652º, 1, c), e 656º, ex vi art. 679º): «a parte [que] se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, (…) pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.».

Para o efeito de audição da parte contrária, deve atender-se ao prazo geral previsto no art. 149º, 1, do CPC – 10 dias –, a contar da notificação do acto relativamente ao qual se pode exercer o contraditório – n.º 2 do art. 149º.

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A notificação do acto seguiu o regime de notificação electrónica entre os mandatários judiciais das partes (arts 132º, 1, 248º, 255º, CPC), certificando-se a data da elaboração da notificação – no caso, 22 de Abril.

De acordo com este regime, presume-se a notificação feita no 3.º dia posterior ao da elaboração da notificação ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja – no caso, 26 de Abril.

É a partir dessa notificação e no prazo que desencadeia nos autos que deve ser exercido o direito de audição contemplado no art. 652º, 3, in fine, em concretização do art. 3º, 3, do CPC, sem dependência das funções (ulteriores na tramitação) do Relator quanto à apreciação genérica e tabelar (não vinculativa), de todo o modo facultativa, dos aspectos formais e de admissibilidade da Reclamação.

Correndo esse prazo até ao dia 6 de Maio, e acrescentando-se-lhe ainda o “prazo de complacência” (com pagamento de multa), definido nos termos do art. 139º, 5, tendo como limite o dia 11 de Maio, torna-se manifesto que a apresentação da Resposta das Recorridas em 17 de Maio se mostra manifestamente extemporânea (sem aplicação do art. 139º, 6), extinguindo-se o direito de praticar o acto nos termos do art. 139º, 3, sempre do CPC.

Razão pela qual se julga inadmissível tal Resposta e, consequentemente, ordenar o desentranhamento dos autos da peça junta a fls. 452 e ss e a sua devolução às Apresentantes, com a consequente responsabilidade pelas custas da questão incidental.

5. Da nulidade da decisão reclamada

Invoca a Reclamante que a Decisão reclamada está ferida pela omissão do cumprimento prévio do art. 655º, 1, do CPC, uma vez que não foi oferecida a oportunidade para as partes se pronunciarem sobre o preenchimento do art. 671º, 3, que obstaria ao conhecimento do objecto do recurso por via da “dupla conformidade decisória” das instâncias – assim se alega para convocar o “excesso de pronúncia” sancionado pelo art. 615º, 1, d), 2ª parte (convocado pelos arts. 685º e 666º, 1, do CPC) e estarmos perante um vício conducente à nulidade da decisão como acto jurisdicional[1].

Quid juris?

5.1. O normativo do art. 655º corresponde a uma expressão particular em sede recursiva do art. 3º, 3, do CPC, sempre que se coloque antecipadamente o não conhecimento do objecto do recurso, tendo em vista evitar “decisões-surpresa” sem antes proporcionar a audiência da(s) parte(s).

É consensual o entendimento da doutrina e da jurisprudência de que as decisões-surpresa são as que se baseiam em fundamentos não ponderados pelas partes, isto é, aquelas em que se verifique uma total

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desvinculação da solução adoptada pelo tribunal relativamente ao alegado e, portanto, já perspectivado no processo (sendo notoriamente destacáveis, em princípio, as questões de conhecimento oficioso). Logo, só se justifica a audição prévia das partes quando o enquadramento legal convocado pelo julgador for absolutamente díspar daquele que as partes haviam preconizado ser aplicável, de tal forma que não possam razoavelmente contar com a sua aplicação ao caso (proibição da indefesa).

Em suma: a proibição das decisões-surpresa implica a obrigação de o juiz facultar às partes a possibilidade de aduzirem as suas razões perante uma situação e/ou enquadramento legal com que não tivessem podido razoavelmente contar; sempre que a(s) parte(s) tenha(m) tido conhecimento e/ou oportunidade de se pronunciar sobre a matéria, não tem lugar o art. 655º para dar lugar a novo contraditório que, nessa medida, se revela dispensável e, por isso, manifestamente desnecessário nos termos do art. 3º, 3, do CPC. [2]

5.2. Neste contexto, é manifesto e evidente que a Recorrente se pronunciou sobre a questão da “dupla conformidade”, pugnando pela sua inadmissibilidade e, para o caso de assim não se entender, interpondo revista excepcional a título subsidiário. Para isso invocou – como se pode ver nas alegações e nas Conclusões I. a XI. – o aditamento do facto provado 20-A. no acórdão recorrido e a violação do art. 662º, 1, do CPC como fundamento do recurso, que obstaria à verificação dessa dupla conformidade.

Também é manifesto e evidente que as Recorridas se pronunciaram sobre a questão da “dupla conformidade” nas suas contra-alegações, batendo-se pela inadmissibilidade da revista normal em qualquer das vias abertas pela Recorrente para afastar a dupla conformidade e a aplicação do art. 671º, 3, do CPC (v. as respectivas Conclusões D. a R.).

Assim sendo, não houve incumprimento do art. 655º, estando já claramente expostas nos autos a posição das partes sobre a admissibilidade da revista e conhecimento ou não do objecto do recurso em função da aplicação do art. 671º, 3, do CPC, não tendo qualquer cabimento a abertura de novo contraditório.

Logo, improcede a nulidade invocada pela Reclamante, pela sua manifesta ausência de fundamento.

6. Da improcedência da revista normal (interposta a título principal)

Sobre esta matéria, avulta na Decisão Liminar Sumária proferida a seguinte fundamentação quanto ao impugnado pela Reclamante.

6.1. Relativamente ao aditamento do facto provado 20-A, na relação com a previsão do art. 671º, 3, do CPC:

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art. 662º, 1, do CPC – o aditamento do facto provado 20-A. –, uma vez que esta não coincidência decisória, sendo à partida excluída para o preenchimento do art. 671º, 3, do CPC, só tem significado para averiguar da dupla conformidade na matéria de direito (competência regra do STJ: art. 682º, 1, CPC) se, e apenas se, tiver apresentado impacto na motivação jurídica do litígio. Como se verifica pela análise da fundamentação jurídica da Relação, indiferente ao facto relativo à limpeza da estrada após o evento-acidente, não foi o caso. Ou seja, tal aditamento não é de todo relevante para a motivação jurídica crucial e confirmativa que funda a reiteração em 2.ª instância da responsabilidade civil indemnizatória decretada em 1.ª instância, nem contraria o resultado declarado pela sentença apelada e a construção que está na base da parte dispositiva da decisão. Em suma, portanto, sem que daí se tenha extraído solução jurídica diversa da seguida pela 1.ª instância.”.

6.2. Quanto à alegada violação/incumprimento processual do art. 662º, 1, pelo acórdão recorrido (com as notas de rodapé correspondentes):

“(…) vistas as Conclusões da revista (delimitadoras do objecto recursivo: arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1 e 2, CPC), identifica-se como questão derivada da impugnação da Recorrente o alegado incumprimento dos deveres previstos no art. 662º, 1, do CPC na reapreciação da matéria de facto, sindicável nos termos do art. 674º, 1, b), do CPC, que teria obstado à melhor solução jurídica uma vez mantidos os factos provados e não provados sob escrutínio e aditado o facto provado 20.-A. Ora, como tem sido salientado pela doutrina e afirmado pela jurisprudência do STJ, esta impugnação não concorre para a formação da “dupla conformidade”, uma vez que é apontado à Relação erro de aplicação ou interpretação da lei processual que é privativo e apenas emergente do acórdão proferido no âmbito da apreciação do recurso de apelação quanto à apreciação da impugnação da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto. Logo, quanto a esta pronúncia e decisão, não estamos perante duas decisões sucessivas conformes e sobreponíveis, antes uma primeira decisão, tomada a título próprio pela Relação, susceptível de ser impugnada através do recurso de revista (normal, sem prejuízo da interposição de revista excepcional quanto à matéria de direito afectada pelas decisões conformes).”;

“No âmbito da impugnação apresentada ao STJ, a Recorrente, que viu confirmada a responsabilidade indemnizatória pela ocorrência do acidente de viação automóvel descrito nos autos, sustenta que o acórdão recorrido violou as regras sobre a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto previstas no art. 662º, 1, do CPC, sendo esta norma adjectivo-processual susceptível de fundar a revista nos termos do art. 674º, 1, b), do CPC.

Em particular, a Recorrente sustenta que a reapreciação da matéria de facto pela Relação deve ceder perante a decisão proferida em 1.ª instância, tendo em conta a prova produzida, que impunha decisão diversa da tomada pela decisão em segundo grau.

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Ao STJ permite-se verificar se o uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1 e 2, do CPC foi exercido dentro da imposição de reapreciar a decisão sobre a matéria de facto de acordo com o quadro e os limites configurados pela lei para o exercício de tais poderes(-deveres) – não uso ou uso deficiente ou patológico –, que, no essencial e no que respeita ao n.º 1 do art. 662º, resultam da remissão do art. 663º, 2, para o art. 607º, 4 e 5, do CPC (o n.º 2 já é reforço dos poderes em segundo grau)[3].

Resulta da análise da apreciação da impugnação da matéria de facto – como fica claro a págs. 19-28 – que o acórdão recorrido procedeu a uma análise do alcance e significado de declarações de parte sem valor confessório, de prova documental, de prova pericial e de prova testemunhal, utilizando um método relacional, dotado de crítica racional e alinhando a prova considerada na sua globalidade para retirar conclusão sobre as várias parcelas da impugnação feita sobre a decisão da matéria de facto. Não se demitiu nem se refugiou em critérios imprecisos nessa análise, reconheceu que “a imediação, ainda que mitigada, que é proporcionada pelas gravações é suficiente para formular um juízo seguro e sustentado sobre a credibilidade de um depoimento prestando-se uma atenção mais cuidada à sua razão de ciência, às inflexões da voz, às contradições e hesitações, ao modo como são colocadas as perguntas e à coerência das respostas” e realizou uma verdadeira convicção própria, reflectida na forma e nas razões com que se funda a rejeição da impugnação da Recorrente e o aditamento do facto provado 20-A.

Assim se corporizou e assumiu a 2.ª instância como um verdadeiro e próprio segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise, ainda que sem as virtualidades da 1.ª instância, mas com autonomia volitiva e decisória nessa sede, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostraram acessíveis com observância do princípio do dispositivo[4]. Regendo-se no domínio da livre apreciação da prova – v. arts. 376º, 389º, 396º, 466º, 3, 358º, 4, CCiv.; 489º, CPC 2013 –, estamos perante actuação legítima, sem qualquer motivo que permita questionar o modo como, no caso concreto, foram exercidos os seus poderes de livre apreciação dos meios de prova (art. 607º, 4, 5, 1ª parte, CPC), e insindicável nos termos dos arts. 662º, 4 («Das decisões da Relação prevista nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.»), e 674º, 3, 1.ª parte, do CPC.

Por fim, enfatize-se que o art. 662º do CPC, consagrando o duplo grau de jurisdição no âmbito da motivação e do julgamento da matéria de facto, estabiliza os poderes da Relação enquanto verdadeiro tribunal de instância, proporcionando ao interessado a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância (nomeadamente com o apoio da gravação dos depoimentos prestados, juntamente com os demais elementos probatórios que fundaram a decisão em primeiro grau) para um efectivo e próprio apuramento da verdade material e subsequente decisão de mérito. Por isso a doutrina tem acentuado que, nesse segundo grau de jurisdição, se opera um verdadeiro recurso de reponderação ou de reexame, sempre que do processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto em causa (em especial os depoimentos gravados), que conduzirá a uma decisão de substituição, uma vez decidido que o novo julgamento feito modifica ou altera ou adita a decisão recorrida.[5] Sempre – e este é o ponto – com a mesma amplitude de poderes de julgamento que se atribui à 1.ª instância (é perfeitamente

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elucidativa a aludida remissão feita pelo art. 663º, 2, para o art. 607º, que abrange os seus n.os 4 e 5) e, destarte, sem qualquer subalternização – inerente a uma alegada relação hierárquica entre instâncias de supra e infra-ordenação no julgamento – da 2.ª instância ao decidido pela 1.ª instância quanto ao controlo sobre uma decisão relativa ao julgamento de uma determinada matéria de facto, precipitado numa convicção verdadeira e justificada, dialecticamente construída e, acima de tudo, independente da convicção de 1.ª instância[6].;”

“O Recorrente ensaia (Conclusão VIII.) ainda a alegação genérica de que a violação das regras de uso dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1, do CPC à Relação consistiria também na construção ilegítima de presunções judiciais, por ausência de base de facto ou prova, para refutar a alteração dos factos provados 28. e 29.

É verdade que ao STJ é permitido, ainda por via da válvula de escape residual de reapreciação da matéria de facto prevista no art. 674º, 3, 2ª parte, amparada no art. 682º, 2, 2.ª parte, sempre do CPC, empreender a sindicação das presunções judiciais construídas pelas instâncias, tendo em vista verificar a violação de norma legal (nomeadamente os arts. 349º e 351º do CCiv.), a sua coerência lógica e a fundamentação probatória de base quanto ao facto conhecido. A alegação da Recorrente só pode significar, neste detalhe, a pretensão do correspectivo efeito legal por aplicação desse regime. Porém, esse controlo estará dependente de a revista ser admissível e assim se recorrer a esse fundamento à luz do (assim é de enquadrar) art. 674º, 1, a), do CPC. O que não é o caso, tendo em conta que a dupla conforme só admite a intervenção do STJ nos termos do art. 629º, 2, e 672º, 1, do CPC, e aqui, no campo em que a dupla conforme não se preenche – ou se descaracteriza como impedimento de conhecimento recursivo – só se ajuíza da violação de regras processuais relativas aos parâmetros de reapreciação da decisão de facto prevista no art. 662º, 1. Isto é: no contexto desses poderes, encontra-se sem dúvida a elaboração dedutiva ou indutiva de presunções judiciais (art. 607º, 4, in fine, CPC); mas nesta sede não se visa censurar o uso concreto dos poderes conferidos pelo art. 662º, 1 e 2, no julgamento da matéria de facto mas apenas verificar se a Relação, quanto ao modo de exercício de tais poderes, agiu dentro dos limites da lei para esses poderes serem exercidos[7] – o que seria o caso.

De todo o modo, sempre se dirá que nenhuma presunção judicial ou de facto foi utilizada pela Relação para formar a sua convicção em confirmar os factos provados 28. e 29., tal como resulta das respectivas págs. 24-25, razão pela qual a alegação nunca poderia ser apreciada.”.

6.3. Não podendo restar quaisquer dúvidas sobre o sentido e o alcance deste corpo argumentativo, não se vêm razões para censurar e alterar o decidido, em todas as vertentes analisadas. Importa, pois, agora colegialmente em conferência, sublinhar a sua adequação, que não é contrariada pela argumentação trazida (ou apenas reiterada) pela Reclamante.

Consequentemente, faz-se recair acórdão sobre a Decisão Sumária reclamada, nos termos do art. 652º, 3, ex vi art. 679º, do CPC, confirmando-se o segmento decisório relativo à revista normal interposta a título

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principal.

III) DECISÃO

Em conformidade, acorda-se em:

(i) julgar inadmissível por intempestiva a Resposta das Recorridas à Reclamação, que faz fls. 452 e ss dos autos, e, consequentemente, ordenar o respectivo desentranhamento e a sua devolução às Apresentantes;

(ii) indeferir a Reclamação e confirmar a Decisão reclamada no segmento de improcedência da revista normal interposta a título principal.

*

Custas do incidente da tempestividade da Resposta à Reclamação a cargo das Autoras e Recorridas Apresentantes, que se fixam em taxa de justiça correspondente a 1 UC.

Custas da Reclamação pela Reclamante, que se fixam em taxa de justiça correspondente a 3 UCs.

STJ/Lisboa, 7 de Julho de 2021

Ricardo Costa (Relator)

Nos termos do art. 15º-A do DL 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do DL 20/2020, de 1 de Maio, e para os efeitos do disposto pelo art. 153º, 1, do CPC, declaro que o presente acórdão, não obstante a falta de assinatura, tem o voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos que compõem este Colectivo.

António Barateiro Martins

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SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).

_______________________________________________________

[1] Que, na verdade, assim deve ser qualificado se se verificar o incumprimento censurável do art. 655º do CPC: v. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária”, Blog do IPPC, 22/9/2020, https://blogippc.blogspot.com/2020/09/nulidades-do-processo-e-nulidades-da.html, e, entre várias outras intervenções, por último, “Poderes inquisitórios; omissão; vício da sentença – Acórdão da RP de 9712/2020”, Blog do IPPC, 7/6/2021, Jurisprudência 2020 (227).

[2] Na doutrina, por todos, v. CARLOS LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, Art. 1.º a art. 800.º 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, sub art. 3º, págs. 32-33, ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 652º, págs. 255-256, sub art. 655º, págs. 266-267, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Artigo 3º”, CPC on line, Lei 41/2013: art. 1.º a 58.º, in Blog do IPPC, 2021, págs. 4-5; na jurisprudência recente do STJ, v. o Ac. de 12/1/2021, processo n.º 3325/17.2T8LSB-B.L1.S1, Rel. GRAÇA AMARAL, in www.dgsi.pt, sendo 2.º Adjunto o aqui Relator, aresto que seguimos de perto na argumentação.

[3] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Dupla conforme e vícios na formação do acórdão da Relação”, de 1/4/2015, in https://blogippc.blogspot.com/2015/04/dupla-conforme-e-vicios-na-formacao-do.html ID., “Dupla conforme; vícios da decisão recorrida”, de 5/4/2016, comentário ao Ac. do STJ de 28/1/2016, in https://blogippc.blogspot.com/2016/04/jurisprudencia-318.html; ALVES DO VELHO, “Sobre a revista excecional. Aspetos práticos”, Colóquio sobre o novo CPC, Julho 2015, in https://docentes.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/ager_MA_26300.pdf, págs. 10-11; ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 671º, págs. 365 e ss; FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pág. 580; na jurisprudência concordante do STJ, v. o Ac. de 25/5/2017, processo n.º 945/13.8T2AMD-A.L1.S1. Rel. TOMÉ GOMES, in www.dgsi.pt.

[4] V. por todos ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 662º, págs. 284 e ss, 290.

[5] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A impugnação das decisões judiciais”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 395-396, 399-400, 400, 402-403.

[6] V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia”, CDP n.º 44, 2013, págs. 33-34, 36; na jurisprudência, v., exemplificativamente, os Acs. do STJ de 10/7/2012, processo n.º 3817/05.6TBGDM-B.P1.S1, Rel. FERNANDES DO VALE, e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, Rel. AZEVEDO RAMOS, in www.dgsi.pt.

[7] ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 662º, pág. 313, sub art. 674º, pág. 403, FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, vol. II cit., págs. 594-595.

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