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ESTUDOS DE PSICANÁLISE ISSN

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ESTUDOS DE

PSICANÁLISE

ISSN - 0100-3437

Estudos de Psicanálise Belo Horizonte-MG N. 40 P. 15 – 142 Dezembro/2013 Publicação do

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ESTUDOS DE

PSICANÁLISE

Indexada em: CLASE (UNAM – México)

IndexPsi Periódicos (BVS – PSI) – www.bvs-psi.org.br

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior ANPPEP – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia

Classificação Capes/Anppep–B4

Esta revista é encaminhada como doação para todas as bibliotecas da Rede Brasileira de Bibliotecas da Área de Psicologia – ReBAP

Os artigos são de total responsabilidade dos autores.

Ficha catalográFica

ESTUDOS DE PSICANÁLISE. Belo Horizonte. Círculo Brasileiro de Psicanálise, n. 40, dez. 2013. 142 p.

Semestral. ISSN: 0100-3437 – 28 x 21cm

1. Psicanálise – periódicos

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EDITORES DA REVISTA

Anchyses Jobim Lopes (CBP-RJ) Cibele Prado Barbieri (CPB)

Isabela Santoro Campanário (CPMG) Marcelo Wanderley Bouwman (CPP) Noeli Reck Maggi (CPRS)

Ricardo Azevedo Barreto (CPS)

CONSELHO CONSULTIVO

Ana Cristina Teixeira da Costa Salles (CPMG) Carlos Antônio Andrade Mello (CPMG) Carlos Pinto Corrêa (CPB)

Déborah Pimentel (CPS)

Maria Beatriz Jacques Ramos (CPRS) Marie-Christine Laznik (ALI-França) Paulina Schmidtbauer Rocha (CPP)

Stetina Trani de Meneses e Dacorso (CBP-RJ)

CONSELHO EDITORIAL

Miriam Gorender (CPB)

Juliana Marques Caldeira Borges (CPMG) Rodrigo Cardoso Ventura (CBP-RJ)

FIGURA DA CAPA

“A busca”, quadro de Maria da Conceição A. Barreto

(Fotografia de Aragão Studio Produções/Sergipe)

ENDEREÇO DA REDAÇÃO

Rua Maranhão, 734/3º andar – Santa Efigênia CEP: 30150-330 – Belo Horizonte/MG cbp_br@ig.com.br

www.cbp.org.br

PROJETO GRÁFICO, FORMATAÇÃO E CAPA

Valdinei do Carmo

REVISÃO

Dila Bragança de Mendonça – Português Anchyses Jobim Lopes – Inglês

Revista Estudos de Psicanálise

Publicação do

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Publicação do

Círculo Brasileiro de Psicanálise

Círculo Brasileiro de Psicanálise – CBP

DIRETORIA 2012-2014

presidente

Stetina Trani de Meneses e Dacorso (CBP-RJ) vice-presidente

Maria Beatriz Jacques Ramos (CPRS) 1ª secretária

Maria Helena Correa Araujo Barros (CPP) 2ª secretária

Maria Melania Wagner Pokorski (CPRS) 1º tesoureiro

Anchyses Jobim Lopes (CBP-RJ) 2ª tesoureira

Paola Giacomini Fachini (CPRS)

coordenadora da comissão científica Ana Cristina Teixeira da Costa Salles (CPMG) editores da revista estudos de psicanálise

Anchyses Jobim Lopes (CBP-RJ) Cibele Prado Barbieri (CPB) Isabela Santoro Campanário (CPMG)

Marcelo Wanderley Bouwman (CPP) Noeli Reck Maggi (CPRS) Ricardo Azevedo Barreto (CPS)

página eletrônica

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Publicação do

Círculo Brasileiro de Psicanálise

Círculo Brasileiro de Psicanálise – CBP

INSTITUIÇÕES FILIADAS

Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção Rio de Janeiro – CBP/RJ

Av. Nossa Senhora de Copacabana, 769/504 - Copacabana CEP: 20050-002 - Rio de Janeiro - RJ

Tel.: (21) 2236-0655 Fax: (21) 2236-0279 E-mail: cbp.rj@terra.com.br

Site: www.cbp-rj.com.br

Círculo Psicanalítico da Bahia – CPB

Av. Adhemar de Barros, 1156/101 - Ed. Máster Center - Ondina CEP: 40170-110 - Salvador - BA

Tel./Fax: (71) 3245-6015

E-mail: circulopsi.ba@veloxmail.com.br Site: www.circulopsibahia.org.br

Círculo Psicanalítico de Minas Gerais – CPMG

R. Maranhão, 734/3º andar - Santa Efigênia CEP: 30150-330 - Belo Horizonte - MG Tel.: (31) 3223-6115 Fax: (31) 3287-1170 E-mail: cpmg@cpmg.org.br

Site: www.cpmg.org.br

Círculo Psicanalítico de Pernambuco – CPP

R. Desembargador Martins Pereira, 165 - Rosarinho CEP: 52050-220 - Recife - PE

Tel.: (81) 3242-2352 Fax: (81) 3242-2353 E-mail: circulopsicanaliticope@yahoo.com.br Site: www.circulopsicanaliticope.com.br

Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul – CPRS

R. Senhor dos Passos, 235/1001 - Centro CEP: 90020-180 - Porto Alegre - RS Tel./Fax: (51) 3221-3292

E-mail: circulopsicanaliticors@gmail.com Site: www.cbp.org.br/cprs

Círculo Psicanalítico de Sergipe – CPS

Praça Tobias Barreto, 510/1208

São José Ed. Centro Médico Odontológico CEP: 49015-130 - Aracaju - SE

Tel.: (79) 3211-2055

E-mail: cps@infonet.com.br

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Editorial

Algumas características dos laços amorosos nos dias atuais

Some caracteristics about love relations in nowdays

Ana Cristina Teixeira da Costa Salles Nina Rosa Artuzo Sanches

Rosa Maria Gouvêa Abras O primata perverso polimorfo

The polymorphous perverse primate

Anchyses Jobim Lopes

As per-versões na clínica psicanalítica

The per-versions in the psychoanalityc clinic

Cibele Prado Barbieri

Vínculos entre modernidade,

ética e subjetivação no pensamento de Freud

Links between modernity,

ethics and subjectivity in Freud’s works

Eduardo Leal Cunha Joel Birman

O inapanhável objeto do savoir-faire na análise

The elusory object of know-how in analysis

Erik Porge

Traduçao: Elisa dos Mares Guia-Menendez Mariana Valério Orlandi

Holograma dinâmico recursivo para uma teoria topográfica da relação psicanalítica

Dynamic Recursive Hologram for

a Typographical Theory of Psychoanalytical Relationship

Gabriele Lenti

Tradução: Otavio A. Peixoto, B.A., M.A. O setting analítico na clínica cotidiana

Analytical setting in everyday clinic

Glória Barros

A criança, o artista e o analisando: a psicanálise e a invenção de mundos

The child, the artist and the analyzed: psychoanalysis and worlds creation

Luciana Knijnik

Sumário

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De Simone de Beauvoir aos “Cinquenta tons de cinza”

From Simone de Beauvoir to “Fifty shades of gray”

Maria Carolina Bellico Fonseca

O contador de histórias: vínculos e identificações

The Storyteller: Identification and Bonds

Maria Melania Wagner Franckowiak Pokorski Luís Antônio Franckowiak Pokorski

O outro da dor

The partner of the pain

Ricardo Azevedo Barreto

Alguns pensa-res sobre estados subjetivos de desafio ao processo analítico

Some thoughts about subjective states that defy the psychoanalytical process

Stetina Trani de Meneses e Dacorso

Das relações entre o empobrecimento psíquico e o empobrecimento material

About the relations between the psychic impoverishment and material impoverishment

Valéria Wanda da Silva Fonsêca

Reflexões sobre a “teoria do pensar”, de Bion

Reflection about the “theory of thinking”, by Bion

Waleska Pessato Farenzena Fochesatto

O acompanhamento de adolescentes em grande sofrimento psíquico: distinguindo dois tipos de violência

Monitoring of major psychological distress in adolescents: distinguishing two types of violence

Wilfried Gontran Stéphanie Mousset Marília Etienne Arreguy Normas de publicação

Roteiro de avaliação dos artigos

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Editorial

Um jardim de pétalas de lágrimas

Uma estação de secas lágrimas...

Quem é o ser humano contemporâneo? É alguém que se constitui de modo singular? Como a psicanálise pode contribuir para sua compreensão? Por que a psicanálise é muito an-tagonizada em alguns ambientes? A psicanálise não tem o que dizer sobre a hiperatividade, a

dislexia, o autismo, entre tantas e tantas formas de existir das quais, não de modo raro, alguns

discursos se arvoram de modo global do saber? A psicanálise pode desabar em desvalia por causa do utilitarismo em prol de uma suposta evolução científico-cultural-social-tecnicista? As explicações genéticas e da estrutura cerebral abarcam quase tudo, e há muito pouco para a psicanálise e seus questionamentos em respeito ao humano? Freud não mais explica? Como os psicanalistas entendem os laços sociais atuais? O mundo se desumanizou?

As pétalas das lágrimas...

Por que não falar, chorar, sorrir, reconhecer enigmas e trabalhar conflitos? A psicanálise desvenda... Não nada conforme a correnteza. Não promete saúde, bem-estar, sucesso, comple-tude, felicidade plena... Para os psicanalistas, nem todas as pessoas são analisáveis... nem tudo é analisável... e acessível. A psicanálise possibilita uma escuta eticamente aprofundada do ser humano nas particularidades de seus desejos, seus limites, suas travessias... e respeita a busca de cada um.

São as indagações que mobilizam a cenografia e a topografia psicanalíticas. Nosso labor é desalienar... Nosso trabalho é com o que não se localiza na consciência, o que está externo ao “saber que se sabe”. E escrevemos sobre o que nos resta... como seres humanos! A linguagem? É nosso “tesouro de significantes”... nas aventuras das modalidades do subjetivar-se nos fios enovelados da comunicação.

Com a graça da Palavra, de suas ruas e avenidas, encorpandoo estado da arte psicana-lítica, a revista Estudos de Psicanálise, em seu segundo número de 2013 (n. 40), tem encanto próprio e científico, contando atualmente com seis editores muito dedicados ao compromis-so da psicanálise com o ser humano e a compromis-sociedade: Anchyses Jobim Lopes (CBP-RJ), Cibele Prado Barbieri (CPB), Isabela Santoro Campanário (CPMG), Marcelo Wanderley Bouwman (CPP), Noeli Reck Maggi (CPRS) e a minha pessoa, Ricardo Azevedo Barreto (CPS).

Agradecemos à Diretoria 2012-2014 do Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP), presi-dido pela estimada e competente Stetina Trani de Meneses e Dacorso (CBP-RJ), aos conselhos consultivo e editorial da revista, aos editores que nos antecederam, por desbravar espaços e construir pontes, a todos os profissionais que trabalharam direta ou indiretamente conosco para o desenvolvimento da qualidade técnico-científica e de linguagem da revista, aos autores deste número de nossa publicação por suas valiosas contribuições e aos nossos leitores a partir dos quais se constrói um campo de interlocução interminável.

Presenteamos a todos com este mais novo acervo de escritos da revista Estudos de

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uma pintura de Maria da Conceição Azevedo Barreto, Ceiça, que desvelaa busca do

autoco-nhecimento do ser no que redesenha, reconstitui ou reinventa da experiência sentida com seus pincéis e tintas... de vida.

O jardim...

Enfim, nosso ofício na psicanálise... na clínica, na escrita, em diferentes contextos... é com as vivas lágrimas... os afetos. O contato com o humano, ser da linguagem, desnuda os excessos das “folhagens” de modo poético. Surgem transformações, as pétalas das lágrimas, as flores em suas tonalidades e nuanças... As rosas têm espinhos... Como um jardim de pétalas de

lágrimas, apresentamos, nesta revista, um pouco do pulsar da existência num tempo em que

não é incomum a coisificação do ser. Nossa resistência, em um sentido político de reconfigu-ração de forças, é lutar para a sobrevivência do humano.

Muito obrigado aos que nos acompanham.

Ricardo Azevedo Barreto

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Para Ferenczi seria preciso tornar a técnica mais elástica,

de maneira a favorecer a expressão afetiva. O privilégio dado à expressão de afetos na análise provocou, assim, uma ampliação cada vez maior dos limites do permitido na clínica, chegando-se à formulação de um princípio de relaxamento

como contraponto ao de abstinência (1927). Ferenczi introduz seu projeto

de “soltar as línguas” nas análises, implicando e convocando o analista à adoção de um estilo clínico diferenciado, resgatando a criatividade do analisando, exercitando a sua capacidade de brincar, fantasiar e imaginar. Ele aborda o conceito de contratransferência como algo que não dificultaria a análise, mas que faz parte da própria técnica a ser empregada.

O manejo técnico deve dosar bem a empatia e a capacidade de “sentir com”, e o processo é conduzido melhor a partir da análise pessoal do analista, que o capacitará para avaliar a situação analítica a distância. Esse é o entendimento que Ferenczi tem do analista elástico.

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Algumas características dos laços amorosos nos dias atuais

Introdução

A psicanálise tem um discurso próprio, re-sultante de mais de um século de produção teórico-clínica de Freud e seus seguidores. Se, de início, ela causou escândalo, com sua nova visão de homem e suas relações, com o pas-sar do tempo, seu discurso foi sendo maciça-mente assimilado pela cultura, correndo ris-co de perder sua virulência e sua capacidade de inovação. Essa absorção se fez notar de for-ma for-mais enfática a partir dos anos cinquenta. Em relação à vida amorosa, em que a sexualidade faz seus laços, vemos com fre-quência a incorporação de conceitos psi-canalíticos ser usada pelo discurso social, com o objetivo de julgar e medir o grau de adaptação e patologia dos relacionamentos. A apropriação da psicanálise por ideologias de cunho moralizante, ao propor um ideal de felicidade amorosa, nada mais faz do que tentar transformá-la em um instrumento de controle social no sentido da higienização e medicalização da vida privada.

Como Freud, pensamos que a felicidade não está na programação do homem (O

mal--estar na civilização, Freud, 1974, p. 94), não

cabendo ao psicanalista estabelecer modelos para um casal feliz e adaptado.

Algumas características

dos laços amorosos nos dias atuais

Some characteristics about love relation nowadays

Ana Cristina Teixeira da Costa Salles Nina Rosa Artuzo Sanches Rosa Maria Gouvêa Abras Resumo

Através de conceitos freudianos e lacanianos e usando de exemplos da clínica, as autoras ana-lisam as mudanças nas relações amorosas nos dias atuais.

Palavras-chave: Relação anaclítica, Relação narcísica, Objeto-fetiche, Objeto-devastação, Ge-ração Y.

Em vez de propormos um discurso fe-chado sobre a sexualidade e a vida amorosa, pensamos ampliar nossa escuta para poder-mos captar o que ocorre hoje, neste início de século, tomando a sexualidade em sentido lato, assim como as variações quanto às for-mas de escolhas próprias do nosso tempo.

As grandes mudanças sociais, políticas, tecnológicas e científicas das últimas déca-das transformaram as sociedades ocidentais em sociedades globalizadas onde quem dita às regras é o mercado.

Baumann define a vida líquida na socie-dade “líquido-moderna” como uma “vida de consumo” que projeta o mundo e todos os seus fragmentos animados e inanimados como objetos de consumo” (BAumAnn, 2007, p. 16).

Segundo Pereira mendes (2013, p. 1)

Se a sociedade freudiana era vitoriana e patriar-cal, favorecendo a histeria e o mascaramento das pulsões e do desejo, a sociedade atual, que teve lugar a partir da década de 60, se nota-biliza pela radicalização das sensações e pelo deslizamento veloz em torno de novos objetos de desejo, proporcionando o aparecimento do gozo, da depressão e das montagens perversas.

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Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 40 | p. 15–20 | Dezembro/2013 16

Algumas características dos laços amorosos nos dias atuais

nos dias atuais, ou seja, tempo da hiper-modernidade, verifica-se uma diversidade tanto na composição quanto nas formas de relacionamentos. 

Existe um número considerável de pes-soas adultas que moram sozinhas. Cresce também consideravelmente o número de mulheres que não desejam mais ter filhos (Revista Veja, maio 2013). O casamento tra-dicional homem-mulher, onde o homem é o provedor, e a mulher é principalmente a es-pectadora e suporte da vida do marido e dos filhos, não é mais o único modelo. A entrada da mulher no mercado de trabalho mudou radicalmente as relações familiares.

Ao mesmo tempo, avanços tecnológi-cos transformaram a noção de concepção e paternidade, através de pesquisas e estudos no campo da infertilidade proporcionando o aparecimento de famílias monoparentais, onde a presença do pai não tem mais o mes-mo peso de antigamente. Outra grande mu-dança diz respeito à legalização das relações homoafetivas e a adoção de crianças por ca-sais homossexuais.

O discurso amoroso do século XXI

O discurso amoroso do século XXI, decor-rente das mudanças advindas da nova moral cultural e das características das sociedades de consumo apresenta traços particulares: as relações são instáveis e fugazes, o objeto amoroso é descartável como qualquer objeto na lógica do consumo.

As relações têm que ser light no sentido da falta de compromisso, mas ao mesmo tempo têm de ser algo da ordem de um excesso e do espetacular. não há diferença entre o pú-blico e o privado, Encontros e rompimentos são vividos e totalmente compartilhados nas redes sociais.

Como disse Baumann (2007, p. 11),

[...] ligações frouxas e compromissos revogáveis são os preceitos que orientam os laços entre os indivíduos. Ligar-se ligeiramente a qualquer coisa que se apresente e abandoná-la

rapida-mente é o que conta. Viver no presente e pelo presente obtendo o máximo de satisfação pos-sível, evitando as inquietudes e sofrimentos, priorizando os finais rápidos e indolores, pois sem eles seria impossível recomeçar é um im-perativo.

Evitar o luto, atenuar a dor, diminuir a an-gústia e calar o sofrimento frente às perdas e decepções afetivas são as soluções mais bus-cadas atualmente.

Quanto aos namoros, alguns mantêm o padrão tradicional como um treinamento para um futuro compromisso, mas, na maio-ria das vezes, ninguém é responsável por ninguém... Cada um que cuide de si e procu-re se defender dos sofrimentos da separação. Frente a tantas transformações da era vi-toriana aos dias atuais, gostaríamos de saber o que mudou nos registros simbólico e ima-ginário.

As eleições amorosas ainda seguem os mesmos padrões descritos por Freud e La-can?

Tipos de escolhas de objetos em Freud Em Freud vamos encontrar dois tipos de es-colha de objeto: a eses-colha de objeto narcísi-ca e a escolha de objeto anaclítinarcísi-ca (FREuD, 1974, p. 94). na escolha de objeto narcísica o modelo é a relação do indivíduo consigo mesmo. É uma relação marcada pela onipo-tência, onde as limitações, os enganos e os erros são vividos como ofensa pessoal.

na escolha de objeto anaclítica, a pulsão sexual está apoiada na pulsão de autocon-servação. É uma escolha regressiva e com-plementar — mulher que alimenta e homem que protege. Infantilizante para um, acentua o papel parental do outro.

A escolha narcísica ativa está do lado masculino, e a escolha anaclítica, passiva, está do lado do feminino Em relação à mu-lher, Freud estabeleceu duas condições que determinam a escolha. O objeto deverá ser um substituto paterno: o complexo de cas-tração leva a mulher a se afastar da mãe (a

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Algumas características dos laços amorosos nos dias atuais

quem atribui à falta de um pênis) e a achar no pai uma posição de descanso.

O homem deve redundar num filho: que seu homem seja um pai e que seu homem seja um filho. A síntese deve caminhar para a resolução da maternidade: seu homem é pai de seu filho.

Dentro dessa perspectiva, a escolha con-jugal é correlativa às fixações infantis, mar-cas deixadas pelo encontro com os pais. Se para Freud o encontro com o objeto é sem-pre um reencontro, o laço amoroso teria um valor de um sintoma, tentativa de restituição e montagem de um fantasma. nos interessa saber se encontraremos hoje as mesmas con-dições descritas por Freud, isto é, o peso do operador narcísico e do complexo de Édipo nas eleições do objeto.

Um exemplo

da mulher freudiana do século XIX

Isabel Orléans de Bragança, Condessa d’Eu, nasceu em 13 jul. 1847. Com 4 anos foi reco-nhecida como herdeira da Coroa brasileira. Cresceu como princesa que teria de forta-lecer o princípio monárquico, apesar de ser mulher... Ser mulher naquela época signifi-cava “o belo defeito da natureza”, “o vaso frá-gil” no qual o homem depositava sua semen-te. A inferioridade feminina era um dado natural, e o marido seu guardião e tutor por excelência.

Isabel era uma criança gorda, dócil, obe-diente e bondosa. Sua mãe era pacata e reli-giosa. Seu pai, o imperador Dom Pedro II, embora a valorizasse como filha, parecia in-capaz de aceitá-la como sua sucessora. Aos 19 anos se casa com Dom Gastão d’Eu, con-de francês, em um casamento arranjado, mas por quem se apaixonou imediatamente. Ele era carinhoso, e ela fazia tudo para agradá--lo. Isabel era o retrato acabado da noiva ro-mântica do século XIX.

Gastão queria participar da política e dos negócios da corte, mas Dom Pedro o impe-dia. Isabel, por seu lado, era totalmente de-sinteressada pelo reino. nada do que dissesse

respeito à vida pública parecia preocupá-la. Isabel confirmava as impressões do pai: lugar da mulher era não na política, mas em casa. Só lhe importava a vida privada, o ninho dos pombos. Quando Gastão parte para a Guerra do Paraguai, ela escreve: “meu querido, meu bem-amado, meu amigo, meu tudo”. Sem ro-deios, dizia-lhe que sentia falta de suas ca-rícias e da cama vazia. Com o nascimento dos filhos, passam a viver cada vez mais uma vida burguesa. Diferentemente dos casamen-tos das elites, eram amigos, companheiros e dormiam juntos. Quando Gastão parte para uma viagem, Isabel lhe escreve: “Vou me dei-tar bem só! Bem triste e bem saudosa!!! Boa noite querido do meu coração!!!”.

Isabel detestava substituir o pai quando ele viajava. nada queria saber sobre a aboli-ção dos escravos e o movimento republicano. A oposição a acusava de pouco inteligente, histérica, fanática religiosa e incompetente. Acusava o casal de fútil e egoísta. Após a Pro-clamação da República, a família parte para o exílio.

As contribuições de Lacan

Lacan, em sua teorização, contribuiu para a compreensão freudiana ao mostrar que o su-jeito pode ficar preso numa captura narcísica, para evitar o encontro angustiante do que ele é como objeto para o Outro. No início, essa cap-tura narcísica inscreve-se no sujeito quando ele reflete a imagem que corresponde ao desejo dos pais ou da família e está articulada à constitui-ção do sujeito como um tempo lógico e estrutu-rante, o Estádio do espelho, em que sua ima-gem refletida é autenticada pelo Outro. Essa ilusão narcísica de completude é a condição necessária do sujeito e sua inscrição no campo do Outro, no simbólico. Corre-se, entretanto, o risco de se ficar preso no imaginário, ao ideal, numa alienação à imagem e, portanto, detido, paralisado. O encontro com o desejo do outro é sempre enigmático e angustiante para o sujeito, pois nunca se sabe o que pode advir. As relações amorosas, que são expressões de laços sociais,

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Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 40 | p. 15–20 | Dezembro/2013 18

Algumas características dos laços amorosos nos dias atuais

geralmente refletem essa forma de vínculo alie-nante em que o sujeito evita a renúncia de ser o objeto imaginário que obtura a falta do Ou-tro, renúncia que possibilita o acesso ao desejo (SALLES; CECCArELLi, 2010, p. 22).

Para Lacan, a escolha narcisista é marcada pelo imaginário: elege-se um semelhante. É um tipo de eleição ativa, onde o que importa para o sujeito é amar; não importa se o outro ama ou não. Já na escolha anaclítica, o que importa é ser amado. Faz-se a escolha de um outro que o apoia e quer. É mais uma relação com o grande Outro.

A posição anaclítica é a que melhor con-vém ao homem, pois é ele que tem algo para satisfazer a mulher. A mulher encontra nele o objeto que lhe falta. O que Lacan eviden-cia é o poder feminino que se funda sobre a pobreza, o não ter e, em nome da falta, obter, pedir e perseguir. nessa relação o homem sofre por não poder deixar de dar à mulher o objeto que lhe falta.

A mulher sofre de duas faltas: a falta-a--ser, que constitui todo ser humano e a falta de um significante, que define a feminilida-de. Por isso, ela se aproxima do homem na relação amorosa pedindo que ele a defina. Se uma mulher aspira encontrar seu homem, é precisamente como uma consequência de não “ser toda” e precisar de uma ancoragem para seu ser e para o seu gozo. Para isso, ela aceita ser as diversas mascaradas, inclusive a “masoquista”; “ela é capaz de dar tudo para o homem, seu corpo, sua alma, seus bens” (ZALCBERG, 2007, p. 141). uma mulher faz tudo para ser amada. Ela, na falta de defini-ção, precisa de palavras, palavras de amor, e se elas não vêm, advém uma verdadeira devastação que, ao final das contas, revive o relacionamento mortífero com a figura ma-terna na infância.

A mulher é para o homem um sintoma (objeto a). Por isso, o sintoma do homem (o de que só pode amar uma parte da mulher, nunca ela por inteiro) tem uma profunda repercussão sobre a mulher. Para ela,

trata--se de uma devastação, nunca ser amada por inteiro. Por isso também, o amor é tão insis-tente e tão importante para a mulher, assim como as palavras de amor, que representam para ela uma restauração narcísica. O senti-mento de perda de amor é muitas vezes vivi-do como uma devastação.

Uma mulher lacaniana - a devastação Eles estão por volta dos trinta anos. Ele é profissional liberal bem-sucedido, preocu-pado com a aparência, mora sozinho. Ela é funcionária pública federal com alto salário. muito bonita, mora com os pais. Estão jun-tos há seis anos, mas ele não quer casar. A justificativa dele é “preciso de liberdade”. Ele exige que ela se apresente sempre impecável, que tenha um bom carro, que se exercite, que mantenha o peso. Controla o tempo todo o que ela come. Viajam muito e sempre divi-dem todas as contas. Ela cuida da casa dele, desde a decoração até as contas, lavanderia, supermercado, empresta seu carro quando o dele vai para a oficina. Ele sai semanalmente sozinho para encontrar os amigos e as ami-gas. muitas vezes ela o leva e busca nesses encontros. Quando ele chega em casa e não a encontra, liga reclamando que não tem nada para comer. Certa noite, ao sair da casa dele às duas da madrugada, teve um pneu furado e a roda do carro quebrada, em uma rua es-cura e perigosa. Teve de resolver o problema com o porteiro de um prédio. não pode li-gar para o namorado, porque ele sempre avi-sa quando ela avi-sai da sua caavi-sa “não me ligue quando chegar em casa, porque já vou estar dormindo”. Devastada, chega ao analista. Para finalizar, mais algumas questões um homem faz da mulher o objeto a como mais-de-gozar em sua fantasia, mas o inverso não é verdadeiro. Os objetos a na fantasia de uma mulher são seus filhos. Como fica essa máxima psicanalítica nos dias atuais? Como dissemos anteriormente, cresce o número de pessoas solteiras que moram sozinhas e de mulheres que não querem mais ser mães.

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Algumas características dos laços amorosos nos dias atuais

E qual é o novo fetiche dessas mulheres? A carreira? O próprio corpo perfeito? A inde-pendência financeira?

uma das afirmações psicanalíticas é que o homem chega ao amor através do sexo, e a mulher chega ao sexo através do amor. Como fica isso hoje? na atualidade, uma das dimensões do masculino está atrofiada: o ca-valheirismo. As mulheres se ressentem, por outro lado, estão bem mais ativas e arrojadas quanto à abordagem sexual dispensando a corte masculina e até a dimensão do amor na relação.

A clínica demonstra que geralmente as re-lações anaclíticas têm mais estabilidade e du-ração, enquanto as relações narcísicas, muito embora mostrem um alto teor de atração se-xual, em geral têm uma durabilidade menor, pois são atravessadas por um alto grau de agressividade e competitividade,

Existe também uma certa incongruên-cia entre o discurso e a prática nas escolhas amorosas atuais. Estamos nos referindo ago-ra aos mais jovens. A escolha é predomi-nantemente narcísica, mas as queixas são de falta de cuidado, atenção, isto é, a demanda é anaclítica. Os relacionamentos são aber-tos, fugazes, mas se invade a privacidade do outro através de telefone, email, GPS, crises de ciúmes por causa de mensagens, telefone-mas não atendidos, porque a pessoa não está onde disseque estaria.

um novo fenômeno que se apresenta é a geração Y. nascida após a década de 1980 e conhecida como geração do milênio ou da internet, usufruiu dos confortos e dos avan-ços tecnológicos desconhecidos pelos pais. Já foi acusada de ser distraída, egoísta, superfi-cial e incapaz de sustentar a longo prazo um compromisso profissional ou amoroso. não é que não tenha valores morais, pois defende intensamente o meio ambiente. Eo calor com que participou dos movimentos políticos que ocorreram em junho deste ano, nos fez ter finalmente mais esperança nessa geração. Para finalizar, pensamos que houve de fato mudanças radicais da era vitoriana aos

dias atuais, que afetaram principalmente as relações amorosas. Entretanto, permanece o desejo de fazer vínculos, a tentativa de sair da solidão e, cada um, à sua maneira, tenta iludir o desamparo e a incompletude, pois o amor, afinal, é ainda o que consegue fazer laço entre o real e o simbólico.

Abstract

The authors analyze changing in nowadays love relationships, using Freudian and Laca-nian concepts, besides clinical vignettes.

Keywords: Anaclitic relations, Narcissistic

re-lations, Fetish-object, Devastation-object , Y Generation

Referências

ABRAS, R. m. G; SAnChES, n. R. A. Abrindo o jogo. In: Revista Vorstellung, Belo horizonte, n. 1. out. 1997. Publicação do Grupo de Estudos Psicanalíticos (GREP).

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BAumAn, Z. Vida líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

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RECEBIDO Em: 10/09/2013 APROVADO Em: 29/10/2013

SObRe AS AUTORAS

Ana Cristina Teixeira da Costa Salles

Psicóloga. Especialista em psicologia clínica. Psicanalista. Sócia do CPmG.

Nina Rosa Artuzo Sanches

Psicóloga. Especialista em psicologia clínica. Psicanalista. Sócia do CPmG.

E-mail: nr.artuzo@uol.com.br

Rosa Maria Gouvêa Abras

Psicóloga. Especialista em psicologia clínica. Psicanalista. Sócia do CPmG.

endereço para correspondência Ana Cristina T. C. Salles

Rua Piauí, 778/503 - Santa Efigênia 30150-320 - Belo horizonte/mG (31) 3273-4335

E-mail: anacristinatcsalles@hotmail.com

Nina Rosa A. Sanches

Rua Levindo Lopes, 333/804 - Funcionários 30140-911 - Belo horizonte/mG

(31) 3281-0699

E-mail: nr.artuzo@uol.com.br

Rosa Maria Gouvêa Abras

Rua Alagoas, 1270/301 - Savassi 30130-160 - Belo horizonte/mG E-mail: rosa.abras@gmail.com

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O primata perverso polimorfo

Introdução:

Freud e o retorno a Darwin

Freud teve grande influência da obra de Charles Darwin. A bibliografia das obras completas de Freud cita todos os livros do pai da ideia de seleção natural, inclusive car-tas e a autobiografia. Utilizada ao longo de toda a sua obra, Freud classifica o darwinis-mo codarwinis-mo uma das três feridas narcísicas da humanidade, precedida pela copernicana e sucedida pela da psicanálise. Copérnico, Darwin e Freud, os três estão no mesmo pla-no quanto ao processo de crítica dos pilares judaico-cristãos do ocidente, e é o último da trinca quem mais de uma vez afirma isso. Mais diretamente, a hipótese freudiana do processo de antropogênese, iniciado em

To-O primata perverso polimorfo

1

The polymorphous perverse primate

Anchyses Jobim Lopes

Em homenagem aos chipanzés e bonobos que, ao contrário do que acontece em nosso país,

são vítimas de: governos corruptos, multinacionais sem ética e caçadores inescrupulosos; de modo que serão extintos breve em seu meio natural e só restarão em parques protegidos e zoológicos.

Resumo

A influência de Darwin no pensamento freudiano. Conhecimentos atuais sobre a evolução dos grandes primatas. As descobertas feitas nas últimas décadas sobre o comportamento de chipanzés e bonobos. Paralelos entre o comportamento sexual e agressivo dessas espécies com o dos seres humanos. Releitura de algumas teses de Totem e tabu a partir desses novos conhecimentos. Filogênese do complexo de Édipo. A dualidade agressiva e erótica da espé-cie humana.

Palavras-chave: Darwinismo, Grandes primatas, Chipanzés e bonobos, Agressividade e se-xualidade, Totem e tabu, Édipo.

tem e tabu e ainda inconcluso ao tempo de Moisés e monoteísmo, tem sua semente no

projeto darwinista.

Além das grandes teses sociais antropoló-gicas, também ocorreu o interesse de Freud por mudanças físicas específicas ocorridas durante a evolução da espécie humana. Me-nos discutidos que os temas da horda prime-va e do assassinato do pai primevo, são suas considerações sobre a importância do surgi-mento do bipedismo para o da repressão. Re-flexões que se iniciam em uma carta a Fliess, de 14 de novembro de1897:

Frequentemente suspeitei de que algo orgânico possuía um papel na repressão [...] a noção es-tava ligada com a mudança da função do

olfa-1. Trabalho parcialmente apresentado no XX Congresso do Círculo Brasileiro de Psicanálise e XXXI Jornada de Psicanálise do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, Belo Horizonte, 26/28 de setembro de 2013.

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Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 40 | p. 21–30 | Dezembro/2013 22

O primata perverso polimorfo

to: o andar ereto foi adotado, o nariz levantou-se do chão ao mesmo tempo em que um núme-ro de sensações, que antes eram interessantes, se tornou repulsivas — por um processo ainda desconhecido por mim (FREUD, 1978, p. 268).

Freud cultivava com esmero a lei de Haeckel de que a ontogênese segue a filogê-nese. Considerando que à época de Freud pouquíssimo se sabia sobre as linhagens de homídios pré-humanos e muito pouco so-bre o comportamento dos grandes primatas nossos parentes mais próximos, sendo uma espécie inteira ainda viva na África com-pletamente desconhecida — os bonobos —, é plausível que a obra freudiana não tenha especulado mais nessa vertente, por absoluta incapacidade de se fundamentar em dados objetivos. Desse modo, além dos já mencio-nados temas abordados em Totem e tabu, não foi muito mais do que a relação entre re-pressão2 e bipedismo que pode ser utilizado

por Freud para hipóteses sobre o processo de antropogênese. Contudo, tal tema de estudo é pertinente ao projeto freudiano.

Ao contrário do que se possa impensada-mente concluir, estudar o papel de processos físicos implica a defesa não de comporta-mentos instintuais inatos, mas sim da adap-tabilidade a partir do surgimento de socie-dades e formas de agir e sentir muito mais

ricas, recriadas de modo diferente por cada um a cada geração, isto é, na plasticidade da pulsão.

Considerações gerais sobre nossos primos Ciência muito mais recente, a primatologia, o estudo dos grandes primatas, seus corpos, mas, acima de tudo sua psicologia e suas so-ciedades, trazem novidades interessantíssi-mas para uma complementação da linhagem psicanalítica acima mencionada. Grandes primatas são nossos primos mais próximos: orangotangos, gorilas, chipanzés e bonobos. Ao contrário da asserção atribuída a Darwin, que tanto ofende os fundamentalistas de vá-rias religiões, não somos parentes próximos, muito menos descendemos dos macacos. Es-tes têm rabo, os grandes primatas não (infe-lizmente não temos em nosso idioma termos separados, como em inglês, em que monkeys designa aqueles com cauda e apes os sem cauda).

Classificada como a superfamília

homi-noidea surgiu há cerca de 20 milhões de anos,

tendo os orangotangos sido os primeiros a se mudar para mais longe há 14 milhões, os gorilas se separaram depois, há 7,5 milhões e, finalmente, os ancestrais dos chipanzés e bonobos e os ancestrais dos seres humanos pediram as contas e foram morar separados há meros 5,5 milhões de anos. Já chipanzés e bonobos se separaram entre um milhão e meio de anos ou talvez bem menos. Em ter-mos evolutivos e na história dos mamíferos essas distâncias são mínimas. Todos os pri-mos compartilham entre si 97% do DNA, sendo que com os de primeiro grau — chi-panzés e bonobos — temos 98,4% de DNA igual.

Importante que se acentue que os estudos comparados, desde a genética até o compor-tamento e a sociologia dos grandes primatas, nada tiveram em comum com o nascimento de pretensos saberes como a sociobiologia e a psicologia evolutiva. A primeira nasceu do estudo das abelhas. Partindo daí, a segunda pegou alguns dogmas pseudodarwiania-2. Os temas do olfato, do bipedismo e sua relação com

a repressão são retomados várias vezes, até serem extensamente discutidos em O mal-estar na

civiliza-ção, publicação de 1930 (FREUD, 1978). Há que

to-mar cuidado com a imprecisão dos termos repressão (Unterdrückung) e recalque (Verdrändung), ainda mais nas edições brasileiras, calcadas na inglesa e que traduzem ambos os termos por “repressão”. Em princípio repressão diferiria de recalque por ser este último inconsciente, contudo mencionam Laplanche e Pontalis no Vocabulário de psicanálise que repressão “é um termo cujo uso é mal codificado” (1978, p. 419). Apesar de nos atermos no presente texto ao termo “repressão” quando supomos que difere do recalque no texto freudiano, a descrição de Freud sobre olfato e bipedismo relata uma conduta que é inconsciente-mente determinada.

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O primata perverso polimorfo

nos e com eles construiu extenso castelo de cartas, que nada mais é que uma nova ver-tente do antigo darwinismo social — inclu-sa sua ramificação nazista — e que, uinclu-sando supostas descobertas ditas da neurociência, racionaliza o neoliberalismo e o patriarcado como consequências necessárias da natureza humana. Os autores mais divulgados da pri-matologia duramente criticam e refutam esta tal psicologia (RYAN; JETHÁ, 2010; WAAL, 2013), cuja base epistemológica, aliás, é nula. Entre a existência de um gene e um compor-tamento específico todas as etapas interme-diárias entre material genético e funciona-mento cerebral são desconhecidas ou hipo-téticas. Fora que todos os fatores ambientais (leia-se aprendizado, sociedade e cultura) teriam de ser rigorosamente afastados por meio de pesquisas com população controle.

Retornando a nossos primos, as diferen-ças anatômicas entre os chipanzés e os bo-nobos são muito pequenas, exceto que os últimos possuem uma cabeleira partida ao meio. Mas as condutas sociais e sexuais são acentuadamente diferentes. Uma mudança geográfica, o aumento de volume do rio Zai-re há um milhão e meio de anos ou menos fez com que um grupo de antepassados de ambas as espécies ficasse ao norte do rio, se-parado de outro ao sul. Os do norte sofreram mudanças climáticas e ambientais mais ri-gorosas, enquanto os do sul tiveram sorte de uma ambiente mais estável. Logo os antepas-sados dos chipanzés modernos evoluíram mais rápido do que os dos atuais bonobos, levando a hipótese de que estes estejam mais próximos do que teriam sido os antepassa-dos tanto de chipanzés quanto antepassa-dos humanos (KANO, 1992).

Falando sobre os chipanzés

Os chipanzés, tendo permanecido ao norte, onde as florestas diminuíram e a savana au-mentou, tiveram de descer bastante das ár-vores para apelar para a caça. Têm uma dieta onívora, mas apreciam mais uma boa carne e caçam em grupos liderados por um macho

alfa, e podem ser muito agressivos. São pa-triarcais, hierarquizados, poligínicos (várias fêmeas para um macho), embora, com fre-quência, fêmeas mais velhas conquistem po-sição de relevo. Apesar de bem menores que os seres humanos, e extremamente fortes, os chipanzés podem ser mortais. Ao contrário do se apregoa, os homens não são os únicos animais que matam os de sua própria espécie por prazer. Chipanzés executam ‘chipanzecí-dios’ em tribos rivais sem benefício aparente. Apesar dessas características que podem parecer muito humanas e moralmente ne-gativas, têm uma sociedade com qualidades até pouco consideradas restritas aos primos humanos: ajudam velhos e doentes, fêmeas, e até machos adotam filhotes de pais que morrem, utilizam e são capazes de inventar instrumentos simples que transmitem a ge-rações seguintes. Possuem a capacidade de empatizar com os sentimentos de outros do mesmo grupo e mesmo com seres humanos, quando com eles estabelecem bom relacio-namento. Pode-se falar até de luto quando perdem os mais próximos. A empatia, isto é a capacidade de se identificar com sentimen-tos dos outros, também permite que sejam extremamente manipuladores dos sentimen-tos alheios. Logo, os chipanzés são excelen-tes políticos, formando alianças e golpes em uma sociedade muito hierarquizada. Em um ambiente mais hostil que seus primos bo-nobos, os chipanzés tiveram de restringir a sexualidade quase que somente à reprodu-ção. Tanto pelo fato de que durante a cópula qualquer animal se torna vulnerável (para um predador a caça de dois a preço de um), quanto para manter, entre os machos, a orga-nização social necessária à caça com o míni-mo de conflitos.

Entre outras qualidades, os chipanzés também emitem sons com significados ain-da não conhecidos e se reconhecem entre si pelos sons e pela voz. Identificam a própria imagem num espelho e são capazes de reco-nhecer dezenas, até centenas de outros chi-panzés por meio de fotografias. Isto é, têm

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O primata perverso polimorfo

um grau surpreendente de individualidade, mas não um núcleo familiar como o conhe-cemos. Os filhotes são criados apenas com a mãe e os irmãos, frequentemente num grupo isolado do grupo principal.

Mas é relatado que um macho adulto ja-mais copula com sua mãe biológica ou ado-tiva, assim como é descrito que, se criado com uma irmã, biológica ou não, também não terá relações sexuais com ela. A figura de pai é desconhecida. Mas sexo entre os pais e suas filhas biológicas é evitado, porque as chipanzés fêmeas jovens saem em busca de outros grupos de sua espécie. Contudo, a se-xualidade é focada apenas na reprodução e muito limitada se comparada à dos bonobos e humanos. A relação sexual é sempre ma-cho/fêmea e com a penetração por detrás. Bonobos: uma pouca vergonha!

Os bonobos, ao contrário, têm uma dieta pre-dominantemente de frutas, são igualitários, não violentos e matriarcais. Têm as mesmas habilidades sonoras e o reconhecimento da própria imagem no espelho que seus primos chipanzés. Apelidados de anarquistas ou

hi-ppies da floresta, não são especialistas em

política. Permanecendo em um meio menos hostil que seus primos chipanzés, puderam se dedicar mais ao prazer do que à caça. Mas sua metade ao sul do rio, se por um lado, for-nece grande quantidade de frutos, estes mu-dam sua concentração geográfica com certa rapidez, o que fez com que os bonobos tives-sem de se organizar em grupos maiores que os chipanzés. Grupos capazes de se deslocar inteiros e rapidamente, inclusive com fêmeas e filhotes. Isso justificaria uma organização social completamente diferente dos chipan-zés.

Durante décadas foram escondidos por seus primos humanos nos zoológicos, dada a suposta imoralidade de conduta. Por mais incrível que pareça, exceto para os psicana-listas, que são especialistas em detectar o re-calque sexual, os bonobos como espécie só foram identificados em 1929. O estudo dos

bonobos ficou décadas atrás do dos chipan-zés porque biólogos e estudiosos humanos tinham vergonha de pesquisá-los. Imagine-se relatar suas descobertas em público. Ex-pô-los em zoológicos, nem pensar.

Os bonobos resolvem todos os conflitos através do sexo. São especialistas em beijo de língua (qualidade também dos chipanzés), atingem o orgasmo inúmeras vezes ao dia. As fêmeas são sempre sexualmente receptivas, estejam férteis ou não. Ao contrário de todas as dos demais primatas, exceto na espécie humana, as fêmeas também têm o desenvol-vimento de seios, não muito grandes, que em ambas as espécies não têm nenhuma utilida-de na amamentação; é apenas um atrativo sexual. Um excitante bastante razoável do ponto de vista evolutivo, uma vez que prati-cam o coito frontal, preferência quase exclu-siva, na qual são os únicos primatas além dos humanos (talvez um menos exclusivo nessa escolha). Além do beijo de língua, bonobos são especialistas em: sexo oral, masturbação mútua, vários tipos de frotteurismo, mas não é relatado coito anal.

A principal fama (ou má fama) dos bo-nobos entre os humanos se dá por sua extre-ma frequência de todos os tipos de relações sexuais, independentemente do sexo do(a) parceiro(a). Não se pode falar de homosse-xualidade na acepção de uma opção exclu-siva, porque todos os bonobos são comple-tamente e muito freudianamente bissexuais. Ao contrário dos chipanzés, cujas fêmeas se tornam incapazes de sexo por anos após cada parto, as fêmeas bonobos rapidamente voltam à atividade.

Logo, nos bonobos a sexualidade não somente extrapola completamente a repro-dução ao contrário dos chipanzés, exímios e hierarquicamente fixados políticos, todos os vínculos sociais e todos os conflitos são explicitamente cimentados e resolvidos com sexo. Sendo dominantes, as fêmeas resolvem conflitos de poder e outros com sexo entre elas. O status social dos machos deriva do de sua mãe.

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O primata perverso polimorfo

Se extrapolássemos conceitos humanos como pedofilia, os bonobos seriam acusados de realizá-la, mas sem cópula, começando com a estimulação genital nos bebês. Con-tudo também possuem a restrição absoluta ao sexo adulto genital com penetração entre mãe e filho dos chipanzés.

Nascimento do tabu do incesto?

Para os psicanalistas o que mais chama a atenção no comportamento com os primos é a existência do ‘núcleo duro’ do tabu do in-cesto tal como foi descrito por Lévi-Strauss (1982) nos seres humanos. Nenhuma cultu-ra humana conhecida, presente ou passada, admitiu relações sexuais mãe-filho. As rela-ções pai-filha não são proibidas em muitas culturas, tal com não o são no Levítico. O limite entre comportamentos inatos e adqui-ridos atinge aqui seu limite. Em outras tantas culturas como a egípcia, durante milênios o casamento entre irmãos era a regra na famí-lia real e na nobreza, principalmente porque a linhagem real passava por via materna. Os faraós precisavam se casar com suas irmãs porque elas seriam as verdadeiras herdeiras do trono. Esse costume permaneceu até a conquista grega e romana do Egito. A últi-ma rainha, a famosa Cleópatra VII, antes de conhecer César e Marco Antônio, foi casada com dois de seus irmãos.

Apesar de tudo, em muitos aspectos Freud ainda era homem de seu tempo. Bem euro-cêntrico como todo bom europeu, sua obra se fundamenta numa separação rígida entre natureza e cultura. O mito do pai primevo e a origem da proibição do incesto em Totem e

Tabu (FREUD, 1978) caracterizariam o

mo-mento exclusivamente humano da passagem de natureza a cultura. Foi a ideia que seguiu o pai da antropologia cultural. Mas exclama o primatólogo mais conhecido, Frans de Waal (2013): “quão longe do alvo estava Lévi-S-trauss” (WAAL, 2013, p. 71). Contudo, como escreveu outro dos principais primatólogos, descrito pelo mesmo Waal como o cientista japonês que por mais tempo com bonobos

em seu meu meio ambiente, Takaioshi Kano (1992):

[...] mecanismos psicológicos e sociais para evitar o incesto existem em todos os primatas [...] a sociedade primata evoluiu ao longo de um eixo de “evitação do incesto” [...] longe de ser comportamento avançado único, humana-mente produzido, evitação do incesto é com-portamento que surgiu ao longo da evolução primata (KANO, 1992, p. 2).

O tabu do incesto entre mãe-filho de nos-sos primos pode ser explicado tanto biológi-ca quanto psicologibiológi-camente. Possivelmente ambas as explicações se complementam.

Chipanzés não se tornam adultos pelo menos antes dos doze anos. Quase o mes-mo ocorre entre os bonobos, cujas fêmeas se tornam sexualmente maduras por volta dos nove anos e são consideradas adultas entre os treze ou quatorze anos, quando costumam ter sua primeira cria. Em ambas as espécies os filhotes são amamentados por quatro a cinco anos (chipanzés há relatos de até seis anos).

A longa infância está muito próxima da duração entre os humanos, e a amamentação em muito excede nossos costumes atuais. Com uma década de infância, uma depen-dência absoluta da mãe nos primeiros anos e possuidores de um córtex apenas menor que o dos humanos e de alguns mamíferos ma-rinhos, se desenvolve extensa memória do período infantil. Sem se esquecer do vínculo afetivo estabelecido na amamentação com mãe e filho se entreolhando.

A memória infantil se sobreporia sobre o corpo adulto. Isto é, diante de um filhote já adulto, a mãe sempre o reconheceria como filhote e, diante da mãe, o filhote sempre se comportaria como filhote. Como mencionou Freud em Totem e Tabu ao se referir ao que impediria o incesto de filhos com suas mães: uma “imagem inalterada dela preservada em seu inconsciente” (FREUD, [1913] 1978, p. 16). Não sabemos se essa característica

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O primata perverso polimorfo

giu primeiramente no antepassado comum entre chipanzés e bonobos, ou primeiro nos antepassados dos seres humanos. Ou de um antepassado comum a todos. De modo que permanece em aberto o prêmio de quem foi o primeiro neurótico na história da evolução. Feminismo primata ou primevo?

Em uma época que se usa a neurociência para justificar o comportamento humano como inato, a primatologia vai no sentido contrário. A conduta sexual dos bonobos, as estratégias políticas e de caça dos chipanzés, a invenção de instrumentos, a capacidade de aprender símbolos geométricos são algumas das características que embasam a afirmação de que “comportamento inato é coisa rara em nossos parentes mais próximos” (WAAL, 2007, p. 149). A afirmação tão repetida pela psicologia evolutiva de que os homens pre-ferem mulheres jovens porque estão mais aptas a reproduzir bem, e as mulheres prefe-rem homens mais velhos e de status elevado porque serão bons provedores para seus fi-lhos não encontra eco na observação de nos-sos primos. Bonobos e chipanzés preferem companheiras totalmente maduras. No caso dos chipanzés, em que a sexualidade é mui-to mais rarefeita que nos bonobos e apesar da figura do poderoso chefão no macho alfa, as jovens suam um bocado para conseguir sexo até com os betas. Um Berlusconi e suas prostitutas adolescentes são criação exclusi-vamente humana.

Nos dois nossos primos as fêmeas pos-suem francas preferências em relação à busca de parceiros. Mesmo no caso dos chipanzés, patriarcais e submetidos a um macho alfa, frequentemente a astúcia feminina ajuda as fêmeas a eleger um parceiro nada alfa e a en-rolar o chefão. O que caracteriza chipanzés fêmeas, e muito mais suas primas bonobos, é dar mais importância ao seu prazer sexual do que a supostas características genéticas úteis para a prole. Mas os chipanzés machos alfas compartilham a obsessão masculina humana com a fidelidade feminina e, quando tomam

o poder, ficam com as fêmeas e simplesmen-te matam os filhosimplesmen-tes do alfa deposto (aqui, sim, há um comportamento inato, uma vez que não é possível nenhuma noção de pater-nidade).

Já os bonobos machos não estão nem aí para política e conquistas violentas de poder. Comunitariamente ajudam filhotes de todos, ainda mais que suas fêmeas frequentemente são poliândricas e o vínculo de relação mais forte é exclusivamente mãe-filho, que, como vimos, é quase tão forte entre os chipanzés. Mas nestes os vínculos entre machos for-mando confrarias masculinas é o que detém o poder.

Se, por um lado, os bonobos fornecem subsídios para a defesa freudiana da bissexua-lidade e da libido como mantenedora de to-dos os vínculos sociais (talvez o que também permita o maior vínculo entre os machos no caso dos chipanzés), por outro, parecem o pe-sadelo do patriarcado humano. Assemelha-se ao que poderia ter sido o matriarcado originá-rio defendido por Bachofen, citado por Freud em Totem e tabu. Período anterior à atual cul-tura patriarcal, à prevalência do monoteísmo, ao maior desenvolvimento da agricultura e ao nascimento da escrita.

Quem possui o sexo rei?

Claro que existem imensas diferenças entre os seres humanos, chipanzés e bonobos. Di-ferenças ainda maiores em relação a primos mais afastados como gorilas e orangotangos, e maiores ainda aos mais distantes gibões. Entre o sexo masculino e o sexo feminino, humanos têm um peso médio de 86/74 kg, chipanzés 40/35 kg, bonobos 35/32 kg, go-rilas 160/80 kg, orangotangos 75/37 kg e gibões10/10 kg. Nota-se que a variação de peso entre os sexos em humanos, chipanzés e bonobos é de 20%. Nos gorilas e orangotan-gos de 100%. Gibões machos e fêmeas têm o mesmo peso.

Espécies em que os machos são poligíni-cos e lutam violentamente entre si pelas fê-meas, que passam a ser propriedade exclusiva

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O primata perverso polimorfo

sua e passivamente são submetidas ao coito, os machos têm de ser grandes e fortes para lutar entre si. Donde gorilas e orangotangos machos têm o dobro do peso das fêmeas. Pouco importa que os primeiros tenham um pênis ereto de 3 cm e os segundos de 4 cm. Nos gibões, uma espécie que estabelece uma monogamia absoluta e não há competição entre os machos, os dois sexos são do mesmo peso e tamanho.

Já nós e nossos primos mais próximos te-mos uma variação de peso entre os dois sexos de 20%. Isso indica um grau leve de competi-ção entre os machos e certa tendência à po-liginia e poliandria, se não simultânea, pelo menos ao longo da vida. Para certos autores decididamente a monogamia humana total seria uma imposição antinatural (RYAN; JE-THÁ, 2010).

A obsessão freudiana com o pênis se tor-na digtor-na de nota quando se mede que os homens têm em média 13/18 cm, propor-cionalmente ao peso, o mesmo que bono-bos e chipanzés com 7,5 cm. Só que o ato sexual humano tem uma duração média de 474 segundos, enquanto o de nossos primos mais próximos dura entre 7 e 15 segundos. Orangotangos conseguem atingir 60 segun-dos, mas os campeões são os gorilas com 900 segundos. Do ponto de vista humano masculino os gorilas não parecem muito in-vejáveis já que se acasalam poucas vezes por ano e exclusivamente para reprodução, assim como pelos dados acima sobre as dimensões de seus genitais, sendo que os testículos são internos e do tamanho de um grão de feijão. Totem e tabu rebobinado

(Totem and taboo reloaded)

Retornemos à hipótese sobre a relação entre bipedismo e recalque, citada ao início, que demonstra como Freud se interessava tanto pelo darwinismo quanto pelo pelos aspectos físicos da antropogênese, que em Totem e

tabu é abordada a partir da origem do

com-plexo de Édipo. As descobertas sobre nossos primos chipanzés e bonobos tornam atual

que se repense vários aspectos dessa obra tão questionada de Freud.

Primeiro, se o tabu do incesto já existe sob a forma da proibição de relações sexuais mãe-filho, nuclear segundo Lévi-Strauss, nossos primos não dispõem de uma figura paterna. Segundo, há que pensar que a des-crição da horda primeva e o assassinato do pai primevo, segundo Freud, constitui uma narrativa bem machista, homem que era de seu século. As mulheres não têm nenhuma participação no ato de fundação da passa-gem do natural ao cultural no mito freu-diano. Está implícito que constituem mero objeto do desejo dos machos, sem nenhuma vontade própria. Para Freud mulher e cultu-ra ecultu-ram antagônicas a partir do próprio ato de fundação da humanidade.

O estudo de chipanzés e bonobos mostra que, ao contrário, a figura materna e seu tabu do incesto são anteriores ao nascimento da figura paterna, mesmo que tenha sido essa a grande criação do processo de antropogê-nese humano. Chipanzés e bonobos fêmeas não são nada passivas, levantando a hipóte-se de que o mito descrito em Totem e tabu tenha de ser atualizado em relação ao papel ativo do feminino: possivelmente instigaram os machos a alianças ou traições entre eles, formaram vínculos eróticos ou tanáticos não só com o outro sexo, mas entre elas mesmas, quem sabe, não deram até mesmo uma mão-zinha no assassinato do pai primevo? Mes-mo considerando-se que Freud não poderia inteiramente deixar de ser um homem for-mado pelo patriarcado de seu tempo, por um momento questionou se “[...] aqui não poderia estar o germe do matriarcado, des-crito por Bachofen que por sua vez foi substi-tuído pela organização patriarcal da família” (FREUD, 1978, p. 144).

Desse modo, o mito de Freud e Lacan de uma lei instituída somente pelo sexo mascu-lino deve ser criticado. Em nossos primos há um esboço de lei que é passado pela mãe: o sentimento de fraternidade e cooperação en-tre os irmãos.

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Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 40 | p. 21–30 | Dezembro/2013 28

O primata perverso polimorfo

Também existe a hipótese de que, tendo os chipanzés passado parcialmente à sava-na e necessitando se organizar para a caça, a pressão evolutiva que sofreram foi maior que a dos bonobos. Segundo Kano (1992) tudo in-dica que os bonobos tenham mudado menos que os chipanzés em relação ao antepassado comum de todas as três espécies. Logo, os an-cestrais dos humanos, embora possam não ter tido uma sexualidade tão efusiva quanto a dos bonobos atuais, provavelmente não a tinham restrita à reprodução, nem tão dominada pe-los machos quanto a dos atuais chipanzés.

Freud chegou a indagar se a aliança en-tre os irmãos para o assassinato do pai pri-mevo poderia ter sido ‘baseada em atos ou sentimentos homossexuais, talvez origina-dos durante o período de expulsão da horda’ (FREUD, 1978, p. 144). Tendo por funda-mento a hipótese de que os ancestrais hu-manos teriam características próximas aos atuais bonobos, algo completamente desco-nhecido por Freud, pode-se pensar que não houve um aumento, mas apenas o resultado de uma já existente disposição a dade. E sabemos como o tema da bissexuali-dade era caro a Freud.

Os antepassados dos seres humanos tive-ram de abandonar completamente a vida ar-borícola em favor da savana. A luta pela so-brevivência em um meio mais hostil fez com que sofressem uma pressão evolutiva muito maior que seus primos: donde o bipedismo completo e uma organização social muito mais complexa para a caça. Organização da qual faz parte uma atividade sexual perma-nente, muito mais rica e mais diversificada do que a dos chipanzés. Ao mesmo tempo, o bipedismo, tornando os genitais à mostra, teria sido um dos fundadores da repressão. Defende Freud em O mal-estar na civilização

(Civilization and its discontents):

Os genitais também produzem uma forte sen-sação de cheiro que muitos não podem tolerar e que lhes estraga a relação sexual. Assim deve-mos achar a raiz mais profunda da repressão

sexual, que avança junto com a civilização, como sendo a defesa orgânica da nova forma de vida alcançada pela postura ereta do ho-mem, contrária a sua existência animal ante-rior (FREUD, 1978, p. 106).

Além da complexidade das relações afe-tivas e eróticas, a ampliação da teia social só teria sido possível pelo desenvolvimento da laringe humana. Nossos primos nem de longe possuem algo parecido. Por outro lado, tornou o pescoço comprido do ser humano extremamente vulnerável para qualquer ini-migo, humano ou não. Além disso, a larin-ge comprida frequentemente confunde sua função fonadora, com a de respiração e a de alimentação. Antes da era dos antibióticos um engasgo não resolvido possivelmente conduzia a uma pneumonia fatal. Se houve alguma vantagem, foi a criação de um órgão riquíssimo para o que nos torna mais huma-nos: a fala. A incapacidade em produzir sons complexos faz com todas as tentativas de en-sinar linguagem a nossos primos sejam por meio de blocos e símbolos visuais.

Resta a especular, retornando à questão do bipedismo completo, sua relação com a repressão sexual e o recalque, sem o qual não haveria linguagem humana, com sua in-finita combinatória de um número finito de elementos. Sem recalque e recombinação de significantes e significados não haveria in-consciente, logo não existiriam: arte, poesia, o sonho infinito (outros mamíferos sonham, mas enredos fixos, e nossos primos, o que so-nham ainda não se sabe), a infinita gama das emoções e sentimentos humanos, neurose e loucura.

Além do recalque e do complexo de Édi-po, criação freudiana primordial é o conceito de pulsão em oposição ao de instinto. Mas não é um psicanalista, e sim o primatologista mais conhecido, que, falando de nossos pri-mos, descreve:

A beleza de um sistema de respostas emocio-nais sobre um sistema instintual é a de que seu

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O primata perverso polimorfo

resultado não está escrito em uma pedra. O termo ‘instinto’ refere-se a uma programação genética que diz aos animais, ou seres huma-nos, como agir de um modo específico sobre cir-cunstâncias específicas. As emoções, por outro lado produzem mudanças internas, juntamen-te com a avaliação da situação e o julgamento das opções. Não está claro se os seres humanos e outros primatas possuem instintos no sentido específico, mas não há dúvida de que possuem emoções. [...] uma interface inteligente que media entre a entrada (input) e saída (output) tomando por base o que é mais importante para o organismo em determinado momento (WAAL, 2013, p. 152-153).

Conclusão: o schizo humano

As pesquisas sobre os grandes primatas, posteriores à obra freudiana, podem sub-sidiar hipóteses instigantes do fundador da psicanálise. Não é exclusividade nossa o co-mentário de que, tendo a linhagem humana se separado daquela dos antepassados dos chipanzés e bonobos, que só depois se divi-diram em duas espécies, os seres humanos partilham uma mistura das características dos dois primos. Basta reler os parágrafos acima. Somos tanáticos como os chipanzés e libidinosos como os bonobos.

Ou quase tão libidinosos. Ao contrário dos de nossos primos que agregam deze-nas e pouco mais de uma centena de indi-víduos, os grupamentos passaram da ordem da centena, chegando ao milhar e hoje são da ordem de milhões. Além da linguagem hipercomplexa, a organização social exigiu novas formas de recalque tanto da sexuali-dade quanto da agressivisexuali-dade que, segundo Freud foram utilizadas através dos processos sublimatórios, a favor da cultura.

Mas as formas de repressão sexual extre-ma, tal como a preconizada pelos monoteís-mos, principalmente na doutrina católica, de relações sexuais exclusivas para a repro-dução, e sem concupiscência, só seriam pos-síveis se fôssemos chipanzés. Modo de re-pressão, bem seja lembrado, historicamente

recente (LOPES, 2011). Podemos acrescen-tar que o monoteísmo teria surgido como derradeiro meio de o patriarcado manter seu domínio. Se estudos contemporâneos bus-cam explicar como funcionam, também há que repensá-los em sua gênese. Mais do que a coerência de sua obra, houve uma intuição de Freud nessa direção, que o conduziu a de-dicar seus últimos escritos à crítica radical de ambos. Mesmo assim, a lei paterna tal como apresentada por Freud e Lacan, que muitas vezes descambou em defesa de ideias grotes-cas, necessita de uma revisão crítica ainda mais cuidadosa.

Mesmo que fosse possível uma sexuali-dade restrita à reprodução, como defendem algumas religiões, temos de lembrar que os chipanzés não são monogâmicos. A relação da diferença de tamanho entre os dois sexos nos seres humanos conduz à afirmação te-nazmente defendida por Ryan e Jethá (2010) de que não somos uma espécie exclusiva-mente monogâmica, mas — discretaexclusiva-mente ou não tanto — polígama. A empederni-da defesa freudiana empederni-da bissexualiempederni-dade, hoje anátema até para organizações de defesa dos direitos homossexuais, encontra eco na an-cestralidade comum aos bonobos.

Por outro, a passagem à savana, à seme-lhança dos chipanzés, conduziu a um reforço das tendências agressivas, visto que o sucesso demográfico dos seres humanos funcionou, apesar de seu preço altíssimo em termos de guerras e destruição do meio ambiente.

De um lado Maquiavel, Sade, Nietzsche e o Freud mais pessimista; do outro, Freud em sua vertente mais light, Kinsey, Lennon e algumas feministas. Decididamente somos uma espécie que precisa de psicanalistas.

Abstract

Influence of Darwin on Freudian thought. Present knowledge about the evolution of the apes. Discoveries made over last decades about chimpanzees and bonobos behaviour. An appraisal between these species sexual and

Referências

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