Regina
SalvadorA existncia de um mercado nico de
bens,
servios, capital
e mo-de-obra tornou-se simultaneamente uma evidncia e um axiomainquestionvel
para a teoria econmica dominante. Aglobalizao
dos mercados mundiaisapresenta-se
como uma forma material deter minante dainquestionabilidade
terica dopensamento
econmico neo-liberal. Converteu-se numamundividncia,
isto,
narepresenta
o
econmica dominante.Contribui para o
prognstico
que vaticina o fim dos Estados nacionais.Propala-se
o fim de uma era, o fim da histria como espao de conflitos.Estas duas ltimas
afirmaes,
embora nopertenam
ao discur so da teoriaeconmica,
integram-na
como tendncias inevitveis ou como leis naturais inexorveis quepermitem
opleno
funcionamento do mercado universal anunciado.O
completo falhano
das economias socialistas e adesintegrao
geo-poltica
doImprio
Sovitico corroboram as tendncias acima mencionadas.Contudo,
o modelo reducionista darepresentao
neo-clssicahegemnica
revelafragilidades epistemolgicas
e carcterapologti
co: no resiste ao confronto com a realidade. A verso actualizada do "homus economicus" sofre srios reveses ao se defrontar com areconhecida presena de factores no-econmicos na
explanao
dosRevistada Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, n." 10, Lisboa, Edies Colibri, 1997,
fenmenos econmicos
contemporneos.
O crescimento das economias asiticas ou o
impacto
das economiasparalelas,
introduz dvidassobre o carcter unidimensional da
explicao
contida na teoria eco nmica dominante.Os seus alicerces tericos so facilmente abalados por
qualquer
corrente de arsoprada pela
filosofia das cinciasinstitucionalmente
aceites-Popper,
Lakator, Kuhn; ou de economistas sensveis a questes
metodolgicas
comoWassily
Leontief,
JoanRobinson,
Nicholas Kaldor e, mais recentemente, PaulKrugman.
Com
efeito,
o "consensus deWashington",
nomepela
qual
conhecida afraco
hegemnica
do bloco depoder
teoricamentedominante da
galxia
neo-liberal,enquadra-se perfeitamente
na definio
deideologia, consagrada
pela sociologia
do conhecimento.Os vazios
metodolgicos
e os visveiscompromissos ideolgicos
acabaram por chamar aateno
de membros da comunidade cientfica. Dentre eles
destaca-se,
comovimos,
o Prof. PaulKrugman
do MIT, conhecidopelas
suaspolmicas
econtestao
ao discurso econmico dominante.Notabilizou-se h trs anos, numa discusso com os acessores do Presidente Clinton. Escreveu uma dezena de livros onde
pe
em causa os aspectos consensuais daexplicao
econmicavigente.
As suas crticas so to mais
expressivas
quanto elas surgem deum economista do "establishment" neo-clssico. No se trata de nenhum radical ansioso por
pr
em causa ospostulados
da economia de mercado. Muitopelo
contrrio.Possui,
mesmo, slidaformao
matemtica. As suas crticas so,porm,
contundentes. Desdobra-seem
acusaes
s correntesdominantes,
acusando-as de se afastarem da realidadeemprica.
Sublinha o facto da economia internacionalignorar
o espaogeogrfico,
alocalizao,
a distncia: ela fornecepois,
explicaes
formalmentesofisticadas,
mas ilusrias eininteligveis.
A mundaneidade das anlises de
conjuntura,
que ele denominade "economia de
aeroporto"
ou dos"ups
and downs" televisivos,competem com o excessivo formalismo matemtico, denominado de "economia
grega".
O regresso ao
ontolgico
(ao
"Dasein" deHeidegger),
o retorno ao realemprico,
numaperspectiva
dacomplexidade
e da causalidade sistmica revela a necessidade dareintroduo
daproblemtica
doespao na
explicao
terica.Ora,
aconcentrao
daproduo
um facto que se constata noeste fenmeno a
partir
de mapas em que asespigas
detrigo
assinalam asregies
agrcolas
e as indstrias sorepresentadas
por fbricas de chaminsfumegantes.
Seria,
pois,
de esperar que ageografia
econmica,
isto , o estudo da"localizao
daproduo
noespao"
estivesse no centro daproduo
terica da cincia econmica. Mas tal no o caso.Veja-se,
porexemplo,
o mais famoso manual de economia de todos os tempos: falamos do livro "Economia" de Paul Samuelson(eW.
Nordhaus)
que vaij
na sua 14a.Edio.
No seu ndice no encontramos nem uma nica referncia aos termos"localizao",
"economia
espacial"
ou"geografia
econmica"...Quais
as causas para uma to gravenegligncia,
to mais espantosa
quanto
vivemos num mundo cheio deinvestigadores procurando
desesperadamente
por temas de interesse?Mark
Blaug
diz tratar-se de um"major puzzle"
que ele atribui aofacto de a literatura tradicional nestas matrias ser alem (Von
Thiinen,
Launhardt,Christaller,
Weber,
Lsch),
dondeignorada pela
correnteanglo-saxnica
dominante. Estaexplicao
demasiadosimplista,
para alm de no fazerjustia
a,pelo
menos, duas tentativas hercleas de colocar a economiaespacial
no centro dasatenes.
A
primeiro
grande
tentativa deve-se a WalterIsard,
fundador da "cinciaregional".
Nos anos50,
Isard traduziu paraingls
quase todas as obras fundamentais da escola alem, para alm depublicar
uma vasta obraoriginal.
No seu livro referncia "Location andSpace
Economy",
defende quechegada
a altura de a economia deixar deser uma "wonderland of no
spatial
dimensions".Segundo
Isard, as empresasoptariam
entre custos deproduo
e custos detransporte
da mesma forma que emqualquer
outro processo demaximizao
dolucro.
Assim,
alocalizao
deveria passar a ser vista como uma varivel de escolha("trade-off")
a incluir num modelo deequilbrio
geral.
Contudo,
Isard nuncaconseguiu
apresentar
umexemplo
de um modelo locacional deequilbrio geral:
para tal teria de levar em linha de conta mercados em concorrnciaimperfeita
e rendimentos crescentes. Ora os instrumentos analticos
disponveis,
ao tempo, no o per mitiam.Apesar
do seu insucesso na rea da teoriaeconmica,
a obra de W.Isard deuorigem
"cinciaregional":
trata-se de um domnio eclctico que rene um vastoconjunto
de tcnicas, de extrema utili dade em diversasreas,
nomeadamente para oplaneamento
regional.
Contudo,
apesar dogrande
interesseprtico
da cinciaregional,
Isardno
conseguiu
torn-la num corpo tericointegrado
e consistente. Asegunda grande
tentativa para introduzir o elemento"espao"
na anlise econmica foi feitapela
"nova economia urbana" dos anos 60 e 70.Preocupada
com a estruturaespacial
interna dascidades,
asua anlise
partia
de uma cidade mono-cntrica em que parte dapopulao
tinha de se deslocarregularmente
a esse centro (CBD-"Central Business
District").
Procurava-se ento identificar opadro
do uso e das rendas do solo volta desse centro, nomeadamente apartir
dadeterminao
de uma curva deequilbrio
das rendas emfuno
das distncias ao centro.Trata-se, no fundo, de um "Von Thnen revisitado" com as mesmas
qualidades
e as mesmas deficincias do modelooriginal:
se, por um lado, temos umquadro geral
do modo como o mercado fun ciona relativamente ao recurso escasso"espao",
por outrolado,
notemos nenhuma
explicao
para oaparecimento
inicial do centro(CBD).
Existe ainda uma outra razo para o insucesso desta nova econo mia urbana. Muitas das
grandes metrpoles,
nomeadamente as cida des da "TerceiraVaga"
(Los
Angeles,
Boston/Estrada128, Seattle),
evoluram no sentido oposto ao
previsto
nomodelo,
com o desenvol vimento simultneo de vrios ncleos nasperiferias.
Ora, como sublinha Paul
Krugman,
aquesto
essencial est emsaber onde se vo localizar os centros urbanos
competitivos, precisa
mente a
questo
que os modelos " la" Von Thnenignoram.
A razo fundamental de todos estes insucessos, assim como a causa para a
negligncia
dasquestes
espaciais
por parte da cinciaeconmica radica-se em dois conceitos bsicos: o conceito de livre concorrncia e o conceito de rendimentos constantes escala.
Trata-se de duas ideias que esto
profundamente
enraizadas nasorigens
do pensamento econmico.A ideia de livre concorrncia radica-se em Adam Smith e no nfase no
princpio
da "mo invisvel", isto , na existncia de uma estrutura que ordena o resultado dasforas
de mercado.Os rendimentos constantes escala referem-se ao caso em que uma
variao
de todos os factoresprodutivos
leva a umaigual
variao
daproduo.
Porexemplo,
se o trabalho, ocapital,
a terra e os restantes factoresduplicam
ento aproduo
tambm deverduplicar.
Grande parte das indstrias tradicionais intensivas em mo--de-obra-o artesanato,
por
exemplo
-apresentam,
naprtica,
rendi mentos constantes escala.Mas para se
poder
comear a analisar asquestes
delocalizao
espacial
tem de se abandonar estashipteses
de rendimentos constan tes escala e de concorrnciaperfeita.
Aconcentrao
geogrfica
daproduo
umademonstrao
clara da existncia de rendimentoscrescentes escala: ora acontece que estes rendimentos crescentes
escala so mais difceis de modelizar.
Ao
longo
dos tempos, a economiaseguiu
a lei do "mnimo esfor o matemtico":aquilo
que nopode
ser modelizvelignorado.
Foi o que aconteceu com ageografia
econmica,
cada vez mais empur rada para aperiferia
dainvestigao
cientfica.Mas os tempos mudaram: os anos 70 e 80 assistiram
elaborao
de um corpo terico consistente emorganizao
industrial,
capaz de fornecer umconjunto
de modelos de concorrnciaimperfeita,
com rendimentos crescentes escala.O recurso a estes novos instrumentos de anlise veio revolucio-nar outras reas que "acordaram" mais cedo. E o caso da verdadeira
revoluo
por que passou a economiainternacional,
que abandonou a sua tradicionalexplicao
do comrcio com base nas vantagens comparativas tipo-Ricardo,
para passar a basear-se em"vantagens
competitivas"
largamente
derivadas das economias de escala e das economias deaglomerao.
E
igualmente
o caso da teoria de desenvolvimento econmico que, apartir
do trabalhopioneiro
de Paul Romer tem desenvolvidouma srie de modelos inovadores que tm chamado a
ateno
para aimportncia
de factores como ocapital
humano e o progresso tecnolgico.
pois chegado
o momento de ageoeconomia
passar a utilizar rendimentos crescentes escala epr
fim ao que Kaldor chamava "the irrelevance ofequilibrium
economics". Uma dasprimeiras
tentativas deconstruo
de um modelo deequilbrio geral
com rendimentos crescentesescala,
concorrnciaimperfeita,
custos detransporte
e mobilidade de factores deve-se a PaulKrugman.
Krugman
considera uma economia com vriospontos
de localizao
(variao
discreta),
ainda que chamando aateno
para a pos sibilidade-e o interesse - de estudar a
aglomerao
numa economiaespacial
contnua. Existem dois sectores: aagricultura, geografica
mente imvel e aindstria,
deslocalizvel aolongo
do tempo ainda que no de uma forma instantnea. A indstriaintegra
vrias empre sas queproduzem
produtos
diferenciados;
a existncia de rendimentose assim, que cada fbrica
produz
apenas um nico bem (na linha deWeber,
cada bemproduzido
numa nicalocalizao).
O
problema
bsico para cada uma das empresas consiste ento na escolha de umalocalizao
ptima,
tendo emateno
adistribuio
espacial
da procura e os custos de transporte.Numa
primeira fase, Krugman investiga
asoluo
doproblema
no curto prazo, isto,
quando
adistribuio espacial
da indstria dada. Como seria de esperar, conclui-se quealgumas
localizaes
so mais lucrativas do que outras,podendo-se
medir a maior ou menorapetncia
daslocalizaes
atravs de um ndice de mercadopotencial.
Vejamos
agora asoluo
nolongo
prazo. As empresas indus triais deslocalizam-se para pontos maisdesejados,
abandonando os pontos menos lucrativos. Ao fazeremisto,
alteram o mapa dos merca dospotenciais, reforando
as vantagens daslocalizaes preferidas.
O "cluster"
produtivo
que resulta deste processo-tipo
causali dade circular ou cumulativa-pode
ser visto como umaconsequncia
de umgnero
de economias externas " la" Marshall.Krugman
faz ainda umasurpreendente aproximao
teoria doslugares
centrais,
demonstrando com base no seumodelo,
que a dinmicaespacial
tende aproduzir
centros deaglomerao
unifor memente distribudos.Embora o
prprio Krugman reconhea
que este modelo umaprimeira
tentativa deincorporao
do novo instrumental analtico-por
exemplo,
seria interessante ageneralizao
do modelo a um nmero maior de sectores deslocalizveis - ele, certamente, uma
indicao categrica
da inverso de tendncia dageografia
econmica.
Concluses
A
geoeconomia,
com a retomada da"localizao
e da distncia" como variveisexplicativas,
revitaliza aexplanao
da teoria econ mica. O seu advento deverproduzir
resultados similares aos das contribuies
da histria econmica e das variveis dinmicas de Marshall para a teoria clssica.O recurso ao novo instrumental matemtico
disponvel
capaz de formalizar asquestes
econmico-espaciais
no abre o flanco ideologia
dominante que serefugia
nas matemticas parafugir
sexplica
es
da realidade econmica concreta.Assim,
viso de Antnio Machado de que "Caminante, nohay
heideg-geriana
dos caminhos do lenhador("holzwege").
H que desenhar mapas que nosajudaro
na travessia dafloresta,
afastando-nos dos "caminhos que no nos conduzem alugar
nenhum".Ou,
como disse noutro contexto Galileu: "H que ler no livro danatureza, mas com os olhos da matemtica".
A
geoeconomia
fornecer as escalas e ascoordenadas,
conver-tendo-se numahermenutica capaz deproporcionar
resultados eficazes.Abstract
The "homus economicus" version suffers from the confrontation with
the
recognized
presence of non-economic factors in thecxplanalion
ofcontemporary
phenomena.Its
theoretical basis iseasily
shakenby
anypuff
blown
by
thephilosophy
of science(Popper,
Lakator. Kuhn); orby
economists sensible to
methodological
issues (W.Leontic, J.Robinson,N.Kaldor and, more
recently,
P.Krugman).
The rcturn loontological
(Heidegger's
"Dasein") reveals the need to introduce location issues intotheoretical
explanation.The
theoretical revolution on industrialorganization
models of the 70's and 80's
finally provides
a set ofanalysis
tools that allowsthe introduction of "location and distance" into economic
theory.
Geoeconomics should