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Ano 2 (2016), nº 4, 801-826

DE RESPONSABILIDADE E SUA APLICAÇÃO

NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO

*

Giuliana Bonanno Schunck

**

Resumo: O presente artigo visa comentar a aplicação de cláu-sulas de limitação e exoneração de responsabilidade no Direito Civil brasileiro, especialmente considerando a ausência de pre-visão legal. Para tanto, iniciamos nossa análise com os funda-mentos para a validade da cláusula e o estudo da questão com base em nosso direito e no direito estrangeiro. Examinamos brevemente a possibilidade de exoneração da responsabilidade. Na sequência, passamos à análise da aplicação da cláusula de não indenizar não somente para os casos de obrigações advin-das de relação contratual, mas também para situações relativas a ilícitos extracontratuais. Fazemos, também, uma análise de outras cláusulas contratuais que se assemelham às cláusulas de exclusão e limitação de responsabilidade e, de alguma forma, limitam os direitos do credor, para uma análise comparativa e didática dos institutos e para demonstrarmos as peculiaridades e diferenças de cada uma delas. Depois disso, analisamos as hipóteses nas quais a doutrina brasileira, muitas vezes respal-dada pela doutrina estrangeira, não autoriza a aplicação de tais cláusulas em situações específicas que impedem que se atenue ou se exclua a responsabilidade da parte. Por fim, falaremos das cláusulas de não indenizar em contratos de adesão e a for-ma de sua aplicação e interpretação em tais contratos.

*

Artigo publicado na Revista de Direito Empresarial - RDEmp / Belo Horizonte, ano 9, n. 2, p. 189-210, maio/ago. 2012.

**

Advogada em São Paulo. Formada pela PUC-SP. Especialista em Direito Contra-tual pelo COGEAE (PUC-SP). Mestre e Doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

(2)

Abstract: This articles aims to comment the application of the limitation and exclusion of liability clauses in the Brazilian Civil Law, particularly in view of the lack of legal provisions in this regard. We will start our analysis commenting on the basis for the validity of such clauses in our legal system and in foreign system. We will examine briefly the possibility to complete exclude the liability from the debtor. Moving for-ward, our text analysis the possibility of agreeing with limita-tion or exclusion of liability clauses not only for obligalimita-tion that arise out of contracts, but also for obligation that arise out of the law. We also examine other contractual provisions that are similar to the exclusion or limitation clause and that somehow limits the creditor’s rights, in order to compare them for aca-demic purposes and to demonstrate the particularities and dif-ferences of each of them. Afterwards, we analyze the situations that do not allow the application of the exclusion and limitation clauses and the opinion of the Brazilian scholars about that, most of the times in line with foreign legal texts. We finish our text analyzing the application of the limitation and exclusion clauses in “adhesive” contracts - standard terms and conditions in which one of the parties did not have the opportunity to ne-gotiate – and the interpretation we should consider for the clauses in such cases.

Palavras-Chave: limitação – exoneração – responsabilidade – direito civil – possibilidades

Keywords: liability – limitation – exclusion - civil law – possi-bilities

Sumário: 1. Introdução. 2. Aplicações para responsabilidade contratual e extracontratual. 3. Análise de cláusulas semelhan-tes. 4. Restrições à validade das cláusulas de não indenizar. 4.1. Dolo ou culpa grave. 4.2. Norma de ordem pública. 4.3.

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Limi-tação ou exoneração em relação à obrigação principal. 4.4. Morte e lesão à integridade física. 5. Cláusula de não indenizar em contratos de adesão.

1. INTRODUÇÃO

s cláusulas de não indenizar são importante meca-nismo de alocação ou exclusão de riscos contratu-ais e muito utilizadas principalmente em contratos mais complexos e sofisticados.

Aqui iremos mencionar cláusulas de não

indenizar1 de forma geral, abarcando as cláusulas de limitação

e exoneração de responsabilidade de forma conjunta. Como bem discorre Wanderley Fernandes, muito se discute sobre a nomenclatura das cláusulas de limitação e exoneração de ponsabilidade, porque elas não liberariam propriamente a

res-ponsabilidade, mas, verdadeiramente, o dever de indenizar.2 De

fato isso é verdade, mas dado o costume que já se criou sobre o tema, entendemos não haver problemas em utilizar tais refe-rências quando necessário. Assim, trataremos em conjunto de tais cláusulas como cláusulas de não indenizar, ou trataremos de forma específica sobre a limitação ou exoneração, quando necessário.

Por não haver previsão expressa sobre sua possibilidade no Código Civil brasileiro há bastante discussão acerca de suas características e seus limites no Direito Civil. O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, veda expressamente a possibilidade de inserção de cláusulas de limitação ou exonera-ção de responsabilidades para contratos celebrados com con-sumidores pessoas físicas, mas prevê a possibilidade da limita-ção de responsabilidade, em casos justificados, para hipóteses

1

Essa, aliás, foi a opção de Aguiar Dias (Cláusula de não- indenizar. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976).

2

FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabili-dade. Tese, Universidade de São Paulo, 2011, p. 16/17.

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de consumidores pessoas jurídicas.

Na verdade, o CDC, em seu artigo 51, I, insere tal sula nas hipóteses de cláusula abusiva, assim taxando as cláu-sulas que impossibilitem, atenuem ou exonerem a responsabili-dade do fornecedor.

Dessa forma, havendo possibilidade de utilização ao menos da cláusula de limitação de responsabilidade em certos contratos de consumo, vemos que não haveria razão para se proibir referida cláusula em contratos civis.

Na falta de menção expressa de nosso Código Civil so-bre o assunto, entendemos que, por não haver proibição, as cláusulas seriam lícitas por conta da autonomia privada, desde que obviamente tratem de direitos disponíveis e não firam normas de ordem pública. Veremos mais a frente, porém, que não são apenas essas restrições que a doutrina mais abalizada prevê, mas também outras.

Como não há previsão em nosso direito sobre o assunto, nossa doutrina acaba se socorrendo do direito estrangeiro para análise da possibilidade de tais cláusulas e restrições.3 Passe-mos, então, a uma breve análise do direito estrangeiro sobre o assunto.

Nos Princípios de Direito Contratual Europeu existe a possibilidade de se inserir cláusulas que excluam ou restrinjam

3

Muito embora não haja texto expresso, entendemos interessante citar os seguintes dispositivos do Código que guardam relação com o assunto:

“Art. 448. Podem as partes, por cláusula expressa, reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.”

“Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excluden-te da responsabilidade.

Parágrafo único. É lícito ao transportador exigir a declaração do valor da bagagem a fim de fixar o limite da indenização.”

No Anteprojeto de CC do Caio Mario havia previsão de artigo expresso:

“Art. 924. A cláusula de não indenizar somente prevalecerá se for bilateralmente ajustada, e não contrariar lei expressa, a ordem pública e os bons costumes, e nem tiver por objeto eximir o agente dos efeitos do seu dolo.” (FERNANDES, Wander-ley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabilidade, p. 197.)

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remédios em caso de inexecução do contrato (Article 8:109), recomendando que estes possam ser excluídos ou restritos sal-vo se tal convenção for contrária à boa-fé e à lealdade na

nego-ciação (fair dealing).4

O Código Civil italiano, em seu artigo 12295, prevê a nulidade de qualquer pacto que exclui ou limita a responsabili-dade do devedor em casos de dolo ou culpa grave, além de pro-ibir a limitação ou exclusão quando a obrigação em comento seja derivada de norma de ordem pública.

O Código Civil português prevê, em seu artigo 800, 2, que:

“a responsabilidade pode ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que represen-tem a violação de deveres impostos por normas de ordem pú-blica.”

Na Alemanha admite-se a validade das cláusulas de li-mitação e exoneração de responsabilidade como expressão da liberdade contratual, vedada a exoneração ou limitação por falta intencional (artigo 276, 3, do BGB).

Como na França não há norma específica sobre o tema no Código Civil, a doutrina toma o fundamento da validade te tais cláusulas no princípio da autonomia privada, mas ainda assim não há unanimidade quanto à sua possibilidade,

fazendo-se uma análifazendo-se bastante criteriosa do caso concreto.6

O artigo 1102 do Código Civil espanhol declara nula a

4 FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabili-dade, p. 81.

5

“Art. 1229 Clausole di esonero da responsabilità

E' nullo qualsiasi patto che esclude o limita preventivamente la responsabilità del debitore per dolo o per colpa grave (1490, 1579, 1681, 1694, 1713, 1784, 1838, 1900).

E' nullo (1421 e seguenti) altresì qualsiasi patto preventivo di esonero o di limitazio-ne di responsabilità per i casi in cui il fatto del debitore o dei suoi ausiliari (1580) costituisca violazione di obblighi derivanti da norme di ordine pubblico (prel. 31).” 6

FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabili-dade, p. 285.

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renúncia à ação para reclamar perdas e danos decorrentes de responsabilidade derivada do ato doloso. O Código é silente sobre a culpa grave, mas doutrina e jurisprudência seguem a tradição da regra culpa lata dolo aequiparatur. Além do dolo, são incluídos os bons costumes e a ordem pública como limites à sua validade.7

Observando-se tais sistemas estrangeiros, não nos pare-ce razoável afirmar que, somente porque não há previsão espe-cífica da figura em nosso Código Civil ela não seria aplicável. Especialmente, se levarmos em conta a autonomia privada que é a base de todo o direito contratual.

Caio Mario da Silva Pereira afirma que:

“em qualquer caso, a declaração volitiva da não-indenização encontra fundamento na mesma razão determinante da força cogente das obrigações convencionais. E, enquanto permane-cer neste estado, e dentro destes limites, é lícita, pois legítimo será que um contrato, regulador de interesses pecuniários en-tre particulares, desobrigue o devedor das conseqüências de sua responsabilidade, sem lesão à ordem pública.”8

No entanto, há alguns doutrinadores que não aceitam a exoneração de responsabilidade, com base em suposta violação ao princípio da reparação integral: “Cabe, porém, referirmos que a limitação não pode ser total, pois seria vil e como tal não

admitida, já que se equipararia à exclusão.” 9

A exoneração, segundo quem defende tal impossibili-dade, importaria em descaracterização do próprio vínculo obri-gacional, tornando a obrigação uma obrigação natural. No en-tanto isso não é totalmente verdadeiro pelo fato de o credor ainda poder exigir, no caso de descumprimento, a execução

7

FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabili-dade, p. 292.

8

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. II. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense: 1999, p. 224.

9

LAUTENSCHLEGER JR., Nilson. Limitação de responsabilidade na prática con-tratual brasileira: permite-se no Brasil a racionalização dos riscos do negócio empre-sarial? Revista de Direito Mercantil, São Paulo, v. 41, n. 125, p. 7-24, jan./mar. 2002, p. 14.

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específica, alegar a exceção do contrato não cumprido e pedir a resolução se lhe for interessante. Assim, verifica-se que a exo-neração não desnatura propriamente a obrigação, muitas vezes ela só se vincula, de fato, com o dever de indenizar. Por isso apesar de num primeiro momento a exoneração parecer algo muito grave e que não deve ser aceito pelo direito, há casos em que a exoneração pode ser necessária, razão pela qual enten-demos ser muito importante a análise do caso concreto para se verificar porque as partes quiseram transferir integralmente o risco a um determinado contratante. Diferentemente da limita-ção, que compreende uma distribuição ou compartilhamento de risco entre as partes, a exoneração é transferência integral do risco, que pode se mostrar necessária diante da dinâmica da contratação em alguns casos específicos.

Podemos dizer que a doutrina dominante, porém, en-tende ser possível a exoneração de responsabilidade, desde que, evidentemente, observados alguns outros critérios, que serão

explorados adiante10. Aguiar Dias afirma que, se a cláusula

penal:

“legalmente autoriza e atinge, praticamente, o resultado obje-tivado por aquela – a cláusula de irresponsabilidade -, se o as-pecto irrisório não estabelece a sua nulidade, pois a jurispru-dência a tem sempre reconhecido – menciona o autor em nota que refere-se à jurisprudência francesa -, só por formalismo hipócrita se pode continuar a rejeitar a cláusula de irrespon-sabilidade pura e simples.” 11

O próprio STJ já entendeu ser possível a exoneração quando recair sobre direito disponível e não ferir a ordem pú-blica, em voto vista do Ministro Waldemar Zveiter, que

10 MELLO, Adriana Mandim Theodoro de. Cláusula de Não Indenizar. In: Processo Civil: Novas Tendências: Estudos em Homenagem ao Professor Humberto Thedoro Júnior. JAYME, Fernando Gonzaga et al (Coord.). Belo Horizonte: Del Rey, 2008; PERES, Fábio Henrique. Cláusulas contratuais excludentes e limitativas do dever de indenizar. São Paulo: Quartier Latin, 2009; FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabilidade.

11

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sentou o entendimento da maioria dos Ministros.12 Segundo registrou-se em tal acórdão:

“Isso porque, tratando-se de direito disponível, a clausula de irresponsabilidade é emanação da liberdade de contratar, to-davia, sujeita-se as restrições impostas pela ordem publica. Só pode ser estipulada quando a regra legal aplicável, me-ramente supletiva da vontade das partes, admite a livre mani-festação destas.”

Dessa forma, entendemos ser possível não somente a limitação de responsabilidade, mas, também, a exoneração, sendo necessário então verificarmos quais seriam a situações em que tais cláusulas têm validade e quais seriam aquelas em que se pode afirmar que a cláusula é nula.

Antes de adentrarmos, porém, o estudo das situações que não autorizam a aplicação da cláusula de não indenizar, iremos analisar brevemente a aplicação de tais cláusulas para responsabilidade contratual e extracontratual e faremos tam-bém a análise de cláusulas estudadas pela doutrina como cláu-sulas que se assemelham às cláucláu-sulas de não indenizar, para melhor estudo da figura e suas características.

2. APLICAÇÕES PARA RESPONSABILIDADE CONTRA-TUAL E EXTRACONTRACONTRA-TUAL

As cláusulas de não indenizar devem sempre ser acor-dadas expressamente pelas partes para que sejam válidas. Mais adiante veremos inclusive que para a plena validade de tais cláusulas o ideal é que as partes estejam negociando em igual-dade de condições, sendo que, por exemplo, a inserção de tais cláusulas em contratos de adesão deverá sempre ser analisada caso a caso para que se verifique que a parte contratante que aceitou tal restrição o tenha feito livremente e tenha

12

Recurso Especial 13.027-RJ, 3ª Turma, Relator Waldemar Zveiter, 22.10.1991. O STJ também entendeu ser possível a limitação em caso de transporte marítimo, já que havia contrapartida a parte que sofreria a limitação: Recurso Especial 39.082-6, 2ª Turma, Relator Fontes de Alencar, 9.11.1994.

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dido a restrição adequadamente.

Nada obsta, porém, que as partes concordem em limitar ou exonerar também responsabilidades extracontratuais. Evi-dentemente, as partes deverão sempre firmar contrato relativo à cláusula de não indenizar, para que ela tenha valor, mas esse contrato/acordo poderá trazer limitações relativas a responsabi-lidades que nasçam da lei e não de contratos. Além disso, po-dem se tratar de contratos que possuam o sinalagma atenuado, principalmente nos casos de contratos associativos.

Esse não é o foco de nosso estudo, mas entendemos ser relevante traçar aqui brevemente essas considerações para que nosso estudo fique completo.

Os exemplos mais clássicos de limitação ou exoneração de responsabilidades extracontratuais são aqueles relativos a direitos de vizinhança. Aguiar Dias já citava tal possibilidade

em seu Cláusula de não-indenizar13, citando o exemplo do

in-dustrial que sabe que sua usina pode causar danos a terceiros, o titular do direito de caça que não ignora danos as culturas ou plantações (mas me parece que esse direito seria derivado de um contrato com o proprietário da terra), vizinhos poderiam renunciar mutuamente a estragos que seus animais de criação ou caça façam nos seus terrenos, etc.

Segundo Wanderley Fernandes:

“A doutrina tem considerado a pré-existência de uma relação jurídica entre as partes como critério razoável para a caracte-rização da responsabilidade contratual. (...) Em outras pala-vras, entendemos que as cláusulas de exoneração, ou de limi-tação de responsabilidade, dizem sempre respeito a relação preexistente, seja de natureza contratual ou não (como a res-ponsabilidade pré-contratual, relações de vizinhança e outras hipóteses que serão analisadas mais adiante quando cuidar-mos, especificamente, da aplicabilidade das cláusulas à res-ponsabilidade extra-contratual).”14

13

Aguiar Dias. Cláusula de não-indenizar, p. 243-244. 14

FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabili-dade, p. 77-78.

(10)

Em nossa opinião, exemplo clássico de tal possibilidade são as convenções de condomínio ou os documentos associati-vos de clubes. Em tais situações, nada mais razoável do que as partes – que, frise-se, não são contratantes, mas convivem com base em um documento associativo – limitarem ou excluírem suas responsabilidades em determinadas hipóteses que elas já possam prever de antemão que, se ocorrerem, elas não querem ser responsabilizadas.

No mesmo sentido, Fábio Henrique Peres afirma que: “Não obstante encontrar menor repercussão e efeitos práticos do que no domínio negocial, múltiplos efeitos podem ser da-dos de aplicação da cláusula de não indeniza na esfera extra-contratual, notadamente no tocante a relações de vizinhança ou caracterizadas por uma especial proximidade entre os inte-ressados.”15

No próprio Recurso Especial 13.027-RJ, já citado ante-riormente, o STJ admitiu a validade de tal cláusula em conven-ção de condomínio:

“CIVIL - CONVENÇÃO DE CONDOMINIO - INDENIZA-ÇÃO - CLAUSULA DE IRRESPONSABILIDADE.

I - Danos causados a veículos, em estacionamento de

condo-mínio cuja convenção contém clausula de não indenizar, não são ressarcíveis. Isso porque, tratando-se de direito

disponí-vel, a clausula de irresponsabilidade e emanação da liberdade de contratar, todavia, sujeita-se as restrições impostas pela or-dem publica. Só pode ser estipulada quando a regra legal aplicável, meramente supletiva da vontade das partes, admite a livre manifestação destas.

II - Recurso não conhecido.” (grifamos) 3. ANÁLISE DE CLÁUSULAS SEMELHANTES

As cláusulas de não indenizar possuem diversas cláusu-las similares no sentido de limitar os direitos do credor. Ana Prata trata todas elas como se fossem próprias limitações de

15

PERES, Fabio Henrique. Cláusulas Contratuais Excludentes e Limitativas do Dever de Indenizar, p. 121.

(11)

responsabilidade mesmo, incluindo a limitação do quantum

indenizatório como uma espécie16. Muito embora a doutrina

trate de inúmeras cláusulas que se assemelhariam às cláusulas de não indenizar, trataremos aqui das que consideramos mais relevantes para nosso estudo de características semelhantes com as cláusulas de não indenizar, apenas com o intuito ilustra-tivo e comparailustra-tivo, já que não temos a intenção, muito menos condições de esgotar esta análise em um artigo científico que não tem esse foco.

A primeira cláusula semelhante de que trataremos é a cláusula que limita a prescrição. A análise dessa cláusula é bas-tante comum na doutrina estrangeira e tinha maior sentido em estudar-se no nosso direito na vigência do Código Civil de 1916. Atualmente, a discussão acabou perdendo um pouco o sentido, tendo em vista que o Código Civil de 2002 trouxe dis-posição expressa sobre a impossibilidade de alterar-se a crição por acordo entre as partes: “Art. 192. Os prazos de pres-crição não podem ser alterados por acordo das partes.”

Analisando o assunto, o STJ entendeu que dilação do prazo prescricional é situação que deve ser repelida, sob pena

de tratar de possibilidade de modificação casuística. 17

Dessa forma, para nosso direito já não é relevante anali-sar-se a possibilidade de alterar-se os prazos prescricionais como forma de limitação do direito do credor.

Outra cláusula mencionada pela doutrina como limita-dora do direito do credor é a cláusula que altera as regras do ônus da prova. Aqui obviamente não podemos tratar de direito do consumidor, já que seria uma afronta ao CDC, lei de ordem

16 PRATA, Ana. Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratu-al. Coimbra: Almedina, 1985, p. 86-102.

17

“4. A alteração do prazo de apresentação do cheque pós-datado implicaria na dilação do prazo prescricional do título, situação que deve ser repelida, visto que infringiria o artigo 192 do Código Civil. Assentir com a tese exposta no especial, seria anuir com a possibilidade da modificação casuística do lapso prescricional, em razão de cada pacto realizado pelas partes.” (AgRg no Ag 1159272 / DF)

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pública, alterar-se as regras de ônus da prova. Nos termos do artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor, as normas de proteção e defesa do consumidor estabelecidas pelo Código são de ordem pública e interesse social, não podendo ser afastadas, portanto, pela vontade das partes.

Porém, tratando-se de contratos puramente civis, não haveria empecilho para que as partes, querendo, alterassem as regras de distribuição do ônus da prova. Vale lembrar que o artigo 333, Parágrafo Único, do Código de Processo Civil, dis-põe que é nula a convenção que distribui de maneira diversa do estabelecido no caput, quando recai sobre direito indisponível ou torna excessivamente difícil o exercício do direito da parte. Não recaindo, porém, sobre tais exceções, a cláusula que altera as regras do ônus da prova deve ser considerada válida.

Outro tipo de cláusula que se assemelha às cláusulas de não indenizar é aquela que limita o remédio disponível ao cre-dor em caso de inexecução da obrigação pelo devecre-dor. Várias podem ser as limitações contidas nesse tipo de cláusula, que deixa ao credor apenas algumas medidas como forma de se opor ao inadimplemento do devedor.

A primeira possibilidade seria a da cláusula que proíbe a execução específica da obrigação. Assim, havendo descum-primento da obrigação, não pode o credor ir a juízo para com-pelir o devedor a prestar a obrigação nos moldes convenciona-dos. Note que aqui, tem-se uma verdadeira limitação ao direito de o credor de ver prestada a obrigação. Caberia ao credor ape-nas exigir perdas e danos. Esse tipo de cláusula acaba tornando o cumprimento da obrigação uma verdadeira faculdade / opção do devedor, que se preferir, pode apenas indenizar. Retira-se do devedor a obrigatoriedade de cumprir sua obrigação, tornando o cumprimento da obrigação uma condição potestativa do de-vedor. Obviamente que esse tipo de cláusula não poderá ser inserida em contratos não paritários ou, ainda, em contratos de adesão ou que tenham algum tipo de desigualdade manifesta, já

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que serão consideradas inválidas per se. Alguns tipos de con-tratações mais sofisticadas e que tenham alguma razão para conter essa limitação possam talvez justificá-la, razão pela qual também não podemos taxá-la de inválida a priori.

Outra cláusula limitativa dos direitos do credor é aquela que proíbe a devolução do bem e desfazimento do negócio em caso de vício redibitório, ou seja, na hipótese de ocorrência de vício redibitório, o credor pode pedir apenas o abatimento do preço, nos moldes dispostos no Código Civil, não sendo uma faculdade devolver o bem. Evidentemente que tal convenção não teria valor no caso de contratações consumeristas, tendo em vista o critério cogente do CDC.

Outra possibilidade de cláusula que limita os direitos do credor é aquela que proíbe que, em caso de execução, a penho-ra recaia sobre todos os bens indistintamente do devedor, fa-zendo com que algum bem responda especificamente sobre a obrigação, ou ainda, que algum bem fique expressamente ex-cluído, não podendo ser atingido em caso de penhora que tenha por origem o inadimplemento do contrato. Não vemos nenhu-ma invalidade de tal contratação, a priori, até porque muito se equipara com os casos de garantias dadas pelo devedor frente a determinadas obrigações. Ora, se podem as partes convencio-nar que, em caso de inadimplemento da obrigação determinado bem responda primariamente na execução (tal como nos casos de penhor e hipoteca), não nos parece absurda tal forma de limitação. Novamente, porém, será necessária uma análise caso a caso, especialmente para se verificar se as partes estavam em condições de igualdade no momento da contratação e se tal limitação não trouxe prejuízos ao credor mais fraco na relação contratual. Para os casos de consumidores, parece-nos que nos casos de pessoas jurídicas e, desde que feita uma análise casu-ística sobre a questão, a cláusula pode ter validade.

Por fim, cabe-nos fazer a análise da cláusula penal compensatória, instituto bastante similar à cláusula de

(14)

limita-ção de responsabilidade, previsto expressamente em nosso or-denamento e muito utilizado. Inicialmente veremos as seme-lhanças entre a figura da cláusula penal e a figura da cláusula de limitação de responsabilidade. Pois bem; a cláusula penal compensatória também representa forma de alteração do regi-me geral da responsabilidade civil. Isso porque representa o valor máximo da indenização a ser requerida pelo credor em caso de inadimplemento e, quando seu valor não for suficiente para cobrir os danos, terá o mesmo efeito prático da

limita-ção.18 Vale lembrar que, para o caso da cláusula penal

compen-satória, o credor só poderá exigir indenização suplementar se assim for convencionado entre as partes. Caso contrário aquele será o limite máximo da indenização ainda que o valor das

per-das e danos do credor ultrapasse aquele valor convencionado.19

A cláusula penal compensatória possui, porém, algumas diferenças básicas da cláusula de limitação de responsabilida-de. Inicialmente, nos termos do artigo 416 do Código Civil, é necessário destacar que, uma vez descumprida a obrigação, o credor pode requerê-la em sua integralidade, não sendo neces-sário comprovar o montante de seu prejuízo. Ainda que tenha sofrido prejuízo bastante inferior ao valor convencionado, o credor terá o direito de exigir o valor integral acordado, sem a necessidade de comprovar as perdas e danos. Já na hipótese de

18

“Ou seja, a cláusula penal, assim como a cláusula de não-indenizar, representa forma de alteração convencional do regime geral da responsabilidade contratual. Esse argumento serve ao propósito de afastar a objeção de que são de ordem pública os princípios da responsabilidade civil e que é nula a renúncia prévia ao direito à indenização integral.” (FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limi-tação de responsabilidade, p. 94.)

19

“Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimple-mento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.” “Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.

Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.”

(15)

as partes terem convencionado cláusula de limitação de respon-sabilidade, o credor não se desincumbe de comprovar seu pre-juízo e só será indenizado pelos danos efetivamente sofridos, respeitado o limite convencionado.

4. RESTRIÇÕES À VALIDADE DAS CLÁUSULAS DE NÃO INDENIZAR

Quem primeiro enumerou as hipóteses de restrição à

va-lidade da cláusula de não indenizar foi Aguiar Dias.20 Para

re-ferido autor, seriam nulas as cláusulas de não indenizar quan-do: (a) decorre de dolo do agente; (b) quando a exoneração de responsabilidade é proibida por norma de ordem pública; (c) quando diz respeito à obrigação principal; e (d) quando se rela-ciona à vida ou integridade física das pessoas naturais. Antonio Junqueira de Azevedo praticamente repete tais restrições à va-lidade de tais cláusulas21.

Dessa forma, consideraremos tais restrições em nosso estudo, embora existam outros autores que considerem restri-ções diferentes tais como: (i) quando ela for unilateralmente imposta; (ii) quando estiver em colisão com preceito de ordem pública; (iii) quando for instituída em desigualdade de posição das partes (por exemplo, no contrato de adesão); (iv) quando for estipulada para afastar ou transferir obrigações essenciais do contratante; ou (v) quando tiver por escopo de eximir dolo

20

“Essas quatro exceções à validade das cláusulas ora objeto de análise já tinham sido enumeradas por José de Aguiar Dias e têm sido reiteradas sem muita discussão. Esta tese, além de consolidar o reconhecimento da validade das cláusulas no país, tem também por propósito discutir cada uma das exceções enumeradas acima, para, de maneira crítica, avaliar o seu sentido e extensão de aplicabilidade ao tema.” (FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabilida-de, p. 14.)

21

AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Cláusula cruzada de não-indenizar (cross waiver of liability), ou cláusula de não indenizar com eficácia para ambos os contra-tantes. Renúncia ao direito de indenização. Promessa de fato de terceiro. Estipulação em favor de terceiros. In Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Editora Saraiva, 2004. p. 201.

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ou culpa grave do estipulante.22 4.1. DOLO OU CULPA GRAVE

Com já discorremos na introdução de nosso estudo, vá-rios são os Códigos estrangeiros que restringem a validade de cláusulas de não indenizar para as hipóteses de dolo e culpa grave.

A restrição da aplicação da cláusula nos casos de dolo parece fazer sentido, pois caso contrário retiraria a responsabi-lidade daquele que dolosamente deixa de cumprir a obrigação, ficando essa obrigação esvaziada. Ainda, se formos considerar os casos de responsabilidade extracontratual, especialmente direitos de vizinhança, o ato doloso fica sem reprimenda, já que seu causador não responde pelos danos. Parece inclusive con-trário a moral e ordem pública. Para Ana Prata, aceitar-se a cláusula de não indenizar em casos de dolo ou culpa grave

tor-na a condição absolutamente potestativa.23 Entretanto, não

concordamos inteiramente com tal afirmação, porque apenas se retira a obrigação de indenizar, mantendo-se as demais conse-quências do inadimplemento (como inclusive já discorremos mais acima).

Para Wanderley Fernandes, aceitar-se tal hipótese fere inclusive a função econômico-social do contrato que reside na criação e circulação de riqueza. Além disso, agentes integram relações complexas baseadas na confiança de que as promessas serão cumpridas. Segundo o autor:

“Parece-nos, portanto, que a matéria deverá ser analisada, sempre, sob a ótica do princípio da boa-fé e não,

22 MELLO, Adriana Mandim Theodoro de. Cláusula de Não Indenizar. In: Processo Civil: Novas Tendências: Estudos em Homenagem ao Professor Humberto Thedoro Júnior. JAYME, Fernando Gonzaga et al (Coord.). Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 23. PERES, Fabio Henrique. Cláusulas Contratuais Excludentes e Limitativas do Dever de Indenizar. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 129 e seguintes.

23

PRATA, Ana, Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratu-al, p. 286.

(17)

te, a partir de um preconceito, a priori, de que a cláusula de exoneração de responsabilidade integral importaria em des-truição da obrigação.”24

Verificamos, portanto, que não há muita dificuldade em aceitar a invalidade das cláusulas de não indenizar para o caso de dolo. Mas e para os casos de culpa grave? Há uma tradição da doutrina, desde o direito romano, de equiparar o dolo à

cul-pa grave: “culcul-pa lata dolo aequicul-paratur”25

. Mas não é fácil conceituar-se a culpa grave. Será que ela se aproximaria da culpa consciente, do direito penal?

Entendemos inicialmente que se deve levar em conta a especialização do contratante. Não se pode verificar a diligên-cia do bom pai de família e sim aquela esperada daquele pro-fissional ou contratante específico. A gravidade da culpa pode ser verificada para Ana Prata em função do dano ou do bem

tutelado, assim como do caráter reiterado do ilícito.26

Para Miguel Kfouri Neto a culpa grave é aquela come-tida com supina negligência, imperícia crassa e imprudência criminosa. Diferencia-se do dolo apenas por faltar o elemento intencional.27

Sergio Cavalieri Filho diz que:

“a culpa será grave se o agente atuar com grosseira falta de cautela, com descuido injustificável ao homem normal, im-próprio ao comum dos homens. É a culpa com previsão do re-sultado, também chamada culpa consciente, que se avizinha do dolo eventual no Direito Penal.”28

Antonio Junqueira de Azevedo ensina que:

“Se, na culpa grave, não está presente o elemento subjetivo

24

Cláusulas de exoneração e limitação de responsabilidade, p. 159. 25

FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabili-dade, p. 166.

26

Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual, p. 549. 27

KFOURI NETO, Miguel. Os artigos 944 e 945 do Novo Código Civil Brasileiro, grau de culpa e redução eqüitativa da indenização - Doutrina Cível. Revista Jurídica, Porto Alegre, v.52, n. 318, p. 60-67, abr. 2004, p. 63.

28

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 49.

(18)

característico do dolo (a intenção ou a assunção do risco de produzir o resultado danoso), ela se equipara ao dolo por con-ta da intensidade de negligência, isto é, da gravidade da desa-tenção para com os interesses da contraparte ou do interessa-do.”29

Embora a limitação ou exoneração contratual da res-ponsabilidade por dolo e culpa grave não seja expressamente proibida pela lei brasileira, já que nossa lei civil não trouxe disposições sobre a cláusula de não indenizar, para a grande maioria da doutrina, a validade das cláusulas limitadoras de danos causados por culpa grave é inaceitável. “Quanto mais censurável a conduta, maior a intensidade da responsabilida-de.”30

“Na atualidade, as cláusulas exonerativas do dever res-sarcitório continuam sendo rechaçadas se destinadas a afastar

responsabilidade decorrente de culpa grave ou dolo.” 31

Isso porque, aceitar-se o afastamento ou limitação de responsabilidade em caso de culpa grave levaria o causador do dano a ter uma postura inconsequente, que não evitaria o dano, simplesmente o levaria a agir sem a cautela necessária porque saberia que, não querendo causar o dano, estaria isento de sua responsabilidade, o que é um total absurdo, especialmente na sociedade atual que ressalta sempre a precaução e prevenção

do dano em primeiro lugar. 32

4.2. NORMA DE ORDEM PÚBLICA

Analisando as hipóteses de invalidade das cláusulas de não indenizar nos parece que não seria necessário destacar

29

Nulidade de cláusula limitativa de responsabilidade em caso de culpa grave. Caso de equiparação entre dolo e culpa grave. Configuração da culpa grave em caso de responsabilidade profissional, p. 431.

30

LAUTENSCHLEGER JR., Nilson. Limitação de responsabilidade na prática contratual brasileira: permite-se no Brasil a racionalização dos riscos do negócio empresarial?, p. 14.

31

MELLO, Adriana Mandim Theodoro de. Cláusula de Não Indenizar, p. 16. 32

LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010.

(19)

tre elas os casos de cláusulas que violem as normas de ordem pública, já que qualquer convenção, independentemente de seu caráter, será considerada nula se violar as normas de ordem pública.

No entanto, considerando que, como vimos no início desse estudo, são várias as legislações que contêm expressa-mente a hipótese de nulidade de tais cláusulas quando violem normas de ordem pública, parece-nos que a doutrina acabou por aderir à idéia de considerar a violação à norma de ordem pública como uma das situações específicas em que a cláusula deve ser considerada nula.

Frise-se que, dentro das hipóteses de violação à norma de ordem pública está também a invalidade das cláusulas quando afetam o direito à vida e a integridade física, que a dou-trina preferiu também estabelecer como uma das hipóteses “au-tônomas”, ainda que esteja evidentemente dentro da violação à norma de ordem pública, como veremos adiante.

Conforme afirma Wanderley Fernandes:

“Desde o início dos estudos a respeito das restrições à valida-de das cláusulas valida-de não-invalida-denizar, nos causou certa valida- desconfi-ança de que a repetição dessa restrição é desnecessária. Pri-meiro, se a regra é cogente, não há como negociar os seus termos, porém isso é verdadeiro para qualquer cláusula con-tratual.”33

4.3. LIMITAÇÃO OU EXONERAÇÃO EM RELAÇÃO À

OBRIGAÇÃO PRINCIPAL

Vários doutrinadores restringem a validade das cláusu-las de não indenizar quando ecláusu-las recaem sobre a obrigação principal. Antonio Junqueira de Azevedo, afirma expressamen-te que: “São nulas as cláusulas de não-indenizar que: “c) isen-tem de indenização o contratante, em caso de inadimplemento

33

FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabili-dade, p. 185.

(20)

da obrigação principal;”.34

Realmente, parece-nos numa primeira análise que o fato de a cláusula de não indenizar aproveitador o devedor quanto à sua obrigação principal poderia esvaziar o próprio conteúdo do contrato, deixando a critério exclusivo do devedor o cumpri-mento ou não de sua obrigação, o que poderia levar inclusive à interpretação de que o cumprimento da obrigação é uma condi-ção meramente potestativa e, portanto, nula no direito brasilei-ro, nos termos do artigo 122 do Código Civil.

No entanto, como já vimos acima acerca de outros te-mas, na verdade outras alternativas ainda restariam ao credor para ver sua obrigação satisfeita ou, de alguma forma, repudiar o inadimplemento da obrigação.

Dessa forma, entendemos que o simples fato de a cláu-sula de não indenizar recair sobre a obrigação principal não pode ser suficiente para que se invalide a cláusula aprioristica-mente.

Vale, também, ressaltar que há autores que defendem que, mesmo em casos de obrigações principais, não se pode generalizar e sustentar que a limitação seria automaticamente

inválida, sendo necessária uma análise mais detalhada.35

Para Wanderley Fernandes:

“Isso não significa dizer que toda cláusula relacionada ao descumprimento da obrigação principal será válida, pois de-verão ser avaliados todos os demais requisitos de validade, se-jam eles construídos pela doutrina ou pela jurisprudência. Significa, antes, reconhecer que, em se tratando de obrigação principal, não deverá ocorrer imediata nulidade, mas, aplican-do-se os critérios de sua validade, o intérprete deverá conside-rar todos os aspectos relevantes do caso concreto.”36

Concordamos com tal autor e entendemos que, por mais

34

Cláusulas cruzada de não-indenizar..., p. 201. 35

PERES, Fabio Henrique. Cláusulas Contratuais Excludentes e Limitativas do Dever de Indenizar, p. 184.

36

FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabili-dade, p. 191.

(21)

que uma análise apressada possa deixar transparecer que as cláusulas de não indenizar não devem ser aplicadas quando estivermos diante do próprio conteúdo da obrigação principal, entendemos que não se pode entender que referidas cláusulas serão inválidas per se, sem uma análise específica do caso con-creto e das implicações inerentes.

4.4 MORTE E LESÃO À INTEGRIDADE FÍSICA

O princípio de proteção à dignidade da pessoa humana foi consagrado na Constituição Federal como um dos pilares de nosso Estado Democrático de Direito e não é razoável admitir-se que considerações econômicas venham a admitir-se sobrepor a ele. O artigo 11 do Código Civil também estabelece que, salvo dis-posições legais em contrário, os direitos da personalidade, entre os quais se encontra a integridade física, “são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária”.

Assim, não são consideradas válidas cláusulas de não indenizar que tratem de situações de morte e lesão à integrida-de física. Pointegrida-de-se, inclusive, dizer que em tais casos a cláusula de não indenizar certamente feriria os princípios de ordem pú-blica, não sendo nem mesmo necessária a existência de um tópico específico sobre a invalidade de tais cláusulas em situa-ções como estas.

Para Wanderley Fernandes:

“Essa é, claramente, norma de ordem pública, de maneira que a nulidade das cláusulas que limitem ou exonerem o dever de indenizar em razão de danos à integridade física da pessoa humana é redundante com a restrição feita às disposições que violem normas de ordem pública.”37

No entanto, acreditamos que, dada a importância de preservação de tais bens essencialíssimos da pessoa humana,

37

FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabili-dade, p. 172.

(22)

quais sejam a vida e a integridade física, vários são os autores que de fato destacam a invalidade das cláusulas de não indeni-zar em tais casos.38

Por conta da proteção conferida à dignidade da pessoa humana e aos direitos personalíssimos, a cláusula de não inde-nizar também acaba encontrando obstáculo quando relativa à danos morais. Isso porque, acaba-se compreendendo que os danos morais, reflexo do princípio da dignidade da pessoa hu-mana e parte dos direitos da personalidade, não podem encon-trar limitação de ordem econômica.

Segundo Diego Carvalho Machado:

“Nesse passo, percebe-se a impossibilidade de simplesmente transplantar o esquema matemático da teoria da diferença pa-ra o terreno extpa-rapatrimonial e aplicá-lo como critério papa-ra a liquidação do mesmo. Se a reparação do dano moral é o ‘re-verso da medalha’ da dignidade da pessoa humana, visto que irrompe de sua violação, por consequência lógica, a limitação ou exclusão da indenização não parece tutelar a personalidade humana, mas, ao contrário, contribuir para o seu desrespei-to.”39

Não obstante a cláusula de não indenizar não ser válida quando trate de exclusão ou limitação de responsabilidade por danos sofridos em razão da morte ou violação à integridade física, como bem aponta Wanderley Fernandes, nada obsta que os contratantes a prevejam, não de forma a excluir ou limitar

38

Antonio Junqueira de Azevedo afirma que tais cláusulas seriam inválidas quando tratarem de direitos que “interessem diretamente à vida e à integridade física das pessoas naturais.” (Cláusula cruzada de não-indenizar..., p. 201.) No mesmo sentido, Ana Prata ensina que: “Um conjunto exemplificativo de bens jurídicos que logo ocorre ao falar da ordem pública é representado pela pessoal humana. Poder-se-á dizer que, verificando-se, em conseqüência da actividade executiva da obrigação por um representante legal ou auxiliar do devedor, a lesão da integridade física ou moral do credor, não pode prevalecer-se o devedor de cláusula exoneratória eventualmente constante do contrato para se furtar ao dever de indemnizar que o nº1 do art. 800º lhe impõe.” (Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual, p. 764).

39

MACHADO, Diego Carvalho. Notas sobre cláusulas de não-indenizar e limitati-vas do montante reparatório. In: Revista de Direito Privado, nº 35, São Paulo, Re-vista dos Tribunais, 2008, p.43-76, p. 71.

(23)

sua responsabilidade face à vítima do dano, mas, na verdade, distribuindo os riscos do contrato de forma a desde logo prever quem será responsável ou não pelos prejuízos que o contratante vier a sofrer se a vítima do dano requerer ressarcimento dela. Segundo o autor, comentando exemplo trazido por Antonio Junqueira de Azevedo:

“O convênio objeto do parecer envolvia o desenvolvimento de atividades científicas e as partes decidiram estabelecer um ‘sistema próprio de assunção de responsabilidade por suas

respectivas perdas e danos’. Tomando-se os prejuízos

materi-ais, em caso de acidente causado por profissionais de uma das partes e que dele decorra prejuízos para a outra, esta assumi-ria os próprios danos, renunciando a qualquer demanda para o recebimento de indenização, seja do profissional causador do dano ou de seu empregador. Cláusula absolutamente lícita. Trata-se de simples convenção sobre alocação dos riscos rela-tivos a danos patrimoniais.”40

Sobre a validade de referida cláusula em situações que envolvam morte ou lesão à integridade física vale comentar, ainda, a questão de exoneração de responsabilidade em casos de esportes radicais. É muito comum se verificar avisos pelos quais os fornecedores de tais serviços se eximem de responsa-bilidade em tais casos. No entanto, conforme afirma Wanderley Fernandes, seria necessário distinguir, como ensina Aguiar

Dias41, as hipóteses nas quais:

“‘a pessoa se converte, ela própria, em criador do risco ou do perigo, isto é, ela se associa aos demais, no estabelecimento da situação de que advém o dano’ em comparação com os ‘exploradores de praça de diversão’ que têm uma obrigação de incolumidade, ‘uma vez que não se compreende que a Administração conceda licença para a atividade em que põe em risco a vida ou a saúde dos cidadãos’”42.

Assim, nos casos de esportes radicais nos quais o

40

FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabili-dade, p. 177.

41

Cláusula de não-indenizar, p. 235-236. 42

FERNANDES, Wanderley. Cláusulas de exoneração e limitação de responsabili-dade, p. 180.

(24)

prio esportista assume os riscos inerentes, as cláusulas seriam válidas, já que o fornecedor dos serviços não cria ou aumenta nenhum risco. Porém, naqueles em que o risco está integral-mente associado aos serviços prestados, tal como no famoso exemplo do bungee jump, não há dúvida de que o fornecedor de serviços responderá, na medida em que, se o serviço fosse prestado de forma totalmente adequada, o dano não ocorreria.

A cláusula também deve ser considerada válida nos ca-sos de tratamentos experimentais, especialmente para doentes terminais. Nesses casos, não podem o hospital e os médicos garantirem que o tratamento não representará riscos. Porém, dada a falta de opção ao paciente, que muitas vezes não tem outros meio de cura, o tratamento experimental acaba se tor-nando interessante, ainda que possa trazer diversos riscos. 5. A CLÁUSULA DE NÃO INDENIZAR EM CONTRATOS DE ADESÃO

O artigo 424 do Código Civil prescreve que “Nos con-tratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renún-cia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”

Muito sustentam, com base nesse dispositivo, que não seriam válidas as cláusulas de não indenizar em contratos de adesão, tendo em vista a renúncia antecipada do aderente.

Entretanto, é necessário pensar se a indenização, per se, é direito resultante da natureza de todo e qualquer negócio. Entendemos que não. A parte não contrata para obter indeniza-ção, mas, na verdade, para ver a prestação cumprida, ter sua expectativa satisfeita. Assim, a análise precipitada desse dispo-sitivo poderia levar à conclusão de que em contratos de adesão as cláusulas de não indenizar seriam automaticamente nulas, com o que não concordamos.

(25)

pelo menos não aprioristicamente, a validade da cláusula de não indenizar.

Imperiosa, portanto, a análise do caso concreto, para que se possa verificar se, naquela oportunidade, mesmo sendo o contrato de adesão, a parte exerceu livremente seu direito de contratar, compreendeu e aceitou as limitações que estavam lhe sendo ali impostas. Aliás, cada vez mais ganha relevância “a

análise direcionada do caso concreto”, que passa a ser o

para-digma jurídico pós-moderno, conforme assevera Antonio

Jun-queira de Azevedo. 43

Nesse sentido, vale destacar que nem o Código de Defesa do Consumidor obstaculizou a validade de a cláusula de limitação de responsabilidade em contratos de adesão. Frise-se que, Frise-segundo o artigo 51, I, do CDC, a cláusula de limitação de responsabilidade é válida, desde que contratada com con-sumidores pessoas jurídicas e em situações justificáveis. Pela dinâmica das contratações consumeristas, vemos que é corrente a utilização de contratos de adesão. Ora, se nem no CDC, legis-lação protetiva, limitou a validade da cláusula de limitação de responsabilidade para contratos de adesão, não faria sentido

limitá-la por absoluto em contratos civis.44

Por essa razão, não nos parece razoável, fazendo uma transposição para o Código Civil, considerar que a cláusula de não indenizar é nula per se em todo e qualquer contrato de ade-são.

43AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Estudos e pareceres de direito privado, p. 60. 44

Segundo Rizzatto Nunes: “ É a que está relacionada à disposição que terá o con-sumidor-pessoa jurídica para abrir mão de parte de seu direito de garantia de indeni-zação. Por evidente, a negociação somente terá início se houver uma contrapartida por parte do fornecedor. Para este limitar seu direito de indenizar terá de oferecer algo em troca. Por exemplo, um bom desconto no preço, um maior prazo de paga-mento, a ampliação do tempo de garantia, etc. Assim, o consumidor pessoa jurídica estará em condições de entabular negociações com vistas à aquisição do produto ou serviço e inserção da cláusula contratual limitadora (...)” NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 50-51.

(26)

Ainda com relação aos contratos de adesão, vale desta-car a regra do artigo 423 do Código Civil, que estipula que “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.” Com base nessa regra, será necessário verificar se, sendo ambígua ou havendo qualquer contradição na cláusu-la de não indenizar, ecláusu-la foi estipucláusu-lada em detrimento do aderen-te e, em caso positivo, inaderen-terpretá-la da forma mais benéfica ao aderente.

Entretanto, não é correto simplesmente invalidá-la de plano, se for possível apenas interpretá-la de uma forma que seja mais favorável ao aderente. Portanto, a redação do artigo 423 também não é, por si só, justificativa para a invalidação automática da cláusula de não indenizar. Primeiramente, o arti-go só será aplicável se houver na cláusula ambiguidade ou con-tradição. Nesse caso, o intérprete deverá tentar interpretá-la da forma mais favorável ao aderente, sem que isso signifique a sua invalidação a priori.

Ainda, destacamos que, nos termos do artigo 114 do Código Civil, por tratar-se de renúncia à indenização ou, pelo menos, ao valor integral da indenização, tais cláusulas devem sempre ser interpretadas de forma restritiva, não se podendo ampliar seu conteúdo, especialmente em detrimento da vítima do dano.

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