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Academic year: 2020

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DE SERVITUTE

PHILOSOPHIAE*

JOSÉ REINALDO FELIPE MARTINS FILHO**

Resumo: tomando como pretexto o atual contexto da relação entre as áreas de filosofia e

teologia no âmbito da Pós-Graduação no Brasil, este texto pretende indicar uma leitura de viés integrador, segundo a qual é impossível desassociar a estrutura de raciocínio própria à filosofia do saber teológico. Em vista disso, reconstroi por meio de alguns exemplos o itinerário percorrido por estas duas disciplinas ao longo da história ocidental, elucidando, sempre que possível, o intercruzamento de seus olhares, a eleição comum de seus objetos e o entendimen-to de que ambas se constituem como legítimas formas de o ser humano se relacionar com o universo que o circunda.

Palavras-chave: Filosofia. Teologia. Articulação.

O

texto que segue constitui-se como uma livre reflexão a respeito do ocorrido no mês de agosto de 2016. Estando eu em minha casa, recebi o informativo mensal da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF) celebrando a então instaurada separação das áreas de filosofia e teologia, há muito solicitada, mas somente agora efetivada pela agência competente (neste caso, a Coordenação de Aperfei-çoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES). Os motivos para tal protrusão parecem ser variados, priorizando-se a diferença metodológica e de objetos adotada por ambas. A força de uma, poderia representar a fraqueza da outra – um sério dilema no momento de atribuição

* Recebido 04.09.2016. Aprovado em: 24.11.2016. Trabalho originalmente apresentado no VI Colóquio do Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás (IFITEG), ocorrido de 19 a 21 de outubro de 2016, cujo tema também abordava a relação entre filosofia e teologia.

** Doutorando em Ciências da Religião, pela PUC Goiás. Mestre em Filosofia e em Música, ambos pela Universidade Federal de Goiás. Especialista em Sociologia da Religião pelo Centro Universitário Claretiano. Graduado em Filosofia e Teologia. Professor no Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás (IFITEG) e na PUC Goiás. E-mail: jreinaldomartins@gmail.com

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das pontuações. Embora o mérito da ação empreendida, ao menos em termos valorativos, não possa ser por mim debatido neste momento (e há elementos legítimos, estou certo que sim!), pus-me a refletir sobre a possibilidade desta separação, sobretudo em vista da leitura de viés integrador adotada como base para a eleição destes dois cursos (e não de quaisquer outros) como fundamento para a formação intelectual dos candidatos ao ministério orde-nado em várias igrejas cristãs.

O DIÁLOGO ENTRE FÉ E RAZÃO: CREDO UT INTELLIGAM

Em 14 de setembro de 1998, Festa da Exaltação da Santa Cruz, o então papa João Paulo II, santo de feliz memória, promulgava sua carta encíclica intitulada Fides et Ratio, que procurava aprofundar-se na compreensão e na articulação destas duas forças motrizes do ho-mem. Já a epígrafe inserida na abertura do texto integral, inspirada em abundantes passagens da Sagrada Escritura, admoestava:

[...] a fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano

se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio (cf. Ex 33,18; Sal 27 (26), 8-9; 63 (62), 2-3;Jo14, 8;1Jo3, 2) (JOÃO PAULO II, 1998, n. 1).

Nada obstante, em se tratando da relação objetiva entre teologia e filosofia, in-teressam-nos particularmente os números 75, 76 e 77, nos quais o saudoso pontífice – re-conhecido, aliás, pela legitimidade de suas reflexões no âmbito da filosofia do direito e da teoria personalista – desenvolve o que ele próprio denomina como sendo os três estágios da filosofia relativamente à fé: a) em primeiro lugar a absoluta independência desta em relação à

revelação angélica – o tempo dos primeiros filósofos que, historicamente, desenvolveram seus

raciocínios já bem antes da Nova Era instaurada pelo nascimento do Redentor; b) o segun-do e, por sua vez, já posterior à Encarnação, refere-se à chamada filosofia cristã, abundante desde a patrística – com exemplos prodigiosos, como é o caso de Agostinho – até o início da modernidade, notadamente passando por Tomás de Aquino, referido pelo magistério como

o exemplo mister da filosofia dita cristã1; por último, diz João Paulo II, verifica-se o estágio no

qual é a própria teologia que chama em causa a filosofia, isto é, quando a teologia reconhece a necessidade da contribuição filosófica e a conclama.

É verdade que isso já ocorria desde a Patrística, quando se consagrou a antiga nomenclatura, recorrente em alguns autores, segundo a qual deve-se reconhecer a filosofia como ancilla da teologia. Sobre isso o papa Wojtyla (JOÃO PAULO II, 1998, n. 77) ofe-rece-nos uma interessante explicação:

[...] o título não foi atribuído para indicar uma submissão servil ou um papel puramente funcional da filosofia relativamente à teologia; mas no mesmo sentido em que Aristóte-les falava das ciências experimentais como “servas” da “filosofia primeira”. A expressão, hoje dificilmente utilizável devido aos princípios de autonomia antes mencionados, foi usada ao longo da história para indicar a necessidade da relação entre as duas ciências e a impossibilidade de uma sua separação. Se o teólogo se recusasse a utilizar a filosofia,

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arriscar-se-ia a fazer filosofia sem o saber e a fechar-se em estruturas de pensamento pouco idôneas à compreensão da fé. Se o filósofo, por sua vez, excluísse todo o contato com a teologia, ver-se-ia na obrigação de apoderar-se por conta própria dos conteúdos da fé cristã, como aconteceu com alguns filósofos modernos. Tanto num caso como noutro, surgiria o perigo da destruição dos princípios básicos de autonomia que cada ciência justamente quer ver garantidos.

Pelo fato de a filosofia se constituir como uma investigação fundamental da nature-za da realidade e do pensamento humano que com ela se relaciona, ao passo que a teologia se ocupa da natureza de Deus, da humanidade e da criação do homem, pode parecer inevitável que a teologia às vezes se expresse por meio de categorias estritamente filosóficas. De fato, caso tomemos em revista a história da teologia cristã, desde Tertuliano até Karl Barth, sempre houve uma linha de desconfiança segundo a qual é possível estabelecer algum vínculo posi-tivo entre a teologia cristã e os desdobramentos da filosofia. Ao mesmo tempo, os teólogos cristãos também estão corretos ao repudiar qualquer ameaça aos pilares fundamentais da fé, sobretudo quando os esforços dos filósofos não se inclinam a este compromisso – e sobre isso devemos ressaltar que, apesar de o contato entre filosofia e teologia poder resultar em benefí-cios para ambas, uma jamais poderá ser confundida com a outra, começando pelo fato de os filósofos não terem qualquer compromisso com a defesa da fé, mas com a verdade, se é que estas duas não se encontram em algum lugar.

Nesse sentido, também aqueles que se valem da filosofia podem fazê-lo com vistas à sua própria teologia. É sabido que desde os tempos mais remotos fora exigido dos cristãos a capacidade de dar razão à sua esperança (1Pd 3,15) e de distinguir a verdade revelada da heresia (1Jo 4,1). Não podemos também excluir o contado do cristianismo com a linguagem e a estrutura reflexiva de pensadores não cristãos a fim de contribuir em sua percepção de mundo (cf. At 17). Também hoje, caso a Igreja não se veja limitada à atividade de reprodução literal do mesmo reconhecer-se-ia, invariavelmente, obrigada a adotar, a dialogar e a adaptar formas contemporâneas de pensamento com vistas a uma investigação mais profunda da rea-lidade – quem sabe a fim de explicar algum aspecto da fé. Esse é o processo da fé que busca esclarecimento, conforme enfatiza a conhecida expressão atribuída a Santo Anselmo: “neque

enim quaero intelligere ut credam, sed credo ut intelligam” (“não quero saber para crer, mas crer

para saber”).

O teólogo se encontra em face de duas demandas dificilmente conciliáveis: a pri-meira se refere à crença de que as perguntas conceituais básicas devem, necessariamente, possuir uma resposta – Deus é, nesse caso, o eterno sujeito do tempo, a resposta para todas as demandas; a segunda se trata da constatação de que a Sagrada Escritura sozinha é bastante imprecisa em relação a estas questões, carecendo de ulteriores aprofundamentos para que, de fato, possa ser considerada “compreendida”. Realmente, a situação é bastante complexa, dado que grande parte da linguagem da Bíblia está dotada de sentido figurado e simbólico. Além disso, da relação – às vezes conflituosa – entre filosofia e teologia é possível aferir duas outras interfaces: o argumento filosófico se baseia unicamente na razão, apelando para as nor-mas lógicas dedutivas e indutivas; nor-mas também a razão adquiriu um significado normativo. Já Descartes sustentou que devia acreditar somente no que se pudesse perceber com clareza e exatidão – a clara et distincta perceptio – obtidas pelo entendimento e a intuição racional. Tal racionalismo, como denominou-se posteriormente, levou Descartes à conclusão de que

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podia duvidar de tudo, incluindo duvidar de todos os sistemas religiosos vigentes (note-se que também a teologia naquela ocasião havia sido posta em xeque por este autor), mas não da existência de Deus.

De maneira contrária Locke sustentaria que apenas é razoável crer naquilo que nos advém dos sentidos, o que também parece razoável. Tais apreciações racionais são certamente atrativas, dado que ninguém pode furtar-se a elas. No entanto, é preciso que se completem. O perigo teológico que está presente no racionalismo é o de reivindicar legitimidade a priori, sem que os dados da revelação estejam de acordo com suas próprias condições – quiçá as condições da razão. Tal perigo se acentua ainda mais no caso dos enfoques que privilegiam a uma teologia de matriz iluminista. Aqui não se trata simplesmente de que a razão impõe limites para a revelação, mas de dar nova forma a toda a teologia, inserindo-a numa perspec-tiva racional. O exemplo mais notável talvez seja o de Kant, aquele que negou impor a exis-tência de Deus sobre as bases da razão ou da revelação, senão como uma experiência moral. Para Kant a teleologia moral, que não é menos solidamente fundamentada do que a física, merece mesmo a preferência, pelo fato de assentar-se a priori em princípios inseparáveis da nossa razão e conduzir àquilo que é exigido para a possibilidade de uma teologia, isto é, de um conceito determinado da causa suprema como causa do mundo segundo leis morais, por conseguinte de uma causa tal que satisfaça o fim terminal moral. Para tanto são exigidas nada menos do que a onisciência, a onipotência, a onipresença etc., como qualidades naturais que lhe pertencem, as quais têm que ser pensadas numa ligação com o fim terminal moral – que é infinito – e, por conseguinte, a ele são adequadas. Desse modo, pode aquela teleologia por si só fornecer o conceito de um único autor do mundo apropriado a uma teologia (ver Crítica

à faculdade do juízo).

MAIS QUE UM OBJETO, UM OBJETIVO COMUM

É verdade que muitas outras semelhanças podem ser demarcadas entre filosofia e teologia. De maneira geral, ambas abordam temas em comum, ambas representam uma autêntica e profunda indagação sobre a realidade, indagação que ultrapassa os limites do palpável, da matéria física simplesmente dada. Assim, entre os principais temas, comuns tanto à teologia, quanto à filosofia, estão: a origem do mundo, a existência do espírito e a imortalidade do mesmo, a liberdade, a finalidade da vida humana, sua função na existência, os valores, a moral. Isso, diga-se de passagem, também não impede que haja distanciamen-tos entre ambas, começando pelo fundamento radical de uma e de outra. A filosofia re-pousa única e cegamente sobre a razão humana, nada que não seja demonstrável pela razão pode estar em seu núcleo. A teologia, ao contrário, sustenta suas afirmações especialmente a partir do princípio da fé, fé no revelado por Deus, fé na tradição empreendida desde temos imemoriáveis. Está, nos dizeres de Marion (2007), no ponto de confluência “entre o visível e o revelado”, embora nem sempre visível aos olhos dos sentidos. Justamente por isso acaba por conter muitas afirmações e conteúdos que não estão plenamente ao alcance da filosofia, dado o fato de excederem à razão. Este é o caso dos “mistérios” e dos “dogmas”. Nesse sentido, para o indivíduo que crê a teologia representa uma indagação ainda mais profunda que a filosofia.

Mas esta não é a única diferença entre ambas. Há, por último, que se considerar que, em termos pedagógicos a teologia se apresenta como um movimento mais completo que

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a filosofia porque compromete o ser humano integralmente. Enquanto a filosofia inclui o conhecimento das verdades e a teoria moral, a teologia supõe o conhecimento das verdades, a exigência da vida moral e a relação vital com Deus e os irmãos. Em resumo, teologia e filo-sofia se assemelham na capacidade de representarem, ambas, uma visão profunda dos temas que interessam a todo ser humano. Distinguem-se, apesar disso, por sua diferente base (fé e razão) e pelo maior alcance da teologia em relação à totalidade do ser humano – como efetiva exigência da relação.

Seria interessante observarmos o contato entre filosofia e teologia – a essa altura partindo de um olhar mais abrangente – tomando como exemplo a grande quantidade de filósofos que também foram teólogos, homens de profunda fé religiosa e que passaram con-tinuamente em seus escritos do universo filosófico ao teológico e vice versa. Basta lembrar, por exemplo, que os filósofos cristãos – sejam eles católicos ou protestantes – representam a grande maioria dos pensadores conhecidos na história. No caso destes homens, filosofia e teologia se complementaram de forma profundamente organizada e fecunda. A filosofia suge-rindo a base racional. A teologia agregando fé à visão da outra. Em um indivíduo que possui fé, porquanto, filosofia e teologia se complementam mutuamente.

Em segundo lugar, a revelação divina, como dissemos, requer ser compreendida à luz da razão. Todo homem se interroga a si mesmo, como fizeram os grandes povos da civilização humana: os gregos, os israelitas ou os orientais. Partindo do espanto inicial, todos estes chegaram a formar diferentes sistemas de pensamento, considerados hoje como integrantes e mantenedores do grande patrimônio espiritual da humanidade. Para alguns fundamentalistas, o movimento de centralização do indivíduo iniciado na modernidade de-poria contra o primado de Deus, mas estes casos não devem ser levados tão a sério. A matu-ridade dos anos subsequentes permitiu conceber que a filosofia, ao contrário de desagregar, constitui-se como uma ajuda indispensável para entender os desígnios do divino. Nesse sentido, sua “utilidade” novamente repousaria em ser suporte para a teologia, estrutura de reflexão e apoio.

A respeito da revelação, poderíamos esquematizar do modo como segue. I) Por meio dela acolhemos o mistério salvífico de Deus em seu Filho e o mistério do ser humano se esclarece na Encarnação e na Redenção de Jesus na Cruz. A verdade de Deus e do ser humano resplandecem em Cristo. Essa verdade divina se insere no tempo e na história da humanidade. II) Por conseguinte, a filosofia e as ciências estão na ordem natural, enquanto a fé na ordem sobrenatural. Há conhecimentos provenientes da razão e conhecimentos oriundos da fé. Em ambos os casos o conhecimento é o caminho sem descanso, mas humilde, até a transcendên-cia, única realização possível em plenitude para o homem. III) A verdade da revelação respeita a autonomia da liberdade, mas a obriga a abrir-se à transcendência, sendo que a natureza é o primeiro passo para este movimento. O ser humano é um ser em relação, um explorador do belo, do bem e do verdadeiro. Todos os seres humanos desejam conhecer a verdade suprema, científica, ética e humana. Há um sentido para a vida? Para onde estamos indo? O absoluto correspondido na ideia de Deus dá sentido e resposta a estas interrogações. IV) Filosofia e teologia, desse modo, integram um ciclo de complementaridade e, jamais, de oposição – um caminho bilateral, de fortalecimento para ambas.

Com base no que dissemos até aqui, insistimos que o destino da filosofia e da teologia no Ocidente nunca esteve completamente diferenciado, nem no momento de suas origens, nem hoje. No começo da história ocidental ambas tiveram que afirmar-se frente

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a uma mitologia, em alguns casos ligada à magia e, em outros, incapaz de chegar às pers-pectivas e exigências morais que são inerentes à sacralidade do ser humano. Platão definiu sua proposta frente a Homero e Hesíodo, já que os mitos por estes propostos corrompiam os homens em imoralidades. O mesmo fez Aristóteles àqueles que confundiam a realidade física com supostas disputas ou resultado da luta entre deuses e homens. Ao final do século XX, porém, filosofia e teologia viram-se novamente próximas, protegidas, por um lado, e ameaçadas, por outro. Desta vez a ameaça não mais provinha da mitologia, mas da ciência, plenamente estabelecida e atuante no mundo dos homens. Apenas parece dotado de legi-timidade o racional, tomado no sentido positivo da ciência, e apenas pode ascender a este mesmo status o que se submete ao procedimento de um método, à linguagem da ciência, aos programas de investigação e transmissão aos quais estão sujeitas as vertentes das cha-madas ciências “duras” e/ou “exatas” (este é o caso dos sistemas de avaliação adotados pelas instituições que supervisionam o ensino e a pesquisa no Brasil: fala-se em termos de metas, de quantidade, de resultados/produtos).

Seguindo este itinerário, filosofia e teologia assumiram um destino comum em re-lação à mera mitologia. Sua tarefa se concentrou em resguardar a realidade do ser e do dever, do esperar e de Deus, apenas a partir dos quais o homem é realmente homem (capacidade de simbolização e ser moral). Sem essas características sua vida apenas perdura e seu estar no mundo não pode ser considerado autêntico por si mesmo. Pode até estar em um mundo, mas não o constitui por meio de sua ação. Está no mundo de maneira fática, mas não se integra a ele como o construtor à sua morada; apropria-se como simples objeto à disposição. Como sentinelas da essência do humano, na situação atual tanto a filosofia, quanto a teologia, devem se considerar ameaçadas – sobretudo enquanto disciplinas e/ou ramos legítimos do conheci-mento universal – por um imperialismo científico, que nega a realidade e existência aos obje-tos acerca dos quais ambas inquerem. Por não possuírem nem uma verificabilidade, nem uma falseabilidade universais, estão reduzidas ao mundo do temor ou do desejo, da elucubração e da fantasia, legítimos na intimidade de cada indivíduo, mas sem a capacidade de reclamar qualquer intervenção pública, sem um lugar ao sol na arena das demais ciências, que às vezes parecem se encaminhar para um utilitarismo do mais baixo nível.

A despeito disso, filosofia e teologia têm coexistido, em concórdia e cooperação, desde as origens, com Platão, Aristóteles e Santo Agostinho, mas ainda em tempos mais próximos de nós, com Buber, Heidegger, Wittgenstein, Lévinas, Unamuno, por um lado, bem como por Bultmann, Rahner, Balthasar, Pannenberg, Küng, Ratzinger e tantos outros. A questão de Deus é a constante que enreda a consciência filosófica do Ocidente desde os pré-socráticos até os nossos dias. Ele, que fora recebido no seio das reflexões atendendo por muitos nomes: o Absoluto, o Princípio, a Causa primeira, o Fundamento, o Fim úl-timo, a Razão universal, o Ipsum Esse subsistens, o Non aliud. Quer sobre uma ou sobre outra invocação, resta ao pensamento como uma presença permanente. Foi assim quando a professora Heinz Heimsoeth, em Os seis grandes temas da metafísica ocidental começou enumerando um capítulo sobre Deus e o mundo, seguindo, o próximo, sobre a Infinitude e o finito. O mesmo fariam, por caminhos diversos, Husserl e Marion. Deus é o permanente tema comum a toda a filosofia e teologia na história ocidental. O próprio termo teologia não é produção dos cristãos, sendo forjado já pelos gregos, como quando Aristóteles a com-para à singular tarefa do filósofo ao empreender a ciência de todas as ciências, a metafísica (ver Metafísica, VI).

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ALGUMAS PALAVRAS PARA CONCLUIR

Na esteira de nossa interpretação, o que denominamos por medievalibus

convertio-nem em nada diminuiu o prestígio de uma em relação à outra. Nesse caso, talvez possamos

nos beneficiar da alegoria elaborada por Hegel (2005) ao tratar da semelhança entre senhor e escravo. Dada a mútua dependência entre ambos, não há que se falar em dominador e do-minado, pois tudo dependerá da perspectiva empreendida. Aliás, o Mestre de Nazaré já havia ensinado que aquele que quer ser o primeiro deve, antes, ser o servidor de todos (cf. Mt 20; Mc 9). Nesse sentido, Jesus e Aristóteles estariam em comum acordo ao definir a filosofia como o primeiro movimento rumo à compreensão do mundo, do homem e de sua relação com o transcendente (os outros, Deus, a natureza); movimento que, forçosamente, alcançou a maturidade de discernir pelo desenvolvimento da área teológica em sentido estrito. A frater-nidade estabelecida daí em diante privilegiaria ora a irmã mais velha (a filosofia), ora a mais nova (a teologia), sem, contudo, assinalar nenhum demérito para qualquer uma das duas. Nesse sentido, vale mesmo a pena concluir com o trocadilho: o que Deus e o homem uniram, engodo nenhum poderá separar.

DE SERVITUTE PHILOSOPHIAE

Abstract: taking as a pretext the current context of the relationship between the areas of

philo-sophy and theology within the Postgraduate in Brazil, this text is intended to indicate a reading integrator bias, according to which it is impossible to disassociate the reasoning structure itself to the philosophy of theological knowledge. In view of this, reconstructs through some examples the route traveled by these two disciplines throughout Western history, elucidating, whenever possible, the interbreeding of their looks, the common election of its objects and the understanding that are, both, legitimate forms of human beings to relate to the universe that surrounds it.

Keywords: Philosophy. Theology. Integration.

Nota

1 Entre outros autores, valeria a pena verificar os questionamentos levantados por Marion (2007) acerca da forma adequada deste conceito: houve realmente uma filosofia cristã, ou apenas uma filosofia produzida por cristãos? (ver O visível e o revelado).

Referências

AGOSTINHO. As confissões. São Paulo: Nova Cultural, 1979. (Coleção os Pensadores) ARISTÓTELES. Metafísica. Ensaio introdutório, texto grego com tradução e comentários de G. Reale. Tradução Portuguesa de M. Perine. São Paulo: Editora Loyola, 2001.

DESCARTES, René. Discurso do Método. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda., 2000. (Coleção Os Pensadores)

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 2005.

HEIMSOETH, Heinz. Los seis grandes temas de la metafisica occidental. Madrid: Revista de Occidente, 1946.

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JOÃO PAULO II. Fides et ratio – sobre as relações entre fé e razão. São Paulo: Paulus, 1998.

KANT, Immanuel. Crítica à faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012. MARION, Jean-Luc. Il visibile e il rivelato. Traduzione dal francese di Carla Canullo. Milano: Editoriale Jaca Book SpA, 2007.

PLATÃO. Apologia de Sócrates e outros textos. Tradução Jaime Bruna et alii. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Coleção Os Pensadores)

Referências

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