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Geometrias não euclidianas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE CIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA

TÍTULO DA DISSERTAÇÃO

GEOMETRIAS NÃO EUCLIDIANAS

Nome do Candidato

António Pereira Rosa

MESTRADO EM MATEMÁTICA PARA O ENSINO

(2)

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE CIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA

TÍTULO DA DISSERTAÇÃO

GEOMETRIAS NÃO EUCLIDIANAS

Nome do Candidato

António Pereira Rosa

MESTRADO EM MATEMÁTICA PARA O ENSINO

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Pedro Jorge Santos Freitas

(3)

Agradecimentos

Quero agradecer ao meu orientador, Prof. Pedro Jorge dos Santos Freitas, pelo apoio que me deu e pelas numerosas sugestões que fez e que muito melhoraram este trabalho.

Agradeço também à minha família, em particular à minha Esposa, Maria de Fátima, todo o apoio e compreensão que me deu.

(4)

Índice

Resumo

1

1.

Introdução

2

2. Geometria Projectiva

1. Breve introdução histórica……… 2. Sistemas de axiomas para a geometria projectiva………. 3. Algumas consequências simples dos axiomas. Projectividades numa recta……….. 3.1 Pontos harmónicos conjugados……….. 3.2 Separação e orientabilidade……… 3.3 Correspondências ordenadas. Projectividades e involuções……….. 4. Colineações, correlações e polaridades………. 5. Cónicas……….. 6. Geometria projectiva analítica: introdução de coordenadas…………. 6.1 Operações com pontos……… 6.2 Coordenadas na recta projectiva; expressões analíticas

das projectividades……….. 6.3 Coordenadas homogéneas na recta projectiva; razão cruzada……… 6.4 Coordenadas homogéneas no plano projectivo………... 6.5 Representação analítica das colineações, correlações e polaridades.. 7. Alguns modelos do plano projectivo real………..

14

14 15 21 21 25 28 38 42 46 46 50 55 58 65 70

3. Geometria Elíptica

1. Introdução………. 2. Geometria elíptica unidimensional………... 2.1 Translações e Simetrias ..……… 2.2 Congruência de segmentos……….. 2.3 Comprimento de um segmento; representações analíticas das

translações e simetrias………. 3. Geometria elíptica bidimensional………. 3.1 Congruências, simetrias e rotações………. 3.2 Um modelo da geometria analítica unidimensional construído

a partir da geometria bidimensional……… 3.3 Caracterização das congruências do plano elíptico………. 3.4 Estudo analítico das rotações; quaterniões………..

IV

73

73 73 74 77 81 86 88 90 92 96

(5)

4. Geometria Hiperbólica

1. Introdução………. 2. Modelo projectivo da geometria hiperbólica plana……….. 3. Alguns resultados de geometria hiperbólica………. 4. Geometria analítica hiperbólica………

105

105 105 113 129

5. Trigonometria e área

1. Introdução………. 2. Breve revisão sobre polaridades………... 3. Trigonometria elíptica………... 4. Trigonometria hiperbólica……… 5. Área em geometria não euclidiana………

140

140 141 143 154 160

6. Modelos

1. Introdução………. 2. Modelos euclidianos unidimensionais……….. 3. Modelos euclidianos bidimensionais……… 3.1 O modelo elíptico de Beltrami……… 3.2 O modelo elíptico de Klein………. 3.3 O modelo hiperbólico de Beltrami……….. 3.4 O modelo hiperbólico de Klein e o modelo de Poincaré

no semi-plano……….. 3.5 Comparação dos diversos modelos………. 3.6 Construção de modelos aplicando a teoria das funções

de variável complexa……….. 3.7 Modelos de geometrias não euclidianas em superfícies

de 3

R ………... 4. Modelos em dimensões superiores………... 4.1 Generalidades sobre espaços pseudo-euclidianos………... 4.2 O modelo do hiperbolóide………... 4.3 O modelo de Beltrami generalizado……… 4.4 O modelo de Poincaré generalizado………

175

175 175 181 181 184 189 192 195 196 203 207 208 212 216 219

Apêndice A – Quaterniões

………... 222

Apêndice B – Funções hiperbólicas

……….. 227

Referências

……… 232

(6)

Resumo

Esta dissertação foi elaborada com o objectivo de obter o grau de Mestre em Matemática para o Ensino, pela Universidade de Lisboa.

O nosso principal objectivo é mostrar como se pode fazer um estudo unificado das geometrias não euclidianas planas (elíptica e hiperbólica) por meio da geometria projectiva. Assim, depois de analisarmos no primeiro capítulo os sistemas axiomáticos mais vulgares (o sistema de Hilbert e a axiomática métrica de Birkhoff), mostramos que o referido estudo unificado não pode ser feito nestes sistemas. No segundo capítulo, estabelecemos os resultados fundamentais de geometria projectiva (sintética e analítica) que vamos utilizar para o estudo da geometria elíptica e da geometria hiperbólica nos dois capítulos seguintes. O estudo da trigonometria não euclidiana é o objectivo principal do quinto capítulo: estabelecemos as principais fórmulas que são utilizadas para a resolução de triângulos tanto no caso elíptico como no hiperbólico e abordamos brevemente a noção de área em geometria não euclidiana. No último capítulo, estudamos alguns modelos das geometrias não euclidianas que podem ser obtidos tirando partido da estrutura do espaço euclidiano tridimensional usual e, de uma forma breve, referimos extensões a dimensões superiores do estudo feito. No fim da dissertação, apresentamos dois apêndices contendo alguns resultados fundamentais sobre quaterniões e funções hiperbólicas.

Palavras-chave: geometria não euclidiana; geometria projectiva; geometria elíptica; geometria hiperbólica.

Abstract

The current thesis was written aiming at obtaining the Master of Mathematics for Teaching Degree at Universidade de Lisboa.

The main purpose of this work is to demonstrate that it is possible to carry out a unified study of plane (elliptic and hyperbolic) non-Euclidean geometries through projective geometry. Thus, in the first chapter, after having analysed the most usual axiomatic systems (Hilbert’s system and Birkhoff’s metric scheme) we will demonstrate that such a study cannot be performed through them.

In the second chapter we will delve into the essential results of projective geometry (synthetic and analytic), which we will use for the study of elliptic and hyperbolic geometry in the next two chapters.

Chapter five is a close examination of non- Euclidean trigonometry: we will ascertain the main formulas used for the resolution of triangles, both in the elliptic and the hyperbolic cases. We will also briefly state the notion of area in non- Euclidean geometry. In the last chapter we will study non Euclidean geometric models that can be obtained exploring the usual three-dimensional Euclidean space structure. We will shortly refer some extensions and superior dimensions of the current research. At the end there are two appendixes which contain some elemental data on quaternions and hyperbolic functions.

Key words: non-euclidean geometry; projective geometry; elliptic geometry; hyperbolic geometry.

(7)

Capítulo 1

Introdução

No século III a. C., o geómetra Euclides de Alexandria publicou uma obra intitulada Elementos, na qual procurou sistematizar o conhecimento matemático do seu tempo e que veio a ter uma influência decisiva no estudo da Geometria. Partindo de um pequeno número de proposições assumidas como verdadeiras1, desenvolveu uma longa cadeia de 465 proposições, agrupadas em 13 livros2, tratando de assuntos tão variados

como a geometria plana, a teoria dos números ou a álgebra (interpretada geometricamente, como era usual na matemática grega). O estudo da geometria plana é feito nos livros I a VI (os chamados livros planimétricos), interessando-nos especialmente o volume I, que contém, entre outros tópicos, a teoria das rectas paralelas.

Euclides começa por apresentar 23 definições de vários termos que vai usar posteriormente, como ponto, recta (de início no sentido da linha recta finita, que corresponde ao nosso segmento de recta, admitindo depois a possibilidade do seu prolongamento infinito), plano, círculo, quadrado e outros. A título de curiosidade, reproduzimos algumas dessas definições:

Ponto é aquilo que não tem partes. Linha é um comprimento sem largura. As extremidades de uma linha são pontos.

Linha recta é aquela que jaz uniformemente com os pontos sobre ela.

Linhas rectas paralelas são linhas rectas que, estando no mesmo plano e sendo prolongadas indefinidamente em ambos os sentidos, não se encontram em nenhum dos sentidos. (a famosa definição nº. 23).

1

Euclides não foi o primeiro a tentar sistematizar o conhecimento geométrico por via dedutiva. Sabe-se que, entre outros, Hipócrates de Quios, famoso pelas suas quadraturas de lúnulas, tentou desenvolver a Geometria do seu tempo partindo de um pequeno número de proposições aceites sem prova. Este autor escreveu uns Elementos, que se perderam; parte deste trabalho terá sido, porventura, incorporado na obra de Euclides.

2

A fixação do texto dos Elementos é um problema complicado, uma vez que as cópias mais antigas existentes são muito posteriores a Euclides e, de um modo geral, são deficientes e incorporam grande número de comentários, provas alternativas e contribuições de geómetras posteriores. Também diferem muito nas definições e no número de Postulados e Noções Comuns, bem como na sua organização (o que nalgumas é Postulado, noutras é Noção Comum, e vice-versa). A disposição que apresentamos é a mais usual, e deriva do famoso Manuscrito P, descoberto por Peyrard na Biblioteca do Vaticano no início do século XIX e que serviu para a primeira versão moderna do texto grego (J. L. Heiberg); sobre estes assuntos, pode-se consultar [HeT3] ou [Est].

(8)

Em seguida, apresentou uma lista de cinco proposições de carácter geométrico, que aceita sem justificação e que constituem uma das bases do seu sistema dedutivo: os Postulados3.

1 – Traçar uma linha recta de qualquer ponto a qualquer ponto. 2 – Prolongar continuamente uma linha recta finita numa linha recta. 3 – Traçar um círculo com quaisquer centro e raio.

4 – Todos os ângulos rectos são iguais.

5 – Se uma linha recta incidir em duas linhas rectas fazendo ângulos do mesmo lado menores que dois rectos, então as duas linhas rectas, se prolongadas indefinidamente, encontram-se do lado em que estão os ângulos menores do que dois ângulos rectos. (Postulado das Paralelas de Euclides).

Finalmente, seguem-se as noções comuns ou axiomas4, proposições também aceites como verdadeiras, mas que não têm conteúdo especificamente geométrico: 1 – Coisas que são iguais à mesma coisa são iguais entre si.

2 – Se iguais forem adicionados a iguais, então os todos são iguais. 3 – Se iguais forem subtraídos de iguais, então os restantes são iguais. 4 – Coisas que coincidem uma com a outra são iguais entre si.

5 – O todo é maior que a parte.

Se compararmos com um sistema axiomático moderno, a diferença mais marcante é a tentativa de definir certos termos, como ponto, recta ou plano que, actualmente são considerados termos indefinidos do sistema. Euclides parece não se ter apercebido da impossibilidade de definir todos os termos usados5, o que não deixa de

3

Os três primeiros postulados devem ser entendidos como afirmações de existência, que não decorre das definições; por exemplo, o primeiro postulado afirma a possibilidade de traçar um segmento de recta unindo dois quaisquer pontos; Euclides assume implicitamente que tal segmento é único.

4 A distinção entre axioma e postulado, inexistente na actualidade, já não era muito clara na Antiguidade.

Segundo alguns comentadores, um postulado deveria ser uma afirmação de existência (e por esse critério, o postulado 4 não deveria ser considerado um postulado); outros afirmavam que um axioma deveria traduzir uma verdade geral do conhecimento, que não fosse de carácter especificamente geométrico (mas o axioma 4 é usado por Euclides como critério de igualdade de figuras….) e outros que um postulado é uma afirmação que não sendo obviamente verdadeira, ao contrário de um axioma, é admitida para o desenvolver da teoria (uma distinção insatisfatória, por demasiado subjectiva). Na prática, a distinção entre axioma e postulado acaba por ser meramente convencional e irrelevante, sobretudo se atendermos aos problemas de fixação do texto e organização que referimos na nota anterior.

5 A titulo de curiosidade (e como recurso didáctico útil para aqules que tiverem de ensinar estes assuntos),

referimos aqui um jogo denominado Vish (de vicious circle), inventado por J. L. Synge ([Cox3], pág. 5) no qual se mostra como é fácil cair num círculo vicioso se procuramos definir todos os termos. Procurando num dicionário (no nosso caso, o Dicionário da Língua Portuguesa, 7ª edição, da Porto Editora, de 1994), encontra-se a seguinte cadeia de definições:

(9)

ser curioso, se tiver em atenção que a sua atitude (e a dos outros estudiosos da sua época, de acordo com as indicações de Aristóteles nos Analíticos Posteriores) em relação aos postulados/axiomas é essencialmente indistinguível da actual6.

Os Elementos foram muito justamente considerados uma obra-prima e, apesar de alguns defeitos7, como insuficiências lógicas e propriedades admitidas implicitamente,8 que foram sendo descobertos ao longo do tempo, tiveram até ao século XIX o estatuto de obra definitiva em termos de Geometria. Houve, no entanto uma proposição que desde logo levantou controvérsia: o Postulado das Paralelas9. A sua natureza menos

intuitiva, bem como facto de ser uma proposição muito mais complexa que qualquer dos outros postulados ou axiomas, levantou rapidamente a suspeita de que deveria ser possível prová-lo a partir dos restantes postulados, ou, pelo menos, substitui-lo por outra proposição mais simples e intuitiva que permitisse desenvolver convenientemente a teoria das paralelas e, em última análise, prová-lo, passando assim o Postulado das Paralelas a ser um teorema.

Segundo Proclo (século V d. C.), a primeira tentativa neste sentido foi feita por Posidónio (século I a. C.), seguindo-se outros geómetras como Ptolomeu e Geminus. Mais tarde, os geómetras árabes abordaram também sem sucesso este problema, que depois constituiu tema de estudo para muitos matemáticos, como John Wallis (1616-1703), Girolamo Saccheri (1677-1733), Johann Lambert (1728-1777) e Adrien Marie Legendre (1752-1833). Nenhum conseguiu resolver satisfatoriamente a questão, ficando como resultado dos seus trabalhos uma longa série de proposições equivalentes (no contexto dos restantes postulados/axiomas) ao Postulado das Paralelas, os chamados enunciados geométricos10. A título de curiosidade, referimos algumas:

a) duas rectas paralelas a uma terceira são paralelas entre si.

b) por um ponto exterior a uma recta passa uma e uma só recta paralela à dada (postulado dito de Playfair, embora já fosse usado por Proclo).

c) uma recta perpendicular a uma de duas rectas paralelas é perpendicular à outra.

Dimensão: extensão em qualquer sentido.

Extensão: porção de espaço ou tempo.

Espaço: extensão indefinida.

Extensão acaba por ser definida em termos de Extensão!

6 Refira-se no entanto que muitos matemáticos da actualidade consideram um sistema axiomático como

um mero jogo formal, ao passo que na Antiguidade, por influência da Escola Platónica (cujas ideias Euclides partilharia), a Geometria era considerada como uma descrição formal da realidade.

7 Por exemplo, Leibnitz observou que Euclides admite sem prova a intersecção das duas circunferências

referidas na proposição I do livro I (construção de um triângulo equilátero de lado dado); é fácil ver que num modelo constituído pelos pontos do plano de coordenadas racionais, as circunferências unitárias de centros (0, 0) e (1, 0) não se intersectam.

8

Por exemplo, Riemann observou que Euclides admite, sem prova, que uma linha recta tem comprimento infinito, o que, como veremos, tem implicações geométricas importantes.

9 Alguns autores consideram que a inclusão deste Postulado entre as proposições admitidas sem prova é

obra do próprio Euclides, baseando-se nas afirmações de Aristóteles nos Primeiros Analíticos sobre o estado pouco satisfatório da Teoria das Paralelas na Geometria do seu tempo; se esta conjectura for verdadeira, é mais uma marca do génio do grande geómetra de Alexandria.

10 O leitor interessado na história destas tentativas bem como na da geometria não euclidiana em geral

(10)

d) por quaisquer três pontos não colineares passa uma circunferência.

e) a soma das medidas dos três ângulos internos de um triângulo é igual a dois rectos. f) um ângulo inscrito numa semi-circunferência é recto.

g) existem rectângulos (hipótese do ângulo recto, de Saccheri).

h) se três ângulos de um quadrilátero são rectos, o quarto ângulo também o é (hipótese do ângulo recto para os trirrectângulos de Lambert)

i) dado um triângulo [ABC] e um segmento [DE], existe um triângulo [DEF] semelhante ao triângulo dado (postulado de Wallis).

O falhanço de todas as tentativas empreendidas por tão distintos matemáticos para provar o Postulado das Paralelas levou já em 1763 (numa tese de G. S. Klüger) à suspeita de que este seria independente dos restantes. Esta ideia foi confirmada no início do século XIX com a descoberta das geometrias não euclidianas por diversos matemáticos, como Carl Friederich Gauss (1777-1855), Nicolai Ivanovitsch Lobatchewski (1795-1856), Farkas Bolyai (1775-1856) e seu filho János Bolyai11

(1802-1866), para citar apenas os mais conhecidos.

As tentativas de provar o Postulado das Paralelas tiveram importantes consequências em Matemática para além da descoberta das geometrias não-euclidianas: levaram a um estudo cuidadoso dos fundamentos da geometria, tentando-se elaborar sistemas de axiomas que evitassem os defeitos descobertos nos Elementos de Euclides (por exemplo, explicitando o mais cuidadosamente possível as proposições admitidas tacitamente por Euclides).

O primeiro sistema de axiomas satisfatório foi apresentado pelo alemão Moritz Pasch em 1882 e foi seguido por diversos outros, como os de G. Peano (1858-1932) e Mário Pieri (1860-1904). De todos os sistemas propostos, aquele que alcançou maior êxito foi o devido a David Hilbert (1862-1943) na sua obra Grundlagen der Geometrie (Fundamentos da Geometria12), publicada em 1899 e sucessivamente aperfeiçoada em

diversas edições13.

Hilbert construiu um sistema axiomático extremamente elegante, próximo da tradição euclidiana e com um mínimo de simbolismo, características que ajudam a explicar o seu êxito face aos sistemas rivais. Baseou o sistema em três termos primitivos (ponto, recta e plano, o último dos quais pode ser omitido se se deseja estudar apenas geometria plana) e três relações: “ser incidente a” (entre pontos e rectas ou pontos e planos), “estar entre” (entre três pontos colineares) e “ser congruente a” (entre dois segmentos ou entre dois ângulos) e em vinte axiomas, divididos em cinco grupos14.

11 Em húngaro, os seus nomes escrevem-se por ordem inversa: Bolyai Farkas e Bolyai János,

respectivamente.

12 Existe tradução em Português, a referência [DHi]; duas obras que fazem o estudo da geometria segundo

versões modernas da axiomática de Hilbert são [Dio2] e [Gre].

13 Para um exemplo curioso e elucidativo destes aperfeiçoamentos, pode consultar-se [Adl], págs. 24 a 27. 14 Nesta versão dos axiomas de Hilbert, que foi adaptada de [Dio2]; em [DHi] os axiomas estão

(11)

Grupo I (axiomas de incidência15)

I – 1 Dados dois pontos, existe sempre uma recta que com eles incide. I – 2 Dados dois pontos, não existe mais que uma recta que com eles incida.

I – 3 Com qualquer recta incidem pelo menos dois pontos. Há pelo menos três pontos que não incidem com a mesma recta (pontos ditos não colineares).

I – 4 Para quaisquer três pontos não colineares, existe sempre um plano que com eles incide. Qualquer plano incide com pelo menos três pontos.

I – 5 Dados três pontos não colineares, não há mais que um plano que com eles incida. I – 6 Se dois pontos incidentes com uma recta incidem com um plano, a recta incide16 com o plano.

I – 7 Se dois planos incidem com um mesmo ponto, então ambos incidem com pelo menos outro ponto.

I – 8 Há pelo menos quatro pontos que não incidem com o mesmo plano17.

Grupo II (axiomas de ordem)

II – 1 Se um ponto A está entre dois pontos B e C, então os três pontos são colineares e A está entre C e B.

II – 2 Dados dois pontos A e B, há sempre algum ponto C tal que B está entre A e C. II – 3 Dados três pontos colineares, não mais do que um está entre os outros dois. II – 4 Dados três pontos não colineares A, B e C e uma recta r incidente com o plano que com eles incide e não incidente com nenhum deles, se a recta r incide com um ponto do segmento [AB], então certamente incide com um ponto do segmento [BC] ou um ponto do segmento [AC]18.

15 Rigorosamente falando, uma recta não se deve identificar a priori com o conjunto de pontos com ela

incidentes (o chamado pontual da recta) e o mesmo se passa com os planos; no que se segue, não teremos necessidade de uma distinção tão fina, pelo que o leitor nada perderá se fizer a referida identificação bem como se interpretar a relação de incidência ponto-recta (ou ponto-plano) com a de pertença (∈). Assim, utilizaremos muitas vezes expressões como “a recta passa pelo ponto” e “a recta está contida no plano”.

16 Repare-se que a relação de incidência entre recta e plano já não é primitiva; uma recta incidir com um

plano significa, por definição, que todo o ponto que incide com a recta incide também com o plano.

17 Se se pretende apenas estudar geometria plana, deve-se suprimir o axioma I – 8 e fazer adaptações

óbvias nos restantes.

18 Axioma de Pasch; dados dois pontos distintos A e B, o segmento [AB] é a colecção de pontos que estão

(12)

Grupo III (axiomas de congruência)

III – 1 Se A e B são dois pontos incidentes com a recta a e 'A é um ponto incidente com uma recta 'a (que pode ou não coincidir com a recta a), então em qualquer das semi-rectas19 de suporte 'a e origem A existe um único ponto ' B tal que o segmento '

[ ]

AB é congruente com o segmento

[

A' B'

]

(escreve-se então

[ ] [

ABA'B'

]

). Os segmentos [AB] e [BA] são congruentes.

III – 2 Dois segmentos congruentes com um terceiro são congruentes entre si.

III – 3 Se o ponto B está entre os pontos A e C e o ponto B' está entre os pontos A' e

'

C , então da congruência entre os segmentos

[ ]

AB e

[

A' B'

]

e os segmentos

[ ]

BC e

[

B'C'

]

, infere-se que os segmentos

[ ]

AC e

[

A'C'

]

são congruentes.

III – 4 Dados um ângulo ∠

{ }

h,k , um plano α', uma recta a' incidente com este, um ponto O' incidente com a' e uma semi-recta h' de suporte a' e origem O', em cada um dos semiplanos de suporte α' e aresta a', existe uma única semi-recta k', de origem O', tal que o ângulo ∠

{ }

h,k é congruente com o ângulo ∠

{

h,' k'

}

.20 Um ângulo é congruente consigo próprio.

III – 5 Dados dois triângulos

[

ABC

]

e

[

A' CB' '

]

, se

[ ] [

ABA'B'

]

,

[ ] [

ACA'C'

]

e

' A A≡∠

∠ , então ∠B≡∠B' e ∠C ≡∠C'.21

Grupo IV (axiomas de continuidade)22

IV – 1 Dados dois segmentos não congruentes, há um múltiplo do menor que excede o maior.23

IV – 2 Dada uma sucessão de segmentos

[

AnBn

]

(n=1,2,K) tais que: a)

[

An+1Bn+1

] [

AnBn

]

(n=1,2,K);

b) Dado um segmento qualquer [CD], existe um número natural n tal que o segmento

[

AnBn

]

é menor que o segmento [CD].

Então existe um ponto X que pertence a todos os segmentos da sucessão

[

AnBn

]

(n=1,2,K).24

19 Para as definições de semi-recta e ângulo, veja-se, por exemplo, [Dio2], págs. 33 a 36. 20 As definições de semiplano e de ângulo podem ver-se em [Dio2], págs. 34 a 36.

21 Num triângulo [ABC], representa-se por ∠ A o ângulo cujos lados são as duas semi-rectas de origem

em A e que incidem com os pontos B e C, respectivamente.

22 O uso destes axiomas permite evitar problemas como a objecção de Leibnitz (nota 6); nalgumas

versões da axiomática, são substituídos pelo axioma de Dedekind, que encontraremos mais adiante.

23 É uma versão do conhecido axioma de Arquimedes; para outras versões e provas da equivalência entre

(13)

Grupo V (axioma das paralelas)

V – 1 Dados um ponto e uma recta que com ele não incide, no plano por eles determinado existe uma única recta que incide com o ponto e é paralela à recta dada.25

Nos anos que se seguiram à publicação de sistema de Hilbert, foram apresentados vários sistemas alternativos de axiomas para a Geometria (por exemplo, por Oswald Veblen em 1911, Henry Forder em 1927 e G. de B. Robinson em 1946), mas o sistema Hilbertiano prevaleceu até à apresentação em 1932 de uma nova série de axiomas pelos matemáticos americanos G. D. Birkhoff e Ralph Beatley, os chamados

axiomas métricos. É uma versão moderna deste sistema que vamos agora considerar26.

O sistema de axiomas métricos distingue-se do de Hilbert essencialmente porque pressupõe conhecido o sistema dos números reais, com todas as suas propriedades algébricas, de ordem ou topológicas. Isto permite um desenvolvimento da teoria que muitos consideram mais fácil para os estudantes, em contraposição com o sistema de Hilbert, que requer, pelo menos de início, a prova de toda uma série de resultados de natureza mais ou menos técnica, logicamente necessária mas muito morosa.

Tal como o sistema de Hilbert, o sistema métrico tem termos indefinidos, ponto,

recta e plano e relações primitivas, como a incidência.

Os primeiros oito axiomas (de incidência) coincidem com os de Hilbert (rigorosamente falando, bastam-nos os três primeiros; decidimos, no entanto, manter a numeração anterior). Seguem-se-lhes os dois axiomas da distância.

A9 – Axioma da medição linear: a cada par de pontos A e B, é possível associar um número real (que representaremos por d(A, B)), dito distância entre A e B, que verifica as seguintes propriedades:

a) Para todos os pontos A e B, d(A,B)≥0. b) d(A,B)=0 se e só se A=B.

c) d(A,B)=d(B,A) para quaisquer pontos A e B.

A10 – Para cada recta l, existe um sistema de coordenadas, isto é, uma bijecção f entre l e R tal que, para quaisquer pontos A e B de l, se tem

) ( ) ( ) , (A B f A f B d = − .

24 Axioma de Cantor, que corresponde ao conhecido Princípio dos Intervalos Encaixados da Análise

Real; no trabalho original de Hilbert, é substituído por um outro axioma, dito de completabilidade ([DHi], págs. 28 a 31).

25 É o já referido axioma de Playfair, que pode ser substituído por qualquer um dos enunciados

geométricos que anteriormente mencionámos. É importante acrescentar que os enunciados geométricos apenas são equivalentes ao axioma das Paralelas se se admitirem os axiomas dos grupos I a IV, nomeadamente o axioma de Arquimedes; por exemplo, Max Dehn deu um exemplo de uma geometria (dita semi-euclidiana) na qual a soma dos ângulos internos de qualquer triângulo é igual a dois rectos e não se verifica o axioma das Paralelas (vejam-se [DHi], págs. 45 a 48 e [For], págs. 337 e 338).

(14)

Tem-se depois o axioma da separação (no espaço)27

A11 – Dado um plano α, o conjunto dos pontos do espaço que com ele não incidem é igual à união de dois conjuntos convexos H e 1 H tais que para quaisquer pontos A e B 2 verificando AH1 e BH2 (ou vice-versa), o segmento [AB] intersecta o plano α.28

Os quatro próximos axiomas dizem respeito à medição angular29:

A12 – A cada ângulo ABC∠ está associado um único número pertencente ao intervalo

] [

0,π , chamado amplitude do ângulo, que representaremos por A ˆBC.

A13 – Se A e B são dois pontos distintos, seja H um dos semiplanos de aresta AB; então, para cada número real r de

] [

0,π , existe um único ponto P em H tal que

r B A Pˆ = .

A14 – Se D for um ponto interior de BAC∠ , então BAˆC =BAˆD+DAˆC.

A15 – Se os ângulos ABC e ABD forem suplementares adjacentes (isto é, se B, C e D forem colineares, estando B entre C e D), então

π = +ABD C B Aˆ ˆ .

Segue-se um axioma correspondente ao caso LAL de congruência de triângulos da Geometria elementar:

A16 – Se, dados dois triângulos, houver uma correspondência entre eles tal que dois lados e o ângulo por eles formado num dos triângulos sejam congruentes com os elementos correspondentes do outro triângulo, os dois triângulos são congruentes.30

27 Se pretendermos estudar apenas geometria plana, devem fazer-se as alterações naturais aos axiomas de

incidência, tal como no sistema hilbertiano e substituir a axioma da separação no espaço pelo axioma da separação no plano; a este respeito, pode consultar-se [APV], que é um excelente exemplo do estudo da geometria plana por meio de axiomas métricos.

28

Dados três pontos colineares A, B e C, diz-se que B está entre A e C se d(A, B) + d(B, C) = d(A, C); o

segmento [AB] é o conjunto formado pelos pontos A e B (extremos) e por todos os pontos entre eles e o número real d(A, B) (que se representa usualmente por AB ) é o seu comprimento. Finalmente, um conjunto diz-se convexo se dados dois quaisquer dos seus pontos, o segmento que os tem por extremos estiver totalmente contido no conjunto.

29 Para as definições de ângulo, semi-plano e interior de um ângulo no sistema de axiomas métrico,

consulte-se [Moi], págs. 55, 64 e 65.

30 A fim de permitir a boa compreensão deste axioma, apresentamos sumariamente algumas definições

relevantes:

a) dois segmentos (respectivamente dois ângulos) são congruentes se tiverem o mesmo comprimento

(respectivamente a mesma amplitude).

b) dados três pontos não colineares A, B e C, o triângulo [ABC] é o conjunto formado pela união dos três

segmentos [AB], [BC] e [AC] (lados do triângulo). Os pontos A, B e C são os vértices e os ângulos

ABC

, BAC e ACB os ângulos internos; as suas amplitudes costumam representar-se por Bˆ , Aˆ e

(15)

A axiomática termina com o Axioma das Paralelas, na forma de Playfair:

A17 – Dados um ponto e uma recta que com ele não incide, no plano por eles determinado existe uma única recta que incide com o ponto e é paralela à recta dada.

É natural colocar-se agora a seguinte questão: até que ponto estas axiomáticas da geometria euclidiana (digamos plana, para fixar ideias e por uma questão de simplicidade) podem ser adaptadas para fundamentarem as geometrias não-euclidianas descobertas no século XIX?

Para tentar responder a esta questão, recordemos que estas geometrias surgem da substituição do Axioma das Paralelas (Playfair) por uma das seguintes alternativas31:

O axioma hiperbólico: Dados um ponto e uma recta que com ele não incide, no plano por eles determinado existem duas ou mais rectas que incidem com o ponto e são paralelas à recta dada.

O axioma elíptico32: Com um ponto não incidente a uma recta, não incide nenhuma recta paralela à primeira.

A primeira alternativa não apresenta problemas de maior: se substituirmos o axioma das Paralelas em qualquer das axiomáticas apresentadas pelo axioma hiperbólico, obtemos a chamada geometria hiperbólica, cuja consistência é provada pela existência de modelos, como veremos mais adiante. As geometrias euclidiana e hiperbólica têm um largo conjunto de resultados em comum, a chamada geometria neutra ou absoluta: se considerarmos (por exemplo) a axiomática de Hilbert, vemos que todos os teoremas que possam ser provados usando apenas os axiomas de incidência, ordem, congruência e continuidade são válidos em qualquer das duas geometrias33.

Passemos a considerar o axioma elíptico, que é sugerido naturalmente pelo estudo da geometria na superfície de uma esfera34, sendo os pontos os pontos

c) uma correspondência entre dois triângulos [ABC] e [DEF] é uma bijecção f entre os conjuntos dos seus

vértices; uma congruência é uma correspondência tal que lados e ângulos correspondentes sejam congruentes. Mais precisamente, se f(A)=D, f(B)=Ee f(C)=F, então tem-se

. ˆ ˆ ; ˆ ˆ ; ˆ ˆ ; F C EF BC E B DF AC D A DE AB = = = = = =

d) dois triângulos dizem-se congruentes se existir alguma congruência entre eles.

31 Veremos posteriormente a razão das denominações destes axiomas, introduzidas no século XIX por

Félix Klein.

32 Também conhecido como axioma de Riemann.

33 Como exemplos de resultados não triviais de geometria absoluta (evidenciando o muito que as duas

geometrias têm em comum), podem citar-se o Teorema de Sylvester e o Teorema de Steiner-Lehmus ([Dio2], págs. 42 a 46 e 75 a 77, respectivamente); por outro lado, nunca é demais referir que muitos resultados simples da geometria elementar são específicos da geometria euclidiana - vejam-se os

enunciados geométricos!

34 Um modelo extremamente importante, pelas suas aplicações à navegação e à Astronomia; não deixa de

(16)

euclidianos e as rectas os círculos máximos (circunferências obtidas intersectando a superfície esférica por planos euclidianos que passam pelo centro). É imediata a inexistência de paralelas neste modelo, como também é imediato que não se verifica o segundo axioma de incidência: com dois pontos diametralmente opostos, incide uma infinidade de rectas35. Os axiomas de ordem também não fazem sentido neste modelo: já Gauss referiu, numa objecção à axiomática de Euclides nos Elementos, que dados três pontos sobre uma circunferência, não é razoável dizer que um deles está entre os outros dois…36

Finalmente, o sistema axiomático obtido juntando à geometria absoluta o axioma elíptico, é contraditório, já que a existência de paralelas é um teorema de geometria absoluta37 (veja-se [Dio2], pág. 63 ou [APV], págs. 35 e 36, conforme se prefira a

axiomática de Hilbert ou o sistema métrico). Todos estes problemas ilustram a grande “distância” que separa a geometria esférica da geometria euclidiana (ou da geometria hiperbólica)38.

Que fazer então para tentar estudar de forma tão unificada quanto possível os três tipos de Geometria plana apresentados? Duas alternativas surgem:

a) tentar encontrar uma axiomática que seja aplicável às três, com um mínimo de alterações para cada caso;

b) arranjar uma construção que permita obter de forma unificada e natural as três geometrias.

A alternativa b) será estudada detalhadamente noutros capítulos; veremos uma construção partindo do plano projectivo real.39

Quanto à alternativa a), vamos apresentar de modo muito sumário e a título de curiosidade uma axiomática menos vulgar (axiomática da distância), que permite um tratamento relativamente unificado das três geometrias. Isto não quer dizer que advoguemos o seu uso, sobretudo com principiantes, já que, como vamos ver, é um tratamento muito pouco natural, difícil de motivar40 e extremamente pouco intuitivo: as geometrias planas surgem como casos particulares do estudo dos espaços métricos41.

de resolução de triângulos, já eram conhecidos muito antes do início do estudo das geometrias não euclidianas, obtidos por métodos euclidianos elementares. A título de exemplo, já nas obras de Menelaus de Alexandria (fins do século I d. C.) surgem resultados sobre triângulos esféricos.

35 Este problema pode ser ultrapassado identificando dois postos diametralmente opostos, uma ideia

devida a Félix Klein.

36 Quando estudarmos a geometria projectiva, veremos que, para lidar com esta situação, os axiomas de

ordem devem ser substituídos pelos chamados axiomas de separação.

37 Disto resulta, em particular, que a forma do axioma de Playfair que temos estado a usar pode ser

substituída por uma forma mais fraca; o que está em jogo não é a existência de paralelas mas sim a

unicidade.

38 Já Saccheri, ao pretender demonstrar o Postulado das Paralelas de Euclides não teve grande dificuldade

em desembaraçar-se do equivalente ao Axioma elíptico no seu sistema (a chamada Hipótese do Ângulo

Obtuso), se bem que admitindo implicitamente que uma linha recta tem comprimento infinito; o mesmo sucedeu com Lambert e Legendre ([Bon], págs. 29 a 58).

39 Para uma construção alternativa recorrendo ao corpo dos números complexos, pode consultar-se [ScH].

40 Para uma tentativa neste sentido, vejam-se [Blu] ou [BuK].

41 Pode ver-se em [Kay] um outro sistema axiomático que permite o estudo simultâneo das geometrias

(17)

Como preliminar, recordemos que se chama espaço métrico a um par (X,d), onde X é um conjunto não vazio e d:X× X →R é uma aplicação (dita distância) tal que:

1) d(x,y)≥0∀x,yX e d(x,y)=0⇔ x= y;

2) d(x,y)=d(y,x)∀x,yX ;

3) d(x,z)≤d(x,y)+d(y,z)∀x,y,zX .

Um espaço métrico X diz-se completo se toda a sucessão de Cauchy42 de elementos de X for convergente em X.

Vamos então considerar um conjunto não vazio X, cujos elementos chamaremos pontos.

A tabela a seguir permite comparar as axiomáticas a usar para os três tipos de geometrias planas tendo X como suporte.

Geometria euclidiana Geometria hiperbólica Geometria esférica 1. X é um espaço métrico

completo, com distância d. 2. X é um espaço metrica- mente convexo.43

3. X é um espaço externa-mente convexo.44

1. X é um espaço métrico completo, com distância d. 2. X é um espaço metrica- mente convexo.

3. X é um espaço externa-mente convexo.

1. X é um espaço métrico completo, com distância d. 2. X é um espaço metrica- mente convexo.

3. O espaço X é

diametrizado45; além disso, verifica-se que sex,yX então d(x, y)≤π.

4. Existem em X três pontos tais que nenhuma das distâncias entre eles é igual à soma das outras duas.

5. O determinante D de quaisquer quatro pontos de X é nulo.

4. Existem em X três pontos tais que nenhuma das distâncias entre eles é igual à soma das outras duas.

5. O determinante H de quaisquer quatro pontos de X é nulo.

4. Existem em X três pontos a, b e c tais que o seu determinante ∆ é nulo.

5. O determinante ∆ de quaisquer quatro pontos de X é nulo. 42 Uma sucessão

( )

N ∈ n n

x de elementos de X diz-se uma sucessão de Cauchy se para todo o número real 0

>

δ existir um número natural n tal que 0 n,m>n0⇒d(xn,xm)<δ.

43 Um espaço métrico X com distância d, diz-se metricamente convexo se dados dois pontos distintos p e

r em X, existir sempre um terceiro ponto q, distinto dos anteriores e tal que d(p,q)+d(q,r)=d(p,r).

44 Um espaço métrico X com distância d, diz-se externamente convexo se dados dois pontos distintos p e

q em X, existir sempre um terceiro ponto r, distinto dos anteriores e tal que d(p,q)+d(q,r)=d(p,r).

45 Isto é, se p X

(18)

Para a definição dos determinantes D, H e ∆ que, em certo sentido caracterizam cada uma das geometrias, para a justificação de que estes sistemas axiomáticos definem efectivamente as geometrias euclidiana, hiperbólica e esférica e uma extensão à geometria elíptica (um tipo de geometria que estudaremos no terceiro capítulo), o leitor pode consultar [Blu], páginas 149 a 187, bem como as referências aí citadas.

(19)

Capítulo 2

Geometria Projectiva

Projective geometry is all geometry.46

Arthur Cayley

1. Breve introdução histórica

Embora alguns matemáticos da Antiguidade clássica tenham obtido resultados que actualmente são considerados do âmbito da Geometria Projectiva47, o seu estudo começou realmente no século XVI, como consequência dos trabalhos sobre perspectiva de pintores da Renascença como Fillipo Brunelleschi (1377-1446), Leon Battista Alberti (1404-1472) e Albrecht Dürer (1471-1528).

Johannes Werner (1468-1522), conterrâneo de Albrecht Dürer, colaborou com este em questões de perspectiva e publicou o primeiro grande tratado sobre cónicas desde a Antiguidade; embora inferior às obras de Apolónio de Perga, teve muita importância, dado que os trabalhos deste último só mais tarde foram redescobertos. Johannes Kepler (1571-1630) foi o primeiro a introduzir pontos e linhas no infinito para o estudo das cónicas. Dada a importância da perspectiva em pintura e arquitectura, não é de estranhar que o próximo grande passo tenha sido dado por um arquitecto e engenheiro militar, Girard Desargues (1593-1662), contemporâneo e amigo de Descartes, que foi o primeiro a empreender com sucesso o estudo das cónicas sob o ponto de vista projectivo, tendo introduzido diversos conceitos fundamentais, como o de involução, polar e quadrilátero completo. Reobteve e ampliou resultados de Apolónio de Perga, Fermat e Descartes e provou o célebre teorema que tem o seu nome48, mas o seu trabalho teve pouco impacto na época, devido ao seu estilo de exposição difícil e pouco convencional e ao facto de os seus métodos constituírem uma ruptura demasiado grande tanto com a tradição clássica como com a geometria analítica que começava a despontar. Os seus trabalhos perderam-se49 e durante séculos, o pouco que se soube acerca deles deveu-se ao seu ilustre seguidor Blaise Pascal, que desenvolveu os seus métodos, culminando na publicação do conhecido Essay pour les coniques, onde, entre

46 [Cay], pág. 592; é curioso notar que, no original, Cayley usa “Descriptive Geometry” em vez de

“Projective Geometry”; no século XIX, os dois termos eram sinónimos.

47 Apolónio de Perga introduziu o conceito de pontos harmónicos e Pappus de Alexandria demonstrou o

teorema que tem actualmente o seu nome, embora num contexto diferente daquele em que hoje é estudado. A hipótese de que Euclides e os seus sucessores conheciam a geração projectiva das cónicas, aventada por alguns historiadores, é hoje encarada com cepticismo; sobre este assunto, veja-se [Kno], págs. 137 e 138.

48 É interessante notar que o teorema de Desargues não surge nos seus trabalhos, mas sim num livro

publicado em 1648 por um dos seus poucos seguidores, Abraham Bosse, que o atribui explicitamente a Desargues.

49 A sua obra principal, “Brouillon project d’une atteinte aux événements des rencontres d’un cone avec

un plan” sobreviveu apenas numa cópia feita por um seu díscipulo, o matemático e arquitecto Philippe de LaHire (1640-1718), descoberta em Paris em 1847.

(20)

muitos resultados de grande interesse, surge pela primeira vez o teorema do hexagrama místico e seus corolários. Depois da morte de Pascal, a Geometria Projectiva foi esquecida (à parte um tratado sobre cónicas tratadas projectivamente por Philippe de LaHire e alguns resultados obtidos por Braikenridge, Maclaurin50 e Newton no início do século XVIII, sobre um problema muito antigo, fazer passar uma cónica por cinco pontos dados) e quase totalmente substituída pela geometria analítica cartesiana, ressurgindo apenas no início do século XIX.

O ressurgimento da Geometria Projectiva ficou a dever-se a um grupo de alunos da École Polytechnique, onde Gaspard Monge (1746-1818) e Lazare Carnot (1753-1823) tinham feito uma autêntica revolução no ensino da Geometria: foram eles Charles Jules Brianchon (1785-1864), o descobridor do teorema que tem o seu nome51, Michel

Chasles (1798-1880), Joseph Gergonne (1771-1853) e, sobretudo, Jean Victor Poncelet (1788-1867), grande defensor dos métodos sintéticos em Geometria.

A Geometria Projectiva atraiu a atenção de matemáticos de nomeada fora de França, como o suíço Jakob Steiner, (1796-1863) especialista em métodos sintéticos e descobridor da geometria inversiva e de K. G. C. von Staudt (1798-1867), que mostrou como se podia desenvolver a geometria projectiva sem recurso à noção de distância. O passo seguinte foi dado por Arthur Cayley (1821-1895), que em 1859 mostrou como se podia aplicar a geometria projectiva ao estudo das geometrias não euclidianas, definindo a noção de distância em termos projectivos de forma conveniente. Foi um desenvolvimento extremamente importante, pois, ao apresentar as geometrias não-euclidianas a partir de uma teoria bem aceite, contribuiu para dissipar as dúvidas existentes sobre a sua consistência. Os seus trabalhos forem retomados e desenvolvidos por Félix Klein (1849-1925), o proponente do famoso Programa de Erlangen. É o método de Cayley-Klein para o estudo das geometrias planas que vamos abordar neste trabalho.

2. Sistemas de axiomas para a geometria projectiva

Embora estejamos interessados essencialmente em geometria plana, vamos fazer uma pequena digressão, apresentando brevemente um sistema axiomático para a geometria projectiva no espaço, com o objectivo de pôr em evidência uma notável diferença entre a Geometria Projectiva e as geometrias consideradas no capítulo anterior.

Entre os diversos sistemas de axiomas para a Geometria Projectiva no espaço (sobre o corpo dos números reais), escolhemos a versão de Coxeter do sistema de Pieri, Vailati e Dedekind que se pode encontrar em [Cox1]52. Baseia-se em duas noções

indefinidas, ponto e linha e duas relações indefinidas, incidência e separação. Os axiomas estão divididos em três grupos: axiomas de incidência, de separação e de continuidade. Só consideraremos aqui o primeiro grupo53.

Axiomas de incidência54

Inc1 – Há pelo menos dois pontos.

50 Veja-se [Cox2], páginas 91 e 92 ou [Cox3], página 81 a 85, para a solução de Braikenridge e

Maclaurin, um resultado muito importante para a introdução de coordenadas no plano projectivo.

51 É o dual do teorema do hexagrama místico de Pascal; estes dois teoremas constituem o primeiro

exemplo relevante de um par de teoremas duais.

52 Uma alternativa muito usada é o sistema de Veblen e Young, que pode ver-se em [VY1].

53 Porque os axiomas de separação e de continuidade são praticamente iguais nos casos do plano e do

espaço.

(21)

Inc2 – Dois quaisquer pontos incidem com uma única linha55. Inc3 – Qualquer linha incide com pelo menos três pontos.

Inc4 – Há pelo menos um ponto que não incide com uma linha AB dada.

Inc5 – Se A, B e C são três pontos não colineares e D é um ponto incidente com BC distinto de B e C, e E é um ponto incidente com AC distinto de A e C, existe um ponto F na recta AB tal que D, E e F são colineares (ver Figura 1).

Inc6 – Existe pelo menos um ponto que não está no plano ABC.

Inc7 – A intersecção de dois planos quaisquer é uma linha (logo, não há planos paralelos). B D A C F E Figura 1

Para a compreensão destes axiomas, devemos ter em conta as seguintes definições:

Definição 1: Pontos incidentes com a mesma linha dizem-se colineares; o conjunto dos pontos incidentes com uma linha diz-se o pontual da linha.

Definição 2: Duas linhas que têm um ponto em comum dizem-se concorrentes.

Definição 3: Chama-se feixe (de rectas) de centro num ponto O ao conjunto de todas as rectas incidentes com O.

Definição 4: Um plano é o conjunto formado pelos pontos incidentes com as rectas de um feixe, juntamente com as rectas determinadas por pares desses mesmos pontos. Definição 5: Pontos ou rectas complanares são os que estão no mesmo plano.56

Como é usual, diz-se que um ponto tem dimensão zero, uma linha dimensão um, um plano dimensão dois e o espaço (conjunto formado por todos os pontos, rectas e planos), dimensão três.

Poder-se-ia pensar, por analogia com o que vimos no capítulo anterior, ser possível obter a geometria projectiva plana modificando da maneira óbvia os axiomas de incidência. O facto de isso não ser verdade é uma das surpresas da Geometria Projectiva; se fizermos essa modificação, obtemos um sistema axiomático fraco, onde

55 Costuma representar-se por AB a linha incidente com os pontos A e B.

56 É consequência imediata das definições e do axioma Inc5 que um plano contém todos os pontos de

cada uma das suas linhas e que pode ser definido por qualquer dos feixes nele contido. Costuma representar-se por ABC (respectivamente por Ar) o plano definido por três pontos não colineares (respectivamente por uma recta r e por um ponto A não incidente com ela)

(22)

não é possível provar certas proposições importantes (os teoremas de Desargues e Pappus, por exemplo), como se mostra recorrendo a modelos57. Assim, é conveniente juntar como axioma uma destas proposições (ou outra que lhe seja equivalente); para complicar a situação, o sistema obtido por adjunção da propriedade de Pappus é estritamente mais forte que o sistema resultante da adjunção da propriedade de Desargues ([Art], páginas 234 a 237). Prova-se, no entanto, que estas situações bizarras não podem ocorrer num plano projectivo contido num espaço projectivo tridimensional ([Art], páginas 232 e 233). Para a justificação (algo delicada) das afirmações anteriores, o leitor pode, para além das referências citadas, consultar com proveito [Cox2] ou [Blu] ou ainda o capítulo IV de [Sei].

Após esta breve digressão, voltemos à geometria plana, apresentando uma versão bidimensional do sistema de axiomas de Pieri (seguindo [Cox2]). Tal como a versão para o espaço anteriormente referida, baseia-se em duas noções indefinidas, ponto e linha e duas relações indefinidas, incidência e separação. Os axiomas estão divididos em três grupos: axiomas de incidência, de separação e de continuidade. Axiomas de incidência

I1 – Existem uma linha e um ponto não incidentes.

I2– Qualquer linha incide com pelo menos três pontos distintos.

I3 – Dados dois pontos distintos, existe uma única linha incidente com eles.

I4 – Duas linhas quaisquer incidem simultaneamente com pelo menos um ponto58 (logo, não há rectas paralelas).

I5 – Se três linhas distintas PP', QQ e ' RR' incidem com um ponto O, existe uma (única) linha incidente com os três pontos de intersecção A=QRQ' R',

' ' P R RP

B= ∩ , e C= PQP'Q'59 (isto é, estes pontos são colineares no sentido da Definição 1 −veja-se a seguinte figura)60.

Figura 2

57 O famoso plano de Moulton, que se pode ver em [Sam], páginas 46 a 48. 58 O ponto é evidentemente único.

59 Rigorosamente falando, a intersecção de duas rectas distintas define-se como o único ponto que incide

com ambas; não havendo perigo de confusão, não distinguiremos entre uma linha e o seu pontual e assim falaremos de intersecção no sentido da Teoria os Conjuntos, utilizando o símbolo ∩ da maneira usual.

60 É uma versão do Teorema de Desargues (facto que evidenciamos destacando os dois “triângulos”), que

(23)

Os axiomas de separação correspondem aos axiomas de ordem das geometrias referidas no capítulo anterior e procuram, em certo sentido, lidar com uma velha pecha dos Elementos de Euclides, o problema da ordenação de pontos dispostos sobre uma circunferência. Descrevem as propriedades da relação indefinida de separação entre dois pares de pontos; utilizaremos a notação AB||CD para indicar que os pontos A e B separam os pontos C e D. Antes de enunciarmos os axiomas de separação, temos de definir uma noção fundamental em Geometria Projectiva: a de perspectividade.

Definição 6:

a) Uma correspondência é uma bijecção f entre os pontuais (ou, mais geralmente, entre subconjuntos desses pontuais) de duas linhas r e 'r .

b) Uma correspondência diz-se uma perspectividade de centro no ponto O se para todo o ponto X incidente com a recta r, a recta Xf(X) incidir com o ponto O; costuma representar-se por X' a imagem do ponto X por meio de f e escreve-se X X'

O

∧ ou apenas X∧ se não houver perigo de confusão (ver Figura 3); ocasionalmente, X' utilizaremos ainda a notação XYZ... X'Y'Z'...

O

∧ , que é uma extensão óbvia da anterior.

X X' O r r' Figura 3

Definição 7: Consideremos dois feixes de rectas Ψ e 'Ψ , com centros nos pontos O e '

O , respectivamente. Diz-se que uma bijecção f: Ψ → 'Ψ é uma perspectividade relativamente a uma recta r, se para qualquer recta s do feixe Ψ, sf(s) incide com a recta r. Veja-se a Figura 4, onde representamos f(s) por 's como é usual.

O O'

r s

(24)

Axiomas de separação

S1 – Há uma linha que incide com pelo menos quatro ponto distintos61. S2 – Se AB||CD, os pontos A, B, C e D são colineares e distintos. S3 – Se AB||CD, então AB||DC.

S4 – Se os pontos A, B, C e D são colineares e distintos, verifica-se sempre exactamente uma das três hipóteses BC||AD, CA||BD ou AB||CD62.

S5 – Se AB||CD e AC||BE, então AB||DE.

S6 – Se AB||CD e ABCD∧A'B'C'D', então A'B'||C'D'.

Para ajudar a compreender o significado destes axiomas (dum ponto de vista informal, é claro) é útil pensar nos pontos dispostos sobre uma circunferência, como na seguinte figura. C A B X D Y Figura 5 Finalmente, temos o último axioma: Axioma de continuidade63

C – Dada uma qualquer partição de um segmento S em dois subconjuntos não vazios S1

e S2, tal que nenhum ponto de nenhum deles está entre dois pontos do outro, existe um

ponto num dos subconjuntos (digamos em S1) que está entre qualquer ponto de S1 e

qualquer ponto de S2 (veja-se a figura seguinte, tendo em conta a nota 64)

A S 2 S1

Figura 6

No enunciado deste axioma foram utilizados os termos segmento e entre, que passamos a definir.

61 Compare-se com o Axioma de incidência I2.

62 Este axioma pode ser substituído pela forma mais fraca: “Se os pontos A, B, C e D são colineares e

distintos, verifica-se pelo menos uma das três hipóteses BC||AD, CA||BD ou AB||CD ”, conforme se pode ver em [Cox2], página 26. Adoptámos a forma referida no texto a fim de simplificar a exposição.

63 Os axiomas até aqui apresentados não nos permitiriam distinguir entre o plano projectivo real e o plano

projectivo construído sobre o corpo dos números racionais, daí a necessidade deste último axioma, correspondente ao Axioma de Dedekind do corpo dos números reais; referimos ainda que há outras formas possíveis para o axioma de continuidade, que se podem ver em [Cox2], páginas 161 a 170.

(25)

Definição 8: Sejam A, B e C três pontos colineares.

a) O segmento

] [

AB \ é o conjunto dos pontos X tais que AB||CX (repare-se que C

] [

AB C

C∉ \ ).

b) O intervalo

[ ]

AB \ é o conjunto C

] [

AB \ ∪C

{

A,B

}

.

c) O intervalo

[ ]

XY \ diz-se interior ao intervalo C

[ ]

AB \ se C X, ∈Y

[ ]

AB \C e um ponto D está entre os pontos X e Y de

[ ]

AB \ se C D

] [

XY \C.64

B

A

C X

O segmento

] [

AB \ , a traço grosso C Figura 7

Após a apresentação de um sistema de axiomas, surgem de forma natural duas questões:

a) Será ele consistente (isto é, será impossível deduzir resultados contraditórios a partir dos axiomas)?

b) Será categórico (isto é, dois quaisquer modelos seus serão isomorfos)?

É evidente que se a resposta à primeira questão for negativa, o sistema é totalmente inútil; a partir de uma contradição, pode-se, por modus ponens, provar qualquer proposição. Quanto à segunda, se é certo que a categoricidade tem aspectos desejáveis (por exemplo, se tivermos um modelo65 com o qual seja fácil de operar, poderemos obter resultados gerais demonstrando propriedades nesse modelo, já que ele é único, a menos de isomorfismo), também é verdade que muitos sistemas axiomáticos extremamente importantes não possuem esta propriedade (por exemplo, em teoria de

64 Assim, se nos restringirmos a um segmento ou a um intervalo, recuperamos a relação “estar entre” dos

sistemas axiomáticos do primeiro capítulo.

65 Muito informalmente, podemos tentar definir modelo (um termo que, diga-se de passagem, já usámos

várias vezes…) como um “exemplo” do sistema, um conjunto de objectos que satisfazem os axiomas dados; assim, para testar a validade de um modelo, teremos que mostrar que nele se verificam os axiomas do sistema em causa. Para um estudo mais aprofundado destas questões de Lógica, sugerimos a consulta de [OlF3].

(26)

grupos, há grupos finitos e infinitos, comutativos e não comutativos, etc.), o que, de certo modo, pode ser visto como uma indicação da “flexibilidade” desses sistemas.

No caso dos dois sistemas axiomáticos referidos, ambos são consistentes e categóricos. Se a primeira propriedade é relativamente fácil de justificar, por meio de modelos66, a segunda é bastante mais difícil, pelo que remetemos o leitor para [Ve2] (caso da geometria no espaço) e para [Cox2] (caso da geometria no plano).

3. Algumas consequências simples dos axiomas. Projectividades numa recta.

Nesta secção, vamos fazer um estudo muito breve da Geometria Projectiva, desenvolvendo apenas aqueles assuntos que nos vão interessar para a abordagem das geometrias não euclidianas. O principal objectivo é definir e classificar as projectividades unidimensionais, com especial interesse nas involuções67, projectividades com propriedades muito especiais que vão ser extremamente importantes no estudo das geometrias não euclidianas.

3.1 Pontos harmónicos conjugados

Teorema 1: (Princípio da dualidade no plano)68

Se numa proposição qualquer sobre incidência de pontos e rectas trocarmos os termos “ponto” e “ recta”, obtemos uma proposição equivalente à dada.

Demonstração:

Basta observar que os axiomas de incidência implicam os seus próprios duais. ■

O resultado que se segue, além de interessante por si só, será utilizado diversas vezes, no estudo das propriedades da relação harmónica, na orientabilidade e nas involuções. Necessitamos de uma definição preliminar.

Definição 9: Três pontos não colineares A, B e C, definem um triângulo, tendo por vértices os pontos dados e por lados as rectas AB, BC e AC. Representamos esse triângulo por [ABC].

Teorema 2: Dados quatro pontos colineares, é possível trocar pares deles por meio de uma sequência de três perspectividades.

Demonstração:

Sejam dados os pontos A, A', B e B' e suponhamos que queremos efectuar a

permutação       B B A A B B A A ' ' ' '

. Traçamos um triângulo [TUP] cujos lados UP, PT, TU

66 Apresentaremos mais adiante modelos convenientes para a geometria projectiva bidimensional; quanto

à geometria no espaço, o leitor pode consultar [Cox1], páginas 24 e 25.

67 A título de curiosidade, é um dos raros nomes da terminologia original de Desargues (inspirada na

Botânica!) que sobreviveu até aos nossos dias; é de referir que Desargues estudou as involuções de um ponto de vista métrico, mas é possível provar que as definições projectiva e métrica coincidem nas situações em que ambas fazem sentido (veja-se o capítulo 8 de [Cox2]).

68 Existe um princípio de dualidade no espaço (permutar “pontos” com “planos”, não alterando “rectas”),

(27)

incidem com A, B e 'B respectivamente (ver a figura seguinte). Determinamos assim os pontos BP AS V TU P A S = ' ∩ e = ∩ A P B U V S T Figura 8 e então AABB USTB PVTB A AB B S A P ' ' ' ' ' ∧ ∧ ∧ , como queríamos. ■

Definição 10: Quatro pontos P, Q, R e S, não existindo três colineares, definem um quadrângulo (completo) PQRS, tendo por vértices os pontos dados e por lados as seis linhas QR, PS, RP, QS, PQ e RS. Os pontos A=QRPS, B= RPQS e

RS PQ

C = ∩ intersecção de “lados opostos” chamam-se pontos diagonais e são os vértices do triângulo diagonal (ver a figura seguinte).

P Q R B A S C Figura 9

O “dual” de um quadrângulo é um quadrilátero. Formalmente, tem-se

Definição 11: Quatro linhas rectas, p, q, r e s, não havendo três concorrentes, definem um quadrilátero (completo) pqrs, que tem por lados as rectas dadas e por vértices os seis pontos qr, qs,qp, ps, pre rs. As rectas definidas pelos vértices opostos,

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a, que incide com qr e ps; b, que incide com q∩ es pr; c, que incide com qp e rs

são as diagonais do quadrilátero e são os lados do triângulo diagonal (ver a figura seguinte). p c a r q s b Figura 10

Definição 12: Quatro pontos colineares A, B, C e D formam um conjunto harmónico se existir um quadrângulo tal que dois lados opostos incidem com A e os outros dois lados opostos incidem com B, enquanto que os restantes lados passam por C e D, respectivamente. Diz-se que C e D são conjugados harmónicos com respeito ao par de pontos A e B e escreve-se H(AB, CD).

Tem-se naturalmente a definição “dual” para linhas:

Definição 13: Quatro linhas rectas a, b, c e d, concorrentes num mesmo ponto, formam um conjunto harmónico se existir um quadrilátero tal que dois vértices opostos incidem com a, outros dois com b e os restantes vértices incidem com c e d, respectivamente. Diz-se que as rectas c e d são conjugadas harmónicas relativamente ao par de rectas a e b e escreve-se H(ab, cd).

Apresentamos a seguir uma construção (devida a Philippe de LaHire) para a construção do conjugado harmónico D69 de um ponto C em relação a um par AB. Dados os pontos A, B e C, traçamos um triângulo [PQR] cujos lados QR, RP, PQ passam por A, B e C, respectivamente. Determinamos assim um quadrângulo PRQS pondo S = APBQ (ver a figura seguinte). Finalmente, basta tomar D=RSAB.

69 O conjugado harmónico é único, conforme observado a seguir; existe uma construção análoga para a

construção da linha conjugada harmónica de uma linha recta dada, relativamente a um par de linhas conhecidas.

Referências

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