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I – A África Subsaariana e o Mercado Petrolífero Mundial

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Academic year: 2019

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Petróleo e Segurança Regional na África Subsaariana

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Marco Cepik e Lucas Oliveira**

Ao longo da última década, o petróleo tornou-se cada vez mais importante na agenda de segurança internacional. Os conflitos internos em países exportadores de petróleo e gás natural e a necessidade de os países importadores garantirem o acesso a estes recursos formam parte importante da paisagem internacional contemporânea, da América do Sul ao Cáspio, passando pelo Iraque.

Na África subsaariana os recursos petrolíferos estão relacionados às principais dinâmicas de segurança. No nível nacional e regional, o petróleo é alvo de disputas entre governos e diferentes tipos de grupos armados (como acontece hoje no Delta do Níger, em Cabinda ou no sul do Sudão), além de ser motivo de contendas pela demarcação de fronteiras terrestres ou marítimas (caso da península de Bekassi, disputada pela Nigéria e Camarões). O petróleo chega a ser o principal alvo de disputas em algumas guerras civis africanas, declaradas ou não, especialmente nos casos em que é a principal fonte de receitas dos governos, que utilizam esses recursos na aquisição de armamentos para tentar combater os insurgentes.

Considerando os aspectos globais, o petróleo também se tornou a principal razão pela qual as grandes potências procuram manter ou ampliar sua presença política, diplomática e militar no continente africano. Afinal, a interferência das grandes potências nas dinâmicas securitárias africanas tende a ser maior justamente por parte dos grandes importadores de petróleo, tais como a Europa, Estados Unidos e, mais recentemente, a China.

Esta presença se materializa com a presença de conselheiros militares, programas de treinamento militar, acordos de combate ao terrorismo, exercícios militares, presença temporária de tropas, empresas militares privadas prestando serviços de proteção à

* Artigo produzido em maio de 2007.

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infra-estrutura das petrolíferas ou aos governos locais, ou mesmo a instalação de novas bases militares no continente, tanto por parte da França quanto dos Estados Unidos. O caso da China é um pouco distinto porque este país tenta garantir seu acesso aos recursos que sua gigantesca economia em rápido crescimento necessita por meio de financiamentos para a reconstrução de infra-estrutura e apoio diplomático aos governos dos países fornecedores de commodities.

No caso dos Estados Unidos, são exemplos do seu renovado interesse na região a ampliação de suas instalações navais em São Tomé e Príncipe para o monitoramento do tráfego marítimo no Golfo da Guiné, principal região petrolífera da África, assim como o anúncio feito pelo presidente Bush em fevereiro de 2007 a respeito da criação de um novo comando unificado (Africom) e as recentes sanções unilaterais contra o Sudão em função de Darfur.

Por sua vez, as potências regionais também buscam ampliar ou garantir sua segurança energética e procuram ampliar sua presença no continente africano, sobretudo na própria África do Sul, mas também na Índia e mesmo no Brasil.

Para avançar um pouco mais na análise do possível vínculo causal entre variações na indústria do petróleo e variações nas dinâmicas de segurança da África subsaariana, na próxima seção do artigo acrescentamos algumas evidências sobre a importância crescente do petróleo da região. Na segunda seção, analisamos a variável da segurança regional, concluindo ao final que o petróleo tende a impactar as dinâmicas securitárias da África subsaariana de maneira diversa no Golfo da Guiné e no Chifre da África, com resultados que estão longe de ser unívocos.

I – A África Subsaariana e o Mercado Petrolífero Mundial

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atual faixa de preços entre US$ 55,00 e US$ 65,00 por barril, tendo atingido mais de US$ 70,00 por barril em 2006.

Vários fatores vêm aumentando a relevância estratégica da África subsaariana no mercado petrolífero mundial. Em primeiro lugar, é preciso destacar as novas descobertas de reservas de petróleo na África subsaariana nas duas últimas décadas, que garantiram um aumento dessas reservas da ordem de 100% entre 1985 e 2005, sendo que na parte subsaariana do continente este crescimento foi de 175%.

Além das reservas, neste mesmo período a produção africana saltou de 5,4 milhões de barris de petróleo por dia para 9,83 milhões de barris por dia. A África subsaariana foi a região do mundo onde esse aumento foi mais significativo, passando de 2,2 milhões para 5,3 milhões de barris diários. Isto significou um aumento de 9,45% para 12,13% da produção mundial. Se for considerada apenas a parte da produção mundial que é exportada, a África representa uma fatia ainda maior, de 14,9%, mesmo possuindo somente 9,52% das reservas mundiais conhecidas.

Em termos comparativos, em 2005 a produção de petróleo total do continente africano tomada em conjunto superou em mais de três milhões de barris diários a produção de 6,83 milhões de barris/dia dos Estados Unidos e ficou pouco acima da produção russa (9,55 milhões de barris/dia), perdendo apenas para a Arábia Saudita (11 milhões de barris/dia), o maior produtor mundial.

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em 2005. Finalmente, cabe mencionar o caso do Chade, que começou a exportar um volume significativo de petróleo apenas em 2003, mas já em 2005 havia atingido uma produção de 168 mil b/d.

Este processo geral de crescimento das reservas e da produção regional tem atraído não apenas as grandes corporações petrolíferas mundiais, mas também os governos dos grandes países importadores, especialmente Estados Unidos e China, que são os dois maiores consumidores mundiais e também os dois maiores importadores de petróleo africano (respectivamente 2,4 milhões e 773 mil barris/dia). Além da China e dos Estados Unidos, a União Européia também possui alto nível de interesse nos vínculos entre petróleo e segurança na África, de onde chegam 2,6 milhões de barris de petróleo para seu consumo diário.

Do lado dos países produtores na África subsaariana, Nigéria, Angola e Sudão podem ser considerados grandes produtores de petróleo na atualidade. Mesmo no caso do Sudão, cuja produção atual é pouco superior à da Guiné Equatorial e bastante modesta se comparada com a da Nigéria e da Angola, o ritmo das novas descobertas de petróleo e do crescimento da produção e das exportações no país permitem afirmar que, dentro de alguns anos, este país consolidará sua posição de terceiro grande produtor regional. O ingresso da Angola na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em dezembro de 2006 e a participação do Sudão como observador convidado pela Nigéria nas reuniões da organização indicam que os três países estão conscientes de sua relevância estratégica para o setor petrolífero mundial e procuram atingir objetivos de política externa diretamente relacionados a essa nova condição.

Como os três países enfrentam ou enfrentaram recentemente conflitos armados internos de grande impacto internacional, é preciso situar o papel dos recursos energéticos e riquezas naturais nestes conflitos para que se tenha uma noção mais precisa de como as diferentes dinâmicas regionais de segurança na África tendem a ser afetadas pelo petróleo.

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A chamada Teoria dos Complexos Regionais de Segurança (em inglês, Regional Security Complex Theory (RSCT)) consiste na verdade de um modelo descritivo que tenta dar conta da complexidade das dinâmicas regionais de segurança no mundo após a Guerra Fria e de sua importância na conformação da ordem mundial.

A estrutura essencial de um dado complexo regional de segurança seria conformada por três tipos de relações: (1) a distribuição de poder entre os Estados da região, chamada de polaridade regional; (2) os padrões de amizade-inimizade entre os atores relevantes, que definem o grau de polarização; (3) as relações de poder com atores externos à região, especialmente as grandes potências; (4) a fronteira de exclusão que permite diferenciar um complexo de outro, considerando pertencimentos exclusivos de cada país a um ou outro complexo; (5) a anarquia, o que significa que, em princípio, um complexo regional de segurança deve ser composto por duas ou mais unidades autônomas.

Uma das principais deficiências do modelo de Buzan e Weaver é a ausência de critérios para classificar os complexos regionais de segurança na África. Mesmo aceitando que o norte da África esteja mais integrado às dinâmicas de segurança do Oriente Médio do que ao restante da África subsaariana, a divisão da África negra em três complexos de segurança distintos (Austral, Central e Chifre da África) ainda carece de fundamentos explicativos mais sólidos. Desde meados da década de 1990, as guerras civis e tragédias humanitárias na região dos grandes lagos (sobretudo Ruanda) e a guerra na República Democrática do Congo parecem ter conectado de maneira inseparável as dinâmicas de segurança das regiões austral e central.

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principais competidores políticos nos seus próprios subcomplexos de segurança, ou seja, com a Angola na região austral e com o Sudão na região do Chifre da África.

No caso do subcomplexo regional da África Central, a Nigéria é simultaneamente o maior produtor de petróleo e a maior potência militar na região. A zona petrolífera desta região abrange todo o Golfo da Guiné, envolvendo grandes produtores como a Nigéria e a Guiné Equatorial, produtores menores e tradicionais como o Gabão, Camarões, Congo-Brazzaville e Congo-Kinshasa, além de novas áreas produtoras na Costa do Marfim e São Tomé e Príncipe. No Golfo da Guiné, as disputas pelo controle das áreas petrolíferas e pela renda da comercialização do petróleo misturam-se às disputas entre províncias e governos centrais, muitas vezes envolvendo também rivalidades históricas. Como a produção de petróleo principal na região austral da África também se dá na costa atlântica de Angola, pode-se dizer que a dimensão energética da segurança regional é o principal fator integrador das dinâmicas de segurança dos dois subcomplexos.

Ainda que a prolongada guerra civil em Angola (1962-2002) e as diversas tensões e conflitos violentos ocorridos na Nigéria desde sua independência até o começo do atual período de democratização (1960-2003) de maneira alguma possam ser reduzidos ao petróleo, em ambos os países existem atualmente conflitos armados em que a questão da redistribuição das rendas geradas pela exploração, produção e distribuição do petróleo tem um papel decisivo. No caso de Angola, trata-se do separatismo na região petrolífera de Cabinda e, no caso da Nigéria, da luta armada nos estados produtores de petróleo localizados no sul do país, especialmente no delta do rio Níger.

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A região do Golfo da Guiné também tem sido marcada por disputas fronteiriças em regiões petrolíferas localizadas no continente e no mar, sejam estas zonas produtoras tradicionais ou recém-descobertas. Estas zonas vivenciaram disputas entre Camarões e Nigéria, entre São Tomé e Príncipe e Nigéria (resolvida pelo estabelecimento de uma zona de desenvolvimento conjunto com 40% para São Tomé e 60% para a Nigéria), ou a disputa pelas zonas marítimas adjacentes à ilha Annodon, envolvendo Gabão, Guiné Equatorial, São Tomé e Angola. Além destas disputas, pode-se citar a complexa disputa envolvendo a zona litorânea entre Angola (e o enclave de Cabinda), a República Democrática do Congo (ex-Zaire) e o Congo-Brazzaville. No caso da disputa entre Angola e Congo-Brazzaville na zona offshore que inclui os campos de Moho e

Milombo, esta também foi parcialmente resolvida com a criação de uma área de desenvolvimento conjunto em que os dois países dividirão a produção. Em todos estes casos, as disputas foram militarizadas, no sentido de que o uso da força foi considerado pelos governos dos países como uma possibilidade real e graus diversos de diplomacia coercitiva foram utilizados durante os processos de negociação.

O subcomplexo de segurança do Chifre da África não chega a ser integrado a nenhum dos outros dois pela presença do petróleo em si mesmo, mas sim e principalmente pela participação de alguns dos governos e grupos armados da região em guerras civis e disputas na costa oriental africana e na África central, sobretudo na República Democrática do Congo. No entanto, considerando-se que o Chifre da África é a região mais conflitiva (com alto grau de polarização e instabilidade) do continente neste momento histórico, é relevante considerar como o petróleo participa dos conflitos no subcomplexo.

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o governo federal e o principal grupo rebelde no sul, que hoje controla com grande autonomia as principais províncias petrolíferas do centro-sul do Sudão. Entretanto, o petróleo parece ter aumentado seu potencial para influenciar em novos conflitos, como nas três províncias de Darfur, onde grupos que antes apoiavam o governo de Cartum se manifestaram contra a divisão dos recursos com as províncias do sul e iniciaram uma nova onda de rebeliões armadas desde 2004.

O petróleo também está na raiz de algumas das disputas armadas com países fronteiriços do Sudão, especialmente com o Chade, mas também com a Eritréia, inclusive pela delimitação das zonas de exploração marítima no Mar Vermelho.

Ao mesmo tempo, a região do Chifre da África sofre uma relativa sobreposição das dinâmicas securitárias regionais pelas agendas globais, ligadas à importante rota de transporte de petróleo pelo Mar Vermelho. Principalmente em virtude dos pontos de “estrangulamento”, como o Estreito de Bab el-Mandeb, entre o mar Vermelho e o Golfo de Áden e o Mar da Arábia, por onde passam cerca de 3,3 milhões de barris por dia e onde ocorreu em 2000 o ataque terrorista atribuído à Al Qaeda que destruiu parcialmente o navio de guerra norte-americano USS. Cole.

Este tipo de estreito, localizado entre o Iêmen, na península arábica, e a Eritréia, Djibuti e Somália, do lado africano, é alvo de militarização crescente por parte de potências não-africanas. Esta se manifesta pela presença constante de navios de guerra dos Estados Unidos, França e Reino Unido, mas também pela presença de tropas terrestres em bases permanentes, dos EUA e da França. O recente apoio norte-americano à invasão da Somália pelas Forças Armadas etíopes parece reforçar a noção de que o controle desta rota é estratégico.

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