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Psicopatia, criminalidade e empatia: resultados de uma amostra prisional portuguesa

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Academic year: 2021

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PSICOPATIA, CRIMINALIDADE E EMPATIA: RESULTADOS DE UMA AMOSTRA PRISIONAL PORTUGUESA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

ALBERTO ÓSCAR PEREIRA DE ALMEIDA VAGAROSO

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Orientador: Francisco Manuel dos Santos Cardoso Co-orientadora: Alice Margarida Martins dos Santos Simões

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

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UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO

PSICOPATIA, CRIMINALIDADE E EMPATIA: RESULTADOS DE UMA AMOSTRA PRISIONAL PORTUGUESA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

ALBERTO ÓSCAR PEREIRA DE ALMEIDA VAGAROSO

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Tese realizada no âmbito do projecto “ Contributos para a compreensão de

comportamentos forenses, no âmbito de uma teoria geral da afectividade” da

responsabilidade do Prof. Dr. Francisco Cardoso e da Prof. Dra. Alice Simões

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Dissertação de mestrado submetida à Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro como requisito para a conclusão do Mestrado em Psicologia Clínica ao abrigo do artigo 23º do Decreto – Lei 74/2006 de 24 de Março e conforme ao regulamento do 2º ciclo de estudos de Psicologia, em vigor na Escola de Ciências Humanas e Sociais da mesma universidade.

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Agradeço…

Ao Professor Doutor Francisco Cardoso pelo acompanhamento.

À Lília, por toda sua ajuda, partilha de ideias, apoio e disponibilidade incondicionais.

À minha irmã, Alexandra, pelo apoio e preocupação.

E, por último, manifesto a minha sincera gratidão, aos meus pais, pelo apoio incondicional, sua crença em meu potencial e por terem alimentado este meu objectivo.

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“Para dar luz aos sentados na escuridão E na sombra da morte, Para dirigir os nossos pés, Prosperamente no caminho da paz”.

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Índice Geral

Agradecimentos III

Índice de Tabelas VI

Índice de Anexos VII

Resumo VIII Abstract IX Enquadramento Teórico Resumo A psicopatia 1 Psicopatia e reincidência 3

Empatia e suas componentes 4

Empatia Afectiva vs Contágio Emocional 6

Empatia e violência 7

Relação entre psicopatia e empatia 9

Evidências empíricas na relação psicopatia e empatia 11

Empatia como um factor protector para a psicopatia 14

Referências bibliográficas 16

Estudo Empírico Resumo

Abstract

Psicopatia, criminalidade e empatia 23

Método 30 Participantes 30 Procedimentos 34 Instrumentos 35 Análise de dados 37 Resultados 39

Discussão dos Resultados 53

Conclusão 60

Referências bibliográficas 63

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Índice de Tabelas

Tabela 1 Características Sócio-demográficas da Amostra Comunitária e Prisional.

31

Tabela 2 Características Jurídico-Penais (Crimes) da Amostra Prisional.

33

Tabela 3 Características Jurídico-Penais (Reincidência) da Amostra Prisional.

33

Tabela 4 Comparação entre os grupos de psicopatia e a empatia geral através do teste ANOVA One-way.

45

Tabela 5 Comparação entre os grupos de psicopatia e a empatia cognitiva através do teste ANOVA One-way.

46

Tabela 6 Comparação entre os grupos de psicopatia e a empatia afectiva através do teste ANOVA One-way.

47

Tabela 7 Comparação entre os tipos de crime e a empatia geral através do teste ANOVA One-way

49

Tabela 8 Comparação entre a reincidência (grupos de reincidentes e não reincidentes) e a empatia geral através do teste

t-Student.

50

Tabela 9 Comparação entre populações independentes (comunitária vs prisional) quanto aos níveis de psicopatia e de empatia através do teste t-Student

51

Tabela 10 Comparação entre populações independentes (comunitária vs prisional) quanto aos níveis de empatia cognitiva e afectiva através do teste t-Student.

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Índice de Anexos

Anexo A Consentimento Informado 69

Anexo B Questionário Sócio-Demográfico para a Amostra Comunitária 71 Anexo C Questionário Sócio-Demográfico para a Amostra Prisional -

Preenchido pelos Reclusos 73

Anexo D Questionário Júridico-Penal preenchido pelos elementos responsáveis pela gestão e segurança do estabelecimento prisional

75

Anexo E Normalidade das variáveis em estudo 77

Anexo F Consistência Interna das Escala utilizada no presente estudo

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Resumo

A psicopatia é um construto psicológico, que se demarca pelos seus traços anti-sociais que redundam muitas vezes no delito, e, fundamentalmente, por um conjunto de características específicas a nível interpessoal e afectivo. Se os traços anti-sociais não oferecem dúvidas desconcertantes quanto à sua fenomenologia e como se manifestam, a mesma harmonia não é comungada no campo afectivo/interpessoal.

Os psicopatas são encarados como indivíduos manipuladores, superficiais, emocionalmente indiferentes e extremamente racionais e lógicos. No entanto, a literatura actual ainda não identificou a falha afectiva, e o modo como esta alimenta a existência de extremas dificuldades em sentirem compaixão pelo outro.

A comunidade científica tem evidenciado a empatia como a principal responsável desta falência, explorando-se a relação entre psicopatia e a empatia e as dimensões que a compõem, a empatia cognitiva e afectiva. Os estudos com amostras comunitárias e em contextos forenses afirmam de um modo geral que é principalmente ao nível da componente afectiva que se faz sentir as mais intensas dificuldades, invocando-se que os indivíduos com psicopatia falham, não no reconhecimento da emoção, mas na partilha da mesma. Todavia, ainda não existe uma harmonia no seio da comunidade científica. São estas questões que o actual estudo pretende analisar a partir dos dados obtidos numa amostra prisional.

As análises não confirmaram a relação entre o grupo com índices de psicopatia mais elevados e a empatia a nível estatístico (p=.059), todavia, ao nível da componente afectiva da empatia foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (p=.03), entre os grupos de psicopatia na amostra forense.

Mais estudos neste sentido poderão constituir a alavanca para encontrar respostas mais fidedignas no caminho para a reabilitação de agressores violentos institucionalizados categorizados com psicopatia.

Palavras-chave: Psicopatia; Empatia; Empatia cognitiva; Empatia afectiva; Violência;

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Abstract

Psychopathy is a psychological construct which stands out for its antisocial traits that too often result in the offense, and, basically, by a set of specific features at the interpersonal and emotional level. If the antisocial traits don’t offer no doubts as to its confusing phenomenology and how they manifest, the same harmony is not communicating in the affective / interpersonal field.

Psychopaths are seen as manipulative, superficial, emotionally flat and extremely rational and logical individuals. Yet the current literature has not identified the failure of affection, and how it feeds the existence of the extreme difficulties in feeling compassion by the other.

The scientific community has shown empathy as the main cause of this failure, exploring the relationship between psychopathy and empathy and it’s dimensions, the cognitive and emotional empathy. Studies with community samples and forensic settings say in general that is mainly at level of the affective component that is felt the most intense difficulties, claiming that individuals with psychopathy fail, not on emotion recognition, but in sharing the same. Unfortunately, there is no harmony within the scientific community. These are the questions that the present study demands to examine these data in a prison sample.

The analysis could not confirm the relationship between the higher levels psychopathy and empathy at statistical level (p=.059), however, at the emotional empathy were found statistical differences (p=.03) among the groups of psychopathy in the forensic sample.

More studies in this direction could be the lever to find answers in the most reliable way to rehabilitate institutionalized violent offenders categorized with psychopathy.

Key-words: Psychopathy, Empathy, Cognitive empathy, Affective empathy, Violence,

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ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Psicopatia, Criminalidade e Empatia: resultados de uma amostra prisional portuguesa

Alberto Óscar Pereira de Almeida Vagaroso

Departamento de Educação e Psicologia Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

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Resumo

A psicopatia é um construto psicológico, que se demarca pelos seus traços anti-sociais que redundam muitas vezes no delito, e, fundamentalmente, por um conjunto de características específicas a nível interpessoal e, sobretudo, afectivo. Se os traços anti-sociais não oferecem dúvidas desconcertantes quanto à sua fenomenologia e como se manifestam, a mesma harmonia não é comungada no campo afectivo/interpessoal.

Os psicopatas são encarados como indivíduos manipuladores, superficiais, emocionalmente indiferentes e extremamente racionais e lógicos. Contudo, a literatura actual ainda não identificou a falha afectiva, e de que modo alimenta a existência de traços da personalidade tão dissimulados, extremas dificuldades em se compadecerem afectivamente pelo outro e de desprezar tão veemente as regras morais societárias.

Mesmo assim, a comunidade científica tem evidenciado a empatia como a principal responsável desta falência, ao explorar-se a relação entre psicopatia e as dimensões que compõem a empatia, a empatia cognitiva e afectiva. Os estudos com amostras comunitárias e em contextos forenses afirmam que é sobretudo ao nível da componente afectiva que se fazem em sentir as maiores dificuldades, invocando-se que os indivíduos com psicopatia falham, não no reconhecimento da emoção, mas na partilha da mesma.

São estas questões que o actual estudo pretende analisar a partir dos dados obtidos numa amostra prisional, de forma, a que se constitua mais um contributo científico nesta odisseia analítica, procurando-se, deste modo, respostas mais fidedignas no caminho da reabilitação de agressores violentos institucionalizados.

Palavras-chave: Psicopatia; Empatia; Empatia cognitiva; Empatia afectiva; Violência;

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A Psicopatia

A psicopatia é percepcionada como um construto da personalidade (Blair, Mitchell, & Blair, 2005) que inclui um conjunto de características e comportamentos específicos a nível do estilo de vida, interpessoal e afectivo (Hare & Neumann, 2009).

Em maior detalhe, o estilo de vida do indivíduo com psicopatia aparece tradicionalmente associado a uma mistura de traços ofensivos e violentos da personalidade e a comportamentos anti-sociais (Williams, Paulhus, & Hare, 2007). No nível interpessoal, eles são descritos com um grande sentido de grandiosidade e com elevada auto-estima, indignos de confiança, superficiais e manipuladores. Por último, a nível afectivo, os indivíduos com esta patologia são encarados como frios, insensíveis, incapazes de estabelecer laços emocionais significativos com outros, com falta de empatia, culpa e remorso (Hare & Neumann, 2009), além de não se preocuparem com o outro e de não sentirem compaixão ou qualquer outra emoção significativa (Eisenbarth, 2008).

Esta assumpção corrobora o que fora postulado por Robert Hare (1991; Harpur, Hakstian, & Hare, 1988; cit. por Patrick, 2007, p. 219), e que é conhecida como a teoria dos dois factores. A psicopatia é, então, pormenorizadamente caracterizada pelo Factor 1 que se refere aos défices no processamento afectivo (ausência de remorsos, sentimento de culpa, empatia e de profundidade emocional) e no aspecto interpessoal (charme, grandiosidade, comportamento traiçoeiro e manipulador), e pelo Factor 2, que é marcado por características relacionadas com um estilo de vida anti-social crónico, com problemas comportamentais na infância, impulsividade, irresponsabilidade e ausência de objectivos a longo-prazo.

Uma das características mais influentes e específicas no surgimento desta patologia - a psicopatia - é um défice no processamento afectivo, nomeadamente, ao nível da empatia. Aliás, isto levou a que Blair et al. (2005) demarcassem o conceito de psicopatia de outros onde os indivíduos participam, igualmente, em comportamentos anti-sociais, sustentando que a psicopatia identifica um tipo de população que partilha a mesma etiologia, ou seja, uma disfunção de formas muito específicas no processamento emocional, enquanto que nas outras perturbações similares, a população não partilha essa mesma etiologia.

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Em adição, ao contrário dos agressores com perturbações similares (e.g. perturbação anti-social da personalidade; PASP), a população com psicopatia não parece sofrer de mal-estar pessoal e não vêem problemas nas suas atitudes e comportamentos, sendo que apenas procuram tratamento quando é do seu interesse pessoal (e.g. como quando desejam suspensão da pena ou liberdade condicional) [Hare & Neumann, 2009]. Portanto, destina-se à psicopatia traços muito específicos na forma de agir e estar e que a torna única face às demais. De facto, é comummente afirmado que a associação entre a PASP e a psicopatia é assimétrica, uma vez que a maioria dos sujeitos com PASP não são “psicopatas”, no entanto, a maioria dos sujeitos com psicopatia são diagnosticados com PASP (Gacono, 2000; Hare, 1996; Ogloff, 2006; Warren, 2006; cit. por Hare & Neumann, 2009, p. 796).

A literatura vigente suporta sistematicamente que a psicopatia padece de uma falta de empatia (Decety & Moriguchi, 2007; Flight & Forth, 2007; Mullins-Nelson, Salekin, & Leistico, 2006), sendo mais notória essa ausência ou défice quando é comparada a outros indivíduos sem psicopatia (Book, Quinsey, & Langford, 2007). No mesmo sentido, novas considerações de cariz biológico propõem que existem deformações na integridade microestrutural da parte direita do “uncinate fasciculus”, que pode estar relacionada com os défices no processamento das memórias autobiográficas emocionais que, por sua vez, podem estar na origem de traços psicopáticos, como o afecto superficial e a falta de empatia (Craig et al., 2009). Deste modo, estes autores vão para além da influência da amígdala (Blair, 1995; cit. por Decety & Moriguchi, 2007, p. 14) e/ou do córtex orbito-frontal (Shamay-Tsoory, Harari, Aharon-Peretz, & Levkovitz, 2009) no aparecimento da psicopatia, colocando a tónica nas conexões entre estas estruturas em indivíduos com psicopatia.

Mesmo as novas propostas de Cooke e Michie (2001; cit. por Patrick, 2007, p. 219), que indicam uma estrutura tripartida que funciona em contraponto com a teoria de dois factores na PCL – R de Hare (1991; cit. por Patrick, 2007, p. 219), reforçam a

“experiência afectiva deficiente”, nomeadamente, ao nível da empatia. Assim, mais

uma vez, se confirma a cadência de estudos e autores que sublinham a ausência da empatia como marca particular deste fenómeno mental.

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Psicopatia e reincidência

No que concerne à prática sistemática de crimes ou na recorrente participação de delitos, a literatura assume que a psicopatia está fortemente associada com o comportamento criminal e a reincidência (Hare, Cooke, & Hart, 1999; cit. por Mc Craig

et al., 2009, p. 1).

Em amostras forenses e com respeito à reincidência criminal, Harris, Rice e Cormier (1991) detectaram fortes relações entre a psicopatia e a reincidência violenta, pois, em contraponto com os indivíduos sem traços psicopáticos (criminosos com história de comportamento criminal violento e com dificuldades de ajustamento social), os indivíduos categorizados como psicopatas exibiam níveis muito mais elevados de reincidência violenta. Desta forma, os autores inferiram que as diferenças entre psicopatas e não psicopatas, ao nível da violência reincidente, não podem ser apenas atribuídas apenas ao comportamento criminal praticado, mas, também, ao volume de práticas criminais levadas a cabo. Estes dados corroboram o que é afirmado por Jolliffe e Farrington (2004), isto é, os psicopatas são mais violentos e têm maior propensão para reincidirem criminalmente que os não psicopatas. Além disto, também as dimensões que caracterizam e perfazem o construto de psicopatia (e.g. estilo anti-social, interpessoal e afectivo) se demonstram factores capazes de predizer a reincidência (Tengström, Grann, Langstrom, & Kullgren, 2000), de facto, estes autores apuraram, ainda, que outros factores de risco (história criminal; abuso de álcool na adolescência, desadaptação escolar, entre outros) não explicam tão convenientemente a reincidência violenta.

Também os autores portugueses sustentam esta realidade, de facto, Lobo (2007) assume que a taxa de reincidência nos psicopatas tende a ser maior e por crimes mais violentos, que a de agressores sem psicopatia. Em complemento, é evocado ainda que “

os psicopatas apresentam um maior número de fracassos no cumprimento das liberdades condicionais, além de que é o grupo com menos permeabilidade a qualquer modificação do comportamento através de programas de reabilitação” (Lobo, 2007, p.

15).

Mesmo em amostras comunitárias foram detectadas associações entre a psicopatia e a conduta anti-social, nomeadamente na agressão indirecta, como os comportamentos de exclusão social, o uso de humor malicioso e a indução de culpa no outro (Warren & Clarbour, 2009), actos que são quotidianamente repetidos e que não

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são alvo de tentativas de refreio ou moderação. Segundo os autores, estes dados suportam a hipótese de que a psicopatia e o uso de agressão indirecta numa população não criminal, se deve à impulsividade e à frieza emocional próprias da psicopatia.

Empatia e suas componentes

No que concerne à empatia, Decety e Moriguchi (2007) consideram-na como a capacidade de partilhar e entender estados emocionais dos outros em referência ao próprio, exercendo, ainda, um importantíssimo papel na interacção social.

A nível fenomenológico, a empatia denota uma semelhança entre os sentimentos experienciados pelo próprio e aqueles experienciados pelo outro indivíduo. Saliente-se que esta partilha de sentimentos com outra pessoa não implica, necessariamente, que o próprio aja ou se sinta impelido a agir de modo apoiante ou simpático (Decety & Jackson, 2004).

Por esta razão, Ickes (1997; cit. por Decety & Jackson, 2004, p. 73), acrescenta que a empatia se distingue por ser uma forma complexa de inferência psicológica na qual a observação, a memória, o conhecimento e o raciocínio são combinados de modo a suster ou a suscitar insights acerca dos pensamentos e sentimentos dos outros. É através desta assumpção que se intui que a empatia não envolve apenas um reconhecimento e entendimento do estado emocional do outro (ou pelo menos o estado emocional mais provável) mas, também, uma experiência afectiva do estado emocional da outra pessoa (Ickes, 1997; cit. por Decety & Jackson, 2004, p. 73).

É a presença de distintas vertentes ou mecanismos dentro do construto da empatia, (o reconhecimento e entendimento do estado afectivo do outro indivíduo e a partilha afectiva do mesmo sentimento/emoção ou, pelo menos, congruente) que impeliu Feschbach (1989; cit. por Mullins-Nelson et al., 2006, p. 135) a desenvolver um modelo cognitivo-afectivo, de forma a demonstrar como esses dois factores funcionam em conjunto dentro do fenómeno total da empatia.

Posto isto, Feschbach (1989; cit. por Mullins-Nelson et al., 2006, p. 135) entendera que a componente cognitiva correspondia a uma habilidade fulcral na avaliação e discriminação das pistas afectivas de outra pessoa (e.g. o riso e o sorriso) e das pistas afectivas negativas (e.g. choro). Além disto, o indivíduo deverá, ainda, tomar a perspectiva das outras pessoas (e.g. avaliando o porquê da outra pessoa se estar a

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expressar com uma emoção como o sorriso ou o choro). Esta componente seria apelidada de empatia cognitiva (Blair, 2008; Blair & Blair, 2009) por se referir à representação do estado mental interno de outro indivíduo.

Em relação à segunda componente, a empatia afectiva (Blair, 2008) é interpretada como a responsividade emocional, consistindo na capacidade de sentir como a outra pessoa se sente também. Isto requer que o indivíduo não só compreenda a perspectiva do outro, como comungue igualmente do seu estado emocional (Feschbach, 1989; cit. por Mullins-Nelson et al., 2006, p. 135).

No que concerne ao ponto de vista biológico e neuronal também se comprova a existência de diferentes estruturas cerebrais envolvidas nos diferentes mecanismos subjacentes à empatia (a empatia cognitiva e a empatia afectiva). No que diz respeito à empatia cognitiva, esta é implementada pela resposta neural integrada das regiões temporais e parietais, pólo temporal e o córtex paracingulado (Frith, 2001; cit. por Blair, 2005, p. 704). Em oposição, a empatia emocional, é promovida por sistemas parcialmente separados (todos requerendo o córtex temporal superior) que variam de acordo com a resposta do indivíduo face a diferentes emoções. Nas expressões de medo/tristeza/alegria intervém a amígdala, na repulsa, por sua vez, intervém a ínsula e na raiva intervém o córtex ventro-lateral frontal (Frith, 2001; cit. por Blair, 2005, p. 704). Deste modo, as evidências biológicas contribuem para refutar a visão da empatia como uma capacidade unitária mediada por um sistema unitário. Em vez disso, coexistem uma vasta variedade de diferentes funções que são mediadas parcialmente por sistemas distintos (Blair, 2005).

Imbuídos da multidimensionalidade do conceito de empatia, Decety e Jackson (2004) propuseram, então, três componentes basilares que interagem dinamicamente para produzir a experiência da empatia no ser humano: a partilha afectiva entre o “self” e o outro, baseado na combinação acção-percepção que conduz a representações partilhadas; a consciência eu-outro, mesmo que ocorra uma identificação temporária, mas sem qualquer confusão entre o “self” e o outro; e, por fim, uma flexibilidade mental para adoptar a perspectiva subjectiva do outro e, também, os processos regulatórios.

Relativamente à partilha afectiva, esta consiste na componente emocional da empatia e parte da excitação ou activação emocional gerada pela apreensão ou compreensão do estado afectivo do outro (Decety & Jackson, 2004). Em respeito às outras dimensões, a consciência eu-outro e a flexibilidade mental para adoptar a

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perspectiva subjectiva do outro e, ainda, a auto-regulação emocional adoptam um maior cariz cognitivo.

Neste seguimento, no que subsiste à consciência eu-outro, a empatia exige que alguém requeira a adopção, de um modo mais ou menos consciente, do ponto subjectivo do outro, na relação com ele próprio (Decety & Moriguchi, 2007), isto é, que ocorra a habilidade de reconhecer que as perspectivas do self e do outro são partilhadas (Meltzoff & Gopnik, 1994; cit. por Decety & Jackson, 2004, p. 81). Portanto, é crucial o reconhecimento da outra pessoa como o self, mantendo, todavia, uma clara separação entre o self e o outro (Decety & Moriguchi, 2007).

No que respeita à flexibilidade mental e à auto-regulação estas são primordiais na totalidade do fenómeno empático, uma vez que são necessárias para regular a perspectiva de si próprio, activada pela interacção com os outros ou mesmo a mera imaginação dessa interacção (Decety & Jackson, 2004).

Na mesma linha de pensamento, Batson (2009) defende que estes componentes podem, no entanto, ser facilmente confundidos com o fenómeno integral da empatia. Em certa medida, esta confusão é justificável, pois os conceitos mencionados correspondem a elementos constitutivos da empatia. Todavia, estes conceitos não se podem tomar por isolados, pois não bastam para perfazer e reproduzir a totalidade do fenómeno da empatia. Posto isto, o autor adverte que conceitos como “saber o estado

interno do outro, incluindo os seus pensamentos e sentimentos” ou o acto de se “sentir como se sente a outra pessoa” constituem apenas definições dos distintos aspectos que

compõem a empatia e não satisfazem, por si só, a compreensão do processo empático genuíno, uma vez que as componentes estão inter-relacionadas e devem agir uma com a outra de forma a produzir a experiência subjectiva da empatia (Batson, 2009; Decety & Jackson, 2004).

Empatia Afectiva vs Contágio Emocional

De acordo com deWall (1996; cit. por Decety & Jackson, 2004 p.79) a partilha afectiva ou de emoções sem consciência do self corresponde ao fenómeno de contágio emocional, que toma a forma de “uma total identificação sem discriminação entre os

sentimentos do próprio e aqueles experienciados pelo outro” (deWall, 1996; cit. por

Decety & Jackson, 2004 p.79). Esta posição corrobora o que é defendido por Hein e Singer (2008), que indicam que a empatia tem de ser separada do contágio emocional,

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uma vez que, uma pessoa empática está consciente que o seu próprio estado emocional é vicariamente provocado pelo estado do outro com quem simpatizou (de Vignemont & Singer, 2005; cit. por Hein & Singer, 2008, p. 154). Por outro lado, podemos entender o contágio emocional, não como sinónimo de empatia afectiva, mas como um precursor do desenvolvimento da capacidade de empatia (Hoffman, 1981; cit. por Hein & Singer, 2008, p. 154).

Para Hatfield, Rapson, e Le (2009) o contágio emocional reside na habilidade das pessoas se sentirem como se sentem os outros indivíduos, utilizando vários processos como a mímica (repetição e sincronização das movimentos das expressões faciais, das vozes, das posturas, movimentos, e comportamentos instrumentais dos outros), o feedback (este consiste no quanto a experiência emocional é afectada pela activação de um feedback originário da mímica postural, facial e vocal), e, por fim, o contágio em si mesmo (onde as pessoas “captam” as emoções dos outros). Todavia, são processos automáticos que não requerem a atenção consciente, componente primordial para o reconhecimento do self na empatia (Hatfield, Cacioppo, & Rapson, 1994; cit. por Decety & Jackson, 2004 p.77).

Empatia e violência

De acordo com Hare e Neumann (2009) as características afectivas e interpessoais estão extremamente associadas a um estilo de vida desviante à norma, que abarcam comportamentos irresponsáveis e impulsivos e a tendência de ignorar ou violar as convenções morais e sociais. Mais concretamente, enquanto componente do factor afectivo, a empatia demonstra estar muito relacionada com os comportamentos de cariz anti-social ou violento (Jolliffe & Farrington, 2004), sobretudo com a violência instrumental (Flight & Forth, 2007).

Neste sentido, alguns estudos (Perry & Perry, 1974; Chaplin et al., 1995; cit. por Blair, et al., 2005, p. 53) averiguaram a relação entre estes aspectos e identificaram que os indivíduos com altos níveis de comportamento anti-social reportaram respostas empáticas mais reduzidas ao mal-estar (como o medo e a tristeza) das suas vítimas. Sendo a violência, própriado comportamento de índole anti-social, e a falha na resposta empática, ao nível do processamento afectivo, duas marcas exclusivas da psicopatia, como supracitado, é plausível afirmar que ambas estão, então, fortemente relacionadas e são preponderantes para a génese deste fenómeno, aliás, segundo Harpur, Hakstian e

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Hare (1988; cit. por Jolliffe & Farrington, 2004, p. 443) a falta de empatia pode ser uma das componentes principais no conceito de psicopatia.

De facto várias características afectivas importantes para a inibição anti-social e o comportamento violento, como a empatia e os laços emocionais significativos, estão seriamente diminuídas nos indivíduos com psicopatia (Hare & Neumann, 2009). Em complemento, foi encontrado que em amostras prisionais e/ou institucionalizadas a proporção de psicopatas condenados por ofensas violentas é muito maior do que aquela que é praticada pelos não psicopatas (Walsh & Kosson, 2007).

Em consequência, autores como Meloy (1988; cit. por Meloy, 2006, p. 542) procuraram justificar a razão dos psicopatas participarem, com maior frequência, em actos de violência, em especial de violência instrumental - tipo de agressividade pró-activa e planeada, orientada por um comportamento calculado e direccionado para um dado objectivo, demarcando-se pela ausência de emoção (Flight & Forth, 2007). Neste seguimento, a prática deste tipo de violência prende-se, essencialmente, com os baixos níveis de activação fisiológica e de empatia (Meloy, 1988; cit. por Meloy, 2006, p. 542). Contudo, estes indivíduos também participam por diversas vezes em situações de agressão ou violência reactiva e não planeada, e nestes casos, parece pesar mais o grau de impulsividade e os baixos níveis de controlo comportamental (Woodworth & Porter, 2002).

Além disto, e como fora supramencionado, os indivíduos com história de violência, reportaram dificuldades na resposta empática face a emoções como o medo e a tristeza nas suas vítimas. Neste enquadramento, suscitou-se na literatura actual a preocupação em compreender a importância da empatia para a moral social, nascendo dessa forma um modelo que coloca a tónica na empatia como o mecanismo inibitório de violência (MIV) da conduta psicopática (Blair, 1995; Blair et al., 1997; cit. por Blair, et

al., 2005, p. 76).

Este modelo é percepcionado como um sistema que quando activado pelas pistas de desconforto ou de mal-estar de outros, (e.g. as expressões de medo ou de tristeza de outros indivíduos) resulta num aumento da actividade automática, da atenção e da actividade cerebral do sistema de resposta à ameaças (Blair, 1995; cit. por Blair et al., 2005, p. 77), sendo isto aversivo do mesmo modo para o observador. Neste sentido, o indivíduo, por associação de estímulos, adquire uma socialização moral que resulta da combinação da activação do mecanismo pelas pistas de desconforto com a mera representação mental de actos que causam as pistas de mal-estar, por exemplo,

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transgressões morais, como alguém a bater noutra pessoa (Blair, 1995; cit. por Blair et

al., 2005, p. 77).

Nos indivíduos psicopatas é proposto que existe uma falha neste sistema de associação, assim, esta visão defende que a população que é significativamente menos responsiva no campo emocional ao mal-estar, detém, em consequência, dificuldades na socialização moral (Blair & Blair, 2009), e por analogia, na empatia. Este argumento reforça, então, a importância do processo empático face à socialização moral, que subsiste na tradução do mal-estar da vítima, tal como quando ocorre a aprendizagem do reforço do estímulo, isto é, o mal-estar da vítima é aversiva a um indivíduo saudável, sem traços de psicopatia, aprendendo a evitar a acção que causa dor aos outros indivíduos.

Assim, é fácil deduzir que a falha da empatia na facilitação da socialização moral (Hoffman, 1994; cit. por Blair et al., 2005, p. 78) é condição si ne qua non no funcionamento apropriado de um sistema onde os pensamentos sobre actos aversivos a outros indivíduos deveriam, em princípio, proporcionar ao sujeito um estado mental de mal-estar que culminaria na activação do mecanismo inibitório de violência, frustrando a tentativa de provocar dor a outrem.

Relação entre psicopatia e empatia

Com a teorização em volta da tentativa de explicar e compreender como o deficiente processamento da empatia tem implicações na combustão da violência e da conduta psicopática, vários estudos dedicaram-se a averiguar a relação entre psicopatia e a empatia, este último enquanto construto multidimensional, quer em amostras comunitárias (Dadds et al., 2009; Mullins-Nelson et al., 2006), quer em amostras prisionais ou institucionalizadas (Book, et al., 2007; Flight & Forth, 2007).

A literatura científica evidencia que nos adultos, a psicopatia aparece associada com défices específicos na empatia afectiva, mais exactamente na indiferença emocional (Eisenbarth, 2008) enquanto que na empatia cognitiva, o indivíduo conserva, em certa parte, a capacidade de identificar e descrever a emoção dos outros indivíduos (Blair, 2005; cit. por Dadds et al., 2009).

De facto, Blair (2008) argumenta que na psicopatia, os indivíduos que padecem deste problema não demonstram dificuldades na empatia cognitiva, todavia, demarcam-se por uma marcada e demarcam-selectiva dificuldade na empatia afectiva. Tomando a empatia

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cognitiva como a capacidade de representação do estado mental interno do outro e a empatia afectiva como a componente mecânica, responsável pela “tradução” da comunicação pelo observador, Blair (2008) acrescenta que, em consequência, estes mesmos indivíduos têm uma manifesta dificuldade na aprendizagem por associação estímulo-reforço, no entanto, o mesmo não ocorre nos aspectos da cognição social, onde está implicada a amígdala.

Pesquisadores como Decety e Jackson (2004) enfatizam, igualmente, que esta falta de empatia pode estar mais relacionada com um processamento afectivo disruptivo do que propriamente com uma incapacidade global, para, por exemplo, adoptar a perspectiva dos outros. De facto, Mullins-Nelson et al. (2006) reitera que os indivíduos com psicopatia que exibem imunidade ao stress, ausência de medo e frieza emocional podem, também, ter habilidade para a tomada de perspectiva e mesmo para a preocupação empática. Os autores acrescentam ainda, como plausível explicação para esta incrédula relação, que são as aptidões empáticas que podem ser traduzidas por aptidões sociais que, permitirão aos indivíduos com esta patologia operarem com sucesso na sociedade (Mullins-Nelson et al., 2006)

Neste sentido, outros autores corroboram esta hipótese com a justificação que os indivíduos com PASP são, muito provavelmente, bons a perceber as intenções dos outros (Decety & Jackson, 2004; Decety & Moriguchi, 2007), promovendo, por vezes, o seu maior sucesso ao nível das interacções.

Na mesma linha, Smith (2006) sugere que o défice da empatia afectiva ou emocional é constitutiva da tendência anti-social do sujeito, na medida em que os indivíduos com psicopatia sofrem de uma permanente baixa sensibilidade na empatia emocional e, por conseguinte, não partilham as emoções de modo vicariante. Quanto à empatia cognitiva, o mesmo autor assume que esta permanece intacta uma vez que estes indivíduos possuem um bom entendimento dos pensamentos, emoções e motivações das outras pessoas. Contudo para outros autores como Eisenbarth (2008), a ausência de profundidade afectiva como parte integrante do comportamento anti-social também impede o indivíduo de entender os estados emocionais dos outros.

De facto, na análise da direcção da relação entre a empatia e o comportamento anti-social, um estudo de Jolliffe e Farrington (2004) sustenta que a empatia cognitiva está negativamente mais relacionada com o comportamento violento e ofensivo do que a empatia afectiva. Com efeito, outras teorizações foram elaboradas com o objectivo de explicar estes dados. Sendo assim, faz parte da empatia cognitiva, segundo Decety e

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Jackson (2004), a consciência eu-outro, anteriormente referida, e que parece estar relacionada com as funções executivas no cérebro (Russel, 1996; cit. por Decety & Jackson, 2004, p. 81). Argumenta-se, então, que nos indivíduos com psicopatia, estas estruturas estejam deterioradas, sendo os seus défices, o motivo para a falência empática total ou parcial (Newman, Patterson, & Kosson, 1987; cit. por Jolliffe & Farrington, 2004, p. 470).

As funções executivas são processos que monitorizam e controlam os pensamentos e acções, incluindo a auto-regulação, o planeamento, a flexibilidade cognitiva, a resposta de inibição e a resistência à interferência (Eslinger, 1996; Shallice, 1988; cit. por Decety & Jackson, 2004, p. 82), e estão, ainda, envolvidas nos processos de atenção e de concentração, bem como no pensamento abstracto e na formação de conceitos (Moffitt, 1990; cit. por Jolliffe & Farrington, 2004, p. 470).

Estes défices ao infligirem interferências no processo da empatia, promovem uma redução da habilidade de pensar abstractamente ou de entender as relações de causa e efeito, inibindo o entendimento e a partilha do estado emocional do outro (Jolliffe & Farrington, 2004). Todavia, esta visão não reúne consenso, pois de acordo com Hare (1993; cit. por Decety & Moriguchi, 2007, p. 14), os indivíduos com esta patologia têm, em geral, as funções executivas intactas.

Evidências empíricas na relação psicopatia e empatia

A contento da curiosidade, foram realizadas diversas investigações neste campo em vista a desvendar qual a componente da empatia mais deficitária na psicopatia.

Book et al. (2007), num contexto prisional e/ou institucional, descobriram que a psicopatia não estava associada a quaisquer défices na avaliação da assertividade após a visualização de uma curta interacção interpessoal. Aliás, os traços de psicopatia estavam significativamente correlacionados, no sentido positivo, com a precisão na avaliação. Estes dados permitiram intuir aos autores que os indivíduos sofredores desta perturbação são capazes de proceder ao julgamento da vulnerabilidade nas outras pessoas, pelo menos num contexto interpessoal, demonstrando intactas as capacidades da empatia cognitiva.

No que concerne à empatia afectiva, um estudo de Flight e Forth (2007) salientou que são as falências de pendor afectivo da empatia em indivíduos com psicopatia que os predispõem para participarem em actos de violência instrumental. De

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facto, outros pesquisadores confirmaram nas suas investigações que os psicopatas têm maior probabilidade de cometer homicídios instrumentais ou predatórios do que homicídios ou violência de índole impulsiva ou reactiva (Woodworth & Porter, 2002) ou seja, toda a agressão que seja entendida como não planeada e causada por uma avalanche emocional (Flight & Forth, 2007).

Em amostras não institucionalizadas, Mullins-Nelson et al. (2006) apuraram que a psicopatia não estava significativamente relacionada com a capacidade tomada de perspectiva, o que pressupõe que numa amostra comunitária, um indivíduo com altos níveis de psicopatia, não difere significativamente de outro com baixos níveis de psicopatia com respeito à empatia cognitiva. Em relação à empatia afectiva, os indivíduos com níveis elevados de psicopatia demonstravam uma menor empatia afectiva, aliás, o estudo apurou que existia uma forte correlação negativa entre a empatia afectiva e a psicopatia (Mullins-Nelson et al., 2006).

Noutro estudo, Dadds et al. (2009) descobriram, numa amostra composta por crianças e pré-adolescentes, que os traços de psicopatia estão fortemente associados a padrões específicos de défices de empatia. Em complemento, foram reveladas fortes associações entre os traços de psicopatia e os défices de empatia afectiva nos indivíduos do sexo masculino.

No que respeita à empatia cognitiva, os resultados obtidos nesta amostra contrastaram com o grosso de resultados nos adultos, em que se assume que a psicopatia é independente da empatia cognitiva. Deste modo, o estudo reporta que tantos os indivíduos do sexo masculino, como os do sexo feminino, demonstraram claros défices na empatia cognitiva (Dadds et al., 2009), o que corrobora os dados obtidos por Schaffer, Clark e Jeglic (2009) que junto de jovens estudantes universitários, encontraram associações significativas entre o comportamento anti-social e níveis reduzidos de empatia cognitiva e afectiva.

Todavia, Dadds et al. (2009) avança com algumas explicações para justificar o porquê de na idade adulta os défices na empatia cognitiva serem menos claros ou até inexistentes. Uma das explicações reside na possibilidade dos indivíduos com psicopatia melhorem o seu entendimento de como as outras pessoas se sentem conforme envelhecem. Outra explicação reside no possível facto dos adultos com psicopatia simplesmente aprenderem a simular, como se realmente soubessem como as outras pessoas se sentem, ultrapassando desta forma os sinais superficiais de défices ao nível da compreensão. Estas explicações são certamente plausíveis para diminuição da

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visibilidade dos défices na compreensão das emoções, em indivíduos adultos com psicopatia (Dadds et al., 2009).

Posto isto, Blair (2005) reitera que não existem indicações que haja uma deficiência na empatia cognitiva em indivíduos adultos com psicopatia, aliás, Hare (1991; cit. por Blair, 2005, p. 708), reporta que a disfunção empática profunda na descrição clínica da psicopatia não envolve qualquer défice na empatia cognitiva. Em adição, Decety e Jackson (2004) afirmam que a ausência de dificuldades na empatia cognitiva (sobretudo a capacidade de adoptar a perspectiva do outro) neste tipo de população poderá se dever, também, ao facto de não ser um processo automático, estando, pelo menos nos seres humanos, debaixo de controlo consciente, o que torna a empatia uma capacidade intencional (Decety & Jackson, 2004).

Blair (2008) acrescenta relativamente à empatia emocional, que os indivíduos com psicopatia têm uma singular dificuldade no processamento de diferentes emoções, de facto, a disfunção empática em indivíduos com psicopatia parece ser relativamente selectiva, isto é, os indivíduos com psicopatia têm dificuldades em processar o medo e a tristeza, o que interfere com as práticas de socialização como a indução de empatia (Blair, 2005), e possivelmente, expressões de nojo ou repulsa (Aniskiewicz, 1979; House & Milligan, 1976; Blair, 1999; Blair, Jones, Clark, & Smith, 1997; Kosson et al., 2002; cit. por Blair, 2005, p. 708). No entanto, não existem dados que afirmem que os indivíduos com esta perturbação tenham dificuldades evidentes em processar as expressões de raiva, alegria e de surpresa (Blair, 2005).

Em súmula, Blair (2005) assume que na literatura vigente, de um modo geral, nos indivíduos adultos, existem evidências que a psicopatia está associada a um défice específico na empatia afectiva, enquanto que a habilidade do psicopata para descrever as emoções das outras pessoas permanece intacta ou, então, menos deteriorada.

De qualquer modo, como fora até aqui exposto, é plausível assumir que a falha na resposta empática, especialmente na resposta fisiológica da emoção que sustém a empatia afectiva, pode ter implicações severas na socialização do indivíduo.

Aliás, estas dificuldades severas na socialização têm origem desde logo na infância, essencialmente na deficiente formação das associações estímulo-reforço que estão relacionadas com determinados défices no medo e na empatia, geralmente observadas na psicopatia (Blair, Peschardt, Budhani, Mitchell, & Pine, 2006). Este défice neste mecanismo está, então, implicitamente envolvido na capacidade da criança de ser sociável e de se socializar, pois sem a retenção da aprendizagem deste

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mecanismo, a criança recorrerá, desde cedo, às condutas anti-sociais para atingir os seus objectivos.

Este padrão de comportamento anti-social redunda, invariavelmente, na falha da socialização dos indivíduos com psicopatia, uma vez que a conduta destes não equaciona a preocupação empática sobre o bem-estar dos outros, e no estabelecimento de relações íntimas, já que o défice no sentimento de vergonha pode desempenhar um relevante papel no desenvolvimento de relações interpessoais significativamente débeis (Mullins-Nelson et al., 2006).

Empatia como um factor protector para a psicopatia

A empatia pode ser percepcionada como um factor protector, diminuindo a probabilidade de determinados tipos de comportamento criminal, uma vez que sua ausência ou o seu processamento deficiente pode, então, facilitar a prática de violência ou actos de ofensa a outros (Jolliffe & Farrington, 2004), ou no mínimo, impedir os indivíduos com psicopatia de poderem encetar relações sociais com sucesso, sem serem baseadas na superficialidade e na impessoalidade (Mullins-Nelson et al., 2006).

É nesta óptica que a aposta nos factores protectores pode diminuir, ou mesmo, suprimir a falência no processo empático e, simultaneamente, reduzir a probabilidade de ocorrer violência e auxiliar na elaboração do diagnóstico de psicopatia, já que, segundo DeMatteo, Heilbrun, e Marczyk (2005), se um indivíduo estiver empregado ou envolvido numa organização religiosa e com fortes relações familiares, é válido considerar que tais comprometimentos possam refrear as condutas e traços psicopáticos.

Na literatura actual é possível encontrar alguns autores que propõem o conceito de “successful psychopathy” (Mullins-Nelson et al., 2006) que se refere ao psicopata de sucesso (a nível social), isto é, os indivíduos com características de personalidade específicas da psicopatia mas que funcionam em sociedade com “sucesso”, evitando a institucionalização (Mullins-Nelson et al., 2006). A razão para este “disfarce” tão bem forjado dever-se-á, principalmente, segundo Cleckley (1988), às suas soberbas capacidades de manipulação, em levar ao engano e a usar o seu charme nos outros, sendo, ainda, descritos, como predadores sociais, extremamente sagazes a atraiçoar ou a simular (Hare, 2001; cit. por Book et al., 2007, p. 532).

Assim, inequivocamente que todo este sucesso é apenas reflexo de uma falha empática grosseira, só camuflada pela simulação da mecânica deste processo, pois, a

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orquestração da empatia cognitiva não é a verdadeira essência da empatia, podendo ser totalmente simulada. Entender os sinais emocionais das outras pessoas tem, obviamente, vantagens adaptativas claras e é, especialmente, importante na formação e na manutenção das relações sociais (Decety & Moriguchi, 2007), todavia, é a empatia afectiva a componente que facilita as relações e que lhes fornece real significado (Mullins-Nelson et al., 2006).

Neste seguimento, alguns autores acreditam que assumir que existe uma completa falta de empatia pode ser um erro, sugerindo, um novo conceito, o de “empatia superficial”, que subsiste na falta de sentimentos pelos outros enquanto exibem um conhecimento real e adequado do estado mental dos outros, pelo uso da informação para atingir os seus fins (Book et al., 2007).

É a crença num construto composto por mais do que uma dimensão que pode elevar o estatuto da importância da empatia na prevenção e tratamento da psicopatia, uma vez que a falta de sentimentos pelos outros num nível afectivo pode, explicar a propensão do psicopatas em participarem relações num modo muito superficial e, a sua inaptidão em ter qualquer vínculo profundo e estável com outros (Mullins-Nelson et al., 2006).

Numa visão mais pessoal, creio que a produção sistemática de investigações sobre esta temática pode vir a trazer evidências irrefutáveis à mente humana e permitir compreender que, apesar da população com traços psicopáticos, apresentar eventualmente uma falha na partilha de sentimentos com os outros, mantém apreciável acuidade em identificar o estado mental que pulula o outro. Assim, é possível apostar na estimulação empática do indivíduo com psicopatia, pela constituição de laços significativos com os outros e pela promoção de actos de comprometimento com causas sociais ou religiosas, isto é, intervir sobretudo ao nível afectivo da empatia, imprescindível para a obtenção de comportamentos pró-sociais e para a constituição de interacções sociais, e de relações íntimas (Mullins-Nelson et al., 2006).

Deseja-se que novas orientações terapêuticas se ergam neste campo. Orientações estas que interpretem a empatia como factor protector, que espelham sempre a fusão ou a integração dos dois aspectos da empatia nos indivíduos com psicopatia de modo promover que estes invistam mais em relações íntimas com outros e nos valores sociais (Mullins-Nelson et al., 2006).

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ESTUDO EMPÍRICO

Psicopatia, Criminalidade e Empatia: resultados de uma amostra prisional portuguesa

Alberto Óscar Pereira de Almeida Vagaroso

Departamento de Educação e Psicologia Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

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Cabeçalho: PSICOPATIA, CRIMINALIDADE E EMPATIA

Psicopatia, Criminalidade e Empatia: resultados de uma amostra prisional portuguesa

Alberto Óscar Pereira de Almeida Vagaroso Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

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Resumo

A psicopatia é um construto psicológico caracterizado por um cluster de traços comportamentais, interpessoais e afectivos singulares. Enquanto construto frequentemente associado a condutas anti-sociais e à prática de crimes, a literatura vigente de um modo geral, afirma que os défices afectivos na empatia são a principal causa para tais condutas desviantes. Neste sentido, a presente investigação teve por objectivo averiguar a relação entre psicopatia e empatia e suas componentes, cognitiva e afectiva, numa amostra forense (n=61), de forma a entender se as dificuldades empáticas se revelam importantes no fenómeno da psicopatia e na conduta criminal numa amostra portuguesa.

Inicialmente, os instrumentos usados foram submetidos à análise de componentes principais. No teste das hipóteses, as análises não confirmaram a relação entre o grupo com índices de psicopatia mais elevados e a empatia a nível estatístico (p=.059), todavia, ao nível da componente afectiva da empatia foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (p=.03), entre os grupos de psicopatia na amostra forense.

Mais dados são necessários para que se possa efectivamente comprovar a relação dos défices afectivos com a psicopatia.

Palavras-chave: Psicopatia; Empatia; Empatia cognitiva; Empatia afectiva; Violência; Crime; Reincidência.

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Abstract

Psychopathy is a psychological construct characterized by a cluster of behavioral, interpersonal and emotional unique traits. As a construct often associated with antisocial conducts and criminal practices, the current literature in general, says that the affective deficits in empathy are the main cause for such deviant behavior. In this follow, this study aimed to investigate the relationship between psychopathy and empathy and its components, cognitive and emotional, in a forensic sample (n = 61) in order to understand if the empathic difficulties prove to be important in psychopathy phenomenon and in criminal conduct, in a portuguese sample.

Previously, the instruments used were subjected to principal component analysis. In the hypothesis test, the analysis could not confirm the relationship between the higher levels psychopathy and empathy at statistical level (p=.059), however, at the emotional empathy were found statistical differences (p=.03) among the groups of psychopathy in the forensic sample.

More data are needed so that we can actually prove the relationship between affective deficits and psychopathy.

Key-words: Psychopathy, Empathy, Cognitive empathy, Affective empathy, Violence, Crime, Recidivism.

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Psicopatia, criminalidade e empatia: resultados de uma amostra prisional portuguesa

O mundo do psicopata surge-nos ainda tão distante, existindo, quiçá, numa realidade espácio-temporal apartada da nossa. Condenados judicialmente e pela luneta humana, e particularmente portuguesa, propensa a vilipendiar indivíduos com arquitecturas cerebrais e funcionais tão complexas e argutas.

Despojado de tais entraves conceptuais, partirei para a caracterização dos construtos que norteiam o presente estudo, a psicopatia e as suas específicas falências ao nível do processamento afectivo, nomeadamente, na empatia. Acrescento ainda, que não há qualquer intento de traçar um quadro nosológico da psicopatia, reforçando o seu afastamento das categorias das perturbações da personalidade (e.g. PASP), pois considero que, de facto, partilham certos pontos comuns como a conduta anti-social, contudo a etiologia da psicopatia repercute-se numa disfunção de formas muito específicas no processamento emocional, que a afasta do eixo das perturbações da personalidade, e, naturalmente, tornando a população com psicopatia única e distinta (Blair, Mitchell, & Blair, 2005). Além disto, espero que as considerações e resultados reportados pelo estudo sejam a melhor bandeira para cimentar o construto de psicopatia aos olhos da comunidade científica.

Com efeito, Hare (1996) teoriza que a psicopatia é uma perturbação socialmente devastadora, definida por uma constelação de características afectivas, interpessoais e comportamentais, incluindo o egocentrismo, a irresponsabilidade, emoções superficiais, ausência de empatia, culpa e de remorso, mentira patológica, manipulação e uma persistente violação das normas sociais. Em adição, características como a ausência de empatia “variam em grau e intensidade” (Pereira, Moreira, & Gonçalves, 1999, p. 1046) caminhando em direcção à abordagem dimensional do construto de psicopatia. Esta referência faz todo o sentido uma vez que a presente investigação procura averiguar a relação entre a empatia e a psicopatia, e é muito possível que ocorram diferentes níveis de falência de empática entre a população estudada, sendo reflexo dos possíveis diferentes grupos com distintos índices de psicopatia.

No que concerne ao estilo de vida anti-social crónico, Hare (1996) reitera que a personalidade dos indivíduos com psicopatia é claramente compatível com a propensão para transgredir as regras e as expectativas da sociedade, no que respeita ao processamento afectivo, Mitchell e Blair (2000) assumem que a disfunção emocional

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dos psicopatas reside primariamente ao nível da empatia, que por sua vez, contamina toda a sua interacção social pautando-se por uma egocentricidade exacerbada,

“dominando e manipulando os que rodeiam, de um modo frio e calculista” (Pereira, et al., 1999, p. 1046).

Em relação à empatia, Moore (1990) assume que a empatia tem sido considerada como uma componente organizadora e reguladora de uma vasta variedade de comportamentos. Apesar deste comum acordo, a investigação empírica tem sido marcada pelas dificuldades de definição e de operacionalização do construto de empatia. De acordo com Decety e Jackson, (2004), esta pode ser entendida, de um modo geral, como uma natural capacidade de compreender as emoções e os sentimentos dos outros, seja face a uma situação real que se esteja a testemunhar, ou a visualizar uma fotografia, a ler algo num livro de ficção científica, ou, simplesmente imaginada.

Todavia, a empatia é descrita como um fenómeno multi-variado, composto não só pelas capacidades cognitivas em predizer o afecto do outro, mas também, pela capacidade de corresponder de forma vicariante ao estado emocional do outro (Moore, 1990). Em complemento, Beven, Hall e O’Brien-Malone (2006a) assumem que a resposta empática não se circunscreve apenas à preocupação empática, devendo ser traduzida ainda, pela existência de alguma resposta afectiva às pistas de mal-estar do outro.

Decorrente dos pressupostos citados, é lícito assumir o carácter multi-dimensional de tão complexo construto, crendo-se que o mesmo seja composto por duas dimensões, a empatia cognitiva, que consiste no reconhecimento e entendimento de como os outros se sentem, e a dimensão afectiva, que subsiste na susceptibilidade do sujeito em partilhar sentimentos e/ou ser contagiado emocionalmente pelos outros (Dadds et al., 2009). Em jeito de conclusão acerca deste ponto, apesar da frágil harmonia no seio da comunidade científica quanto ao conceito de empatia, o presente estudo adopta a perspectiva de Blair (2008) que reitera que existem indubitavelmente duas classes de processamento onde o termo “empatia” pode ser verdadeiramente aplicado - a empatia cognitiva e a empatia afectiva.

Recuperando o que fora anteriormente exposto, a ausência de empatia é, então, uma das características da psicopatia ao nível do processo afectivo. Oportunamente, Holmqvist (2008) propôs-se a estudar com mais afinco esta relação e apurou que a psicopatia está fortemente associada com a baixa consciência de sentimentos como a vergonha e com reduzidas pontuações ao nível da empatia. Em adição, Flight e Forth

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(2007) detectaram que entre indivíduos com esta patologia, se registava a nível afectivo, uma ausência de remorso e de empatia e uma falha na aceitação da responsabilidade pelas acções. Sendo a empatia fundamental para a promoção de acções pró-sociais (Moore, 1990), é fácil descortinar que a sua ausência pode precipitar a participação do indivíduo com psicopatia em comportamentos de índole agressiva e/ou violenta, uma vez que a literatura assume que a empatia e o comportamento violento estão negativamente relacionados (Jolliffe & Farrington, 2004), bem como também com a prática de crimes em geral (Beven et al., 2006a).

Numa análise mais profunda Hunter, Figueredo, Becker e Malamuth (2007) afirmam que a empatia afectiva aparece mesmo como principal mediadora nas influências na propensão dos agressores sexuais jovens na participação em delitos com e sem índole sexual. Contudo, também ao nível da empatia cognitiva se encontram razões para estas condutas anti-sociais violentas, como o facto de os psicopatas “não

entenderem os sentimentos dos outros”, e isso os levar a interpretar “com facilidade a sua violência ou comportamentos fraudulentos como um conjunto de comportamentos aceitáveis” (Lobo, 2007, p. 22).

De um modo geral, o estudo empírico vigente considera que a psicopatia está mais relacionada com défices nos aspectos emocionais do que com défices nos aspectos cognitivos (Holmqvist, 2008). Além disto, segundo Dadds et al. (2009), o psicopata, pode ser caracterizado como alguém que reconhece ou verbaliza o “como” e o “porquê” dos sentimentos das outras pessoas, isto é, com níveis normais de empatia cognitiva, mas que permanece emocionalmente indiferente, ou seja, com défices na empatia afectiva.

Na mesma linha, Beven (2006), admite que é plausível que os aspectos cognitivos da empatia nos agressores violentos funcionem plenamente, e que apesar da sua precisão em entender ou apreender o estado emocional do outro, estes indivíduos simplesmente não experienciem respostas afectivas. De facto, num estudo de carácter desenvolvimental, foi descoberto que quantos maiores os traços de psicopatia, menores são os níveis de empatia afectiva nos indivíduos do sexo masculino (Dadds et al., 2009). Já na empatia cognitiva, os maiores défices foram encontrados somente em populações adolescentes (Dadds et al., 2009), mas não em adultos.

As investigações, de grosso modo, apontam na direcção de escassas indicações que as populações categorizadas com psicopatia e com altos níveis de comportamento anti-social estejam associadas com dificuldades na empatia cognitiva (Blair, 2005;

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