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A violência à criança hospitalizada : a dimensão ética da intervenção terapêutica /

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(1)

CENTRO DE CIÊNCIAS! DA SAÜDE

CURSO DE MESTRADO EM ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM

A violência à crian ça hospitalizada: a dim ensão é tic a da

in terv en ção te ra p ê u tic a

ROSA LÚCIA ROCHA RIBEIRO

(2)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GR O SSO

MESTRADO INTERINSTITUCIONAL EM A SSISTÊN C IA DE ENFERMAGEM

A violência à crian ça hospitalizada: a dim ensão é tic a da

in terv en ção te ra p ê u tic a

Por

Rosa Lúcia R ocha Ribeiro

O rientadora

Dra. Flávia Regina Souza Ram os

(3)

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CURSO DE MESTRADO EM ASSISTÊNCIA DE

ENFERMAGEM

DISSERTAÇÃO

. r

TITULO: A violência à criança hospitalizada: a dimensão ética

da intervenção terapêutica

Por

Rosa Lúcia Rocha Ribeiro

Submetida à Banca Examinadora para obtenção do grau de

MESTRE EM ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM

UFSC - Curso de Pós-Graduaçãc em Enfermagem

Aprovada

^ ^ ^ ^ 3 t o f ° r D t ° r ^ c o q u e Lorenzinl Erdm ann

... "... ...C u u i ü a n u ü i !

Dra. Flávia Regina Souza Ramos (presidente

______________________________ y \ A y O ' J ^C u ? ____________________________________________________________________________________________

Dra. Maria Tereza Ledpardi (examinadora)

Dra. Valéria Lerch Lunardi (examinadora)

(4)

Vento no rosto, Lembranças... Como é bom o vento

Que refresca E traz sentimentos De liberdade, Melancolia, Ser criança, Nostalgia... Bate de novo Prá eu lembrar, Pois aqui é tão raro.

Como é gostosa Essa sensação: Vento secando O rosto suado De tanto brincar. O barulho do vento

Veloz nos ouvidos. Bom seria ser de novo criança.

Ou talvez trazer A minha infância À Luiza... Luiza - luz Reluzente Sensível Linda! E à Marina Marina - mar Ondulante Vibrante Linda também! Minhas filhas Um pouco de mim... Vento no rosto Lembranças enfim...

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Ao Ignácio, pelo incentivo c o n sta n te e p o r m e valorizar e am ar;

Às m in h a s filhas Luiza e M arina, a quem devo a sensibilidade á s c a u s a s d a criança;

À Flávia que, pela sensibilidade e p acien te orientação em “expressivos” en co n tro s, perm itiu-m e ir além;

À D. M aria, pela dedicaçáo e po r su p rir n o s s a fam ília d u ra n te a s m in h a s au sên cias;

Aos m e u s pais, Rodolfo e Adélia, que estão sem pre ao m eu lado, a p e s a r d a d istâ n c ia que n o s separa;

Aos m e u s irm ãos, Adélia, Sérgio, C arm em e Álvaro, pelo afeto e estím ulo;

À Celina, ex-diretora d a FEN, pela am izade, pelo incentivo e por trazer o M estrado In terin stitu cio n al a té nós;

À Suely, d ireto ra d a FEN, pelo apoio pesso al e in stitucional;

À Neum a, am iga e chefe do D epartam ento de E nferm agem M atem o- Infantil, pelo apoio co n stan te;

Às colegas do D ep artam en to por a ssu m ire m a sobrecarga de atividades em n o s s a au sên cia;

Às am igas do M estrado (Aldenan, M arlene, Solange, J a n e te , Joceli, M ajoreth, Rose, A nna, Nelice, Cida e Alice) pelos m om entos vividos em conjunto, por co m p artilh ar d iscu ssõ es e a n sie d a d e s e p ela torcida;

À M ara, Cida e M aria M agda pela am izade, pela valorização d a s m in h a s idéias e pelo estím ulo;

(6)

Leopardi, p ela disponibilidade e p elas im p o rta n te s su g estõ es feitas d u ra n te a a p re se n ta ç ã o do projeto de d issertação à B an ca E xam inadora;

Ao M anoel, pela disponibilidade e a ju d a n a s d ú v id as de inform ática; À S ônia Ayaco, p ela am izade e a ju d a no final deste trab alh o ;

Ao Edinho, com sa u d a d e s, por te r n o s sensibilizado p elas q u estõ es do “se r c ria n ç a ho sp italizad a”.

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o e stu d o refere-se a u m a p e sq u isa desenvolvida n u m h o sp ita l público, cu jo s objetivos foram ; a n a lisa r a s d iv ersas form as de violência que a cria n ç a sofre d u ra n te a hospitalização e com preender a dim ensão ética d a intervenção te ra p ê u tica ã crian ça h ospitalizada. P ara a s u a realização foi u tilizad a a abordagem qu alitativ a atrav és do m étodo de O bservação P articipante. O referencial teórico básico p a ra a d iscu ssão dos d ad o s foi o p e n sam en to de F oucault, no que se refere à s s u a s reflexões sobre a qu estão d a relação p o d er-sab er e sobre a disciplina d entro d a s in stituições. Em associação ã s d iscu ssõ es de F oucault, a an álise teórica é en riq u ecid a pela in serção dos p re s su p o sto s p esso ais d a a u to ra , dos “D ireitos d a C rian ça e do A dolescente H ospitalizados”, en tre o u tro s estudiosos, enferm eiros ou não, que co n trib u em p a ra a com preensão d a vivência d a hospitalização pela criança. D este m odo a revisão de lite ra tu ra perm eia to d a a d isc u ssã o e análise, estabelecendo o encontro en tre os a u to re s e stu d a d o s, os d ad o s em píricos e a p esq u isad o ra. A ap re se n ta ç ã o dos dados, a p a rtir d a s e s tru tu r a s de relevância, perm itiu definir q u a tro g ran d es te m a s que tran sfo rm aram -se em títu lo s dos cap ítu lo s de análise, n o s q u a is foram indexados os conteúdos; 1) A intervenção te ra p ê u tica como tecnologia biopolítica; 2) O am biente e a organização do trab alh o no h o sp ital como geradores de violência; 3) Im p ertin en te rebeldia: a dor e o choro no espaço disciplinado do h o sp ital e 4) A violência á cria n ç a hospitalizada: a dim ensão ética d a in terv en ção terap êu tica. O trab alh o b u sc a a b rir u m espaço m ais am plo p a ra que os profissionais de enferm agem e dem ais á re a s de sa b e r reflitam , analisem , e se posicionem p a ra a ação: to m ar a c a u s a d a c ria n ç a e m odificar a realidade d a in stitu ição a ssiste n c ia l n u m a p erspectica ética.

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A research developed in a public hospital, w hich objectives w ere to a n a lyze th e various fo rm o f violence th a t th e child su ffe rs during hospitalization a n d to u n d ersta n d th e ethical dim ension o f therapeutic intervention w ith the hospitalized child. A qualitative approach through the m ethod o f Participant O bservation h a s been em ployed The basic theoretical referential fo r discussion o f the d a ta w a s th e thought o f Foucault, in w h a t concerns his reflections about the relation pow er-know ledge a n d about th e discipline w ithin th e institutions. Additionally to Foucault, th e theoretical a n a lysis is enriched by th e insertion o f personal presuppositions from the author o f “Rights o f the H ospitalized Children a n d Teenagers”, among other researchers contributing to th e u nderstanding o f w h a t a child experiences during the hospitalization. Therefore, a literary revision p erm ea tes the w hole discussion a n d analysis, eatablishing an encounter am ong the authors studied, th e empirical d a ta a n d the researcher. The p resentation o f data, starting fro m the relevant structures, allowed th e definition o f fo u r great th em es th a t w ere transform ed into chapter titles o f th e analysis: 1 ) The therapeutic intervention a s biopolitical technology; 2) The environm ent a n d w ork organization in the hospital a s generators o f violence; 3) Im pertinent rebellion: th e p a in a n d the crying w ithin th e hospital’s disciplined space, an d 4) The violence against the hospitalized child: th e ethical dim ension o f therapeutic intervention. The research aim s to open a broader space fo r the health professionals to reflect upon, an a lyze a n d position th em selves fo r action: to ta k e th e child’s cause and to m odify the a ssista n t institution’s reality w ithin an ethical perspective

(9)

sxmÁRio

1. In trodu ção... 1

Breve retro sp ectiv a h istó rica sobre a infância e a

assistên c ia à criança h o s p ita liz a d a ... 2

2. M etodologia... 9

2 .1 . Bases teó rico -ep istem o ló g ic as... 9

Violência: as diversas acepções do term o e o

sen tid o que e le g e m o s... 10

2 .2 . A observação p a rtic ip an te en qu an to m étodo e

té cn ic a de pesquisa q u alitativ a ... 16

2 .3 . O c o n tex to operacional da p e s q u is a ... 18

2 .3 .1 . Exploração do cam po e escolha do local

de e s t u d o ... 18

2 .3 .2 . A co leta de dados ... ... 19

2 .3 .3 . A análise dos d a d o s ... 22

3. A intervenção terapêutica com o tecnologia

b io p o lític a

24

3 . l i A disciplina com o violência: os ritu a is de

(10)

violência pela a s s im e tr ia ... ... 35

4 . 0 ambiente e a organização do trabalho no

hospital com o geradores de v io lê n c ia ... . 46

4 .1 . O am b ien te no hospital: o c o n te x to da

p recaried ad e e da violência ... 46

4 .2 . O hospital: a organização do trabalho no

serviço p ú b lic o ... 55

5. Im pertinente rebeldia: a dor e o choro

no espaço disciplinado do h o sp ita l... 77

5 .1 . A dor n e g a d a ... 77

5 .2 . O choro: lágrim as im p o te n te s ... 83

6. A violência à criança hospitalizada : a

dim ensão ética da intervenção terapêutica

... 91

7. Considerações finais ... ... 105

8. Referências bibliográficas... 107

9. Bibliografia co n su lta d a ... 120

ANEXO

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Humanizamos o que se p a ssa no mundo e em nós, quando falamos, e com esse falar aprendemos a ser humanosK

Nos ú ltim os dez a n o s tem os a tu a d o n a enferm agem pediátrica, ta n to n a á re a a ssiste n c ia l como no en sin o de g rad u ação em enferm agem . D u ra n te todo esse tem po sem pre n o s aco m p an h o u u m sen tim en to de inconform ism o frente à in ú m e ra s situ açõ es violentas a que são su b m e tid a s a s c ria n ç a s d u ra n te a hospitalização.

A inda n a g rad u ação e, pouco depois, n a especialização em Pediatria, p a s s a r po r estágio em clínica de in tern ação infantil, re p resen tav a-n o s u m grande sofrim ento. Os c o n sta n te s ru íd o s de choro, a a u sê n c ia d a s m ães, c ria n ç a s co n tid as no leito por meio de im obilizações, expressões de sofrim ento e de carên cia afetiva, tra b a lh a d o re s frios no tra to ao s p eq u en o s p acien tes são alg u m as im agens q u e recordam os d aq u ela época.

Hoje, a p e s a r d a c o n q u ista re p re s e n ta d a pelo E sta tu to d a C riança e do Adolescente^, que obriga a s in stitu içõ es h o sp ita la re s a proporcionarem condições de p erm an ên cia c o n ju n ta mãe-filho, a in d a consideram os q u e a c ria n ç a h o sp italizad a tem sofrido m uito.

N ossa sensibilidade frente a esse sofrim ento, até pouco tem po, m an ifestav a-se de form a lim itad a pela indignação e pelo inconform ism o.

A p a rtir do exercício d a reflexão - que culm inou com a realização do C urso de M estrado - p a ssa m o s a v islu m b rar a possibilidade de e stu d a r,

' Harma Arendt citada em; CAFONl, Sandra N.C. Compaixão e disciplina na genealogia da ordem médica. Florianópolis: UFSC, 1997. (datilografado). P. 26.

^ BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente .Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições técnicas, 1991. 116p.

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investigar e com preender m elhor a s situ açõ es que levam a c ria n ç a h o sp italizad a a esse sofrim ento.

T ínham os alg u m as cren ças que, acrescid as de c e rta s leitu ras, re s u lta ra m n a co n stru ç ã o dos seg u in tes p ressu p o sto s:

• D u ra n te a hospitalização, a c ria n ç a é vítim a de diversas ações ou situ a ç õ e s q u e violam se u s direitos e /o u a violentam ;

• A form a como se organiza a p rá tic a te ra p ê u tica no h o sp ital - h isto ricam en te originado como am b ien te de c o n stru ção de sa b e r m édico a tra v é s d a disciplinarização e do controle dos corpos enferm os - favorece a m an ifestação d a violência à c ria n ç a hospitalizada;

• A organização do processo de tra b a lh o no h o sp ital predispõe à m an ifestação de violência à cria n ç a d u ra n te a hospitalização;

Nosso problem a de p e sq u isa é, p o rtan to , a v io lên cia à crian ça

h osp italizad a e su a s form as e ex p ressõ es.

P ara u m a m elhor com preensão d o s p re ssu p o sto s e do problem a de p e sq u isa ap re se n ta d o s, querem os, prim eiram ente, fazer u m a breve retrospectiva h istó rica sobre a in fân cia e sobre a a ssistê n c ia pediátrica. Procuram os, tam bém , deixar claro o sentido que querem os a trib u ir ao term o “violência” e isto fazem os no capítulo 2, q u a n d o n o s referim os à s b a s e s teórico-epistem ológicas d a pesquisa.

Breve re tro sp ec tiv a h istó ric a sobre a infancia e a

a ssistê n c ia à c ria n ça hospitalizada

P ara com preender a a tu a l conform ação d a a ssistê n c ia p ed iátrica no hospital, faz-,se necessário, prim eiram ente, conhecer a evolução h istó rica d a visão d a infância.

(13)

D iscutindo a h istó ria social d a cria n ç a n a E u ro p a, Ariés^ m o stra q u e a v elha sociedade trad icio n al (até o final do século XVII) via m al a crian ça, sendo que a in fân cia e ra red u zid a ao seu período m ais frágil. Assim q u e a c ria n ç a ad q u irisse algum desem baraço físico, e ra logo m istu ra d a ao s ad u lto s. A a rte m edieval rep resen tav a a cria n ç a como u m hom em em escala reduzida. A c rian ça era, p o rtan to , diferente do ad u lto , m a s a p e n a s no ta m a n h o e n a força.

A passagem da criança pela sociedade era muito breve e insignificante para que tivesse tempo ou razão de forçar a memória e tocar a sensibilidade.^

O índice de m ortalidade e ra m uito alto, n ão só p elas condições d a época

m a s tam b ém pela negligência dos a d u lto s à criança. A m orte de u m a c ria n ç a e ra vista, n a m aioria d a s vezes com pouco caso, pois u m a o u tra cria n ç a logo a su b stitu iria .

A p a rtir d a in d u strialização é que com eçou haver u m a p reocupação com a crian ça, p rincipalm ente com a s u a escolarização, u m a vez que a sociedade n ecessitav a p re p a ra r “h o m en s” p a ra o novo contexto econôm ico-produtivo. A responsabilidade p ela educação foi tra n sfe rid a d a fam ília p a ra a escola, in stitu ição que ap areceu m oldada sob u m extrem o rigor e disciplina. Ariès afirm a que e s s a sep aração deve ser in te rp re ta d a como u m dos co m ponentes do m ovim ento de m oralização dos h o m en s prom ovido pela Igreja e pelo E stado. De q u alq u er form a, esse período rep resen to u a sa íd a do an o n im ato d a cria n ç a n a sociedade. No Brasil, esse fenóm eno pode se r verificado com u m a defasagem de dois séculos. ^

^ ARIES, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1981.

Jbidem.p. 10.

' Apoiados em Foucault, discutimos a questão da disciplina, adiante, no capítulo 3.

Para um aprofundamento sobre o tema ver: CARVALHO, Marta Maria Chagas. Quando a história da educação é a história da disciplina e da higienização das pessoas. In: FREITAS, Marcos Cezar (org.) História social

(14)

A a ss istê n c ia à sa ú d e d a cria n ç a sofreu significativas tran sfo rm açõ es, prin cip alm en te a p a rtir do século XIX, devido ao desenvolvim ento d a p rá tic a m édica, ao m odo de produção e ao valor que a sociedade d á á criança.

E stu d a n d o a origem d a enferm agem p ed iátrica m oderna. R ocha e Almeida® a n a lisa m o período com preendido en tre a s ú ltim a s d é c a d a s do século XIX até o final d a d é c a d a de 40, d em o n stran d o q u e houve u m a m odificação no conhecim ento com q u e a enferm agem a p reen d eu o objeto no processo de tra b a lh o de a ssistê n c ia ã criança. O controle d a s d o en ças tran sm issív eis em escala social era, inicialm ente a m aior necessidade. Havia a concepção de d oença como u m fenôm eno coletivo e os in s tru m e n to s utilizad o s p a ra a te n d e r e s s a necessid ad e referiam -se ã higiene do corpo, do meio e d a alim entação.

As recom endações de Florence N ightingale sobre os cu id ad o s ã c ria n ç a d em o n stra m que ela estav a a te n ta ao s m ovim entos de s u a época, sen d o que n ã o h á n a d a em s e u s escrito s referente ao cuidado ã cria n ç a h ospitalizada. Florence dava ênfase ao s cu id ad o s preventivos relacionados á alim entação, recreação, higiene pessoal e do am biente, bem como n a orientação d a s m ães e p ag en s sobre a responsabilidade e bom sen so que devem presid ir a s ações ao c u id a r de bebês.

B a se a d a s em Foucault^, R ocha e Almeida afirm am :

Ao final do século XIX e inicio do século XX, o hospital, já disciplinado e hierarquizado, com seu ambiente sob controle, passa a se o local para tratar as crianças com doenças transmissíveis através do isolamento. Na realidade, a única medida terapêutica disponível era o isolamento em si mesmo, sob o olhar vigilante da enfermeira.^

^ ROCHA, Semíramis M,M ; ALMEIDA, Maria Cecília Puntel de. Origem da enfermagem pediátrica moderna.

Revista Esc. Enf, USP., v. 27, n. 1, p. 25-41, abr. 1993.

’’ Ibidem.

* FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 4 ed. São Paulo: Forense Universitária, 1994 ROCHA ; ALMEIDA. Op. cit., p. 38.

(15)

A a ssistê n c ia à cria n ç a hospitalizada, até a d écad a de 30, era fe ita

segundo condutas rígidas com respeito aos procedim entos d e enfermagem, isolamento, repouso no leito e regulamento de visita. E ssa s condutas eram em p a rte p e la natureza d a doença e p o r firm e s convicções sobre o que era

necessário p a ra a criança doente As reg ras e técn icas de isolam ento eram

rigorosas e a s v isitas eram d esestim u lad as. O perigo d a s infecções c ru z a d a s d en tro do h o sp ital e sta v a sem pre p resen te sendo q u e e sta s, sem o auxílio de antibióticos, eram m uito tem idas. Havia tam b ém u m a convicção sobre os benefícios do “rep o u so ab so lu to no leito” e se m a n tin h a m a s c ria n ç a s iso lad as u m a s d a s o u tra s. A cam isa de força e ra frequentem ente u tilizad a restringindo a cria n ç a ã á re a de s u a p ró p ria cam a.

Até a d écad a de 30 h á poucos registros sobre o conhecim ento de Enferm agem Pediátrica, além d a descrição de técnicas. Nos E stad o s U nidos, foi no p ó s-g u erra q u e se n tiu -se a necessid ad e d a form ação de profissionais especializados, inclusive de enferm eiros p ed iatras. A form a de a ssistir, n e s s a época, foi a fa sta n d o a m ãe e a fam ília d u ra n te os episódios de in tern ação , pois s e u s sab eres n ã o eram aceitos d ian te do cientificism o d a m edicina.

Ao final d a d écad a de 30, a s enferm eiras p e d ia tra s identificam a s lim itações do m odelo epidemiológico e n q u a n to referencial,

...não pela responsabilidade de explicar os determinantes sociais da doença, mas sim por sua insuficiência em fornecer elementos para lidar com a criança, um ser em crescimento e desenvolvimento, temporariamente afastado do seu ambiente e da fam ília, durante a hospitalização.^^

P rocuram , en tão , n a Psicologia, in stru m e n ta liz a r-se p a ra o cu id ad o ju n to ã c rian ça principalm ente q u a n to ao s s e u s problem as de com portam ento e tam b ém p a ra a ju d a r n a s relações en tre a criança, fam ília e

WAECHTER; BLAKE citadas por ROCHA E ALMEffi)A. Op. cit., p. 3 8.

" LIMA, Regina A . Garcia de. Criança hospitalizada: a construção da assistência integral. Ribeirão Preto: EERP - USP, 1996. Tese (Doutorado). Curso de Pós Graduação em Saúde Pública, Universidade de São Paulo, 1996.

(16)

O co n ju n to de p e sso a s q u e com põem a equipe de saú d e. O sa b e r de enferm agem p a ssa , n e ste m om ento, a se diferenciar do conhecim ento m édico, n a m edida em que a c ria n ç a doente, p a ra a s u a recuperação, p recisa satisfazer necessidade, além d a s anatom opatológicas. O que a enferm agem p ro c u ra su p rir são a s necessid ad e q u e consideram a c ria n ç a como u m se r em crescim ento, com s u a individualidade, in teg ran d o -se ao meio am biente. As necessid ad e de conforto, se g u ra n ç a e proteção são a s que estã o m ais a c e n tu a d a s pela ocorrência d a doença.

E n tre os a n o s 50 e 80 são in ú m ero s os trab alh o s, principalm ente n o rte- am erican o s e ingleses, q u e d iscu tem a q u estão d a p erm an ên cia d o s p a is ju n to ã crian ça h o spitalizada, a n a lisa n d o os s e u s benefícios.Em 1959, n a Inglaterra, foi publicado o Relatório Platt, que trouxe á to n a a preocupação com o b em -estar d a cria n ç a h o sp italizad a e levou os profissionais e p a is a refletirem sobre o processo de hospitalização, p ro cu ran d o m eios p a ra a “h u m an ização d e sta experiência”

No Brasil, esse m ovim ento p a ra a h u m an ização d a a ssistê n c ia ã c ria n ç a h o sp italizad a iniciou-se com m ais ou m enos u m a d écad a de a tra so (Neira- Huerta^"^, Ângelo^^, Elsen^^, en tre o u tro s a u to re s, p ro d u ziram sobre o te m a n a d écad a de 80). C om eçou-se a falar m uito sobre o p rep aro d a crian ça p a ra procedim entos dolorosos, sobre a ad eq u ação do am b ien te p a ra a c ria n ç a ho sp italizad a, enfatizando-se a im p o rtân cia d a recreação terap êu tica, decoração, etc. A q u estão d a p resen ça d a m ãe ju n to à crian ça tam b ém com eçou a aparecer. E n tre ta n to percebia-se c e rta tim idez (ou temor) em rom per com u m a determ in ação já in co rp o rad a â p rá tic a te ra p ê u tica q u e e ra a c ria n ç a se p a ra d a d a família. Tom ar a cria n ç a e o se u corpo su b m eten d o -a

DARBYSHIRE, P. Parents, nurses and paediatric nursing: a critic review. J. Adv. Niirs., n. 18, p. 1670-80, 1993.

NEIRA-HUERTA, Edélia dei Pilar. Internação conjunta: critérios para decisão sobre que mães poderão acompanhar seus filhos durante a hospitalização. Revista Esc. Enf. USP., São Paulo, v. 18, n. 1, p. 13-21, 1984.

ANGELO, Margareth. Hospitalização: uma experiência ameaçadora. In: STEINER, M.H.F. (org.) Quando a

criança nâo tem vez: violência e desamor. São Paulo, Pioneira, 1986. P. 101-108.

. Brinquedo: um caminho para a compreensão da criança hospitalizada. Revista. Esc. Enf. USP. São Paulo, V.19, n.3, p. 213-23, 1985.

(17)

ao controle to tal e ra visto como a ú n ic a form a p a ra con seg u ir re c u p e ra r a s u a saú d e.

Tomemos, como exemplo, p arte de u m texto escrito em 1983, p u blicado n a Revista P a u lista de Enferm agem:

Sabemos que a maneira ideal de assistir a criança no hospital é através da cooperação com seus pais, que para tanto precisam estar constantemente na unidade pediátrica. Porém conhecemos as dificuldades encontradas em convencer as autoridades do hospital, pessoal médico e de enfermagem da necessidade de mudar a rotina. Esta mudança requer muito tempo para conquistar. Mas achamos que enquanto não chegamos à assistência ideal, existem muitas outras coisas que podemos fazer para tomar o ambiente mais agradável.

Aqui parece m uito c la ra a visáo de que, a p e s a r de co n sid erar im p o rtan te a p re sen ç a d a fam ília, seria necessário d esp en d er m u ita energia p a ra m odificar a realidade d a instituição.

No início dos a n o s 80, o “Program a Mãe - p artic ip a n te ”, levado a cabo p ela Sociedade B rasileira de Pediatria, com eçou a g a n h a r força em bora n ão c o n ta sse com o apoio de todos os envolvidos n a a ssistê n c ia à criança.

Em 1990, com o E sta tu to d a C rian ça e do Adolescente (E.C.A.) aprovado, o s h o sp ita is foram obrigados a se a d e q u a r ã nova legislação n aquele m om ento imposta^®. P assad o s oito a n o s de vigência do E.C.A. a in d a en co n tram o s alg u m as in stituições, n a con tram ão , in sistin d o em d ificultar o acesso d a m ãe ju n to ao filho in tern ad o , em u n id a d e s de tra ta m e n to intensivo principalm ente.

ELSEN, Ingrid; PATRÍCIO, Zuleica M. Assistência à criança hospitalizada: tipos de abordagem e suas implicações para a enfermagem. In: SCHIMITZ, Edilza M. et al. A enfermagem em pediatria e

puericultura. São Paulo: Atheneu, 1989. P. 169.79.

KIETZMAN, E.E. Assistência hospitalar id eal: chegando até lá. Revista Paul. Enf. V. 3, n.2, mar/abr. 1083. ** GIOVANI, A.M.M. et al. O cotidiano de uma unidade infantil ortopédica após o cumprimento do Estatuto da

Criança e do Adolescente: relato de experiência. In: CONGRESSO Brasileiro de Enfermagem, 48, 1996, São Paulo. Anais... S.P.: Aben, Aben - seção SP, 1996.

(18)

Em 1995 foi p u b licad a - a trav és do M inistério d a J u s tiç a e C onselho N acional dos D ireitos d a C rian ça e do A dolescente - o s “D ireitos d a C rian ça e do A dolescente H ospitalizados” aprovando, n a íntegra, o texto o riu n d o d a Sociedade B rasileira de Pediatria. Na Enferm agem j á existem tra b a lh o s q u e consideram esse s direitos (Villa Lobos^o, Ribeiro^i), m a s a grande m aioria dos profissionais q u e tra b a lh a m d iretam en te com a c ria n ç a h o sp italizad a n ã o os conhecem .

Seja por d esconhecim ento ou não, observam os, no cotidiano do tra b a lh o em pediatria, a tra n sg re ssã o a m u ito s d e sse s direitos. Mas, som os o tim istas e consid eram o s q u e a d e n ú n c ia e o reconhecim ento social d a violência crescem ã m edida q u e se eleva a consciência d a cidadania.

N esta perspectiva e pelo reconhecim ento d a im p o rtân cia d a equipe de enferm agem e profissionais de sa ú d e desenvolverem form a m ais a c u ra d a de a p reen são do fenôm eno d a violência no am biente h o sp italar, especificam ente no cuidado à crian ça, é q u e definim os como objetivos d e sta investigação:

. a n alisa r a s diversas form as de violência que a c ria n ça

sofre d u ra n te a h o spitalização e

.

co m p reen d er a dim ensão é tic a da in terv en ção

te ra p ê u tic a â c ria n ça hospitalizada.

Resolução CONANDA n. 41, de 13 de outubro de 1995, que aprova na íntegra o texto oriundo da Sociedade Brasileira de Pediatria, relativo aos Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados.

“ VILLA LOBOS, N.A.V. A caminho da melhoria contínua do cuidado de Enfermagem Pediátrica. Florianópolis: UFSC, 1996.Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Curso de Mestrado em Assistência de Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, 1996.

RLBEIRO, Rosa L. R. Em busca do arco-íris: relato de uma prática de enfermagem para promover a

cidadania e a humanização da assistência à criança hospitalizada. Florianópolis / Cuiabá: UFSC /

UFMT. Trabalho de conclusão da disciplina Prática Assistencial de Enfermagem . Curso de Mestrado Assistência de Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina / Universidade Federal de Mato Grosso, 1997.

(19)

N este capítulo b u sc a m o s descrever os procedim entos m etodológicos a d o ta d o s p a ra a realização d e sta p esq u isa. P ara u m a m elhor organização do texto o p tam o s por a p re se n tá -lo s segundo os seg u in tes itens: - B ases teórico- epistem ológicas, onde explicitam os n o sso referencial teórico; - A observação p artic ip a n te e n q u a n to m étodo e técn ica de p esq u isa q u alitativ a, no q u a l p ro cu ram o s ju stific a r n o s s a opção po r e s s a m odalidade de abordagem ; - O contexto operacional d a p e sq u isa , onde são d escritos os vários m o m en to s d a execução d a pesquisa.

2.1. Bases teó rico - epistem ológicas

C onsiderando a com plexidade do te m a “violência”, sen tim o s a n ecessid ad e de ap o iar a n o s s a d isc u ssã o em b a se s sólidas. P ara ta n to , elegem os como referencial teórico básico p a ra a condução d e ss a investigação o p e n sam en to de F oucault, p e n sa d o r e epistem ólogo fran cês contem porâneo, falecido em 1984. S u a o b ra m uito c o n trib u iu p a ra o m ovim ento de d esin stitu cio n alização dos h o sp ita is p siq u iátrico s e vem auxiliando, so b rem an eira, a s d iscu ssõ es de in ú m ero s e stu d o s n a s á re a s d a sa ú d e e d a enferm agem , aju d an d o n a com preensão d a s com plexas relações q u e a s envolvem. E m bora co n scien tes do risco d a “p re te n sã o ” de tra b a lh a r com F o u cau lt, acred itam o s que, como diz Fischer22, foi necessário fazerm os e ss a experiência e, quiçá, com eterm os erros. P rocuram os lim itar a utilização de s u a s reflexões no que se refere à d isc u ssã o sobre a q u estão do poder

(20)

vinculado ao sa b e r e sobre a disciplina d en tro d a s in stituições. P a ra ta n to , utilizam os como su p o rte a s s u a s obras: O nascim ento d a clínica, Microfisica

do p o d er e Vigiar e punir^^.

Em asso ciação à s d iscu ssõ es de F o u cau lt, p ro cu ram o s en riq u ecer a an álise teórica p ela in serção dos n o sso s p ressu p o sto s, dos “D ireitos d a C rian ça e do A dolescente H o s p i t a l i z a d o s ”^^ e de o u tro s au to res. D este m odo

a revisão de lite ra tu ra aparece in se rid a no texto, perm eando to d a a d iscu ssão e an álise, j á que n esse m om ento se estabelece o encontro e n tre os a u to re s e stu d a d o s, os d ad o s em píricos e o p esq u isad o r. E sse procedim ento perm itiu am p liar a n o s s a percepção sobre o objeto de investigação.

V iolência: as diversas acepções do term o e o sen tid o que

elegem os

No início do m estrad o , q u an d o co m en tam o s que preten d íam o s d isc u tir a q u estão d a violência ã crian ça d u ra n te a hospitalização, ouvim os a seguinte p erg u n ta: “- M as a c rian ça sofre alg u m a violência d u ra n te a hospitalização?”

Talvez a d úvida te n h a ocorrido p ela dificuldade de u m a co n ceitu ação p recisa d a p alav ra “violência” , visto q u e o te m a ê complexo e a b ra n g e n te podendo, como p reten d em o s m o strar, se r tom ado em u m sentido b a s ta n te am plo.

A q u e stã o co n ceitu ai d a violência tem sido u m tem a de reflexão p a ra a Filosofia, sendo que m u ito s teóricos têm tra b a lh a d o com o tem a.

FISCHER, Rosa Maria Bueno. A paixão de trabalhar com Foucault. In; COSTA, Marisa V. Cam inhos investigativos. Novos olhares na pesquisa em educação.Porto Alegre; Ed. Mediação, 1996, p. 39 FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 4 ed. São Paulo; Forense Universitária, 1994,

. M icrofisica do poder. Rio de Janeiro; Graal, 1995. . Vigiar e punir. Petrópolis; Vozes. 1996.

24

(21)

P ara M ichaud a s definições de violência e stã o co n d icio n ad as ã s concepções filosóficas ã s q u a is elas se apóiam , ou seja, ã s concepções sobre a n a tu re z a do se r e d a s coisas. Isso significa dizer q u e ta is concepções, a lia d a s ã s m u d a n ç a s h istó ricas e sociais, prom ovem m u d a n ç a s tam b ém do conceito de violência. Diz o m esm o au to r:

A relatiindade e o caráter indefinível do conceito de violência não são de modo algum acidentais, mas inerentes a um tipo de noção que polariza a diversidade conflitiva das avaliações sociais: os mesmos fatos não são apreendidos nem julgados segundo os mesmos critérios. O emprego de tal conceito supõe a referência a normas que podem não ser comparãlhadas por todos.

N um a visão antropológica, René Girard^^ a n a lisa a violência como u m com ponente n a tu r a l d a s sociedades h u m a n a s , ou seja, u m in stin to com o a fome ou o desejo sexual, que deve se r “exorcizado pelo sacrifício de vítim as ex p iató rias”. Assim, n a s sociedades prim itivas, cabe ao co n ju n to de interdições, sacrifícios e ritu a is d e se m p e n h a r esse papel.

Sorel28 ab o rd a a q u estão d a violência e n q u a n to lu ta de classes, dedicando-se á d iscu ssão d a violência d a s greves e a violência c o n tra o proletariado.

J á H a n n a h Arendt^^ a n a lisa o tem a fazendo u m a distin ção co n ceitu ai e n tre violência e poder. C onsiderando o contexto histórico-social em que p ro d u ziu s u a s reflexões - n a efervescência d a rebelião e stu d a n til de 1968 e no m ovim ento d a “nova E sq u e rd a ” - é com preensível q u e a a u to ra te n h a cen tra d o s u a s d iscu ssõ es em q u estõ es como o to talitarism o e o au to ritarism o , asso cian d o a violência como a m ais flagrante m anifestação de poder e, p o rtan to , de dom inação.

MICHAUD, Yves. A violência. São Paulo: Ática, 1989.

Ibidem, p. 111.

GIRARD, René. A violência e o sagrado. São Paulo: Paz e Terra - Ed.Unesp, 1990.

(22)

P ara B ordieu, citado po r Porto^°, a violência tam b ém e s tá relacio n ad a à dom inação e tra z u m novo conceito: o d a violência sim bólica. E a define:

A violência simbólica é esta forma de violência que se exerce sobre um agente social com sua cumplicidade. (...)Para se exprimir de forma mais rigorosa, os agentes sociais são agentes

de conhecimento que, mesmo quando submetidos a

determinismo, contribuem a produzir a eficácia daquilo que os determina, na medida em que estruturam aquilo que os determina.(...) Chámo conhecimento o fato de reconhecer uma violência que se exerce, precisamente na medida em que é desconhecida como violência.

Por o u tro lado, D om enach^i defende a idéia de q u e a violência deve se r p e n sa d a como u m a “rede”. O a u to r afirm a:

O pior ê a violência “cega”; cega enquanto as vítimas, mas

também enquanto o seu autor. Não esquecemos que a violência possui uma fecundidade própria , se gera a si mesma.Há que analisá-la, pois, sempre em série, como uma rede. Suas formas aparentemente mais atrozes, e às vezes muito mais condenáveis ocultam geralmente outra situações de violência, menos escandalosas por encontrarem-se prolongadas no tempo e protegidas por ideologias ou instituições de aparência

respeitável.

Azevedo e Guerra^^^ d iscu tem a q u estão d a violência fam iliar enfatizando a s rep ercu ssõ es psicológicas co n seq ü en tes d e ssa violência. A poiadas em teo rias críticas, definem “violência à crian ça” como:

ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

PORTO, Maria Stela Grossi. A tecnologia como forma de violência. Sociedade e Estado. Vol.ni, n. 1-2, jan./dez., 1992.p. 79.

DOMENACH, Jean-Marie. La violência. In: JOXE, Alain (org.) La violência y sus causas. Paris: Unesco, 1981. P. 33-46.

AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane N. de A.(orgs.) Infância e violência doméstica: fronteiras do

(23)

Todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que, sendo capaz de causar dano Jisico, sexual ou psicológico à vítima implica, de um lado numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e adolescentes têm de

, *v

serem tratadas como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.

P ara Minayo e Souza^^, a violência é u m conceito “complexo, polissêm ico e controverso” e, q u alq u er reflexão teórico-m etodológica sobre o tem a deve p re ssu p o r o reconhecim ento d e ss a s características. Por esse s a trib u to s, a s a u to ra s afirm am que o tem a a c a b a gerando m u ita s teorias, to d a s elas parciais.

—f C oncordando com e s ta ú ltim a afirm ação, fazem os a q u i u m a opção pela definição de violência p ro p o sta por Galtung^^ , segundo o q u a l a violência é algo evitável que ob stacu liza a a u to realização h u m a n a .

O a u to r en ten d e p o r auto-realização h u m a n a a satisfação d a s n ecessid ad es básicas, m ateriais e n ão m ateriais do hom em e expõe, inclusive, u m a lista d e s s a s necessidades, a q u a l a p re se n ta m o s n a ín teg ra por considerarm os im p o rtan te p a ra a com preensão de s u a conceitualização.

MINAYO, Maria Cecília de Souza ; SOUZA, Edinilsa Ramos. Violência e saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva. História, ciências, saúde. Vol. IV, n.3. nov.l997/fev.l998.p. 513 a 531.

0 autor foi professor da cátedra “Conflict and peace” da Universidade de Oslo na década de 70

GALTUNG, Johan. Contribuición específica de la irenología al estúdio de la violencia:tipologias. In: JOXE, Alain (org.). La violência y sus causas. Paris: Unesco, 1981. p. 91-106.

(24)

N ecessidade básicas, materiais e não materiais

C ategoria N ecessidade e/ou d ireito Bens

Sobrevivência Individual: frente a acidentes, homicídio Coletiva: frente a ataaues, auerra

Seguridade

Fisiológicas Ecológicas

Nutrição,ar, água, sono,moxnmento, excreção Climáticas: vrotecão contra a s intempéries Somáticas: proteção corúra doenças

Alimento, água, roupas, mora­ dia, medicação

Sociais Comunidade:amonsexo.descendência Cultura:expressão, diáloao, educacão

Escolaridade

Liberdade Direito d e viajar e acolher viajantes Direito de expressão e d e im pressão

Transporte Comunicação Política Direitos deform ação d a consciência

Direitos d e mobilização Direito de confrontação

Reunião, infor­ mação, partido, eleições

Jurídicas Direito à proteção jurídica Tribunais, etc. Trabalho Direito ao trabalho

Nec. d e criatimdade, auto-expressão no trabalho Nec. d e compreender a s condições d a própria vida

Emprego

Relação com a sociedade

Nec. d e atividade, d e se r sujeito e não só objeto ou cliente Nec. d e tempo livre, d e novas experiências,

Nec. Intelectuais e estéticas

Relação com os outros

Nec. d e comunidade, companheirismo, amizade, solidariedade, apoio

Nec. d e bem-estar, felicidade, alegria Relação

consigo mesmo

Nec. d e protagonismo, de realizar o próprio potencial

Nec. d e dar à vida um significado, um sentido ou finalidade

Relação com

a natureza Nec. d e algum tipo d e comunhão com a natureza

A lista, sem dúvida, n o s d á u m a im agem do que pode significar “c a u s a r d a n o a u m hom em ”. Em c a d a caso pode-se s u s te n ta r que, a necessid ad e n ão satisfeita p ro d u z algum tipo de desintegração h u m a n a (som ática n o s prim eiros casos, h u itia n a n o s c a so s de n ecessid ad es sociais). Na lista, alg u m a s d e ss a s necessid ad es se denom inam , inclusive, direitos. E ste s j á estã o cristalizados n a trad ição dos direitos h u m a n o s, ju s ta m e n te porque a s p e sso a s lu ta ra m por eles.

(25)

G altung p o n d era dizendo que, sem dúvida, a s ú ltim a s dez n ecessid ad es têm u m c a rá te r m ais efêmero. M as a cred ita q u e são b ásicas, a p e sa r de n ão rep resen tarem u m a condição sine qua non p a ra a c o n tin u ação d a ex istên cia individual n em p a ra a co n tin u ação d a ordem social.

A nalisando o q u a d ro identificam os q u a tro p a rte s q u e correspondem a q u a tro tipos de violência q u e podem a p arecer caso a s n ecessid ad es n ã o forem satisfeitas: 1) violência “clássica”; 2) pobreza (privação de n ecessid ad es m ateriais básicas); 3) rep ressão (privação dos direitos h u m an o s); 4) alien ação (privação de n ecessid ad es superiores).

Na p rim eira categoria e s tá in clu íd a a ag ressão corporal re p e n tin a c a u s a d a por u m a u to r que se propõe exercer violência. Poderia ser in clu íd a tam b ém a violência psicológica.

P ara p a s s a r ã se g u n d a categoria, G altu n g diz que é n ecessário , sim plesm ente, a c e ita r q u e n ão é preciso h av er u m a u to r identificável p a ra que algo p o ssa definir-se como violência. Afinal, o corpo h u m a n o pode sofrer violência de o u tra s m an eiras. Se introduz, assim , a p rim eira categoria de violência e stru tu ra l: a pobreza e stru tu ra lm e n te condicionada.

A terceira categoria p ressu p õ e que a violência n ão precisa ap licar-se som ente sobre o corpo h u m an o . Assim, se in tro d u z a seg u n d a categoria de violência e stru tu ra l: a rep ressão e stru tu ra lm e n te condicionada ou “in to lerân cia repressiva”.

G altung diz que, p a ra p a s s a r ã q u a rta categoria, tu d o o que se re q u e r é p e rg u n ta r-se por q u e e s s a violência (referindo-se ã categoria anterior) h á de se r do tipo q u e som ente asso cia-se com os regim es repressivos (e d e c la ra d a em d o cu m en to s im p o rta n te s como infração de direitos hum anos). A p a rtir disso é in tro d u zid a a terceira categoria de violência e s tru tu ra l : a alienação e stru tu ra lm e n te condicionada. As violências aq u i in clu íd as são tam b ém repressivas, m a s são com patíveis com u m baixo nível de violência e s tru tu r a l do segundo tipo.

(26)

2

,

2

,

A observação participante enquanto método e

técnica de pesquisa qualitativa

Tendo em v ista a n a tu re z a do problem a de investigação o p tam o s pela m etodologia qu alitativ a de pesq u isa. C onsideram os q u e os m étodos qualitativ o s de p e sq u isa perm item ao p esq u isad o r explorar conceitos c u ja e ssê n cia se perderia em o u tra s ab o rd ag en s de p esquisa. Além disso, a visáo de m u n d o , os valores, a experiência de vida e profissional e o a p ro fu n d am en to em co nhecim entos teóricos influenciaram n o s s a escolha.

V ários a u to re s (Bogdan 85 Biklens^^; Haguette^®; Trivinos^'^; Demo^S; Thiollent39) conceituam p e sq u isa qualitativa. A dotam os a con ceitu ação de Minayo^^ que, diferentem ente, u tiliza o term o m etodologias de p e sq u isa qualitativa. P ara a a u to ra , elas são

...entendidas como aquelas capazes de incorporar a questão do SIGNIFICADO e da INTENCIONALIDADE como inerentes aos atos, às relações, ás estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas^^.

A intervenção terap êu tica, a institucionalização, o sa b e r sobre a doença, a violência, enfim, são p ro d u to s h u m a n o s e, como tal, carecem de u m a an álise qualitativa.

Bogdan; Biklens42 relacionam alg u m as cara c te rístic a s d a p e sq u isa qualitativa:

BOGDAN; BIKLENS, 1991. Op. cit.

HAGUETTE,, Tereza M.F. Metodologias qualitativas na sociologia.3 ed. Petrópolis: Vozes, 1992.

TRIVINOS, Augusto N.S. Introdução à pesquisa em ciências sociais - a pesquisa qualitativa em

educação. São Paulo: Atlas, 1994.

DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1981.

THIOLLENT, Michel J. M. Crítica metodológica - investigação social e enquete operária. 2 ed. São Paulo:

Polis, 1981. "

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento - pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo - Rio de Janeiro: Hucitec - Abrasco, 1992.

Ibidem, p. 10.

(27)

1. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. Supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, ida de regra, através de trabalho intensivo de campo. O ambiente tem que ser entendido no contexto histórico da instituição da qual fa z parte;

2. Os dados coletados são predominantemente descritivos, embora possam ser também reflexivos. A pesquisa qualitativa busca o entendimento, e tem enfatizado a descoberta da teoria através da descrição;

3. A preocupação com o processo é maior do que com o produto. O interesse do pesquisador ao estudar determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atimdades, nos procedimentos e nas interações cotidianas;

4. O “significado” que as pessoas dão às coisas e à s

situações, são foco de atenção especial do pesquisador, que precisa ter cuidado com a acuidade de suas percepções, ao

revelar os pontos de vista dos participantes;

Às cara c te rístic a s relacio n ad as acim a, acrescen tam o s, a in d a , a im p o rtân cia que deve se r d a d a ao d iscu rso n a an álise dos dados.

N este tra b a lh o utilizam os a observação p articip an te (O.P.) e n q u a n to técn ica e m étodo de p e sq u isa qualitativa. Schw artz 85 Schw artz, citad o s p o r Zaluar43, propõem a seguinte definição p a ra a O.P., e n q u a n to té c n ic a :

Processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador está em relação face a face com os observados e, ao participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados. Assim, o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por este contexto.

(28)

E n tre ta n to , a O.P. pode se r co n sid erad a como u m m étodo q u a n d o asso ciad a a u m referencial teórico claro p a ra a coleta, in terp retação e an álise dos dados. Daí a s u a riq u eza u m a vez que pode e s ta r a sso c ia d a à s d iversas co rren tes teóricas.

Além d a técnica d a observação, a O.P. e n q u a n to m étodo pode u tilizar a en trev ista e a an álise de d o cu m en to s como técn icas com plem entares.

Q u an to ã in serção do p esq u isad o r no cam po p a ra a observação, h á , teoricam ente, q u a tro situ a ç õ e s possíveis que vão do extrem o “p articip an te to ta l” a té o u tro extrem o “observador to ta l”: 1) P articip an te to tal - “s ta tu s ” do p esq u isad o r que se propõe a p a rticip ar inteiram en te, como “nativo”, em to d a s a s á re a s d a vida do grupo que se p reten d e conhecer; 2) P articipante como observador - o p esq u isad o r deixa claro p a ra si e p a ra o grupo a s u a relação como m eram en te de cam po; 3) O bservador como p articip an te - tra ta - se de u m a observação q u a se formal, em cu rto espaço de tem po e s u a s lim itações advêm desse co n tato b a s ta n te superficial; 4) O bservação to tal - o observador om ite a in teração d ireta com os inform antes, ou seja, o s su jeito s n ão sab em que estão sendo observados e p esq u isad o s. Conform e descrevem os no item seg u in te deste capítulo, d u ra n te e s ta investigação, situ am o -n o s en tre os dois extrem os, dependendo de como o contexto se ap resen tav a.

A pesar d a n o ss a preocupação com o rigor metodológico, a opção po r e s ta m odalidade de p e sq u isa levou-nos, enfim, a re n u n c ia r à rigidez dos esq u e m a s que definem e prevêem todo o p ercurso, e sta n d o im plícita a noção de processualidade.

2.3. O c o n te x to operacional da pesquisa

2.3.1. Exploração do cam po e esco lh a do local de estu d o .

N esta fase, b u scam o s e n tra r em co n tato com o contexto em pírico n a in ten ção de obter u m a visão geral do problem a a se r investigado. E s s a fase foi m uito im p o rtan te pois, concordando com Minayo^^, serviu p a ra a form ulação e reform ulação de q u estõ es balizadoras d a p esq u isa e p a ra

(29)

identificar os sujeitos e o u tr a s fontes de dados. P ara isso, visitam os a s u n id a d e s p ed iátricas dos m aiores h o sp ita is do m unicípio e, a p a rtir deste co n tato , foi selecionado aquele q u e consideram os com m aiores p ossibilidades p a ra esclarecer o s n o sso s q u estio n am en to s. A in stitu ição foi esco lh id a devido à s seg u in tes características: ser u m h o sp ital público, a te n d e r u m n ú m ero considerável de c ria n ç a s em diversos m o m en to s do processo de adoecim ento ( c ria n ç a s em situ a ç ã o de urg ên cia e em ergência, em q u a d ro s ag u d o s ou crônicos) e te r u m fácil acesso pessoal, de form a a po ssib ilitar u m co n tato m ais ap ro fu n d ad o com o problem a de investigação.

Após a esco lh a do local de estu d o , e n tra m o s em co n tato com a chefia de enferm agem d a in stitu ição que n o s en cam in h o u à responsável p ela á re a m atem o -in fan til. E sta n o s aco lh eu com m uito in teresse ap ó s exporm os os n o sso s propósitos. Solicitam os, en tão , a tra v é s de ofício, a au to rização p a ra a realização d a p esq u isa á d iretoria e ã com issão de ética d a in stitu ição , sendo que colocam os o projeto d a p e sq u isa a disposição de am b as. Após o co n sen tim en to , re to m a m o s ã enferm eira responsável p ela á re a m atern o - infantil e com unicam os à m esm a o início im ediato d a coleta de dad o s, esclarecendo que, p a ra isso, u tilizaríam o s a técnica de observação p artic ip a n te e, em situ açõ es q u e ju lg ássem o s necessário, a entrevista. E sta, exp resso u o seu apoio de form a “incondicional” (expressão d a p ró p ria enferm eira).

2.3.2. A coleta de dados

O tra b a lh o de cam po é u m a e ta p a essen cial d a p e sq u isa qualitativa. S egundo Malinowski^^^, ele faz o oposto dos “surveys” que trazem os sujeito s p a ra o laboratório do investigador e m an tém com eles u m a relação e stru tu ra d a .

A esco lh a d a técnica de observação p articip an te se d eu com b a se no p re ssu p o sto afirm ado po r M alinowski (citado por Minayo^^) de q u e h á diversos fenôm enos im p o rtan tes d a vida q u e n ão podem se r reg istrad o s

Citado por MINAYO. Op. cit., p. 105. MINAYO, Op. c it, p. 137.

(30)

atrav és de e n tre v ista s ou in s tru m e n to s q u an titativ o s, m a s sim observados em s u a realidade. O a u to r os d en o m in a como “o s im ponderáveis d a vida”. J á a técn ica d a en trev ista - u tilizad a em m en o r e scala a p e n a s p a ra v alid ar alg u n s d ad o s - foi u m a opção p o r p artirm o s do princípio de que a palavra, como tam b ém afirm a Minayo, é “símbolo de com unicação p o r excelência”. Como dissem os, utilizam os a observação p articip an te e n q u a n to m étodo e tam b ém como técn ica de tra b a lh o de cam po. C onsideram os que e s ta foi a técn ica ideal p a ra a interlocução e cap tação d a realidade de c ria n ç a s h o spitalizadas.

Vale observar que, d u ra n te todo o processo de tra b a lh o de cam po, p ro cu ram o s obedecer rigorosam ente a s n o rm a s oficiais vigentes p a ra a realização de p e sq u isa envolvendo seres hum anos^^.

A coleta de d ad o s foi realizada e n tre os m eses de dezem bro de 1997 a m arço de 1998. Foram realizadas 25 observações d istrib u íd a s e n tre a s diversas u n id a d e s onde eram a te n d id a s c ria n ç a s n a in stitu ição (clínica pediátrica, u n id a d e de isolam ento infantil, cen tro de tra ta m e n to de queim ados, em ergência, u n id ad e de observação e p ro n to aten d im en to infantil). Além d a s observações, fizemos q u a tro en trev istas p a ra confirm arm os certo s a c h a d o s e tam b ém a n alisam o s a lg u n s docum entos.

A observação

As observações foram realizadas do m odo m ais livre possível, sem u m roteiro preestabelecido. D a form a como foi planejado, cen tram o s a s observações n a crian ça, n a s p esso as com a s q u a is se relacionava (m ães, tra b a lh a d o re s do h o sp ital e fam iliares visitantes) e no am biente de form a am pla, ad o tan d o u m posicionam ento móvel.

P rocuram os a ssu m ir, pred o m in an tem en te, u m a p o s tu ra de “observador como p artic ip a n te ”, ou seja, com m ais observação e com u m a re s trita p articipação no cenário observado. E n tre ta n to , alg u m as vezes foi n ecessário u m a participação efetiva, principalm ente em situ a ç õ e s em que estavam em

CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Res. No. 196, de 10 de outubro de 1996. (Dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos)

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jogo O b em -estar e a integridade física d a crian ça, ou q u an d o to m a v a -se n ecessário u m a m aior aproxim ação p a ra a ap re e n sã o do contexto.

A ntes de iniciarm os o período de observação, a p resen táv am o -n o s á s p e sso a s envolvidas e explicávam os os propósitos d a p esq u isa, inform ando que se tra ta v a de u m estu d o no q u a l n o s in te re ssa v a perceber como se dav a a a ssistê n c ia á cria n ç a h o sp italizad a n a q u e la in stitu ição . O bviam ente, n ão declarávam os a q u e stã o d a violência po r im aginarm os que p u d esse, de alg u m a form a, c a u s a r incôm odo n a s p essoas.

As observações foram feitas n a s d iversas u n id a d e s d a in stitu ição onde se en co n trav am c ria n ç a s (in tern ad as, em observação, a g u a rd a n d o tra n sfe rê n c ia ou a p e n a s sendo a te n d id a s em c o n su lta no p ro n to atendim ento). Na m edida do possível, p ro cu ram o s n ão exceder alêm de tr in ta m in u to s o tem po de c a d a observação, de m odo a p ossibilitar o registro exato de c a d a situação.

Após ca d a observação, n o s retirávam os do cam po e, n u m am b ien te reservado, registrávam os a situ ação a trav és de gravação do relato. D este relato c o n stav a sem pre a descrição do am b ien te (cenário) em que se d eu a observação, a situ ação em d e ta lh e s (personagens, ações, falas, reações d e ste s personagens), a s im p ressõ es p esso ais sobre a situ a ç ã o e tam b ém a s sen sa çõ e s ex p erim en tad as e n q u a n to p esq u isad o ra.

F eita a gravação, alg u m as vezes reto m áv am o s a o u tro cenário e rep etíam o s o procedim ento, de m odo que, n u m m esm o dia, podia se r obtido m ais de u m relato de observação. No m esm o d ia em q u e a observação e ra feita, procedíam os á tra n sc riç ã o d a s gravações, n a m etade esq u erd a do corpo do form ulário próprio .

A en tr e v ista e o s d o cu m en to s

Como p arte d a observação p articip an te, utilizam os tam b ém a en tre v ista e a an á lise de docum entos.

As en trev istas foram u tilizad as no decorrer do processo, de m a n e ira a com plem entar a observação realizada e foram dirigidas ao s sujeito s que in terag iam com a cria n ç a d u ra n te a hospitalização e a ela própria. As

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q u estõ es foram , no início m ais a b e rta s, p a ss a n d o p osteriorm ente a q u e stõ e s m ais e s tru tu ra d a s , p a ra esclarecer sobre asp ecto s específicos ou m esm o p a ra validar achados.

Assim como os relato s de observação, a s e n tre v ista s tam b ém foram re g istra d a s no form ulário referido.

Q u an to à an álise de do cu m en to s, e s ta se restrin g iu a a lg u n s p ro n tu á rio s de p acien tes e ao regim ento d a instituição.

2.3.3. Análise dos dados

A utilização d a observação p artic ip a n te como técn ica de coleta de d ad o s produziu u m volum e considerável de inform ações descritivas. De form a a organizar e s ta s inform ações, os form ulários foram n u m e ra d o s em espaço próprio, em s u a m argem su p erio r direita, sendo que o n ú m ero do form ulário co rresp o n d eu ao n ú m ero do relato de observação, em ordem cronológica. Os relato s c u ja s descrições u ltra p a ssa v a m o espaço de u m form ulário, foram identificados pelo m esm o n úm ero, sendo que, ao lado d a n u m eração no im presso foi identificado p elas le tra s do alfabeto, em seqüência. Exemplo: a terceira n o ta de observação re su lto u em trê s form ulários. Os m esm os foram identificado d a seguinte forma: 3 A , 3 B e 3 C. As en trevistas, com o já referim os, tam b ém foram tra n s c rita s no m esm o form ulário d a s observações.

Logo ap ó s a descrição d a s gravações no form ulário, procedem os a u m a p ré-an álise , an o tan d o , n a m etade direita do formuláirio, frases c u rta s que davam u m a noção do sentido d a descrição á q u al e s s a s se referiam . Exemplo:

FORMULÁRIO PARA COLETA DE DADOS NÚMERO: ÍÃ

DATA: 2 /1 2 /9 7 HORÁRIO: 9:00 LOCAL; Pronto Atendimento

DESCRIÇÃO DA OBSERVAÇÃO PRÉ-ANÁLISE

Após a injeção, a criança sai (ninguém olha para ela) Indiferença á dor

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E n cerrad a a fase de coleta dos dad o s, digitam os, em seqüência, to d a s a s frases c o n sta n te s n a co lu n a d a p ré-an álise identificando-as pelo n ú m ero do form ulário ao q u a l e s ta s correspondiam , de m odo a perm itir a rá p id a localização dos d ad o s descritivos q u a n d o se fizesse necessário. Exemplo: Indiferença à dor ( 1 A )

P assam o s, en tão , a o rd e n a r o co n teú d o d a p ré-an álise a g ru p a n d o -o s em su b categ o rias à s q u ais, depois de co m p letad a a ag lu tin ação , dem os u m títu lo provisório. D este prim eiro ord en am en to , re s u lta ra m dez su bcategorias.

Após isso, realizam os u m a leitu ra flu tu a n te do co n ju n to de dad o s, identificando a sp ecto s relevantes p a ra a an álise, á luz do referencial teórico ad o tad o e dos p re ssu p o sto s colocados p a ra o desenvolvim ento do estu d o . N esta fase, fizemos u m a leitu ra ex au stiv a e rep etid a dos tex to s de form a a provocar u m a relação interrogativa com eles. Feito d e ss a form a, foi possível ap reen d er a s e s tr u tu r a s de relevância q u e caracterizam -se, seg u n d o Minayo^®, pela incidência de ênfase em determinados aspectos da realidade,

indicando a base de confronto do material empírico com as teorias existentes sobre o assunto.

A classificação dos dados, a p a rtir d a s e s tru tu r a s de releváincia, perm itiu definir q u a tro g ran d es tem as que tran sfo rm aram -se em títu lo s dos cap ítu lo s de an álise, n o s q u a is foram indexados os conteúdos: 1) A

intervenção terapêutica como tecnologia biopolítica; 2 )0 am biente e a organização do trabalho no hospital como geradores de molêncía; 3) Impertinente rebeldia: a dor e o choro no espaço disciplinado do hospital e 4) A violência à criança hospitalizada: a dim ensão ética da intervenção terapêutica.

C ada u m deles é com posto por ite n s que, por s u a vez, tran sfo rm aram -se em su b títu lo s dos capítulos.

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3. A intervenção terapêutica com o tecnologia

biopolítica’’

Caminho pelo corredor que dá acesso à Pediatria e ouço um choro desesperado de uma criança. Sigo o som e, à medida que me aproximo o choro toma-se mais intenso e incômodo. Chego á cena: a criança em cima de uma maca, o pai segurando, duas auxiliares de enfermagem puncionando uma veia no braço dela. A criança chora e diz: ‘ - Pai, solta eu paU’ Olha de um lado para outro e chora mais quando vê a agulha. A s auxiliares estão tensas, transpiradas e uma diz: ‘-Isso tudo já vai acabar!’ Cinco minutos é uma eternidade, mas acabou. A criança vai para o colo do pai. Estão todos exaustos.

Nota de observação n. 1IB

As p e sso a s que tra b a lh a m em p ed iatria reconhecem como co rriq u eira a ce n a re la ta d a acim a. E n tre ta n to , n ão deixam de reagir, m esm o que seja pelo afastam en to , o que d em o n stra, de ce rta forma, o reconhecim ento d a violência n ela im plícita. Mas, a an álise de q u a lq u e r realidade so m en te é possível pelo reconhecim ento de s e u s d e term in an tes e d a m ultiplicidade de fatores que a configuram e n q u a n to com plexidade. Neste caso é im p o rtan te co n h ecer q u a is os d e te rm in a n te s históricos que levaram a intervenção te ra p ê u tic a a configurar-se como ela hoje se ap resen ta; u m a tecnologia que ju stific a s u a violência, to m a n d o -a legítima. Aqui a ch am am o s como tecnologia biopolítica no sentido de que a intervenção te ra p ê u tica é u m c o n ju n to de procedim entos técnicos cujo objetivo m aior, em bora n ão expresso de form a clara, é o controle d a s m ultiplicidades do hom em . E ssa ju stificativ a se faz por alg u m as razões: pela m issão científica d a m edicina, pelo tipo especial de necessid ad e que d e m a n d a e s ta intervenção, p ela

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conveniente im possibilidade de generalizar c o n d u ta s que se firm am no raciocínio clínico (cada caso é u m caso) e p ela relativa a u to n o m ia do profissional m édico (que d iagnostica e prescreve) n a relação com o paciente. Mas é necessário co n h ecer como n a sc e u o h o sp ital e a clinicado e isso o faço a tra v é s de F oucault^i, que dedicou-se a u m a p ro fu n d a investigação sobre o a s s u n to e m o stro u q u e o h ospital, como in stru m e n to terap êu tico é u m a invenção relativam ente nova. D em onstrou q u e no final do século XVIII é que ap areceu a consciência de que o h o sp ital pode e deve se r u m in stru m e n to d estin ad o a cu rar. Em to rn o de 1780 foram visitados e o b servados co m p arativ am en te a lg u n s h o sp ita is d a E u ro p a, sendo que F o u cau lt descreve a s viagens-inquérito do inglês Howard e do fran cês Tenon, c u ja s ca ra c te rístic a s/fin a lid a d e s prin cip ais eram : (1) definir, depois do inquérito, u m p ro g ram a de reform a e re c o n stru ç ã o dos hospitais: (2) descrever funcionalm ente os h o sp itais e p e sq u isa r a s relações e n tre fenôm enos patológicos e espaciais; (3) corrigir o h o sp ital p a ra que p u d e sse se r considerado como “m á q u in a de c u ra r” e n ã o prod u zisse efeitos patológicos.

F o u c a u lt m o stra que, a n te s do século XVIII, o h o sp ital n ão e ra u m a in stitu ição m édica, e a m edicina e ra u m a p rá tic a n ão h o sp italar. O h o sp ita l e ra u m a in stitu ição de a ssistê n c ia a o s pobres, assim como de sep aração e de exclusão. A função essencial do h o sp ital e ra de recolher o pobre p o rtad o r de do en ça e de possível contágio p a ra proteger os o u tro s do perigo p o r ele rep resen tad o . Até o século XVIII, o h o sp ital n ão e ra u m in s tru m e n to terap êu tico , m a s u m lu g ar p a ra o pobre m orrer. O pesso al do h o sp ital e ra religioso ou leigo e n ão se d estin av a a realizar a c u ra do doente, m a s a con seg u ir s u a p ró p ria salvação.

Não h av ia ju stificação científica p a ra que a m edicina m edieval tivesse u m a p rá tic a ho sp italar. O médico e ra a ssim qualificado ap ó s ap ren d er, com a p ró p ria corporação m édica, a tra n sm issã o de receitas, sendo q u e a

Tecnologia biopolitica - expressão utilizada por Foucault para definir o complexo conjunto de intervenções e mecanismos regulatórios e disciplinares com o objetivo de controlar as populações.

Clinica aqui significa a organização do hospital como lugar de formação e transmissão de saber. FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. 4 ed. São Paulo; Forense Universitária, 1994.

Referências

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