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Cognição e Afeto: Uma Primeira Visão Reflexiva sobre o Funcionamento do Sujeito Psicológico

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Academic year: 2021

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(1)Cognição e Afeto: Uma Primeira Visão Reflexiva sobre o Funcionamento do Sujeito Psicológico Fausto Eduardo Menon Pinto. Resumo. Abstract. Este ensaio tem como objetivo central abordar reflexivamente a idéia de se conceber um sujeito psicológico composto por uma série de dimensões psicológicas e que se comunicam entre si mesmas de forma complexa e dinâmica. A partir desse conceito teórico, logo de início debate-se sobre a noção de alma e a sua relação entre razão e emoção, acentuando, nesse caso, aspectos filosóficos gerais provenientes do pensamento aristotélico. Em um momento posterior, discutem-se os principais estudos teóricos e empíricos atuais sobre o sujeito psicológico, colocando-se em ênfase a importância de conceber um ser humano que seja, ao mesmo tempo, cognitivo e afetivo.. The central objective of this essay is to reflect about the idea of conceiving a psychological subject composed by a series of psychological dimensions that communicate among themselves is a complex and dynamic way. Based on this theoretical concept, right from the beginning, a soul notion and its relation between reason and emotion, is debated highlighting general philosophical aspects which were originated from the aristotelic thought. Furthermore, the main present theoretical and empirical studies about the psychological subject are discussed, emphasizing the importance of conceiving a human being who is, at the same, cognitive and affective.. Palavras-chave: Psicologia; Sujeito psicológico; Funcionamento psíquico; Cognição; Afetividade. Key-words: Psychology; Psychological subject; Psychic functioning; Cognition; Affectivity.. Introdução. e afeto. Foi pensando assim que se faz uma breve incursão ao tema, colocando-se em ênfase alguns aspectos filosófico-aristotélicos gerais e também psicológicos, acentuando, nesse último, algumas visões e pesquisas atuais. É interessante supor que a revisão teórica deste ensaio possa trazer discussões ao debate acadêmico que vão ao encontro de novas formas de se conceber o funcionamento psicológico do ser humano que não seja tão-somente pela fragmentação do conhecimento, por exemplo, entre o pensar e o sentir.. “Os pescadores sabem que o mar é perigoso e a tormenta, terrível. Mas este conhecimento não os impede de fazer-se ao mar” Vicent Van Gogh. O presente ensaio vem discorrer sobre o funcionamento psíquico dos seres humanos. Por muitas as razões, a proposta deste material está basicamente em refletir inicialmente sobre a composição da alma psicológica humana, mais precisamente acerca da relação entre cognição. Revista de Educação. Psicólogo e Mestre em Educação - UNICAMP e-mail: faustomenon@ig.com.br. 61.

(2) Fausto Eduardo Menon Pinto. Revista de Educação. A alma humana: um debate secular entre razão e coração. 62. Há tempos, o ser humano começou a ajuizar acerca de sua conduta, de seus pensamentos mais íntimos, e assim passou a compreender que existia um universo psicológico jamais explorado: idéias, imaginação, sonhos e sentimentos. Isto é, um universo com predicados psicológicos. Na verdade, vê-se que durante milênios os seres humanos buscam compreender descritivamente a natureza dos fenômenos que os cercam, qual seja de natureza humana. Em alusão a esse tema, os mistérios sobre a alma humana - o complexo mundo de estruturas de conexões nervosas e de conteúdos psíquicos foram desde o período da Grécia Antiga aos dias atuais o mote de muitas reflexões de filósofos, poetas e cientistas das diferentes áreas do conhecimento humano. Dessa maneira é que se diz que os filósofos foram os primeiros pensadores a questionar, seja de forma ordenada e sistemática, sobre uma variedade de temas que compreendem o mundo dos mortais, em especial aqueles que dizem respeito à alma psicológica humana. Tais representantes meditaram a respeito de uma infinidade de temas, tanto de natureza pública, como subjetiva, que cingiam o universo dos seres humanos. (DURANT, 1939). Para fundamentar esse breve debate filosófico, recorre-se a um dos pensadores mais importantes, pela particular grandeza de suas reflexões, que foi Aristóteles (384-322 a.C.). Dentre seus marcos teóricos, destaca-se o estudo da alma humana. Para ele, a psyche (a saber: alma humana) “[...]es principio y causa del cuerpo” (CONILL e CORTINA, 1993, p. 73) pois, tudo que tem a capacidade de crescer, reproduzir e se alimentar, possui um status de alma. Ou seja, a alma é dotada de múltiplos atributos ou funções. Em se tratando ainda da alma humana, na sua obra clássica “De Anima”, ou “Da ou Sobre a Alma”, prediz que para quaisquer que forem os atributos da alma (como a inteligência, a memória, o pensamento ou os seus sentimentos) é inegável que eles se revelem diretamente no. corpo, formando-se uma unidade substancial (ARISTOTELES, 1991). Ao falar disso, Larock (2002) realça que as emoções, para Aristóteles em “De Anima”, além de envolverem estados corpóreos, ou movimentos do corpo, envolvem também aspectos psicológicos: um aspecto psicológico se expressaria por um alto nível da consciência, servindo-se ao papel do processamento da emoção e ao conhecimento da experiência emocional a psyche sobre os estados corpóreos. Compreende-se então que, para Aristóteles, os afetos são iguais a estados de ânimo e que poderiam comprometer a qualidade dos juízos dos seres humanos, desde que descontrolados. Nota-se que, em absoluto, o filósofo repugna os afetos, ele crê até mesmo que, por exemplo, ofereçam subsídio ao orador no seu exercício de pregação ao público. Contudo, destaca ele que os impulsos dos sentimentos se tornados ilógicos e muitas vezes irracionais (a saber: as paixões humanas) devem ser afastados do espírito para não molestarem o galgar do conhecimento filosófico (ARISTÓTELES, 2000). Isso equivale a dizer que as paixões humanas (como o medo, o amor...), oriundas de fenômenos da alma, ou de natureza subjetiva, impetram complexos estados pelos quais a conduta do ser humano modifica-se abrupta e estruturalmente, podendo-se até afetar a qualidade dos juízos. De acordo com essa temática, o próprio Aristóteles medita que... As paixões são todos aqueles sentimentos que, causando mudanças nas pessoas, fazem variar seus julgamentos, e são seguidos de tristeza e prazer, como a cólera, a piedade, o temor e todas as outras paixões análogas, assim como seus contrários. (ARISTÓTELES, 2000, p. 5) Para finalizar esse breve capítulo, crê-se que muito embora se conceba a afetividade como um “elemento” de grande valia na reflexão filosófica, parece que ela, se comparada ao intelecto, ficará sempre em um segundo plano. Por esse modo de entender, é deveras comum a.

(3) Cognição e Afeto: Uma Primeira Visão Reflexiva sobre o Funcionamento do Sujeito Psicológico. O funcionamento do sujeito psicológico: o diálogo entre cognição e afeto Desde séculos atrás, vários juízos, preconcebidos como um conjunto de verdades imutáveis, foram modificados paulatinamente, através de um espírito humano curioso e ao mesmo tempo uma atitude precisamente de caráter experimental. Dentre tantas, uma idéia clássica diz respeito ao local do planeta Terra no universo. Deve-se a Copérnico a afirmativa clássica que se entendeu que a Terra não é o centro do universo, e sim o Sol (REICHENBACH, 1985; ELENA, 1996; BROWN et alii, 1997). Uma das prováveis conseqüências diretas deste modelo de pensamento é que ao modificar o lugar hierárquico do planeta Terra, o ser humano passou também a ocupar um papel mais ativo na construção do seu conhecimento, por meio do uso das faculdades racionais. Tudo isso concorreu para o desenvolvimento de um cenário científico. A Ciência Natural, como um corpo de conhecimento separado da Filosofia, adquiriu o seu status na compreensão dos fenômenos naturais a partir dos séculos XVIII e XIX, quando na explicação do funcionamento do universo e, particularmente, de diversos objetos (CAMPOS, 2000). No tocante à Ciência, Campos (2000, p. 35-36) assevera que... O conhecimento científico deve ser compreendido como o estágio mais recente na evolução do conhecimento humano [...] Foram necessários quase dois mil anos para que a ciência pudesse ser realmente compreendida e produzida. Desse momento até o presente, o que se pode observar é uma constante evolução, sobretudo no século XX, onde os recursos. metodológicos e tecnológicos alavancaram o desenvolvimento científico.. Parece que a noção exata de conhecimento científico, no sentido restrito do termo em si, recebeu um apreço cada vez mais legítimo à medida que se pode demonstrar e descrever minuciosamente um dado fenômeno. Para isso, usavam-se as faculdades lógicas (isto é, racionais) para se fazer à correlação entre causa e efeito. Resumindo... A ciência natural, por ser racional e objetiva, procura sempre medir e registra seus fenômenos. Ela se preocupa em dar definições precisas, descrições exatas e medições afinadas. A comprovação de suas hipóteses envolvem experiências. Por isto para ela, os números são de grande importância [...] Ao investigador cabe a classificação dos dados, o trabalho como os dados e a habilidade no julgamento dos fatores relevantes e sua interpretação[...] (ALMEIDA, 2000, p. 30). Como crítica geral, o método experimental, viabilizado ao objeto de estudo, consistiria notoriamente em isolar um corpo (objeto) em partes cada vez mais diminutas e dele retirar as suas funções principais, como por exemplo, a sua força, a elasticidade, movimento, trajetória ou suas características biológicas e químicas. Isto é, na visão Renascentista assistiuse ao uso exarcebado da matemática para formular leis explicativas e sistematizadas com equações que melhor descrevessem as características fenomenais dos objetos de estudo (PINTO, 2003a). Indo adiante nesse debate, o pensador francês Edgar Morin (1995, 2002b) estuda com afinco a questão da complexidade, enfatizando sobre a necessidade de se ampliar à visão a respeito dos fenômenos e dos paradigmas científicos. Morin (idem) elucida que um paradigma científico é tudo aquilo que subjaz os discursos teóricos e que está presente na edificação das mais diversas teorias. Para o mesmo autor, o paradigma que orientou a Ciência Natural é o simplificador, tendo como. Revista de Educação. afirmação de que a natureza psicológica do ser humano está dividida em duas partes categóricas e singulares: uma racional e a outra afetiva, ou seja “uma parte que pensa e a outra que sente”. Dessa forma, a afetividade seria supostamente elencada como uma antítese da cognição e segundo a qual poderia ainda prejudicar o funcionamento da atividade intelectual.. 63.

(4) Fausto Eduardo Menon Pinto. fim dissipar a complexidade dos fenômenos, mostrando assim uma ordem tacitamente mais simples. Ele está se referindo aqui basicamente ao paradigma de simplificação, o que se prima pela disjunção, redução e abstração do conhecimento. Noutras palavras.... Revista de Educação. Tal disjunção separou o conhecimento científico e a reflexão filosófica tendo provocado, dentre outras conseqüências, a separação dos três grandes campos do conhecimento: a física, a biologia e as ciências do ser humano. (ARAÚJO, 2002, p. 226). É importante comentar que a palavra complexidade é definida por Morin (1995, 1996) como algo complicado, difícil de explicar, que não pode se reduzir a uma lei ou a uma idéia simples. Pois é assim que se entende a complexidade como um fenômeno que envolve uma quantidade extrema de interações e interferências entre um grande número de unidades. A partir dessa questão, pode-se supor que “o grande avanço do pensamento complexo é procurar coordenar, em uma mesma perspectiva, os aspectos parciais e a totalidade da realidade” (ARAÚJO, 2000, p. 94). Em referência a todos esses conceitos, fica bastante claro que a complexidade seria o fenômeno paradigmático que se preza fundamentalmente pelo anti-reducionismo, procurando com isso conceber a realidade fenomenal como um conjunto totalizante de múltiplas partes com o todo e buscando compreender os fenômenos em uma correlação dinâmica entre parte e todo. E acolher este novo rumo teórico-conceitual é separar-se cada vez mais da tradição cultivada pela Ciência Natural em fragmentar e reduzir a realidade fenomenal em objetos compartimentalizados. Além disso, Morin (2002a, p. 58-59) afirma que... Efetivamente, a complexidade não é somente o fato de que tudo está ligado, de que não se podem separar os diferentes aspectos de um mesmo fenômeno [...] mas é além do mais a idéia de que conceitos que se opõem não devem ser expulsos um pelo outro quando se chega a eles[...]. Estando mais próximo desse pensamento, faz-se possível reorganizar tematicamente o ser humano psicológico não mais em conteúdos fragmentados, e sim ancorá-lo em sistemas, ou melhor dizendo, em dimensões, próximo de um entendimento de complexidade. Embasado nesse contexto, acredita-se que se deva incorporar no saber psicológico novos modelos de estudo teórico em que tampouco possam fragmentar a alma humana em dimensões dissociadas entre si mesmas. Isso faz lembrar que... O reconhecimento da falta de uma concepção integradora no domínio da Psicologia tem vindo a crescer nas últimas décadas, designadamente no que se reporta à compreensão do comportamento humano [...] do desenvolvimento dessa realidade complexa, multidimensional (ABREU, 2002, p. 41-42). Hoje em dia, parece que se começa a questionar que a cognição e a afetividade possam estar em um convívio dinâmico no psiquismo, bastando-se lembrar que elas possuem dimensões psíquicas de características particulares, mas que certamente têm correspondência psicológica associativa. Como se está vendo, busca-se conceber uma realidade teórico-psicológica em que se olhe o ser humano sendo o produto dinâmico de processos intelectuais e também afetivos. Ainda nessa linha de pensamento, começam a surgir alguns debates atuais, teóricos e estudos empíricos, acerca do papel da dimensão afetiva na organização do pensamento, procurando-se com isso tentar desfazer à divisão entre razão e coração (ARANTES, 1998, 2000b; ARAÚJO, 1998, 1999, 2003; MORENO, 1998). Destarte, todos eles asseguram que a organização do pensamento humano pode ser influenciada tanto pela cognição, quanto pela afetividade. Diante desse aspecto, a afetividade coabitaria psiquicamente em igual proveito com a cognição e teria ela um valor estimável na organização do raciocínio humano, possibilitando-se afirmar haver uma interação dinâmica entre cognição e afetividade. Raciocinando-se assim... [...]acredita-se que as duas estruturas. 64.

(5) Cognição e Afeto: Uma Primeira Visão Reflexiva sobre o Funcionamento do Sujeito Psicológico. Aliado nessa mesma perspectiva de debate, Araújo (1998, 1999, 2003) defende a idéia de elaboração de novos modelos teóricos que possibilitem romper a dicotomia entre mente e corpo, razão e emoção, através da busca de novos paradigmas em psicologia. Desse modo, para esse autor, a maneira pela qual o ser humano pensa, sente e valora é o resultado da coordenação de vários sistemas ou dimensões. Para se resumir, compreende-se o sujeito psicológico como... [...]um ser que sente emoções, que sente fome, que vive imerso em relações com um universo objetivo e subjetivo, e que possui uma capacidade intelectual e afetiva que lhe permite organizar e interpretar essas relações com o mundo interno e externo. (ARAÚJO, 1999, p. 46). Segundo o mesmo autor, supõe-se que haja aspectos multidimensionais constituintes da natureza psicológica do ser humano, como exemplo, biológica, afetiva, cognitiva e social simultaneamente, estando em constante relação e correlação entre si mesmos. Nessa influência mútua, todos têm o mesmo grau de importância e assim qualquer alteração que venha a acontecer em cada uma dessas dimensões ou subsistemas, afetará dinamicamente o funcionamento do sistema inteiro. Isso significa que não é “perdida” a noção das partes nem do todo, mas existindo uma correlação dinâmica entre eles: sendo o sujeito psicológico não uma mera junção de subsistemas, porém a incorporação destes sistemas dinamicamente e.... [...]para melhor compreender esse ser psicológico complexo, podemos estudar separadamente seus aspectos cognitivos, afetivos, socioculturais e biológicos e suas relações como o mundo físico, interpessoal e sociocultural à sua volta. Não se deve, porém, perder a perspectiva de totalidade e coordenação interna e externa desses sistemas. (ARAÚJO, 1999, p. 68). Nessa inter-relação psico-funcional, como ressalta esse autor, existem elementos reguladores (ARAÚJO, 1999, p. 73) que teriam como papel a coordenação dos sistemas e subsistemas no sujeito psicológico. Ao conceito regulador... [...]nossa hipótese é a de que em seu funcionamento psíquico o sujeito psicológico utiliza-se de vários elementos ‘funcionais’ (ou ‘colas’) que nesse momento, gostaríamos de definir como reguladores. (ARAÚJO, 1999, p. 74). Nesse ponto de vista, como exemplo, o sistema biológico tem como regulador os neurotransmissores, sendo definidas como aquelas substâncias que facilitam a comunicação entre as células nervosas; alterando o funcionamento ao nível cerebral. No sistema sociocultural há a linguagem como um mediador entre o ser humano e a sociedade. Com relação ao cognitivo, os esquemas mentais e as crenças seriam os seus mais fecundos representantes e que coordenam a capacidade de organizar o conhecimento. Para a afetividade, os seus reguladores (como os sentimentos, afetos e emoções) desempenham o encargo de interferirem íntima e dinamicamente no estado de ânimo do ser humano. De uma forma enfática, pode-se refletir que a complexidade deste funcionamento psíquico deve-se a uma multidimensionalidade do ser humano, defendido por Araújo (1998, 1999), em sua proposta teórico-conceitual. Para tal autor, na composição do ser humano psicológico existem algumas dimensões que o constituem e podem afetar as relações intra e interpsíquicas que estabelece consigo mesmo e com o mundo físico, interpessoal e sociocultural. Revista de Educação. (afetividade e cognição) funcionem psicologicamente de maneira dinâmica e construtiva, como peças conjuntas de um processo único no funcionamento psicológico, sendo assim de pouco valor dividi-las em fragmentos dissociados entre si. Em cada experiência, o ser humano é cognitivo-afetivo ao mesmo tempo, estando em proporções variáveis ‘mais’ afetivo ou ‘mais’ cognitivo, ou quem sabe ambas as duas somadas. Ou seja, sendo inseparáveis. (PINTO, 2004a, p. 109). 65.

(6) Fausto Eduardo Menon Pinto. em que vive. Para exemplificar.... Revista de Educação. Seguindo esta linha de raciocínio, os esquemas de ação descritos pela teoria piagetiana também podem ser entendidos como reguladores, pertencentes ao sistema cognitivo. Um determinado esquema de ação, como o de sucção, possui uma interdependência com os demais sistemas. Por exemplo, seu funcionamento no momento de a criança mamar tem uma interna relação com o sistema afetivo, no tipo de atribuição valorativa que a criança dá ao seio. (ARAÚJO, 1999, p. 75). Como menção a esse modelo de estudo, proposto por Araújo, há muito se vem comentando sobre ele, como se nota em alguns trabalhos recentes (cf. PINTO, 2003a, no prelo), e o que mais se acentua nesse caso é que tal modelo teórico-explicativo aponta para novos caminhos de se compreender a complexidade do funcionamento psíquico do ser humano ao indicar múltiplos aspectos, ou dimensões psicológicas, que o compõem dinamicamente e, além do mais, que estariam bem próximos da realidade concreta de cada ser humano: com todos seus afetos e todos seus pensamentos, intrinsecamente ligados um a um, por exemplo. Toda essa discussão, assim já como outros estudos empíricos realizados na área da Psicologia Moral (ARANTES, 2000a, 2000b), são muito expressivos para o debate acadêmico, ao sinalizar que o processo de resolução de problemas constrói-se a partir da relação mútua entre os conteúdos cognitivos e afetivos, sendo os estados de ânimo (a saber: conteúdos afetivos) objetos psicológicos de capital participação no raciocínio humano. Para comentar de um outro modo, a afetividade pode influenciar o desenvolvimento de novos raciocínios... Assim como a organização de nossos pensamentos influencia nossos sentimentos, o sentir também configura nossa forma de pensar. Com isso, o papel da afetividade deixa de ser apenas motivacional no funcionamento psíquico, assumindo. 66. um papel também organizativo. (ARANTES, 2000a, p. 150). Por falar nisso tudo, destaca-se aqui que o grande avanço conceptual desta visão reside no fato de que na configuração mental comportam dialética e dinamicamente aspectos cognitivos e afetivos. Em recentes trabalhos (MARTINS, 2003; SASTRE e MORENO, 2002; AFFONSO, 2003; SOUZA, 2003) demonstram-se empiricamente que questões dilemáticas, que venham a ter a inserção de um contexto afetivo, conjugam um universo diversificado de respostas, apontando para uma complexidade na organização do pensamento humano. Todo esse debate inicial ajuda a procurar entender a complexidade do raciocínio humano, ao se propor considerar as inúmeras variáveis que podem interferir no julgamento dos sujeitos diante de uma situação conflitiva, sobretudo àquelas que contenham uma característica afetiva. Uma outra idéia paralela é que o ser humano seja composto multidimensionalmente por uma dimensão cognitivo-afetiva. Para visualizar essa idéia, propõe-se um simples esquema gráfico que está situado no final deste ensaio. Mas voltando ao tema, por isso é que frente a toda esta discussão, começa-se a compreender que a organização do pensamento humano pode ser influenciada tanto pela cognição, quanto pela afetividade. Por tudo isso, a afetividade coabitaria psiquicamente em igual proveito com a cognição e teria ela um valor considerável na organização do raciocínio humano, entendendo-se que a afetividade pode mobilizar e coordenar funcionalmente a dinâmica subjetiva do sujeito psicológico (PINTO, 2004a). Baseado nessa discussão, há de se supor que a afetividade seja sintetizada como um conteúdo particular na organização psíquica do sujeito psicológico. Com efeito... Neste significado, a afetividade consegue englobar uma porção de estados de ânimo e, além do mais, englobando uma organização viva de significados e conteúdos psicológicos; como tristeza, amor, paixão, inveja, desesperança e outros mais..

(7) (PINTO, 2004a, p. 25-26). Quanto aos estados afetivos, passa-se a seguir conceitualmente pelo estudo teórico da afetividade, observando-a na organização do funcionamento psíquico. Possivelmente, ela estaria unida ao domínio do íntimo e pessoal, do mundo privado e subjetivo, e dos conteúdos psicológicos. Como é provável compreender, sugere-se uma definição de afetividade na qual se possibilite integrar tanto uma resposta emocional (empalidecimento, cólera, ansiedade e estresse), vindo também a incluir os aspectos expressivos e gestuais do se humano (lágrimas, risos e sorrisos) em um mesmo experienciar. Para isso, discute-se que os afetos englobariam um legado que vai do temperamento, personalidade, atitudes aos valores pessoais (PINTO, 2004b). Como resumo, basta raciocinar que... É próprio que se inclua na discussão a figura de um ser humano que experiencie subjetivamente, e por que não dizer afetivamente, as mais variadas experiências do dia-a-dia. Ao contrário da emoção, segundo a qual traz em seu sentido um ‘apelo’ essencialmente corporal, a afetividade é traduzida pela sua real complexidade de significados que se manifestam fundamentalmente no psiquismo do ser humano. (PINTO, 2004a, p. 27). Sendo assim, acredita-se que os seres humanos agem psicológico-afetivamente às experiências da vida: a afetividade contém a dedução próxima das qualidades do mundo que eles sentem dele (PINTO, 2003b; 2004b). Em suma, os seres humanos são afetados pela afetividade. Essencialmente, pode-se afirmar que a afetividade acolhe às reais expectativas em idealizar o ser humano em um complexo universo psíquico de significados simbólicos, principalmente subjetivos, às mais variadas experiências, pessoas e objetos (PINTO, no prelo). Nesse sentido de complexidade, supõese que é sumamente importante definir a afetividade como um estado psicológico implexo, o que parece sugerir, preliminarmente, que não há um pólo afetivo definido, como amor ou ódio,. alegria ou tristeza, mas uma complementaridade dinâmica entre ele, ou seja, amor e ódio, alegria e tristeza. As idéias contidas nesse capítulo são muito promissoras para o debate acadêmico, uma vez que todas elas podem promover uma reflexão a respeito da importância das dimensões psicológicas para o conhecimento do ser humano psicológico, como exemplo a cognição e a afetividade sendo então frutos de um mesmo processo na organização do pensamento. Especificamente em suas prováveis aplicabilidades no campo da educação, refletese inicialmente que o ambiente escolar é uma das muitas áreas de estudo que vêm recebendo com apreço, nos últimos anos, os conhecimentos advindos da Psicologia, sobretudo aqueles ligados à afetividade. Entretanto, parece que se continua a ver a Escola com um discurso ainda fragmentador, preferindo-se reunir esforços teóricos, muitas vezes, no aprendizado intelectual de seus alunos, e não no conhecimento psicológico dos aspectos privados deles, como exemplo o afetivo (TORRENT, 2001). Se não bastasse isso, o conteúdo das disciplinas escolares também, volta e meia, tem contestado um conhecimento efetivo das vivências afetivas dos alunos. A respeito disso, sabe-se, como uma análise crítica, que.... Revista de Educação. Cognição e Afeto: Uma Primeira Visão Reflexiva sobre o Funcionamento do Sujeito Psicológico. “A falta de educação da própria vida afetiva e o desconhecimento das formas de interpretação e de respostas adequadas perante as atitudes, condutas e manifestações emotivas das demais pessoas deixa alunos e alunas à mercê do ambiente que os rodeia e no qual abundam modelos de resposta agressiva descontrolada e ineficaz diante dos conflitos interpessoais” (MORENO et alii, 1999, p. 46). Comungando dessa crítica e desenvolvendo-a, sugere-se então a continuada formação de educadores cônscios, cujos princípios se viabilizem por atitudes reflexivas em sala de aula, reconhecendo nos seus alunos seres afetivos, pois “[...]a educação deve preocuparse também com a construção e organização da dimensão afetiva das pessoas” (ARANTES, 67.

(8) Fausto Eduardo Menon Pinto. 2000a, p. 152). Com essa posição em mãos, pensa-se que... “[...]é impossível separar nossa vida afetiva da nossa vida intelectual e de nossas manifestações afetivas. Por isso têm tanta importância o conhecer os sentimentos das outras pessoas, suas representações e ritmos pessoais” (MOSQUERA e STOBÄUS, 2001, p. 94). Revista de Educação. Concluindo, esse questionamento só se fará praticável se houver um desejo autêntico nos educadores em procurar reconhecer, no funcionamento psicológico de seus alunos, a importância do universo afetivo, tanto no processo de ensino-aprendizagem, como na formação de seres humanos mais conscientes de suas atitudes pessoais e decisões profissionais futuras.. 68. Considerações finais “O importante é continuar aprendendo, desfrutar os desafios e tolerar a ambigüidade pois, em definitivo, não existem certezas” Marina Horner. Depois dessa discussão teórica, é certo que se comente que há muito se vem fragmentando o ser humano psicológico em diversos saberes dispersos entre si, como a cognição e a afetividade vistas separadamente uma da outra. Entretanto, nesse instante, começase a refletir que esses mesmos saberes podem conviver em um diálogo dinâmico e conjuntivo: integrariam então conceitos-chave e também não se sobrepujaria teoricamente uma de outrem e todos eles teriam um valor essencial no funcionamento psíquico como um todo. Refletindo mais sobre isso, deixa-se registrado aqui um material que possa favorecer o intercâmbio do debate acadêmico sobre o funcionamento psicológico de seres humanos e possivelmente na abertura de novos horizontes de estudo. Em um futuro muito próximo, as pesquisas psicológicas devem ser postas em prática, cuja finalidade será aprimorar esse conjunto de questionamento, explorando assim. novas hipóteses teóricas e procurando integrar novos conceitos ao debate acadêmico dessa área temática. Referências Bibliográficas ABREU, M. V. A. Complexidade bio-psico-sócioaxiológica da personalidade humana: contributos para uma teoria integradora. Psychologica, v. 30, p. 41-55, 2002. AFFONSO, S. A. B. O papel das crenças e dos valores na construção de novos conhecimentos: um estudo na perspectiva dos modelos organizadores do pensamento. Campinas: FE/Unicamp, 2003 (Dissertação de Mestrado em Educação). ALMEIDA, E. S. Q. Ciência, o quantitativo e o qualitativo (características, diferenças, tipos). Alcance, v. 3, n. 3, p. 27-31, 2000. ARANTES, V. A. Modelos organizadores na resolução de conflitos morais: um estudo intercultural com estudantes brasileiros e catalães. Barcelona: Facultat de Psicologia/Universitat de Barcelona, 1998 (Credits de Recerca). ARANTES, V. A. Cognição, afetividade e moralidade. Educação e Pesquisa, v. 26, n. 2, p. 137-153, 2000a. ARANTES, V. A. Estados de ânimo e os modelos organizadores do pensamento: um estudo exploratório sobre a resolução de conflitos morais. Barcelona: Facultat de Psicologia/ Universitat de Barcelona, 2000b (Tese de Doutorado em Psicologia). ARAÚJO, U. F. O sentimento de vergonha como um regulador moral. São Paulo: Instituto de Psicologia/ USP, 1998 (Tese de Doutorado em Psicologia). ARAÚJO, U. F. Conto de escola - a vergonha como um regulador moral. São Paulo/Campinas: Moderna/ Unicamp, 1999. ARAÚJO, U. F. Escola, democracia e a construção de personalidades morais. Educação e Pesquisa, v. 26, n. 2, p. 91-107, 2000. ARAÚJO, U. F. A dimensão afetiva da psique humana e a educação em valores. In: ARANTES, V. A. (org). Afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 2003. ARISTOTLE. De anima. New York: Prometheus Books, 1991 (Tradução: R. H. Hicks). ARISTÓTELES. Retórica das paixões. São Paulo: Martins Fontes, 2000 (Tradução: Isis Borges B. da Fonseca). BROWN, S. et alii. Biographical dictionary twentieth-century philosophers. London: Routledge, 1997. CAMPOS, L. F. de L. Métodos e técnicas em psicologia. Alínea: Campinas, 2000. CONILL, J.; CORTINA, A. La psicología de Aristóteles. In: QUIÑONES, E. et al. Historia de la psicología. Madrid: Tecnos, 1993. DURANT, W. Os grandes pensadores. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939..

(9) Cognição e Afeto: Uma Primeira Visão Reflexiva sobre o Funcionamento do Sujeito Psicológico. Anexos. Cognição e afeto... A figura acima intenta apontar uma primeira idéia esquemática que se faz a respeito da organização e funcionamento psicológico humanos, a partir da discussão teórica esboçada nesse ensaio. Para se ler este esquema é preciso ver que há setas direcionais entre a cognição e o afeto, isto é entre o pensar e o sentir, indicando que eles são entendidos como funções psicológicas básicas, com correspondência dinâmica e comunicativa.. Revista de Educação. ELENA, A. Copérnico, Digges, Galileo – opúsculos sobre el movimiento de la tierra. Madrid: Alianza Editorial, 1996. LAROCK, E. R. Against the functionalist reading of Aristotle’s philosophy of perception and emotion. International Philosophical Quarterly, v. 42, n. 2, p. 231-258, 2002. MARTINS, S. M. P. Juízo e representação da ação moral: um estudo na perspectiva dos modelos organizadores do pensamento. Campinas: FE/ Unicamp, 2003 (Dissertação de Mestrado em Educação). MORENO, M. Sobre el pensamiento y otros sentimientos.Cuadernos de Pedagogía, n. 271, p.1220, 1998. MORENO, M. et alii. Falemos de sentimentos. São Paulo: Moderna, 1999. MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget Editora, 1995. MORIN, E. Epistemologia da complexidade. In: SCHNITMAN, D. F. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. MORIN, E. Ninguém sabe o dia que nascerá. São Paulo: Editora da Unesp, 2002a (Tradução: Maria Leonor F. R. Loureiro). MORIN, E. O problema epistemológico da complexidade. Lisboa: Europa-América, 2002b. MOSQUEIRA, J. J. M.; STOBÄUS, C. D. O professor, personalidade saudável e relações interpessoais: por uma educação da afetividade. In: ERICONE, D. Ser professor. Porto alegre: EDIPUCRS, 2001. PINTO, F. E. M. Psicologia e complexidade... um retorno ao passado em busca de um sistema integrador. Argumento, v. 10, p. 11-22, 2003a. PINTO, F. E. M. Psicologia e hospital: uma reflexão sobre a cognição e a afetividade. Revista Roteiro, v. 10, n. 1, p. 83-99, 2003b. PINTO, F. E. M. Por detrás dos seus olhos: a afetividade na organização do raciocínio humano. Campinas: FE/Unicamp, 2004a (Dissertação de Mestrado em Educação). PINTO, F. E. M. O “mundo do coração”: os (novos) rumos de estudo da afetividade na psicologia. Revista Ciências Humanas, v. 10, n. 2, p. 111-114, 2004b. PINTO, F. E. M. A afetividade como um regulador psíquico humano. Saberes, no prelo. REICHENBACH, H. Da Copernico a Einstein. Bari: Laterza, 1985. SASTRE, G.; MORENO, M. Resolución de conflictos y aprendizaje emocional. Barcelona: Gedisa, 2002. SOUZA, L. L. de. Modelos organizadores na resolução de conflitos morais: um estudo com adolescentes autores de infração. Assis: Faculdade de Ciências e Letras/Unesp, 2003 (Dissertação de Mestrado em Psicologia). TORRENT, S. M. I. La educación emocional, factor clave en una educación integral. Disponível em: http:/ /www.comunidad-escolar.pntic.mrc.es/682/ portada.html. Acesso em: 15/10/2001.. 69.

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