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Abu ja'far muhammad ibn musa al-khwarizmi: contribuições da álgebra para o ensino

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA

MARLENE GORETE DE ARAÚJO

ABU JA'FAR MUHAMMAD IBN MUSA AL-KHWARIZMI: CONTRIBUIÇÕES DA

ÁLGEBRA PARA O ENSINO

NATAL – RN 2019

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MARLENE GORETE DE ARAÚJO

ABU JA'FAR MUHAMMAD IBN MUSA AL-KHWARIZMI: CONTRIBUIÇÕES DA

ÁLGEBRA PARA O ENSINO

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática.

Orientadora: Profª Dra. Bernadete Barbosa Morey.

Coorientador: Prof° Fabian Arley Posada Balvin.

NATAL – RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede

Araújo, Marlene Gorete de.

Abu ja'far muhammad ibn musa al-khwarizmi: contribuições da álgebra para o ensino / Marlene Gorete de Araújo. - 2019. 141f.: il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de ciências exatas e da terra, Programa de pós-graduação em ensino de ciências naturais e matemática, Natal, 2019.

Orientador: Dra. Bernadete Barbosa Morey. Coorientador: Dr. Fabian Arley Posada Balvin.

1. Ensino de Álgebra - Dissertação. 2. Matemática islâmica medieval - Dissertação. 3. História e Ensino de Matemática - Dissertação. I. Morey, Bernadete Barbosa. II. Balvin, Fabian Arley Posada. III. Título.

RN/UF/BCZM CDU 512

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MARLENE GORETE DE ARAÚJO

A ÁLGEBRA DE ABU JA'FAR MUHAMMAD IBN MUSA AL-KHWARIZMI: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática.

Orientadora: Profª Dra. Bernadete Barbosa Morey.

Coorientador: Prof° Fabian Arley Posada Balvin.

Banca Examinadora

___________________________________________________________________ Profª Dra. Bernadete Barbosa Morey (Orientadora) - Presidente

___________________________________________________________________ Profa. Dra. Giselle Costa de Sousa – examinador interno

___________________________________________________________________ Profa. Dra. Ana Carolina Costa Pereira (UECE) – Examinador externo

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Fabian Arley Balvin Posada – Co-orientador

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por todas as vezes que Ele me deu força quando pensei em desistir ou redefinir meus objetivos.

A meus pais e demais familiares, pela educação e conselhos que me foram dados.

À minha orientadora, professora doutora Bernadete Morey, pela acolhida e ensinamentos. Confesso que sem as orientações que me foram prestadas, não teria conseguido chegar até onde estou. Aqui lhe exprimo a minha gratidão!

Ao meu companheiro de todas as horas, Ramon Costa, que divide comigo todas as dificuldades e felicidades da vida acadêmica e pessoal.

A todos os meus amigos que entenderam a minha ausência durante esses últimos tempos, ouviram todas as minhas inquietações e me incentivaram a seguir adiante.

A todos os amigos do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática (PPGECNM), que dividiram comigo o peso das disciplinas e da dissertação e as angustias e as alegrias vividas durante esse período.

A todos os orientandos da professora Bernadete Morey, por todos os conhecimentos compartilhados em nosso grupo de estudo.

A todos os professores do PPGECNM, pelos ensinamentos durante o mestrado.

Aos professores que participaram da banca de qualificação e defesa: Dra. Giselle Costa de Sousa, Dra. Ana Carolina Costa Pereira e Dr. Fabian Arley Balvin Posada, cujas contribuições foram primordiais para a conclusão desse trabalho.

A todos, mesmo àqueles que por ventura não tenham sido registrados aqui, meus sinceros agradecimentos.

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RESUMO

Reconhecendo que a matemática islâmica medieval produziu diversos nomes de estudiosos de primeira grandeza, a presente pesquisa tem como foco de estudo a obra intitulada Al-Kitāb al-mukhtaṣar fī ḥisāb al-jabr wal-muqābala (Livro de Restauração e Balanceamento), mais conhecida como a Álgebra de al-Khwarizmi, escrita pelo eminente sábio islâmico medieval, Abu Ja'far Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi. Desse modo, o objetivo dessa pesquisa foi conhecer as potencialidades histórico-pedagógicas do o Tratado de algébrico de Khwarizmi (Álgebra de

al-Khwarizmi) tendo como suporte teórico-metodológico a Teoria da Objetivação. Essa

é uma pesquisa histórica bibliográfica e documental, de natureza qualitativa, com algumas pinceladas da pesquisa-ação. No decorrer da pesquisa foi elaborado um material instrucional sob a forma de e-book que foi pensado para satisfazer a exigência de produto educacional no curso de Mestrado Profissional. Na presente pesquisa, o e-book desempenha o papel de material didático de auxílio aos professores de matemática que queiram se familiarizar com a obra Álgebra de

al-Khwarizmi. Na apresentação da Álgebra de al-Khwarizmi aos professores, optamos

por privilegiar os aspectos formais, externos e físicos da obra, por pensar que a familiaridade com tais aspectos da obra citada, pode potencializar, por parte dos professores, futuramente, uma imersão mais profunda no conteúdo histórico-matemático da obra. Desse modo, concluímos que a Álgebra de al-Khwarizmi é um tratado consideravelmente importante para o desenvolvimento da álgebra. Além disso, esse tratado apresenta um grande potencial para a formação docente, não somente quanto aos aspectos matemáticos, mas também quanto aos aspectos históricos, sociais e políticos.

Palavras-chave: Ensino de Álgebra. Matemática islâmica medieval. História e Ensino de Matemática.

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ABSTRACT

Recognizing that medieval Islamic mathematics has produced several names of first-rate scholars, this research focuses on the well-known work entitled Al-Kitāb mukhtaṣar fī ḥisāb jabr wmuqābala (Book of Restoration and Balancing) like al-Khwarizmi Algebra, written by the eminent medieval Islamic sage, Abu Ja'far Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi. Thus, the objective of this research was to know the historical-pedagogical potentialities of al-Khwarizmi's Algebraic Treaty (Algebra de al-Khwarizmi) having as theoretical and methodological support the Objection Theory. This is a qualitative bibliographical and documentary historical research, with some brushstrokes of action research. In the course of the research an instructional material was prepared in the form of e-book that was designed to satisfy the educational product requirement in the Professional Master course. In this research, the ebook plays the role of teaching aids to mathematics teachers who want to become familiar with al-Khwarizmi's Algebra. In the presentation of al-al-Khwarizmi's Algebra to the teachers, we chose to privilege the formal, external and physical aspects of the work, thinking that the familiarity with such aspects of the mentioned work may, in the future, enhance the teachers' deeper immersion. in the historical-mathematical content of the work. Thus we conclude that al-Khwarizmi Algebra is a considerably important treatise for the development of algebra. Moreover, this treatise has great potential for teacher education, not only in mathematical aspects, but also in historical, social and political aspects.

Keywords: Algebra teaching. Medieval Islamic Mathematics. History and Teaching of Mathematics.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Península Arábica ... 24

Figura 2 - Selo emitido pela União Soviética em 6 de setembro de 1983 ... 41

Figura 3 - Página do Livro de Restauração e Balanceamento ... 45

Figura 4 - Mapa atribuído aos geógrafos do califa al-Mamun ... 47

Figura 5 - Capa do El libro del Álgebra: Mohammed ibn-Musa al-Jwarizmi ... 55

Figura 6 - Tratado algébrico de al-Khwarizmi em árabe e em espanhol ... 56

Figura 7 – Momento de discussão da tarefa 1 ... 93

Figura 8 – Utilização de mapa para apresentação do mundo islâmico medieval ... 94

Figura 9 – Conversa sobre a Álgebra de al-Khwarizmi ... 96

Figura 10 – Sequências de imagens que apresentam o labor conjunto entre participantes ... 98

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 - Conquistas do Islã até 632 ... 27

Mapa 2 - Expansão do Islã até 750 ... 28

Mapa 3 - Expansão do Islã durante 750 a 1700 ... 30

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Percurso Metodológico da pesquisa ... 21

Quadro 2 - Síntese das conquistas do mundo islâmico ... 31

Quadro 3 - Sumário do Tratado algébrico de al-Khwarizmi ... 59

Quadro 4 - Os seis tipos de equações polinomiais propostas por al-Khwarizmi ... 64

Quadro 5 - Resolução da equação "un cuadrado más diez raíces igual a treinta y nueve dirhams" (AL-KHWARIZMI, 830, p.27) ... 67

Quadro 6 - "un cuadrado más cinco raíces es igual a veinticuatro dirhams" (AL-KHWRIZIMi, 830, p. 27) ... 68

Quadro 7 - "Un cuadrado más diez raíces es igual a cincuenta y seis dirhams" (AL-KHWARIZMi, 830, p. 29) ... 69

Quadro 8 - Resolução geométrica de “un cuadrado más diez raíces igual a treinta y nueve dirhams" (AL-KHWARIZMI, 830, p. 29) ... 71

Quadro 9 - Segundo modo de resolver geometricamente a equação “un cuadrado más diez raíces igual a treinta y nueve dirhams" (AL-KHWARIZMI, 830, p. 29) ... 73

Quadro 10 - "Un cuadrado más veintiún dirhams es igual a diez de sus raíces" (AL-KHWARIZMI, 830, p. 29) ... 75

Quadro 11 - "cuadrado más veinte dirhams equivalentes a doce raíces" ... 77

Quadro 12 - Resolução geométrica de "un cuadrado más veintiún dirhams es igual a diez de sus raíces" (AL-KHWARIZMI, 830, p. 29) ... 78

Quadro 13 - "Tres raíces más cuatro es igual a un cuadrado" (AL-KHWARIZMI, 830, p. 31) ... 81

Quadro 14 - "tres raíces más cuatro es igual a un cuadrado" (AL-KHWARIZMI, 830, p. 31) ... 82

Quadro 15 - Organização das tarefas e do tempo para realização do minicurso ... 90

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

1.1 OBJETIVOS DA PESQUISA 13

1.2 CONTEXTUALIZANDO O TEMA E SUAS QUESTÕES 13

1.3 A TEORIA DA OBJETIVAÇÃO COMO SUPORTE AO ESTUDO 16

1.4 PERCURSO METODOLÓGICO 19

1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO 21

2 O MUNDO ISLÂMICO MEDIEVAL 23

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O MUNDO ISLÂMICO 23

2.2 O CONTEXTO HISTÓRICO, POLÍTICO E SOCIAL 25

2.3 A CASA DA SABEDORIA 32

2.4 A PRODUÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA 36

2.5 ABU JA’FAR MUHAMMAD IBN MUSA AL-KHWARIZMI 41

3 O LIVRO DA RESTAURAÇÃO E DO BALANCEAMENTO 50

3.1 A ÁLGEBRA DESENVOLVIDA NO MUNDO ISLÂMICO 50

3.2 O TRATADO ALGÉBRICO DE AL-KHWARIZMI 55

3.3 O MÉTODO ALGÉBRICO E GEOMÉTRICO PARA RESOLUÇÃO DE

EQUAÇÕES POLINOMIAIS PROPOSTO POR AL-KHWARIZMI 62

4 PROPOSTA PEDAGÓGICA: CONCEPÇÃO E APLICAÇÃO 86

4.1 O PRODUTO EDUCACIONAL 86

4.2 VALIDAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL 88

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 101

REFERÊNCIAS 105

APÊNDICE A – PRODUTO EDUCACIONAL 111

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1 INTRODUÇÃO

A ciência, assim como a sociedade atual, é fruto de diversas transformações históricas e culturais. Isso acontece pelo fato da ciência se constituir em um processo dinâmico e inacabado, o que provoca constantes mudanças na sociedade como um todo. No entanto, devido a uma construção histórica e cultural, somos levados a concluir, precipitadamente, pelo senso comum, ou até mesmo pelo excesso de consumo midiático, que os conhecimentos científicos surgem de estudos pouco complexos, que se realizam num intervalo de tempo curto. Essa ideia de ciência pode ser notada em diversos ramos do conhecimento e propagada por vários meios de comunicação.

Muitas vezes, os próprios livros didáticos e enciclopédias propagam a imagem da ciência como algo pronto e acabado, que surge do nada. Vários autores, como por exemplo, Dante (2016) e Souza (2016), ao falarem sobre o surgimento de um determinado saber, enaltecem essa ideia e induzem muitos leitores a pensar que o mérito da descoberta científica é, exclusivamente, do pesquisador/cientista que finalizou a pesquisa. Tal forma de pensar nos impede, muitas vezes, de conhecer o verdadeiro processo de evolução do saber científico.

Consideramos que tanto professores, como alunos, devem conhecer e compreender como o saber matemático evoluiu ao longo do tempo, para que algumas ideias sejam descontruídas e desmistificadas. Porém, essa ressignificação não é algo fácil de se alcançar, principalmente porque essa forma de pensar a matemática já está enraizada em nossa sociedade. Enxergamos que um possível caminho para essa desconstrução é apontado pela História da Matemática, visto que há alguns anos, essa estratégia é utilizada para tais fins.

Motivados a pesquisar sobre História da Matemática e suas contribuições para o ensino, a presente pesquisa, vinculada à linha de pesquisa em História, Filosofia e Sociologia da Ciência, pertencente ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática (PPGECNM) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), tem como temática a matemática islâmica medieval. Sendo assim, a nossa pesquisa busca responder a seguinte indagação: como elaborar uma proposta de atividade que utilize as potencialidades do Tratado Algébrico de

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A escolha da matemática islâmica como temática de estudo se justifica, pois, embora seja propagada as contribuições dos estudiosos islâmicos medievais à matemática e às ciências de modo geral, constatamos a existência de uma lacuna no Brasil de bibliografia sobre essa temática que sejam, principalmente, acessíveis aos professores de matemática e ciências do país (MOREY, 2018a). Faz-se necessário, então, que pesquisadores e/ou professores em história da matemática busquem meios de preencher o vazio referente à literatura em português nesta temática, tanto no que se refere à formação do professor como no que se refere ao material didático para ser usado em sala de aula (MOREY, 2018a). No entanto, por meio de pesquisas realizadas, constatamos que essa lacuna existe até mesmo internacionalmente, uma vez que não é abundante o acesso e disponibilização para os professores, de obras sobre essa temática.

Julgamos que essa escassez de obras sobre a matemática islâmica pode ser explicada devido ao fato de que “há apenas poucas décadas a comunidade acadêmica reavaliou o papel da ciência islâmica na formação do pensamento científico moderno” (MOREY, p. 1, 2018a). Assim, devido às diversas contribuições que os países islâmicos trouxeram para o desenvolvimento da matemática, avaliamos que seja de fundamental importância a existência de textos em português que abordem essa temática, para que, então, professores e/ou pesquisadores tenham acesso a essa informação com mais facilidade.

Como dito, reconhecemos que a matemática islâmica medieval produziu diversos nomes de estudiosos de primeira grandeza. Com isso, a presente pesquisa, desenvolvida no âmbito de uma dissertação de mestrado profissional, tem como foco de estudo a obra intitulada Al-Kitāb al-mukhtaṣar fī ḥisāb al-jabr wal-muqābala, datada por volta de 813 e 833, escrita pelo eminente sábio islâmico, Abu Ja'far Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi.

Segundo Wussing (1998), os tratados de al-Khwarizmi sobre a aritmética e álgebra influenciaram persistentemente as gerações seguintes de matemáticos islâmicos, e foram pontos de partida para muitas outras investigações, tendo sido repetidamente comentados e utilizados por diversos jovens matemáticos, a exemplo de Abu Kamil, al-Karaji, Alhazen e outros. Embora tenha feito diversas contribuições à aritmética, à astronomia e à geografia, a obra mais importante de al-Khwarizmi é a que trata da álgebra, conhecida por distintos nomes, dos quais podemos citar pelo menos três: 1) Al-kitāb al-mukhtaṣar fī ḥisāb al-jabr wal-muqābala (em árabe); 2) O

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Tratado algébrico de al-Khwarizmi; 3) A Álgebra de al-Khwarizmi. Este tratado, escrito

no início do século IX enquanto seu autor trabalhava na Casa da Sabedoria em Bagdá, é considerado a obra da qual se originou todo o ramo da matemática conhecido hoje como álgebra. Nesse importante trabalho, al-Khwarizmi introduz, dentre diversos assuntos, um método de resolução de equações de 1° e 2° grau apreendido dos indianos (D’AMBROSIO, 1996).

As contribuições e influências deixadas por al-Khwarizmi foram uma das mais importantes desse período da história, o que faz com que seja relevante a divulgação e construção de mais textos didáticos e científicos que falem sobre esse matemático islâmico. É, pois, levando em consideração este contexto, que nos concentramos na obra desse autor, cujo nome completo era Abu Ja'far Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi, um dos mais paradigmáticos do período medieval islâmico. Queremos nos acercar à sua obra com o intuito de traçar caminhos que possam, de algum modo, auxiliar os professores de matemática em sua educação continuada e permanente.

Por outro lado, refletindo sobre o nosso papel de educadores, reconhecemos que todo o nosso trabalho profissional deve ser alicerçado por um arcabouço teórico provido por uma teoria educacional. Desse modo, nossa escolha recaiu sobre a Teoria da Objetivação – teoria de ensino e aprendizagem da corrente sociocultural – por sua ênfase não estar atrelada apenas ao processo de aprender, mas também na formação do ser. A Teoria da Objetivação, de acentuada abordagem semiótica, tem seus fundamentos filosóficos na dialética de Hegel e no materialismo dialético dela resultante em Marx, Ilyenkov, e nas escolas de Vygotsky e Leontiev e nas tendências antropológicas modernas.

Tendo anunciado nossas matrizes teóricas, podemos voltar a atenção para delinear os contornos de nosso estudo dissertativo. Como posto, julgamos ser importante e necessário que professores de matemática tenham acesso em língua portuguesa a um material histórico-matemático sobre o Tratado algébrico de

Khwarizmi, que, de agora em diante, chamaremos também de Álgebra de al-Khwarizmi. Ademais, o estudo histórico se sustentou na abordagem pedagógica

alicerçada pela Teoria da Objetivação.

Dando continuidade a fala sobre o presente estudo, apresentaremos a seguir o objetivo geral que traçamos para essa pesquisa, bem como os objetivos específicos preestabelecidos. Em seguida, faremos uma discussão acerca de alguns trabalhos que encontramos sobre nosso tema e suas questões. Feito isso, realizaremos um

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estudo sobre a Teoria da Objetivação como suporte ao nosso estudo. Após isso, falaremos sobre o percurso metodológico que seguimos e, por fim, explicaremos a estrutura da dissertação, apresentando, assim, qual o objetivo de cada capítulo presente ao longo do presente texto.

1.1 OBJETIVOS DA PESQUISA

Enunciamos que o objetivo geral de nosso trabalho dissertativo é conhecer as potencialidades histórico-pedagógicas do O Tratado de algébrico de al-Khwarizmi tendo como suporte teórico-metodológico a Teoria da Objetivação.

Para que esse objetivo seja alcançado, os caminhos trilhados contemplam os seguintes objetivos específicos:

 Conhecer o contexto histórico, político e social das ideias matemáticas em torno do O Tratado algébrico de al-Khwarizmi;

 Reconhecer as possibilidades que a Teoria da Objetivação oferece para a elaboração e aplicação de uma proposta de atividade;

 Descrever atividades envolvendo aspectos históricos do O Tratado algébrico

de al-Khwarizmi com potencialidades didáticas para a formação inicial/continuada do professor de matemática.

1.2 CONTEXTUALIZANDO O TEMA E SUAS QUESTÕES

Como falado anteriormente, há uma escassez de trabalhos relacionados ao nosso tema de pesquisa e objeto de estudo. Pudemos fazer essa constatação a partir de uma pesquisa realizada na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Para isso, fizemos uma busca utilizando os seguintes termos: matemática islâmica; matemática árabe, Al-Khwarizmi e matemática; Khwarizmi e álgebra; álgebra de al-Khwarizmi; al-Khwarizmi e equação do segundo grau; al-Khwarizmi e equação quadrática; equação do segundo grau e história da matemática; história da matemática e ensino; e ensino de álgebra.

Ao investigar cada um desses termos, encontramos sete trabalhos que se relacionam, diretamente, com o tema e objeto de estudo dessa dissertação. Entre

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essas pesquisas, seis foram em nível de mestrado e apenas um em nível de doutorado. A seguir, faremos uma breve exposição sobre essas pesquisas.

Santos (2017) teve por objetivo, em sua dissertação, investigar uma alternativa didática metodológica que pudesse dar significado ao processo de ensino e aprendizagem dos métodos de resolução de equações do 2º grau, fazendo utilização da história da matemática. Ao final, o autor concluiu que os resultados da pesquisa atingiram os objetivos do estudo, ressaltando que uma metodologia baseada no desenvolvimento de atividades apoiadas no construtivismo, mediada pela história da matemática, proporciona, para o aluno, um aprendizado significativo.

Freitas (2016), em sua dissertação, apresenta uma sequência didática para o ensino de equações do segundo grau baseadas no método de al-Khwarizmi a ser aplicada em turmas de Ensino Básico. Em conclusão a esse estudo, o autor supõe, uma vez que esse estudo não se trata de uma pesquisa aplicada, que o material proposto pode oferecer contribuições para o ensino de funções afins e quadráticas, e incentivo para os professores que almejam mudar a sua prática de ensino, rompendo com as tradicionais práticas educativas.

Fernandes (2014), em sua dissertação, usou a história da matemática para trazer uma perspectiva diferente à resolução de equações do segundo grau. Para isso, foi montada uma sequência de atividades que abordava, entre outros, o método de al-Khwarizmi, para ser aplicada com turmas de licenciatura em matemática. Ao final desse estudo dissertativo, o autor pontua que os objetivos traçados foram atingidos, uma vez que os alunos experimentaram os métodos históricos propostos, mostrando uma boa compreensão e execução. O autor também aponta que esse trabalho levou os alunos à reflexão das diferentes formas de resolução de equações e suas interpretações contextualizadas.

Macedo (2011), assim como os anteriores, apresenta em sua dissertação, uma sequência de atividade, também baseada no método de al-Khwarizmi, para ser aplicada em cursos de licenciatura em matemática. Como conclusão, a autora reconhece a pertinência da utilização da história da matemática em atividades para compreensão de conceitos, dado que essa abordagem proporciona ao aluno uma redescoberta de conceitos matemáticos construídos historicamente, mostrando, assim, uma humanização da matemática, a tornando mais significativa.

Castelo (2013) desenvolveu, em sua dissertação, um estudo a respeito das equações do 2º grau em um contexto histórico que visou dar ao professor de

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matemática dos Ensinos Fundamental e Médio condições de instigar o aluno a levantar importantes questionamentos sobre o assunto aumentando o seu interesse e, consequentemente, melhorando o seu aprendizado. Em conclusão à pesquisa, o autor sugere a exposição e estudo de diversos métodos de resolução das equações quadráticas, em um dado contexto histórico, no ensino fundamental. Além disso, o autor espera ter contribuído com a prática do professor de matemática, com mais opções de materiais para elaboração de aulas.

Moretti (2014) teve como objetivo geral, em sua dissertação, realizar um estudo sobre equações algébricas e apresentar uma sequência de atividades voltada ao Ensino Básico, visando proporcionar compreensão dos procedimentos para resolução das equações do segundo e terceiro grau e contribuir para o desenvolvimento da capacidade do aluno em resolver situações problemas. Como resultados de seu estudo, o autor pontua que os objetivos foram alcançados, dado que grande parte dos alunos que participaram da atividade elaborada apresentaram-se motivados, pois a atividade possibilitou a compreensão do processo de resolução de uma equação quadrática, o desenvolvimento da capacidade de resolver problemas e o estímulo do raciocínio lógico-dedutivo da matemática.

Martins (2005) em sua tese, optou por mostrar que as teses apresentadas por Thomas Kuhn, em sua principal obra, se aplicam nos seus aspectos mais importantes, quando tratam-se de analisar o processo segundo o qual o conhecimento matemática é produzido. Desse modo, o autor mostra que a obra Álgebra de al-Khwarizmi, inaugurou o primeiro período de pesquisa normal no desenvolvimento da Álgebra na Europa. Como resultado de sua pesquisa, o autor conclui que o processo pelo qual o conhecimento algébrico foi desenvolvido pode ser analisado aos olhos da ótica de A

Estrutura das Revoluções Científicas.

Após a leitura dos trabalhos citados anteriormente, percebemos que, embora tenham como objeto de estudo as equações do segundo grau e/ou o método de al-Khwarizmi, essas pesquisas focam a atenção no saber matemático da obra, isso é, no método de resolver equações; o contexto social, cultural e religioso, em que viveu al-Khwarizmi, assim como as motivações do autor ao escrever sua obra, não são apresentados. Dizemos isso pois defendemos que a Álgebra de al-Khwarizmi tem um potencial a ser explorado que vai para além do conhecimento do método de resolução das equações quadráticas, uma vez que ela nos mostra, por exemplo, que a

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matemática islâmica (assim como as outras matemáticas) existiu de acordo com as necessidades humanas, para solucionar problemas daquela época.

Com isso, podemos afirmar que nosso trabalho faz-se diferente dos demais, uma vez que ele não consiste em ensinar o método algébrico e geométrico proposto por al-Khwarizmi, em seu tratado. Pelo contrário, rompemos as barreiras dos conhecimentos matemáticos expostos na obra, ao desenvolver uma pesquisa que trabalhe com o contexto histórico, político e social no qual se desenvolveu o Tratado

algébrico de al-Khwarizmi, suas principais características e peculiaridades.

1.3 A TEORIA DA OBJETIVAÇÃO COMO SUPORTE AO ESTUDO

Sendo o presente texto uma dissertação de mestrado na área de ensino, pensamos que os estudos nela desenvolvidos, assim com propostas e as intervenções pedagógicas, devem ter como base teórica uma teoria de ensino e aprendizagem. Nossa opção é pela Teoria da Objetivação (TO), uma teoria da corrente sociocultural com abordagem semiótica.

Segundo Radford (2014), a Teoria Cultural da Objetivação surge como uma resposta à necessidade de repensar o ensino e a aprendizagem da matemática em termos diferentes dos propostos pelas teorias individualistas, cujo propósito fundamental era a transmissão do conhecimento. Por essa razão, de acordo com Mogollón (2014), a Teoria Cultural da Objetivação surge como uma alternativa que oferece novas possibilidades de pensar de forma diferente sobre o ensino e a aprendizagem da matemática e também o objetivo da educação matemática a partir de uma abordagem histórico-cultural.

A TO é uma teoria de ensino e aprendizagem sociocultural. Além disso, ela tem abordagem semiótica, o que quer dizer que os conceitos ontológicos e epistemológicos que sustentam a teoria se permitem ser moldados ou transformados por conceitos e construções semióticas.

O que distingue as teorias socioculturais das demais é uma posição teórica conhecida como Questão da Consubstanciação e afirma que não é suficiente dizer que os indivíduos dependem ou estão relacionados ou ligados à cultura em que vivem. A relação entre indivíduos e cultura é muito mais forte do que isso; na verdade, os indivíduos são consubstanciais à cultura em que vivem suas vidas; isso quer dizer que o que o indivíduo faz, pensa e até sonha, está intrinsecamente relacionado com a

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cultura em que vive. As teorias socioculturais, defendem a questão da consubstanciação, o que as distingue das teorias de outras correntes.

As principais categorias da TO são: saber e conhecimento; atividade e labor conjunto e o papel do professor; objeto, objetivo e tarefa.

O saber na TO é teorizado como como formas de agir e pensar que foram codificados culturalmente. Em sua fala, Radford (2017a, p. 103) diz que

Propongo concebir el “saber” […] como un sistema de acciones codificadas culturalmente. Que el saber sea una codificación cultural de maneras de actuar y hacer significa que es algo general: no puede reducirse a esta o aquella secuencia particular de acciones coordinadas con estas o aquellas piedras. Otra manera de decir esto es que el saber es labor cristalizada. Podemos pensar en el saber como una forma ideal de acciones, en oposición a las acciones mismas. El saber como labor cristalizada o forma ideal va más allá de cada una de sus instancias o realizaciones concretas.

O saber como definido acima não se dá a perceber. É uma forma, uma entidade geral, com formato ideal que habita a esfera da cultura. É por meio da atividade humana que o saber se atualiza e se torna perceptível, ou seja, é por meio da atividade que se produzem subjetividades. O saber atualizado e que adquiriu uma de suas realizações específicas é chamado de conhecimento. Aqui está uma particularidade da TO: saber (knowledge) e conhecimento (knowing) são categorias distintas e não devem ser confundidas. Saber é uma forma ideal que habita na esfera da cultura, enquanto que conhecimento é o saber atualizado que, mediado pela atividade, assumiu a forma de uma de suas realizações. Radford (2017b) chamou a atividade em sala de labor conjunto.

É no labor conjunto que o saber se materializa e é apresentado à consciência. A este processo de dar-se conta, de tornar-se consciente do saber em sua forma materializada (conhecimento) é que chamamos de objetivação. O aprendizado na TO é teorizado em termos de processos de objetivação.

O labor conjunto se desenvolve ao máximo de sua potencialidade no trabalho de sala de aula com alunos em pequenos grupos nos quais se respeita a ética comunitária e a(o) professora(o) percorre os grupos e dialoga com aqueles que tiverem dificuldade.

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Na Teoria da Objetivação, diferentemente de outras teorias educacionais, a aprendizagem inclui o componente emocional e afetivo. De acordo com Radford (2018, p. 9),

Em TO, as emoções, por exemplo, não são vistas como um componente adicional do pensamento. Ao contrário, seguindo a ideia de Vygotsky, consideramos as emoções como uma parte onipresente do pensamento. Nessa linha de pensamento, as emoções não são relíquias de nosso passado filogenético que precisam ser dominadas para pensar corretamente. Emoções são componentes ontológicos constitutivos de nós, humanos, como parte da natureza. O afeto, isto é, a capacidade de ser afetado pelas coisas do nosso ambiente, por outro lado, também faz parte da nossa constituição humana.

A implicação disso é que, em vez de considerar o aprendizado como um esforço puramente mental, a TO enxerga que o aprendizado envolve emoções e afeições de maneiras que nos afetam profundamente como seres humanos. Desse modo, Radford (2018, p. 9) diz que “é por isso que as salas de aula não apenas produzem conhecimento, mas também subjetividades”.

A subjetividade, para Radford (2017c), é a atualização ou materialização em progresso do ser. Por meio da atualização ou materialização sempre em andamento o sujeito torna-se único, concreto, cuja especificidade resulta em um sujeito reflexivo, que sente e age, sempre tornando-se; um projeto inacabado e sem fim de vida.

Mas, para a investigação da produção da subjetividade dos alunos em sala de aula, “a TO recorre à construção teórica de processos de subjetivação: os processos em que, coproduzindo-se no contexto da cultura e da história, professores e alunos tornam-se presenças no mundo” (RADFORD, p. 143, 2017c). Em outras palavras, é por meio da subjetivação que nos afirmamos “como projetos únicos de vida, como subjetividades em curso (subjects in the making)” (RADFORD, p. 147, 2017c).

O ser que é enfatizado na TO gira em torno de uma ética comunitária, que é direcionada pela responsabilidade, compromisso e cuidado com o outro. As formas éticas de colaboração humana

[...] são motivadas por uma atitude geral em relação ao mundo e servem para configurar o trabalho conjunto entre professores e alunos em sala de aula (Radford, 2014). Essas formas críticas e ético-comunitárias de se relacionar com os outros apagam os limites que separam os professores dos alunos. Professores e alunos trabalham juntos como um. A sala de aula é apresentada como um espaço público para debates em que os alunos são incentivados a mostrar

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abertura para com os outros, responsabilidade, solidariedade, cuidado e consciência crítica. (RADFORD, p. 19, 2018)

De fato, a sala de aula é um espaço em que professores e alunos podem fazer-se e tornar-fazer-se prefazer-sentes no mundo. Ou melhor, é na sala de aula que fazer-se dá o encontro, a dissidência e subversão, onde professores e alunos tornam-se indivíduos particulares no mundo, que se preocupam uns com os outros, que se envolvem e mutuamente se transformam, sonham, aprendem, sofrem e esperam juntos (RADFORD, 2018).

A responsabilidade, o compromisso e o cuidado com o outro são três atributos indispensáveis para a ética comunitária; tais atributos moldam o labor conjunto no qual a aprendizagem acontece e delineia o modo de ser que tenta “se opor à forma utilitarista em que o indivíduo é promovido nas formas capitalistas de produção transpostas para a escola, que concebe o estudante como proprietário privado e produtor de seu próprio conhecimento” (RADFORD, p. 160-161, 2017c). Para organização do labor conjunto, os alunos trabalham em pequenos grupos de três.

Em suma, a Teoria da Objetivação, baseia-se na ideia fundamental de que o aprendizado é conhecer (objetivação) e se tornar (subjetivação). Em outras palavras, o aprendizado não pode ser limitado ao eixo do conhecimento, mas também deve abordar o eixo do ser: o eixo dos sujeitos. A TO considera o objetivo da educação matemática como um esforço dinâmico, político, social, histórico e cultural que busca a criação dialética de assuntos reflexivos e éticos que estão criticamente posicionados em discursos e práticas matemáticas constituídas historicamente e culturalmente, discursos e práticas que estão em constante evolução.

1.4 PERCURSO METODOLÓGICO

Em concomitância aos objetivos traçados, consideramos necessária a construção de um caminho bem planejado, para que a pesquisa se desenvolva e seja aperfeiçoada. Nesse sentido, essa dissertação enquadra-se como uma pesquisa qualitativa, uma vez que de acordo com Borba (2004, p. 2) esse tipo de pesquisa “prioriza procedimentos descritivos à medida em que sua visão de conhecimento explicitamente admite a interferência subjetiva, o conhecimento como compreensão que é sempre contingente, negociada e não é verdade rígida”.

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Desse modo, o percurso metodológico que adotamos se iniciou com uma pesquisa bibliográfica. Para Matos e Vieira (2001) e Gil (2008) esse tipo de pesquisa parte de referenciais teóricos outrora analisados e publicados, seja de forma impressa ou eletrônica, como artigos de periódicos, livros e páginas de web site. Destarte, fizemos, a princípio, uma varredura em busca de publicações sobre nosso tema, a fim de saber o que foi produzido e, consequentemente, publicado nos últimos trinta anos. E seguida, fizemos um estudo histórico do lugar, época e contexto político e social em que viveu o autor que nos interessa, a fim de alcançar um entendimento mais profundo de sua obra. Como complemento dessa pesquisa bibliográfica, fizemos uma investigação sobre al-Khwarizmi, afim de conhece-lo como pessoa e estudioso.

Dando continuidade ao estudo, partimos para uma pesquisa documental. Esse tipo de pesquisa, conforme aponta Gil (2008) tem como fonte de estudo o documento, seja ele escrito ou não, como livros/tratados, vídeos, imagens, dentre outros. Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009, p. 6) discorrem que a diferença entre a pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica está na natureza das fontes, visto que “a pesquisa documental recorre a materiais que ainda não receberam tratamento analítico, ou seja, as fontes primárias”. Assim, a fonte primária dessa dissertação foi o Tratado algébrico de al-Khwarizmi. Durante esse momento da pesquisa, pudemos conhecer o conteúdo desse tratado, bem como seu objetivos e características que consideramos singulares.

Após o estudo do mundo islâmico medieval e do Tratado algébrico de

Al-Khwarizmi, partimos para a segunda etapa do nosso percurso metodológico: a

elaboração e aplicação do produto educacional desenvolvido, como produto final, ao longo desse mestrado profissional. Antes de darmos início a essa elaboração, foi realizado uma pesquisa bibliográfica para nos aprofundarmos na Teoria da Objetivação, proposta pelo professor Luis Radford. À luz dessa teoria, construímos um material didático que apresenta aos professores de matemática em formação inicial ou continuada o Tratado algébrico de al-Khwarizmi, seu autor e o contexto no qual foi desenvolvido essa obra.

Como finalização da segunda etapa do percurso metodológico, fizemos a aplicação do produto educacional desenvolvido. Consideramos que esse momento da nossa investigação caracteriza-se como uma pesquisa-ação, visto que Fiorentini e Lorenzato (2009, p. 112) dissertam que esse tipo de pesquisa refere-se a um “processo investigativo de intervenção em que caminham juntas prática investigativa,

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prática reflexiva e prática educativa”. Essa prática educativa, quando investigada, gera compreensões que podem ser utilizadas em sua própria transformação, proporcionando, assim, novas situações de investigação (FIORENTINI; LORENZATO, 2009, p.113). Tratando-se de uma pesquisa ação, escolhemos, como instrumentos de coleta de dados fotografias, filmagens, anotações e um questionário. Por último, na terceira etapa da nossa pesquisa, que consiste na conclusão do nosso trabalho, fizemos a análise dos dados que pudemos coletar durante nossa pesquisa-ação. Assim, fizemos reflexões e recomendações baseadas nos resultados de nosso estudo bibliográfico, documental e na aplicação do produto educacional desenvolvido.

Como síntese do nosso percurso metodológico, elaboramos o quadro 1.

Quadro 1 – Percurso Metodológico da pesquisa

Estudo Coleta de dados Análise

Pesquisa bibliográfica sobre: o mundo islâmico

medieval, al-Khwarizmi e a Teoria da Objetivação Pesquisa-ação: Aplicação do produto educacional Descrição da aplicação do produto educacional Pesquisa documental: estudo do Tratado algébrico de al-Khwarizmi Instrumentos de coleta de dados: Fotografias, filmagens, anotações e questionário Discussão, baseada na

coleta de dados, acerca da aplicação do produto

educacional

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

O trabalho está estruturado em capítulos, a contar com a presente introdução. Com isso, na introdução, fazemos a apresentação e justificativa do nosso estudo, apresentamos os objetivos traçados, contextualizamos nossa pesquisa, em relação às pesquisas anteriores sobre nosso tema e objeto de estudo, fazemos uma discussão

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teórica a respeito da Teoria da Objetivação e apresentamos a metodologia escolhida para o delinear do estudo.

Consideramos que antes de adentrarmos no estudo sobre a Álgebra de

al-Khwarizmi, precisamos compreender o contexto político, social e religioso no qual

esse tratado foi escrito. Desse modo, o segundo capítulo dessa dissertação, destina-se à apredestina-sentação do mundo islâmico e de onde tudo começou. Falamos ainda sobre um dos principais locais de estudo daquela época, a Casa da Sabedoria, e dialogamos sobre os principais conhecimentos desenvolvidos no mundo islâmico. Por fim, discorremos sobre al-Khwarizmi e seus principais trabalhos.

Reservamos o terceiro capítulo para a Álgebra de al-Khwarizmi. Nesse capítulo, fazemos um apanhado geral sobre todo o conhecimento algébrico desenvolvido no mundo islâmico. Depois disso, partimos para um estudo mais aprofundado da Álgebra

de al-Khwarizmi. Com isso, nesse capítulo, fazemos a apresentação do objetivo e

conteúdo desse tratado. Por fim, trazemos a explicação do método algébrico e geométrico de resolução das equações do segundo grau proposto por al-Khwarizmi.

O quarto capítulo foi destinado ao relato e reflexões da aplicação do produto educacional desenvolvido ao longo dessa pesquisa. Desse modo, inicialmente, falamos sobre como se deu a aplicação do produto, e em seguida, fazemos algumas reflexões e recomendações necessárias a respeito da aplicação do produto.

O quinto e último capítulo foi destinado às reflexões finais da presente pesquisa. Desse modo, falamos sobre os objetivos alcançados, pontos relevantes para o desenvolvimento e conclusão da nossa pesquisa, dificuldades encontradas para atingirmos nossos objetivos, e orientações e encaminhamentos para futuras investigações.

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2 O MUNDO ISLÂMICO MEDIEVAL

Tendo em vista que nosso objeto de estudo é o Tratado algébrico de

al-Khwarizmi, e que um de nossos objetivos específicos é descrever um material didático

que possa apresentar aos professores de matemática esta importante obra da matemática islâmica medieval, bem como o seu autor e seu contexto sóciocultural, consideramos necessário conhecermos onde esse tratado foi desenvolvido: o mundo islâmico medieval.

Desse modo, iniciaremos esse capítulo apresentando a Península Arábica, local esse que abriga o mundo islâmico medieval. Em seguida, discorremos a respeito do contexto histórico, político e social do islã medieval. Posteriormente, falamos sobre a Casa da Sabedoria e os conhecimentos científicos que foram desenvolvidos nesse período. Para finalizarmos o capítulo, expomos o eminente sábio islâmico, autor do nosso objeto de estudo: Abu Ja’far Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi.

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O MUNDO ISLÂMICO

Limitada ao norte com a Jordânia e o Iraque, ao sul com o mar Arábico (atual Oceano Índico), ao leste com o golfo Pérsico e ao oeste com o Mar Vermelho, a Península Arábica é um grande planalto cercado ao leste e ao sul por montanhas que descem suavemente em direção ao golfo Pérsico. Essa região abriga sete países: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Omã, Bahrein, Kuwait, Catar e Iêmen, como pode-se ver no mapa 1.

O deserto da Arábia ocupa uma grande porção da Península Arábica, o que implica nessa região possuir um clima extremamente árido. Segundo Morey (2018b, em fase de elaboração)1, no início do século VII essa Península era habitada,

basicamente, por tribos nômades que falavam dialetos da língua árabe.

O que sabemos sobre o mundo islâmico medieval e a ciência e a matemática desenvolvida nele, está disponibilizado, principalmente, em documentos escritos em árabe por caneta e tinta no papel. De acordo com Berggren (2007, tradução nossa),

1 Estudiosos em Ciências e Matemática no Mundo Islâmico Medieval, de autoria de Bernandete Morey, a ser editado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2018.

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os chineses que foram feitos prisioneiros na Batalha de Atlakh/Talas2 (751) ensinaram

os muçulmanos a fazer papel, e esse conhecimento logo se espalhou por todo o mundo islâmico. Os tratados matemáticos do Islã medieval são encontrados em bibliotecas e coleções particulares em todo o mundo, mas as maiores coleções são aquelas dos países que antes constituíam o mundo islâmico medieval.

Figura 1 - Península Arábica

Fonte: Simielli (2003)

Berggren (2007) aponta que algumas coleções secundárias são encontradas em países como Rússia, Alemanha, Inglaterra e França. Durante esse período histórico, foram produzidos tratados escritos em prosa e tabelas numéricas, principalmente para fins astronômicos, que em muitos casos, não apresentam explicações de como os números foram computados, para sua construção (BERGGREN, 2007). Tais artefatos contribuem para construção e desenvolvimento da história da matemática.

Conhecida a região onde o mundo islâmico nasceu, falaremos a seguir sobre o contexto histórico, político e social do mundo islâmico medieval. Para compreensão

2 Batalha de Atlakh/Talas foi o confronto ocorrido entre os árabes do Califado Abássida e os chineses da Dinastia Tang, em 751, afim de conquistarem o controle do Rio Syr Darya, na Ásia Central.

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desse contexto, consultaremos Morey (2018), cujas fontes, por sua vez são três historiadores da ciência, mais especificamente da matemática: Adolph-Andrei Pavlovich Youschkevitch, historiador soviético da matemática, especialista em matemática medieval do Oriente, viveu de 1906 a 1993; Ahmed Djebbar, emérito matemático, historiador da ciência e professor na Universidade de Lille, especialista em matemática do Ocidente muçulmano (Espanha muçulmana e no Magrebe); e Lennart Berggren, professor aposentado do Departamento de Matemática da Simon Fraser University (SFU), cujos interesses de pesquisa na História da Matemática incluem a Grécia antiga e o Islã medieval, bem como a história de instrumentos científicos como o relógio de sol e o astrolábio.

2.2 O CONTEXTO HISTÓRICO, POLÍTICO E SOCIAL

O que conhecemos hoje como mundo islâmico, que está compreendido entre os séculos VII e XVII, é extremamente conectado ao início do Islã. De acordo com Youschkevitch (1976), no início do século VII os países árabes chamaram a atenção do mundo inteiro, devido seu crescimento extraordinariamente rápido. No final do século VI e início do século VII, a Arábia passou por uma grave crise econômica e política: Maomé (571-632), após fundar e propagar o Islã, foi forçado a fugir de Meca e refugiar-se em Medina, em 622, pelos seus opositores políticos e religiosos. A nova religião monoteísta da época, fundada por Maomé, que recebeu o nome de Islã e desenvolveu-se entre as camadas mais baixas da sociedade, chamou atenção e causou polêmicas ao se opor ao politeísmo das classes dominantes da Arábia (YOUSCHKEVITCH, 1976).

Segundo Berggren (2003), essa fuga de Maomé da sua cidade natal, Meca, situada na costa oeste da Península Arábica, para Medina, uma cidade a cerca de 320 quilômetros ao norte, é o marco inicial do calendário mulçumano.

Na cidade de Medina, “Maomé funda uma coalisão formada por tribos árabes que aderiram ao islã” (YOUSCHKEVITCH, 1979, p. 1, tradução nossa). É importante ressaltar que o próprio Maomé foi reconhecido como profeta de Alá. Passados os tempos, oito anos depois, em 630, Maomé retornou em triunfo a Meca, onde morreria dois anos mais tarde, em 632.

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Os sucessores do profeta foram os califas3. De acordo com Youschkevitch

(1979) esses realizaram diversas conquistas nas ricas terras do Leste e do Oeste e, para propagar o islã, eles combateram os infiéis na chamada guerra santa. A função do califa era chefiar o estado islâmico, como sucessores de Maomé. Esse estado, que também podemos chamar de califado, conheceu três períodos: o Califado Ortodoxo, o Califado Omíada e o Califado Abássida.

O primeiro califado árabe foi o Ortodoxo, que se iniciou logo após a morte de Maomé, em 632 e durou até 661. Nesse período, o califa era escolhido por uma assembleia de membros importantes entre os muçulmanos.

A expansão territorial de domínio árabe durante o Califado Ortodoxo foi rápida (vide mapa 1). Em menos de um século, os árabes conquistaram um imenso território. Em 637, a Síria e o Irã já haviam sido conquistadas, e em 642, o Egito. Youschkevitch (1979) expõe que as tropas bizantinas4 instaladas na Síria e no Egito não foram

capazes de oferecer uma forte resistência às tropas árabes. Essa fragilidade das tropas bizantinas motivou artesãos e camponeses, submetidos a uma rigorosa servidão, a apoiar os árabes, com a esperança de melhorar suas condições de vida.

O segundo califado que o mundo árabe conheceu foi dos Omíadas, que teve início em 661 e fim em 750. Os Omíadas iniciaram uma dinastia, o que quer dizer que o novo califa não mais era indicado por uma assembleia, mas, tinha seu direito ao trono garantido por nascimento.

Em 711, os árabes já haviam incorporado os berberes5. Um fato que

consideramos importante destacar é que em 712 os exércitos árabes conquistaram a cidade chamada Khorezm, cidade natal de a-Khwarizmi. Conforme Youschkevitch (1979), em meados do século VII, os califas já haviam conquistado a Península Ibérica, o território da África mediterrânea, o Oriente Próximo, a Ásia Menor, a Ásia Central e parte do vale do rio Indo. No entanto, o exército árabe foi perdendo, gradativamente, suas forças, parando nas fronteiras da China (YOUSCHKEVITCH, 1979). Com esse declínio das tropas árabes, os bizantinos conseguiram assegurar o domínio da cidade de Constantinopla.

3 Califa quer dizer sucessor. É um título atribuído ao líder religioso da comunidade islâmica, considerado pelos muçulmanos como um dos sucessores do profeta Maomé.

4 Tropas bizantinas, ou exército do Império Bizantino ou Império Romano do Oriente. 5 Berberes são os povos naturais da região localizada no norte da África.

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Mapa 1 - Conquistas do Islã até 632

Fonte: Ruthven e Nanji (2004)

De acordo com Berggren (2003), o centro político do grande império do início do islã era Damasco, na Síria, cidade onde os califas realizavam a corte. No mapa 2 que veremos a seguir, podemos identificar a expansão territorial do mundo islâmico até o fim do Califado Omíada.

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Mapa 2 - Expansão do Islã até 750

Fonte: Ruthven e Nanji (2004)

Os califas eram membros da família dos Omíadas, porém em 750 o poder passou para uma nova família conhecida como os Abássidas, cuja base de poder era nas terras orientais. Esse foi o califado que durou mais tempo, visto que teve fim em, apenas, 1258. Durante a dinastia dos Abássidas, terceiro califado do estado islâmico, a guerra pela conquista de terras foi cessada e o incentivo à ciência, à cultura e as artes tomou força.

Como novo governante, em 772, al-Mansur, segundo califa da dinastia Abássida, transferiu a capital para Bagdá, cidade que ele havia fundado no Iraque. Os eventos políticos que promoveram o califado, tiveram como pano de fundo

[...] o declínio da sociedade escravagista e o nascimento de uma sociedade feudal na forma oriental. Os soberanos de Bagdá concentraram esforços na agricultura e na irrigação artificial. Os habitantes das cidades atingiram um alto nível de cultura, foram construídos magníficos edifícios arquitetônicos, a manufatura se desenvolve e chega a vários ramos do comércio. Ao mesmo tempo, de forma um tanto distinto do que se deu na Europa, houve

(31)

investimento nas propriedades rurais pelos senhores feudais, o que resultou, como consequência, uma tendência à descentralização do poder. Além disso, as revoltas de camponeses e escravos que ocorriam de tempos em tempos abalaram os alicerces do poder dos califas e favoreceram a futura decadência do califado. (YOUSCHKEVITCH, 1979, p. 2, tradução nossa).

Em meio a expansão territorial, é importante ressaltar que os árabes geralmente mostravam-se tolerantes em relação às crenças e costumes dos povos conquistados. No entanto, a conversão ao Islã gerava certo privilégios. De acordo com Youschkevitch (1979), a maior parte da população do Califado se converteu gradualmente ao Islã. O árabe, língua oficial da religião e do estado islâmico, tornou-se, em muitos países, uma língua popular, e de maneira geral, a língua dos intelectuais (YOUSCHKEVITCH, 1979).

Por meio dos territórios e povos conquistados pelos Califados Ortodoxo e Omíadas, os árabes encontraram uma cultura superior à sua própria e rapidamente assimilaram as concepções intelectuais que os habitantes desses países tinham desenvolvido no decorrer do tempo, em um grau de elaboração muito avançado. Juntamente com os sírios, os persas e os judeus, os árabes empreenderam a construção de uma cultura nova e bem característica.

Diante da situação geográfica, política, social e religiosa que se instalou no Califado Abássida,

[...] o comércio desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da ciência naquele momento. As relações comerciais do califado alcançaram terra distantes. Os árabes tinham relações comerciais com a Índia e a China, com Bizâncio e Rússia e com todos os países à margem do Mediterrâneo. Os mercadores e viajantes árabes faziam longas viagens pelo Volga, iam até a África Central e chegavam a Madagáscar pela costa oriental da África. Embaixadores do Califa eram vistos na corte de Carlos Magno e dos imperadores da China. (YOUSCHKEVITCH, 1979, p. 3, tradução nossa).

Youschkevitch (1979) comenta sobre a estrutura política e econômica vigente, dizendo que do mesmo modo de outros regimes feudais da Idade Média, o Califado Abássida não era uma estrutura política estável. No final do século VIII as distantes províncias da Espanha e África e partes do norte da África, se libertaram dos laços que as ligavam ao califado. No final do século IX, o Egito e alguns territórios contíguos se tornaram independentes, sendo que pouco tempo antes, todos os territórios do Irã, do Tajiquistão e do Cáucaso tinham se separado. Neste processo pode-se testemunhar tanto o aparecimento de grandes estados, como a decadência de outros. Podemos consultar as conquistas territoriais ao longo do califado Abássida no mapa 3.

(32)

Mapa 3 - Expansão do Islã durante 750 a 1700

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As brigas e disputas relativas ao direito feudal, que colocam em lados opostos as diferentes raças e nacionalidades deste império, estavam na origem das numerosas vicissitudes que os estados e as dinastias conheceram. As tribos turcas e seus chefes de milícias aumentaram sua influência. No território que agora compreende o norte e o leste do Irã, o Tajiquistão e o Afeganistão, apareceu o Estado Samanida (875-999), que rapidamente conquistou sua autonomia e fez de Bukhará sua capital. No oeste e no sul do Irã, bem como no Iraque, a soberania passou para a dinastia persa dos Bouyidas (932-1055). Estes últimos conquistam de Bagdá em 945 e não deixam mais do que o poder espiritual para o califa daquela cidade.

Aos poucos o estado islâmico foi enfraquecendo e a soberania do Califado Abássida se desfez. No entanto, às contribuições deixadas pelos califados às ciências e aos demais campos de conhecimento foram inestimáveis. Falaremos de tais compreensões posteriormente.

Como síntese do contexto histórico, político e social do mundo islâmico medieval, elaboramos o quadro 2.

Quadro 2 - Síntese das conquistas do mundo islâmico

CALIFADOS PRINCIPAIS CALIFAS PRINCIPAIS CONQUISTAS

632 -6 6 1 Califado Ortodoxo 632–634 Abu Bakr

Conquista da Síria e o Irã (637); Conquista do Egito (642); Cirenaica (643). 634–644 Omar 644–656 Othmân 656–661 Ali 661 -7 5 0 Califado Omíadas 685–705 Abd al-Malik Conquista da Tunísia (674); Conquista de Khorezm (712); Conquista da Península Ibérica,

África mediterrânea, Oriente Próximo, Ásia Menor, Cáucaso, Ásia Central e parte do Rio Indo

(meados do séc. VII). 715–717 Solimão

717–720 Omar II

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750 -1 2 5 8 Califado Abássida

754–775 Al-Mansur Conquista de metade da Espanha (séc. XI) Desenvolvimento de refinados

conhecimentos científicos. 786–809 Al-Rashid

813–833 Al-Mamun

Fonte: Elaborado pelos autores (2019)

Assim, com esse pequeno relato da história militar e política do mundo islâmico, podemos nos voltar, agora, para os primórdios da atividade científica naquela civilização. Desse modo, no próximo tópico apresentaremos a Casa da Sabedoria, local esse de grande importância para o desenvolvimento do conhecimento científico dessa época.

2.3 A CASA DA SABEDORIA

Durante o período inicial da Idade Média, também conhecido de Alta Idade Média, que vai do século V ao X, ocorreu na Europa uma considerável regressão no desenvolvimento dos conhecimentos, em virtude, principalmente, da falta de material científico a ser trabalho na época.

Diferentemente da Europa, no mundo islâmico, o desenvolvimento científico e filosófico se tornava cada vez mais acentuado, pois, os árabes se voltaram para as contribuições deixadas pelos gregos e pelos conhecimentos que vieram à tona na Índia e na China. As caravanas de comerciantes árabes tomaram um papel importante nesse processo de tornar possível o acesso a tais conhecimentos.

Foram diversos os estudos e descobertas realizadas pelos sábios islâmicos. Daqui por diante, deixaremos de usar o termo árabe para nos referir a pessoas e, em vez disso, usaremos o termo islâmico. A justificativa para isso é que entendemos a palavra árabe como termo que se refere à etnia árabe, ou seja, os descendentes das tribos habitantes da Península Arábica no século VIII. Nos primeiros tempos do Islã, os muçulmanos, que seguiam a religião de Maomé eram e súditos do califado, eram todos ou quase todos, árabes. Com a expansão do Islã por meio da conquista militar e da conversão religiosa diversos outros povos (persas, tadjiques, uzbekos, hebreus, entre outros), entre os cidadãos do Califado podiam ser encontrados indivíduos das mais variadas origens étnicas, falantes das mais variadas línguas e praticantes das mais diversas religiões. No entanto, todos viviam sob a mesma estrutura política, o

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Califado Islâmico. Este era um estado teocrático, em que o poder religioso (o islamismo) e o poder temporal se entrelaçavam, definindo tanto o governo como as leis que regiam a sociedade. Sendo assim, ao indivíduo desde estado chamamos de islâmico, o que não quer dizer que ele fosse muçulmano: podia ser cristão, judeu ou zoroastra.

Este indivíduo tampouco era obrigatoriamente árabe: a terra de seus antepassados poderia ser bem distante da Península Arábica. Tal é o caso de al-Khwarizmi, oriundo de Khorezm, perto do mar de Aral e que, portanto, não era árabe. Note-se então que ao tomar em nossas mãos à obra de um sábio islâmico, não podemos supor, de imediato e sem maiores informações, que ele fosse árabe ou muçulmano, mesmo que a obra tenha sido escrita inicialmente em língua árabe.

Depois dessa pequena digressão terminológica, voltemos ao tema original. Os estudos empreendidos eram escritos e divulgados na língua oficial do islamismo, o árabe. Devido à falta de tradução, alguns desses conhecimentos desenvolvidos e descobertos pelos árabes não chegaram à Europa, mas, em contrapartida, os que chegaram, fomentaram a retomada do desenvolvimento do conhecimento europeu, no período que conhecemos como Baixa Idade Média, que vai do século XI ao XV.

Os islâmicos deram grandes contribuições ao que chamamos hoje de ciência, visto que eles marcaram o desenvolvimento da álgebra, fizeram medições da circunferência da Terra, deram grandes contribuições à astronomia e consequentemente às navegações, com a invenção do astrolábio, divulgaram o sistema de numeração decimal para a Europa, dentre outros grandes feitos.

Logo no início da dinastia Abássida, em 762, a capital do califado foi transferida de Damasco, na Síria, para Bagdá, as margens do Rio Tigre. Além disso, em Bagdá foi criada uma instituição de grande importância para criação e divulgação do saber. Esta foi a chamada Casa da Sabedoria (em árabe, Bayt Al-Hikmah), vista como uma das principais bibliotecas da história islâmica. Há diferentes opiniões a respeito do fundador dessa grande biblioteca. Alguns registros apontam que seu fundador foi

[...] Abu Jafar al-Mansur (95-135 AH6) que coletou livros sobre medicamentos, astronomia, engenharia e literaturas que foram traduzidos em seu reinado, além de algumas outras publicações sobre Hadith (tradição profética), história, ciências do Alcorão, al-Mansur reuniu todas as coleções de livros em uma grande sala que era o núcleo da Casa da Sabedoria (al-Diyaji, 1975). Ele foi o primeiro califa que motivou os muçulmanos a estudar ciências e

6Ano da Hégira 95 corresponde ao ano 716d.C e o ano 135 corresponde ao ano 756d.C, em nosso calendário.

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desenvolvê-los, ele também os aconselhou a traduzir livros de persa, grego e indiano línguas (ALGERIANI; MOHADI, 2017, p. 180-181, tradução nossa). Uma segunda opinião diz que a Casa da Sabedoria foi fundada durante o governo de Harun al-Rashid (786-809). Essa fundação foi resultado de um progresso intelecto e civilizacional que caracterizou seu califado, principalmente durante a era das traduções, cujo objetivo era o enriquecimento muçulmano com diferentes conhecimentos e ciências (ALGERIANI; MOHADI, 2017).

Embora não saibamos o verdadeiro fundador da Casa da Sabedoria, podemos dizer que essa importante biblioteca brilhou durante o reinado de al-Mamun, pois, de acordo com Algeriani e Mohadi (2017, p. 181), “ele era um homem de literatura, um cientista e um amante de estudiosos a quem ele tinha dado maior interesse e apoio para sua pesquisa, debates e livros de autoria”.

A Casa da Sabedoria era, conforme aponta Lyons (2011), um local para acomodação dos inúmeros trabalhos traduzidos, copiados e escritos pelos estudiosos islâmicos. Além de ser um espaço destinado ao estudo, também era um “espaço de trabalho, suporte administrativo e auxílio financeiro para o pequeno exército de eruditos que assumiria essas tarefas e depois as usaria de forma criativa e original” (LYONS, 2011, p. 88).

Bayt al-Hikma, era um é símbolo da ambição intelectual e política do Estado

dos Abássidas. Ao decorrer do tempo, de acordo com Lyons (2011, p.88),

[...] a Casa da sabedoria veio a abranger um escritório de traduções, uma biblioteca e repositório de livros e uma academia que contava com eruditos e intelectuais de todo o império. Sua função primordial, no entanto, era a salvaguarda de conhecimento valioso, fato que se refletia em outros termos utilizados de vez em quanto pelos historiadores árabes para descrever o projeto, tais como Tesouro dos Livros de Sabedoria ou simplesmente Tesouro da Sabedoria.

A Casa da Sabedoria foi uma das principais bibliotecas que distinguiram os tempos Abássidas. Ela abriu as portas para os pesquisadores, estudiosos e líderes. Conforme aponta Algeriani e Mohadi (2017) a Casa da Sabedoria era o destino preferido dos intelectuais da época, uma vez que esse local oferecia tudo o que precisavam, incluindo sala para leitura, salas de aula, tradução, autoria e mapeamento, por exemplo.

Não se sabe ao certo de onde vinham os recursos que mantinham a Casa da Sabedoria funcionando, porém, muitos estudos apontam, conforme Algeriani e Mohadi (2017), que essa biblioteca contava com um orçamento especial, o que correspondia

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a grandes somas de dinheiro, seja para comprar materiais de trabalho, como papel, caneta, livros, entre outros, ou para fazer o pagamento dos salários dos funcionários, como os tradutores, autores, palestrantes, servidores, dentre outros.

A Casa da Sabedoria teve um papel crucial no desenvolvimento dos conhecimentos islâmicos medievais, uma vez que foi a primeira biblioteca científica e educacional que juntou, em um só lugar, cientistas, estudiosos e tradutores, para estudar e pesquisar. Por esse e outros motivos, muitos califas tentaram simular e fundar novas bibliotecas e casas das sabedorias que pudessem competir com a Casa da Sabedoria de Bagdá.

A respeito disso, Algeriani e Mohadi (2017) relatam que houve, pelo menos, três bibliotecas no mesmo estilo da Casa da Sabedoria de Bagdá, a saber: a Casa da Sabedoria de Aglábida, fundada pelo Amir Ibrahim Ibn Mohammad al-Aghlabi (882- 911) em Raqqada; a Casa de Sabedoria da Andaluzia, fundada pelo Califado Omíada na Andaluzia Hakam al-Mustansir (923-987); e a Casa da Sabedoria do Cairo, cujo o início da sua fundação está relacionado com o tempo da Fatimid al-Aziz billah (986-1007).

De modo geral, Algeriani e Mohadi (2017) apontam que um grande número de bibliotecas surgiram na Península Arábica, assim como em outros territórios, no entanto, embora houvesse uma tentativa de superar a Casa da Sabedoria de Bagdá, essas bibliotecas nunca conseguiram atingir o potencial estruturado da Bayt al-Hikma. Vale ressaltar que a influência da Casa da Sabedoria de Bagdá rompeu fronteiras, ao passo de chegarem a solos europeus, principalmente na Espanha, Córdoba, Sevilha e Toledo (ALGERIANI; MOHADI, 2017).

Com a invasão de Bagdá pelos mongóis em 1258, houve a destruição da Casa da Sabedoria, bem como a destruição de livros, manuscritos, mapas, observatórios, entre outros materiais. Os mongóis7 queimaram a maioria dos as coleções, enquanto

outros foram jogados no rio Tigre. A invasão dos mongóis e destruição dessa biblioteca marcou a queda de Bagdá e, finalmente, o colapso do califado abássida que havia deixado o mundo muçulmano em crise nos anos vindouros (ALGERIANI; MOHADI, 2017).

7 Os mongóis formam um grupo étnico que habita as estepes da Ásia Central. Sua existência é documentada desde o século VIII. Os mongóis formaram sociedades complexas na Idade Média, especialmente no Império Mongol e, depois, sob Tamerlão.

Referências

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