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O artificio erotico : visitando a polaquinha

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE POS-GRADUAÇãO EN LETRAS

LITERATURA BRASILEIRA E TEORIA LITERáRIA

O ARTIFÍCIO e r ó t i c o

v i s i taindo ai po 1 aic|L±n

M ig u e l Sanches N eto

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M ig u e l Sanches N eto

O ARTIFÍCIO ERóTICO r

v i s i tiamdo ai polâquxnhai

Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduaçâto em Letras - Literatura Brasileira e Teoria Literária - da U n i ­ versidade Federal de Santa Catarina pa­ ra obtenção do Título de M estre em L e ­ tras,área de concentração em Literatura B r a s i l e i r a .

Orientador: Prof. Dr. Celestino Sachet

FLORIANÓPOLIS, DEZEMBRO 1992

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-O ARTIFÍCIO ERÓTX CO =

v±s± -tandío ai polaquinha

íliguel Sanches Neto

Esta d i ss e rt aç &o foi julgada adequada para obtenção do título de

Mestre em Letras

área de concentração em Literatura Eirasi 1 ei r a , e a pr ov a­ da em sua forma final pelo Curso de Pós-Graduaçâfo em L e . tras - Litera tu ra Etrasileira e Teoria Literária - da LJFSC.

F'rof. Dr. Celestino Sachet. Orientador

'rofa. Dra. Rits(Jde Cássia Barbosa Coordenadora do Curso

Banca Examinadoras

F'rof. Dr. Celestino Sachet (LJFSC) Presidente da Banca

Profa. Dra. Zahidê L. Muzart (LJFSC) Membro da Banca

P r o f » Dr. Deonísio da Silva (LJF SSo Carlos) Membro da Banca

Profa. Dra» Tânia R„ 0. Ramos (LJFSC) Suplente

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RESUMO

Esta disse r ta ç ão - 0 Artifício Erótico: visitando a polaquinha - tem por objetivo realizar a leitura do romance A Polaquinha, de Dalton Trevisan.

0 texto consta de três movimentos principais. No primeiro, intitulado "Direção", faço a apresentação do romance e discuto algumas defin i çò es do erotismo na literatura.

Depois, no segundo movimento, procedo a análise do discurso da narradora, averiguando as suas p e c u 1 ariedades formais e as suas implicações sociais e históricas. Nesta parte do trabalho, traço o perfil da superfície do discurso da p r o t a g o n i s t a .

No terceiro movimento, mudo completamente de método e questiono a veracidade do discurso. A partir da imagem da prostituta como uma mulher que representa um papel de acordo com os desejos masculinos, proponho a leitura do livro nâío como a "história da vida de uma mulher de prazer", mas como um artifício - utilizado pela narradora que conta a história estereotipada da prostituta vitimizada - que explicita o imaginário masculino.

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-RéSUMé

Cette dissertation - □ Artifício Erótico: visitando a polaquinha - a pour objectif réaliser la lecture du roman A Polaquinha, de Dalton Trevisan.

Le texte est composé de trois mouvements. Dans le premier, dont le titre est "Direçâio" (Direction), je fais la présentation du roman et je discute quelques définitions de 1 'érotisme dans

la littérature.

Ensuite, dans le deuxième mouvement, je procède à l'analyse du discours de la narratrice, vérifiant ses p a rt icularités formelles et ses implications sociales et historiques. Dans cette analyse, je trace le profil de la surface du discours de la protagoniste.

Dans le troisième mouvement, je change complètement de m éthode et je questi on ne la véracité du discours. 'A partir de l'image de la prostituée comme une femme qui représente un rôle selon les d ésirs masculins, je propose la lecture du livre non comme la "histoire de la vie d'une fille de joie", mais comme un artifice - utilisé par la narratrice qui raconte l'histoire s t ér éo ty pé e de la prostituée sacrifiée - qui explicite

l'imaginaire masculin.

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-SUMáRIO D i reção N otícias sobre a P o l a q u i n h a ... ... 002 Do e r ó t i c o ... 004 I t i n er ár io ... ... ... 015 Solo I -0 interlocutor i m p l í c i t o ... ... -018 A escrita da f a l a .... ... 027 II -Contem p or â ne a de q u ê ? ... ... ... 035 Escola N o t u r n a . . ... .040 Jogo de espelho p r on o m i n a l ... 056 Carnaval de s a n g u e ... 060 De polonesa a p o l a c a ...065 - III — Diálogos e confrontos com Fanny H i l l ... 076

S ub s ol o Amor de p e r d i ç ã o ... 093

Do a r t i f í c i o . ... ...098

Descer ao inferno ou subir ao i n f e r ni n ho ? ...101

Discurso do EU, espelho do OUTRO. ... .104

Um momento de p e r i g o ...108

C h e g a d a ... 112

B i b l i o g r a f i a ... ... . .115

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-D I R E Ç ãt □

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N o ticias sobre a Polaquinha:

Reve nd o algumas das resenhas veiculadas pela imprensa q u a n d o da publicaç&o do romance A Polaquinha, de Dalton Trevisan (1985), p ercebe-se que há urna monótona análise centrada em chavões íí o autor que se repete, o erotismo degradado, a sociedade hipócrita, etc» Sei que não podemos exigir de um comentário j o r n a l í s t i c o a profundidade crítica de que a obra de Dalton é? merecedora., pois tal m o d a l i d a d e caracteriza-se pelo superficial (aqui num sen t i d o não pejorativo)» No entanto, a resenha j o r n a 1 í s t. .1 c t e m s e u t i 1 i za d o d a s 1 i m i. t a ç Ò e s d e s e u v e í c u 1 o p a r a não pensar a obra, 0 que significa c o m o d i s m o (%), A s u p e r f i c i a l i d a d e de tal crítica tem que se assumir como uma p o s s i bilidade de visl u mbrar a s p r o f u nde a s d o s o b j e t o s analisados. Sem esta postura de seriedade, cai-se no vazio.

Dentre os p o s i c i onamentos sobre A Polaquinha, há alguns que podem servir como ponto de partida para este ensaio,

No dia 14 do 08 de 1985, o escritor Caio Fernando A b r eu, em seu texto Como João Gilberto, p u b 1i cad o n a rev i s ta ISTOE, esta be l e c e u uma comparação feliz entre Dalton e o cantor da Bossa Novas a ficção de um apenas tema estaria no mesmo nível do Samba de uma nota só. Tirando esta analogia, o texto não traz nenhuma c o n tribuição para a leitura do romance - fim de todo o comentário, Muito pelo contrário, faz algumas afirmaçfâes perigosas, dizendo, por exemplo, que Trevisan descreve a

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t rajetória de urna mulher e que o livro exprime o "erotismo de uma mulher pelo corpo de um homem".. Seria o portuno perguntar: o

homem estaria apto para expressar o erotismo feminino?

Já Nilo Seal 2 0, em Trevisan, Romancista Contundente (1 0 0), afirma que a heroina do romance seria o protótipo da "condição feminina", mas que a Polaquinha "mais do que a ex p r e s s ã o do ponto de vista feminino referente às fantasias do sexo, ê a triste história do desencontro amoroso". Caio Fernando Abreu acha d e l iciosa ai história da polaca, Nilo Seal 20 a considera d r a m á t i c a ,

Antônio Hohlfeldt, no artigo Estréia de Dalton Trevisan no Romance (52^, considera como grande novidade de A Polaquinha "a observ a ç ã o acur a d a da psicologia feminina", Este texto toca numa das chaves do romance, no "tom de paródia do discurso que todo frequentador de prostitutas já ouviu alguma ves em sua vida", Mas, infelizmente, valoriza o livro apenas enquanto produtor de c o n s c ientização de processos sociais,

Jorge de Sá, em O Primeiro Romance do Sempre Vampiro (95), também destaca a condição dramática da protagonista, E José Paulo Paes, em A Guerra Conjugal (80), lê o livro como uma

"fábula da frustração do desejo feminino",

Todos os pontos de vista optam, a meu ver, por uma análise superficial de elementos isolados. Assim, o livro assume valor na medida em que funciona como;: produtor de catarse, questionador da sociedade hipócrita, veiculador do erotismo c e n s u r a d o , perfil d ramático da m u1her ex p1o r a d a , etc.

Dos textos a que tive acesso, um prometeu, num primeiro momento, uma leitura mais global d 'A Polaquinha. Refiro-me a

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Trágica, Hilariante, P at ética (93) de Leo Gilson Ribeiro. Mas ficou apenas na promessa.

A mai o ri a só analisou (quando não apenas resumiu) o que a protagonista d.iz, não se preocupando em enfocar as c i r c u n st â n c i a s em que; o seu discurso ê pronunciado e os seus p o s s í v e i s s e n t i d o s i m p 1 i c i tos,,

Do E rótico

Embora não seja a preocupação central deste; ensaio,, a temática sexual do livro faz com que eu me detenha na questão do erótico. 0 romance é apre?sentado pela editora corno "uma história de amor louco e erotismo",, Entender, então, tal elemento, torna- se a primeira e s t a ç ã o da viagem em que estou empenhado.

0 assu n t. o ê p r oble m á t i c o p o r q u e v a s t. o e c.:o n t r a d i 16 r i o . Não se pode esquecer que rotular um texto ê sempre uma tarefa perigosa, mas que presta serviços ao tateio ensaístico. Sem tentar definir, mesmo que provisoriamente, os elementos

c onstitutivos da ficção, não podemos caminhar rumo a uma leitura que; comente sig n i f i c a d o s ocultos ou crie novos sentidos para o

tex t o .

Todos estão cansados de saber que há uma grande d i v e r gê n c i a de; d efinições da presença da s e xualidade na

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literaturas erotismo, pornografia ou obscenidade. E forçoso, pairai ser coerente, discutir algumas da posiç'Òes teóricas representativas, tentando, no final, chegar a uma conclusão p rovisória que sirva para ampliar o entendimento do romance de T r e v i s a n .

A viagem, a partir de agora, tornar-se-á mais veloz. P a s s a re m o s a visi t a r alguns críticos que têm se dedicado ao a s s u n t o .

Em seu. livro Eroti s mo e Poder na F i cção Brasileira dos A no s 80 (132),, Rodolfo Alberto Franconi opta por uma divisão em literatura erótica e pornográfica. Para ele, aquela, que nas orig e n s louvava Eros (o deus do amor e da força vital), seria ca racterizada por p r ocedimentos que buscam prolongar a intensidade do desejo. A pornografia visaria a mecanicidade do prazer sexual como um fim em si mesmo, a liberação dos sentidos provocada pela e x c i t a ç ã o sexual, isto ê, oferec e r i a uma visão da sexua l i d a de com uma intenção degradante, dirigindo-se à pornô e? não a Eros (p.8). Segundo tal divisão, a pornografia não tem n e nhum valor artí st.ico .

Messe mesmo sentido, Jesus A. Durigan diz que "ao contrário do porn o g r á fi c o - que procura induzir o leitor em seu u ni v e r s o textual, para fazê-lo participar, em busca do prazer, como um dos atores do e s p e t á c u l o -, o texto erótico afasta o leitor e m e d i a t i z a uma relação em que ele capta, através da re p r e s e n t a ç ã o textual, um saber sobre o prazer,, o prazer de saber" (130, p. 33).

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P r i v i l e g i a n d o o erotismo como e x p r essão nobre da sexualidade,, os críticos s u pra-citados seguem as idéias de Rol and Barthes. Seg u n d o este, "os livros ditos eróticos (...)

repre s e n t am m enos a cena erótica do que a sua expectativa, sua preparação, sua escalada; ê nisso que são e x c i t a n t e s5 e, quando a cena chega., há n a t u r a l me n t e decepção, deflação. Em outros termos, são livros do desejo, não do Prazer" (121, p. 75).

Com esta categoria não poderíamos analisar A Polaquinha, porque as cenas deste romance são, muitas vezes, a p r e s e n t a d a s explicitamente. Surge, então, a n e c essidade cle buscar d e f i n i ç ó e s mais abrangentes.

Julio C o r t á z a r , num de seus ensaios, intitulado /Que saiba abrir a porta para brincar, privilegia uma acepção do erotismo literário embasado na abordagem estética do ato sexual. Cria, inclusive, um fórmula para defini-los

"erotismo - sexo mais inteligência, olhar mais inteligência, língua mais inteligência, dedos maxis inteligência, pituit á r i a mais inteligência" (127, p. 240).

A r eiteração do v ocábulo 'inteligência', posposto aos s u b s t a n t i v o s que denotam metonimicarnente o corpo, explicita que,

para o e s critor argentino, o trabalho intelectivo da sexualidade a ser e xpressa a r t i s t i c a me n t e é um ponto e s s e n c i a l .

ü ensaio não fica somente nesta fórmula, que funciona apenas como introdução. Ao longo do texto, detecta Cortázar que os h i s p a n o — a m e r i c a n o s carecem de uma adequada linguagem artística que veicule um erotismo verbal com naturalidade. Para ele, o

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s u b d e se n v o l v i m e n t o da expressão linguística , no tocante èt libido, tornaria pornográfica toda matéria erótica» Em outros termos, entre os h i s p a n o -americanos o erotismo só ê expressado pornog raf .1 camen t e » Fazendo com que., por exemplo, seja muito difícil traduzir com fidelidade textos que, em outras línguas, são nat u r a l m e nt e eróticos»

Fica nas e n t relinhas que paira Cortázar o erotismo literário seria uma s e x ualidade verbalizada com uma certa fineza, enquanto que a pornografia seria uma sexualidade vista de um modo "bastante grosso"» Diz eles "erotismo (que nem todos distinguem da mera sexualidade) é inconcebível sem delicadeza e em

1 i t e r a t ura e s s a deli c a d e z a nas c e do exerci c: i o n a t u r a 1 d e u rn a liberdade e de uma soltura que correspondem culturalmente â e l i m i n a ç ã o de? todo o tabu no plano da escritura" (p. 241). Para se produzir um texto erótico, então, seriam n e c essários a e l i m i n a ç ã o dos tabus e um profundo tratamento estético» A falta d este ê que limitaria, segundo Cortázar, as realizações da obra q u e H e n r y li i 1 ler de d i c o u ao t ema»

0 ensaio em questão faz a apologia de uma literatura e r ô t i c a argen t i n a que ten ha a n atur a1i d ade d e b rinca r n os j ardins, c r u e1 ou romanticamen t e , e cujos autores não se vej am o b r i g a d o s a fazer uma p r é -seleção semântica para não ferir a moral e os bons costumes» Termina ele, desiludido com o seu idioma, afirmando que os e scritores de sua terra estarão fadados a escrever obsc e n id a d e s em estilo cabeludo ou pornografias delinquentes, sem, no entanto, produzir uma autêntica literatura erótica» E o pior é que esta falta de natural idade na expressão do erotismo é uma característica que não está presente no d

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ia-a--dia do argentino, mas sim uma impossibilidade de veiculá-la a r t i s t i c a m e nt e atr a v é s da prosa,. "Até este momento continuamos como garotos: em segredo, entre n ó s , agarradinhos ao travesseiro ou à mesa do café, nâo nos negamos um vocabulário tão legítimo como outro qualquer, mas depois, na hora de fazer os deveres, escrev e m o s nossa composição aí olho para que não te escape uma safadeza ou uma porcaria" (p. 249), Poderíamos concluir que para C o rtázar a atitudes infantil de nSo refletir publicamente sobre o v o c a b u l á r i o que utili z a m o s seria um dos fatores responsáveis pelo nSo a m a d u r e c im e n t o de uma prosa erótica.

E m b o r a explicite a n e c essidade de fundar uma tradição erót ic a da palavra, o texto de Cortázar continuai opondo erotismo e pornografia - sendo aquele o meio artítico ideal para a e x p r e s s ã o literária, enquanto a outra seria a. irrn'á bastarda que apar ec e nos textos sem valor a r t ístico que careceriam de uma certa "delicadeza" (entre aspas no original), isto é, de um tratamento poêti c o .

Mas recordemos o caso d 'A Polaquinha, Nesta narrativa apa r e c e m a m a l g a m a d o s um romantismo ingênuo que veicula figura t i v a m e n t e as referências sexuais e uma abordagem explicita do ato sexual. Logo, não poderia ser classificada, segundo taxi definição, como erótica.

Mas nem todos vêem as coisas por este ângulo.

Em 1967, Susan Sontag publicou o ensaio A Imaginação Pornográfica, onde e?la ressalta, logo de início, que há três tipos de? pornografias a de? ordem social , at de ordem psicológica e

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a literária» 0 objeto de sua pesquisa é a última, que vinha sendo d e p r e ci a d a por uma u t i l i z a ç ã o inadequada de instrumentos a n a l í t i c o s do campo das ciências sociais e da psicologia, quando o correto seria u tilizar parâmetros artísticos de julgamento»

A maior parte dos textos chamados pornográficos talvez seja sublite r a t u r a e nâo possua nenhum valor, Mas há, e isso nin g u é m pode negar, realizações literárias sérias neste ramo d i s c r i m i n a d o das manifestaç'òes artísticas»

A romancista, pensadora e cineasta n orte-americana diz q ue ao excluir a pornografia do âmbito literário, a critica estaria e x c l uindo muito mais do que isso. Obras relevantes estariam ficando fora do debate das idéias» Mostrai Sontag que um dos erros de tal critica ê contrapor literatura e pornografia» Esta divisão acaba elimi n an d o qualquer possibilidade de discussão sobre o assunto» Vale a pena ver os argumentos usadoss

-• a pornografia di r i ge-se u n i vo camente ao leitor, com o in tui to apenas de ex ci tá-• 1 o , enquan to as f un ç Ô es da 1 i terat.ura são plurívocas;

- o propósito da pornografia , a indução à excitação sexual, va.i de encontro com o tranquilo e desapaixonado

e nvo l v i m e n t o da dita arte autênticas

segundo Adorno, á pornografia falta a forma de p r i n c í p i o - m e i o - e — fims ê um mote continuo que funcionaria como um catálogo ou uma e n c i c lopédia (as obras de Sade ilustrariam muito bem tal c a r a c t e r í s t i c a ) ;

o papel s ecundário que a linguagem desempenha na o bras p o r n o g r á f i c a s , uma vez que sua preocupação estaria centrada

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na produção de fantasias n ã o -verbais no leitor 5

- a temática literária é a relação dos seres humanos uns com os outros, seus complexos sentimentos e emoções, enquanto

a pornografia narra apenas as transações infatigáveis de seres despersonalizados, não se preocupando em explorar psicologias ou em plasmar retratos sociais»

P a rtindo destes argumentos, os críticos concluem que a p ornografia nâ'o tem valor literário. Esquece n d o - s e de valorizar a queles que vão além do meramente p o r n o g r á f i c o , isto ê, que atingem um fim literário. Para provar a sua afirmação, Susan Sontag analisa o romance História de O (publicado sob o p s e u d Ô n i mo de P a u 1in e Ré ag e ), que a p resenta a 1g umas c a r a c terísticas negadas à pornografias possui pr i n c í p i o— meio-e- fim, preocupa-se muito com a linguagem e seus personagens se c aracterizam por emoções intensas.

Depois de mostrar que os argumentos e x c ludentes não podem ser aplicados indiscriminadamente a toda obra que verbalize as relações sexuais, Sontag se propõe a definir, de uma maneira ampla, o que é arte. Para a ensaísta, "a arte é uma forma de consciência" (151, p.49), que pode ser atingida através das mais d iversas a bordagens - inclusive e principalmente atr av é s da sexual idades "depois do sexo, é provavelmente a religião que seja o recurso mais antigo disponível aos seres humanos para ampliar a sua consciência" (151, p.é>2). Logo, a pornografia não é, em si mesma, nem anômala e nem anti 1i t e r á r i a . Aonde ela conduz o leitor é que vai definir a sua qualidade ou não,,

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Sontag ainda ressalta que a imaginação pornográfica pode conduzir a "uma verdade (sobre o sexo, a sensibilidade, a personalidade individual, os limites)" quando transposta para o campo da arte,

N'ão se trata de defender de um modo geral a pornografia, cuja p r o l i feração indiscriminada Sontag acha 'nociva, Mas não se pode fechar os olhos para o campo da pornografia que e f e t i v a m e n t e se preocupe com os usos do próprio conhecimento, que conduza a uma escala mais ampla da experiência, Ela finaliza com uma esclare c e d o r a frase de Paul Goodmans "A questão não ê saber se se trata de pornografia, mas a qualidade da p o r n o g r a f i a " .

Depois desta longa mas necessária digressão teórica, a p r o x i m e m o - n o s do romance em questão» A Polaquinha tem como tema a prostituição, A protagonista conta a sua história num estilo que ora e x p licita cruamente as relaç'ões sexuais e ora as trata elipticamente. Abrindo o livro ao acaso, encontrei duas passagens q u e c o m p r o v a m e s t. a a f i r m a ç: ã o 2

Ai, tesão, B u c etinha mais quente. Pisque. Morda com ela,

- Bandido. Cretino. IMão faça isso comigo, Você me mata» Ai, ai. Tua xoxotinha me queima. Essa lagarta de

fogo" (.19, p, 1.0 1).

E após o seu primei.iro orgasmo com M a n d o , ao descrever o mem b ro d o amantes

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"Quis olhar bem, ver como era, ali o autor» Ai, que tentação: era flor coagulada de sangue? Era só ouro? Era punhal de pétalas de rosa? 11

Indo do me t a f ó r i c o (marcado pela ironia, diga-se de passagem) ao tratamento e x p l ícito da sexualidade os dois pólos da gangorra que mant ê m o romance equilibrado - a P olaquinha vai nar r a n d o o que ela diz ser a sua vida» "Há um equilíbrio trágico en tre a g rossura mais ab.j eta, com minuciosas descr i ç 'Õ e s de t a r a s , e a linguagem mais sublime" (38), como diz Mário Sérgio Conti» NSto poderíamos, então, definir o romance como puramente erótico pois, segundo o que foi visto, um texto erótico mostraria a sexua l i d a d e com uma certa d elicadeza (Cortázar), fazendo com que o prazer seja maior no momento que antecede o ato propriamente dito (&'<!<)» 0 seu principal elemento não está presente em A Polaquinha, pois Dalton apresenta o ato sem se deter muito no momento que Barthes chamou de escalada, pulando - algumas vezes - de um ato sexual para outro» Isso posto, talvez fosse mais correto falar em pornografia literária - como a definiu S.. Sontag - do q ue em e ro t i smo.

Para corroborar est.a hipótese, v e .j amos a 1 gumas carac t e r í s t i c a s dos personagens»

A protagonista é uma mulher anônima, cuja identidade está centrada numa alcunha que traz à tona a sua origem étnica» 0 primeira namorado é mais um da infindável galeria dos anônimos joóes que figuram na obra de Trevisan. Tito ê o casado em busca

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de relaçtíes e x t r a - c o n j u g a i s . NancJo, o advogado que se aproveita de seu 'status quo' (é 'doutor') parai seduzir as mulheres que o procuram. Pedro é o conquistador barato e tarado, galã de quinta categoria. 0 que temos em A Polaquinha ê um d e sdobramento dos jõ o e s e marias dos contos, ou seja, uma série de tipos que representam dilemas nâo individualizados. Esta seriai., segundo Sontag, uma das principais c a racterísticas do texto pornográficos

"A pornografia é um teatro de tipos, não de indivíduos" (151, p .56). Dessa passagem se deduz que ao erotismo cabe expressar a sexu a l i d a de de seres individualizados.

Os homens que aparecem quando a protagonista já está no palco da pros t i tu i ção são mai s d esperson a1i z ados a i ndas só os d i f e r e n c i a m o s pelo toque da campainha e pela maneira de descerem as escadas. São meras nul id aides, urn at faun ai anônima, mauls próxima do animal do que do ser humanos"Lá vem o velho zoológicos o leão, a hiena, o elefante, a formiguinha" (19, p . 147), diz a prot.agon istai a respeito de s e us f regueses.

Até agora tenho tentado valorizar o pornográfico. Mas talvez fosse melhor adotar uma posição similar à de Boris Viam, para quem nâo há\ nem e rotismo e nem pornografia nai literatura , mas sim na cabeça do leitor (152).

Já Alexandrian, autor de um vasto compêndio sobre a literatura erótica, assume uma posição singular, a c reditando que; é impossível d i f erenciar o erótico do pornográfico por suas fronteiras serem instáveis.. Mão obstante, ele faxz pequenas distinç'òes, dizendo que " a pornografia ê a descrição pura e

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simples dos prazeres da carnes o erotismo é esta mesma descrição revalor i z a ç ã o em função de uma idéia de amor ou da vida s o c i a l . Tudo o que é erótico é: n e c e s sariamente pornográfico, com algo mais" (118, p. 6). Es t a b e l e c e n d o esta equivalência entre conceitos tidos como contraditórios, Alexandrian visa evitar o que ele chama de uma nova hipocrisia que, reativando preconceitos sob roupagem moderna, busca valorizar as m a nifestações literárias onde a sexu a l i d ad e ê tratada mais brandamente em detri m e n t o d aquelas onde o sexo é abordado sem eufemismos. Tal posição renega a pornografia porque ela è uma elemento q u e s t ionador da s o c i a b i1 idade ( e consequentemente da s o c i edade )

por colocar em cena taras sexuais mais fortes e e x p l1 c i t a s (###). E rotismo e pornografia não podem, segundo tal visão, ser desmembrados» Isso posto, poderíamos dizer que o romance de D a 11on é er ó t i c o - porn og ráf i c o »

Porém, ê importante? salientar que a abordagem sexual na obra de D» Trevisan não constitui um fim em si» A sua finalidade nSo ê elogiar a d evassidão pura e simplesmente» Mão é também ressaltar o poder transgressor da sexualidade - como quer Rodolfo Franconi. Falando da protagonista, ele afirmas “ü 'puro' erotismo que a governa é o que agride e, desse modo, através de sua força instintiva desnor t e i a os detentores da moral machista" (132, p. 84) „

□ romance trata da trajetória, das experiências h ipoteticamente vividas pela protagonista. Valeria a pena lembrar que estas exp e r i ên c i a s não são eróticas, as imagens e os

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e p i s ó d io s represe n t a d o s ê que o são - para dizer como Sontag, Du seja, o romance é e r ó t i c o — pornográfico enquanto portador de m o mentos e imagens desta ordem, mas ele transcende - através, por exemplo, do q u e s t i o n a me n t o da imagem da prostituta vitimisada - tais repres e n t aç õ e s »

Thomas Lask já havia percebido isto nos contos de Trevisan. Para o critico tal erotismo "não é exibicionista, mas funcionai 1 para as intenções do autor" (59).

ItineráriD

A esta altura do texto, resta-me apresentar aos companheiros de viagem os pontos principais de nosso .itinerário.

C o m eçare m o s p e r corr en d o a superfíci e do r o rn a n c e e rn análise. Lendo e buscando entender aquilo que nos salta aos olhos. Num primeiro momento, salientarei alguns aspectos formais da narrativa,, que serão úteis no decorrer da nossa viagem. Não será uma leitura minuciosa das questões formais do romance, mas, tão somente, o d e s v e lamento de elementos que se relacionam com a espinha dorsal do ensaio.

Aindai no plano da superfície, percorreremos as impl icaçfâes do que ê contado no discurso dai Polaquinha. E por fim, tentarei mostrar uma relação com o clássico romance de John Clelands Fanny Hill: memórias de uma mulher de prazer.

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Num segundo momento, faremos uma viagem pelo subsolo do t e t. o , rastreand o o que e s t á implícit o n o disc u r s o d a protagonista. Este trecho será mais curto e mais instigar»te» De uma certa forma representará uma guinada, pois passaremos a duvidar da verac i d a d e do que nos é contado pela narradora, baseando-nos em uma análise; das características da prostituição e assim mostrando que é nas entrelinhas que ã Polaquinha marca um encontro com o lei tor mais céti.c.:o »

NOTAS s

>{< 1350 fica claro no texto de Leo Gilson Ribeiro: "a crítica literária (de jornal — MSN) pode apenas — e mal -• espremer e e x p r i mi r um resumo" (93)«

$$ Esta ê também a posição de Francesco Alberoni, para quem "o erótico é inseparável da sua preparação e do que o segue" (1.17, p. 148).

Tal poder q u e s ti o nador da pornografia é tratado no quarto capítulo do livro cle Carlos Roberto Win ck ler (153).

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S O L O

(24)

I

-0 Interlocutor Implícito

Em uma de suas considerações sobre o conto, Julio

Cortázar afirma que uma narrativa bem realizada, para ele, ê

aquela que tenha se desprendido do autor e cujos personagens nSo

fiquem â margem (127, p. 230),, A melhor maneira de narrar, então,

seria dando a voz e a vez a um personagem - sem a intervenção

explicita de uma terceira pessoa que, distante dos fatos, pôr-se-i a a c o m e n t. á --1 o s .

E a F'olaquinha quem nos conta a sua história» A n a r rativa começa com uma lacônica sentença ("Bofoinha, de mim já nào falo") que pode mostrar que ela está cansada de contar a sua

'vida' e não quer mais fazer isso»

O e n u nciado desta primeira frase afirma que a protagonista não vai mais falar dela, mas, contraditoriamente,

1 o g o em seguida ela c o m e ç a a n a r r a r a sua traje 16 r i a se x u a 1 »

E como se, a d e speito de seu desejo, ela se sentisse coagida a e x p o r — se. Há uma repetição sugerida pela frase:"de mim já não falo", de onde se infere que ela já o fez outras vezes. Esta referência também pode expressar o caráter reinaugural da

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própria dicçãos a cada cliente ela se p£Je a (re)contar as suas ( in ) e x p e r i ê n c i a s . Acabaremos percebendo,, no desenrolar da narrativa, que pode ser a solidão e a necessidade de querer se mostrar também como uma biografia e não só como urn corpo que faz com que a p r o t a gonista empreenda a sua narração» E esta n e c e s s i d ade q u e .j u s t i f i c a r i a a e x i s t éncia d o r e 1 a t o que, paradoxalmente, ela de antemão já sabe que ê inútil. A uma certa altura ela diz, nesse sentido, que "você nunca sabe nada de n i n g u é m " „

A u tilização do foco narrativo, segundo Massaud Moisés (140, p.249), d e t e rmina a cosmovisão do autor. Isso posto, veja m o s no que implica a o p ç ã o feita por T r e v i s a n . Quando decide usar um n a rrador protagonista, sem a intervenção explicita de nenh u m a outra voz n a r r a t i v a , D a1 1on deixa ciaro o seu intuito de fazer com que a história seja da Polaquinha, que não haja nenhuma e s p é c i e de julgai mento por parte do autor. E como se ele, à maneira dos editor i a i s dos periódicos, dissesse qu.e os textos a s s inados são de inteira r e s ponsabilidade de quem os emitiu e que não expressam, teoricamente, a opinião do editor. 0 autor se distancia, d e ixando que persongens e leitor se entendam.

M a 1c o 1m S i 1v er ma n n ot o u qu e o seres c r i a d o s po r D „ Trevisan "parecem insistir em contar as suas h i s t ó r i a s s e j a atr a v é s da conversação (...), seja pela narração na primeira pessoa" (102, p. 98). Essa op ç ã o do autor faz com que o mundo se relacione 'diretamente' com o fruidor, sem a mediaç'ào e x plicativa ou moralista do ser que o criou.

Duas situações surgem deste fato.

A primeira delas é que a narrativa não chega pronta ao

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leitor. Este terá que procurar os sentidos qu.e, muitas ves es se e n c o n t r a m a t r á s de reticências mentais. Ao leitor é delegada a m i s s ã o de d e s dobrar a obra. Desta forma, ela acaba 'criando' junto com o autor o mundo ficticio deste.

A outra si t u a ç ã o d e c o r r e n t e do não a p a r e cimento de uma voz literariamente credenciada é que algumas pessoas acabam confundindo personagens e autor. Estes leitores menos avisados não lêem a obra de DT por considerá-lo machista, quando, na verdade, ma c h i s t a s são os seus personagens e o mundo onde eles v i v e m .

P o d e r í a m o s dizer ainda que a leitura de um livro de Trevisan não é uma v isão segura de cima, de quem olha, por exemplo, uma briga do quarto ou quinto andar, mas sim um encontro, il u s o r i a me n t e direto, com a realidade. Dalton parece conseguir isso em A P ol aq ui nh a através da utilização de um narra d o r -- p r o t a g o n i s t a „

Mas não s ó .

A maneira como ela narra é outro elemento importante. Embora o t e t o seja um monó 1 oqo , f i c a n o s a suqestão de um diál og o não c o r r e s p o n d i d o . Ei! como se ela falasse com um interlocutor mudo (que ouve? sem comentar nada). Vejamos alguns e e m p 1 o s c o 1 h i d o s a o a c a s o s

"D primeiro namorado, sabe o quê? Ah, o beijo único na boca" (19, p.é>).

"ü retrato dele a mãe rasgou, senâto te mostrava" (19, p .30).

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"Disse para a Filó e agora para você. Ninguém mais, veja lá" (19, p.79).

"Essa n'à'o quero esquecer. N&o podia sem te contar 19, p . 124)

p .1 2 1)

"Reclama do meu perfume, nâto é bem discreto? (19,

(Todos os grifos foram a c r e s c e n t a d o s , }

A u t i l i z a ç ã o d e ma s i a d a de perguntas na narração, como podemos ver nos exemplos acima transcritos, é decor r en t e da p r e s e n ç a de um i n t e r 1 o c u tor. E , e m Q 11. i m a a n á lise, e s t e i n t e r locu t o r é o p r ó p r i o 1 e? i t. o r - m u d o p o r estar for a d a n a r r ativa »

Uma outra referência ao interlocutor implícito é a re p e t i ç « o de suas prováveis perguntas no momento em que a na r r adora está contando a "sua" histórias

“0 beijo des Nando assim de carinho. (...) Do Tito à

antes um beijo sofrido. Meio desesperado, meio furioso,, Dos dois, qual o melhor? Ah, o do Nando". (19, p.118)

Este mesmo recurso ê utilizado quando a P olaquinha está falando de uma das namoradas de Pedros

"Ela, como é? Mais alta, cabelo castanho, curto... (19, p . 1 2 1 )

Esta técnica de dialogar com o leitor é uma velha conhecida. Muito comum no Roman t i s m o europeu e depois usada entre nós. Quem n'ào há de se lembrar das intromissões do narrador macha d i a n o para fazer alguma d i g r e s s ã o sobre a narrativa?

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veremos que este diál o g o com o leitor é funcionalmente i m p o r tante. B e n t i n h o , adv o g a d o e x p e riente, v a i t r a m a n d o ( c o m muita sutileza., diga-se? de passagem) urna teia de argumentos para convencer o leitor. Por isso faz tantas interrupções. Eüle quer g a n h a r a c o n fiança de que m o 1 » V e j a -- s e u m e e m p 1 os " Q u a n t. a s intenções viciosas há\ assim que embarcam, a meio caminho, numa frase inocente e pura! Chega a fazer suspeitas que a mentira é, muita vez., tão involuntária quanto a respiração» Por outro la<do, leitor amigo, nota que eu queria desviar a suspeita de cima de Capitu..." (137, p. 73).

A intimidade com o leitor se faz necessária porque o advogado precisa convencer. Já em Memórias Póstumas de Brás Cubas há um diálogo mais irônico. Brás está morto, fora da sociedade e a sua relação com o leitor pode ser mais espontânea» Mas Bentinho busca influenciâ-lo. CJ fim último de sua narrativa (que funciona como um acerto de contas) é mostrar a sua inocência num caso de traição amorosa» Nesse sentido, eu acredito que o protagonista de Dom Casmurro é o leitor, pois constitui a peça mais importante da trama romanesca; ele tem que ser convencido. Para que a suai v e r s ã o ríáo seja ailgo muito preciso (o que? acabaria expressando a falsidade do relata, pois a realidade é sempre permeada de c on t r a d i ç õ e s ) , Casmurro dei x a v ár i os f a tos n a am b i g ui d a d e „ Artimanhas para convencer, quer p a r e c e r-m e »

Trevisan e Machado lançam mão do diálogo com o leitor» Mas não podemos nos esquecer que; embora usando o mesma técnica, D a 11on a renova c o m p 1e tamen te. Em Ma c hado de Ass i s o n a r rado r se asssume como um ser literário e dirige-se a um outro também reconhecida literariamente: o leitor» Desse modo, o diál o g o é um

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ex p e d i e n t e que está dentro da convenção do texto literário. Ambos os envol v i d o s são seres c:om espessura estética. 0 narrador afirma que está fazendo literatura e que na ponta inversa desta relação há uma outra pessoa que o está lendo como literatura. Por mais que queira e s t abelecer uma aproximação, existe sempre urna barreira, uma d i s t â nc i a estética entre ambas as p a r t e s .

Já em A Polaquinha, o diálogo se dá entre seres não literários. A protagonista não está (pelo menos em tese) fazendo literatura. Apenas contai a sua história para alguém próximo. 0 escritor paranaense cria urna narrativa que se apresenta como oral (discuti remos tal característica no módulo seguinte). E isto constrói a ilusão de que os fatos nos são transmitidos sem a m e d i a ç ã o da escrita. Partindo desta c o n s t a t a ç ã o , poderíamos dizer que a P olaquinha fala com um interlocutor próximo.

Se a i ntenção de Machado de Assis em Dom C a sm ur ro era, como vimos, convencer o leitor, em A Polaquinha a narradora estaria se d i r i gindo a um confidente ( e a relação já não mais seriai e s c r e v e r--1 er , mas f a lar-ou vir ) para tentar s e n s i b i l iz á - l o q u a n to á s u a d i f i c i 1 v i d a '?

Esta técnica faz com que o leitor seja arrancado de sua condição de fruidor e passe a fazer parte, corno elemento co- presente, do universo da narrativa. Mão poderíamos dizer que? estai é uma c a r a cterística especí f i c a do tltnico romance de Trevisan, pois já estava presente em seus contos, corno percebeu Nelson Vieira s

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violent, sexual and disquieting themes is coupled with metaphorical style and pictorial technique that draws the reader into the n ar rative clutches of the author» Never underestimating his audience by knowing , on the other hand, how to deal with the cynicism of the modern reader, and on the other, how to conceal his own role, Dalton Trevisan constructs n arratives that are designed to pull the reader intimately into the e xperience (grifo acrescentado)" [Este conhecimento do conteúdo da narrativa de i. e m a s v i o 1 e n t o s , s exuais e i n q u i etadores jun t a - s e ao es t i 1 o m etafórico e à técnica pictória que conduz o leitor em direçSío às garr as n arrativas do autor» Nunca menosprezando seu público por saber, por um lado, como lidar com o cinismo do leitor moderno., e por outro, como esconder seu próprio papel, Dalton Trevisan constrói n a r r a t i v a s que s'ào criadas para puxar intimamente o leitor para dentro da experiência; »„« 3 (103, p. 1 1 ).

E i mportante destacar que esta característica dos contos é? intensificada no romance e se torna um de seus e1emen tos básicos»

Nelson Vieira fala, no ensaio de onde tiramos a citação acima transcrita, de um d iscurso c in e m a tográfico nos contos daltonianos. Esta técnica, como sabemos, cria no fruidor a s e n s a ç ã o de estar dentro dat história» Mas se? há uma fictícia oralidade, uma vez que ficou dito que a protagonista conta a sua t rajetória para um ouvinte, seria possível dizer que o di scurso cinema t o g r á f i c o está presente em A Polaquinha?

Creio que? sim, pois as duas técnicas nSo se op'6e m , mas se s o b repõem - como veremos agora»

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A n a r r a ç ã o cie algo já acontecido implica na utilização de um tempo verbal no pretérito. Assim, a protagonista diz:

"Quando veio (a menstruação - MSN) a primeira vez, bem me apavorei" (19, p» 5).

"Comovida, olhei para ele. Abracei. Beijei" (19, p.35). Em parte da narrativa ficamos sabendo dos fatos segundo a voz da protagonista. Mas este fluxo é quebrado por flashes que p resent i f i c a m o ocorrido, a proximando-nos dele. De dentro do que ela narra surgem d i álogos .independentes e diretos. Vejamos a passagem do mome n t o em que ela fala sobre a vasectomia feita por Nando e de sua impotências

" Arrependido de não me avisar» 0 melhor para os dois» Salvo da chantagem da louca» Tinha viajado para casa de uma prima d e Sã o P a u 1 o »

. Pre f ir o eu me sacrificar.

- Que vai ser de nós, meu amor? Tanto queria um filho. Você pode ter. Aceito você e o nenê,. Ainda que de outro" (.19, p. 48).

Como no cinema, estes flashes são colocados no meio de uma narrativa retrospectiva, que está sendo contada por alguém, para levar o espec t a d o r junto à cena distanciada no tempo e no espaço, produzindo nele a sensação de estar vivendo os fatos. Valeria a pena lembrar o que Fausto Cunha disse na a p r e s entação de Crimes da Paixão:; "0 uso do diálogo ê urna forma que ele encontrou para se imiscuir o menos possível na fabulação. Seu conto aspira a retirar a parede entre a ficção e a realidade"

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(13). P o d e r í a m o s dizer o mesmo, mutatis m ut and i , sobre estes f 1 a s h e s q u e a f a s t. a m a n a r r a t i v a r e t r o s p e c t. i v a da n a r r a d ora, presen ti ficando a aç'ào. Derru b a - s e assim não só a barreira entre ficçcio e realidade, mas também entre passado e presente.

Mas isso não se dá apenas através deste d i s positivo c inematográfico. Uma outra característica é a oscilação, em d e t e r m i n a d a s passagens, do tempo verbal do discurso da protagonista: ora usa o presente, ora o passado. Isso pode ser visto no momento em que narra o seu primeiro orgasmos

"Primeira vez, n=to é que à vontade"? Peço para ir por cima. Antes que goze e me largue ali no meio. Que nada, bem me espera.

-- Não aguento mais. L..á vou eu. -- Eu vou .junto,,

Achei o máximo - os dois ao mesmo tempo" (3.9,, p. 90). Com a utili z a ç ã o do presente (do subjuntivo e do indicativo) e do pretérito perfeito, ela faz com que uma ação oc o r r i d a no passado salte para o primeiro plano. E isso dentro de uma narração r e trospectiva caracterizada pela ação no pretérito. Tal recurso nos aproxima, uma vez mais, de fatos distantes no

t e m p o„

Como vimos, a n a r r ativa é construída de formai a puxar o leitor para junto da aç'áo através da técnica c inematográfica do flash, da a l t e r n â n c i a de tempos verbais (presente-pretêrito) para açôes o c o rridas no passado e do fato do discurso a s s u m i r — se como fala d ir etamente dirigida a um confidente.

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A E s cr it a da Fala

Assim como Guimarães Rosa (mas de uma maneira diferente), Dalton criou um estilo singularizado, caracterizado

por elipses, r e t icências mentais, fluxos quebrados, etc.

Uma das principais qu e s t õ e s da linguagem se passa pela a p r e e n s ã o de um estilo da fala. E nesse sentido ê forçoso ver alg u m a s conside r a ç õ e s que Roland Barthes faz em O Grau Zero da Escritura.

Diz o critico francês que há perto de duzentos anos a t r á s a literatura d e s conhecia os diferentes falares, pois apenas a c eitava uma ú n i c a norma literária -- que?, vinda do período a r i s t o c r á t i c o , prolongou-se até? após a hegemonia da burguesia. Foi só por volta de 1830 que os escritores franceses começaram a utilizar, apenas como elemento exótico, palavras pertencentes ao v o c a b u l á r i o de ladróes, camponeses, operários, etc. Neste período, a introdução de? elementos orais tinha uma função d ecorativa e nêío chegava a ameaçar a norma literária estabelecida. Some n t e com Proust a literatura francesa conheceria personagens que se confundiam com suas próprias linguagens.

Barthes afirma que a partir de Proust a literatura vai inco rp o r a n d o mais e mais a linguagem real dos homens, muitas vezes de forma descritiva. Isto se dá com o descré d i t o do

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conceito de u n i v e r s a l i d a de -- descré d i t o este que? está enraizado no pensamento moderno. Não existindo mais um modelo válido para t o d o s c o m e ç a m a surgir literaturas que trazem marcas l inguísticas da dispa r i d a d e social»

Na maior parte dos casos, procurou-se a naturalidade d as linguagens orais (e ele dá como exemplo os romances de Sartre ) para assim f aci 1 i tar o a c esso à 1 i terat.ura. Porèm , a g r ande maioria das produções destes ramo n'à'o foi axlêm do c o n v e n c i o n a l , p r e o cupando-se antes com o poder de persuasão da linguagem do que com a linguagem propriamente dita,, Mão obstante? esta limitaçao, Barthes admite que tal aproximação ê o ato

literário mais humano que um escritor pode alcançar»

D .1 a n t e d e i n ú m e r o s falare s ,, t o d o s e? 1 e s a g o ra v áx 1 i d o s ,, a literatura passa a se assumir como uma problemática de linguagem: t ranscender o horizonte restrito das formas de ex p r e s s ã o de grupos sociais margin a l i z ad o s e não mais se preocupar com uma c o n v e nç ã o de escrita ou com os gostos de um público» Esta opção poi" uma 1 inguagem especi f i c a engajaria o autor, me?smo nunca tendo ele se manifestado, numa posiç'áo diante da história»

Se por um lado esta a m p liação do horizonte expressivo abre novas p o s s ibilidades es t é ti c a s para o escritor, ela, por outro lado, passa a d i1a c e r á -1o , pois, tendo que usar "a linguagem endur e c i d a e fechada pela pressão de todos os homens que não a falam", o escritor sò pode adquirir uma e x p eriência sem fundar uma aç'áo» A ele? caberá expressar a r t i s t i c a m e n t e as d i v i s õ e s sociais sem poder eliminá-las.

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Há vá r ias manei. ras de in cor-porar estas 1 inguagens . E bem conhecida uma tendência utópica de usá-la para atingir as classes sociais menos cultas. Tais tentativas g eralmente têm uma i n tenção ideológica querem fazer da literatura um veículo de conscientização polí t i c a .

Barthes não aceita que a escrita com apenas intenções políticas seja literária. Para ele, a escolha de um tipo literário de e s c r itura "é uma escolha de consciência e não de eficácia" (119, p . 125), ou seja, que a preocupação primordial do escritor deve ser pensar a literatura» Caracteriza como scripteur o indivíduo cujas preocupações são antes políticas do que artísticas» Ele dif e r e n c i a r - s e - i a do escritor por não se preocupar com a linguagem em si, mas com o seu poder de p e r s u a s ã o „

Em Dalton Trevisan a preocupação ê basicamente com a linguagem. Como já disse Wilson liartins, fazendo um paralelo entre Vasco Patrolini e DT, "o seu é o populismo da solidão humana, sem conotações sociais ou políticas" (75). Ele não busca f a c i 1 i d a d e s » C r i a r u m e s t i 1 o 1 i t e r á r i o a p a r t i r d e u m a 1 i n g u a g e m m a r g i n a 1 i z a da te m s i d o o s e u o b j e t. i v o m a i o r »

Mas se r i a c o r r e t o f a 1 a r em umat e s c r i t a d a f a\ 1 a ?

Para Barthes a fala e a escrita, enquanto meios de expressão, difere n c i a m - s e porque esta ê fechada;, criada antes de ser pronunciada, e por guardar sombras simbólicas. Enquanto a fala é momentânea, d e s ordenada e surge (e morre) ao ser pronunciada. Nã o poderíamos, então, escrever como quem falai.

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Para avançar neste terreno se faz necessário ver o conceito de e s c ritura segundo o crítico francês. H â , para ele, dois elementos básicos: a fala e o estilo. Aquela está no nivel da língua, pertence a uma coletivadade, é linear e tem um valor de gasto imediato. Do outro lado está o estilo, que tem uma dim e n s ã o vertical, pertence à subjetivade do autor e implica» numa i n tenção literária. Dei uni'à'o dos dois elementos, ou seja, do recorte da língua por um estilo, nasce o que chama de escriturai.

Assim sendo, seria possível uma escritura da fala, isto é, uma apreensão e s t ilística de comportamentos linguísticos da

lingua oral.

W i lson Martins afirmou que o "conto cie DT é um conto falado, um conto que s utilmente rejeita a literatura enquanto arte ou a r ti fício da palavra escrita" (71). lias tal escrita da fala não eliminai ai literatura, muito pelo contrário, amplia os seu s d o m i n i o s .

T revisam criai a ilusão de que a palavra escrita foi banida e que já não estamos diante de um livro e de personagens, mas sim em contato com um mundo de seres vivos. Logo, a rejeiçáo de que fala Wilson Martins é, obviamente?, metafórica.

Esta caract e r í s t i c a de uma oral idade escrita é, como já foi dito, um dos elementos que ajuda a levar o leitor parai dentro da narrativa, e ncurtando a distância estética produzida pelai obra de arte»

0 escritor argentino Ricardo Piglia tem um conto que pode contribuir parai a clareza destes comentários que venho

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tecendo,, T r ata-se de A no t ações Sobre Macedônio Num Diário» Escrito a partir de pensamentos de (e sobre) M ac e d ô n i o Fernández, este texto traz algumas consideraçíies que podem iluminar o que chamei de escrita da fala em Trevisan:

"Ontem à noite;, em Los 36 Biliares, discuss=to sobre o e s tilo de Macedônio» Trata-se de um estilo o r a l , embora pareça sua antítese. A forma de; oratória particular, que supfóe um c irculo de interlocutores bem conhecidos, com os quais todos os sub e n t e n d i d o s funcionam» A p resença real do ouvinte define o tom e as elipses»

(...)

Em M a c e d ô n i o a oral idade nunca è l e x i c a l , joga-se com a sintaxe e o ritmo da frase" (144, p.84).

Em A Polaqu i nh a também há um estilo oral, onde a p e r s o na g e m fala para um interlocutor que está nãfo só ouvindo mas vendo quem fala e o que é falado (no caso dos flashes r e t r ospectivos ) , por isso ela nâfo precisa fornecer ex p 1 i caçftes detalhadas. Os gestos valem» E permitida toda sorte de su b e n t e n d i d o s e de s i l êncios cúmplices» Note-se que para entender a narrativa d altoniana é necessário - como condição sine qua non - assumir o papel de público ouvinte» E preciso chegar perto,, ler o s g e s t o s d a s p ers o n a g e n s

Vejamos uma das inúmeras passagens que exigem esta prox imida d e s

"... Os a 1 mofad'òes arrumo sobre o tapete» Misturo a c a i p .i rinha, um c o p o cheio. E1 e sur g e e n v o 1 1o n a t o a 1 h a ~ ali

p e n d u r a d a " .

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junto á personagem, tem que ler o gesto de malícia desta, a\ sua risadinha safada,, Só assim perceberá que o 'ali pendurada' quer dizer pendurada no membro ereto. Sem esta cumplicidade perde-se urna infinidade de pequenos mas sugestivos detalhes.

Ao co n t r á r i o do que detecta em Macedónio o narrador do conto de R. Piglia, o estilo oral em Dalton implica na utilização de um léxico específico. Umax das palavras mais recorrentes no texto é 'dai' - que nos remete às n arrativas orais. Aparece em A P o l a q u i n h a repetitivamente, da mesma forma como é usada nas h istórias que ouvimos no nosso d i a — a —dia.

Um outro expediente, agora a nivel estrutural, que e xplicita o uso de uma escrita da fala é a criapâo de uma certa s i m u1 1an e i d ad e a través d o d i á1og o ent reco r tado s

‘1 - 0 d i a e m q u e e s t. e j a p r o n t a . E for m u 1 h e r c o rn p 1 e t a „ N e s s e dia mesmo...

•••- N Sí o f ale assim „ N a n d o .

- ... vo c ê me; deixa" (19, p. 39).

Isso faz com que a conversa fique mais próxima do real. Li m a f a 1 a c o m e ç a n o m e i o da o u t r a ,, c i n d i n d o a , m i n a ndo-a.

A prolongaçíSo gráfica de certas palavras,, para significar a d u r a ç ã o de suai pronúncia, também explicitai este d e sejo de máxima oralidade possíveis

"Como é gostoooosa" (19, p .58).

"Puxa, amor. Ai, como é graaande" (19, p. 143).

Uma outra c a r a cterística do estilo oral é o ritmo da frase. Esta tem um fluxo quebrado, cheio de titubeaç'ào, de pontos finais nâfo obri g a t ó r i o s que rompem ai sequência. Como sabemos, a

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frase curta é um dos elementos da linguagem falada» Mas Trevisan a diminui ainda mais, fragmentando-a de tal modo que somos obrigados a 1er aos trancos, como quem soletra minúsculos fra g mentos f rá s i cos ï

"Ele queria que eu saísse de casa, fosse para um a p a r t a m e n t o » M a i s t empo j u n t. o s » L á d o r m i n d o » I a m e s u s t e n t a r ,, pagava a metade do aluguel» Cansei de esperar» V o apareceu? Nem ele..." (19, p.64)»

E assim que começa o capítulo catorze»

Valeria a pena dizer que as suas orações muitas vezes nSo se i nter— relacionam. Alguns períodos compostos sSo reduzidos a períodos simples ("Pode vir. Que eu espero" 19, p.78). Por isso há mais pontos finais do que vírgulas» As mínimas frases ficam isoladas dentro dos parágrafos. E de uma parax outrai surgem abismos que constituem o que pode ser chamado de r e t icências men tais »

0 i n t. e r 1 o c u t o r t. e m q u e i r p r e e n c h e n d o este s i n ter r e g n o s e 1er o vazio dos buracos. Tudo tende a fazer com que ele assuma

uma presença "real" dentro do texto» Por isso n=ío há como 1er A Polaqu i nh a de fora.

A fala serve ainda para suprir a ausência da c a r a c t e r i z a ç ã o detalhada das personagens, seja ela psicológica ou física» A partir deste fato podemos inscrever o romance em q u e s t ã o numa corrente estética que? surgiu nos EUA com o advento do cinema» Si 1viano Santiago, num ensaio publicado no suplemento

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199.1 n faz uma a n á l i s e de um dos grandes desafios do escritor contemporâneo: caracterizar a personagem através de sua fala.. P ar t i n d o das c on s i d erações de Percy Lubbock (The Craft of Fiction) e de C l a u d e —Edmonde Magny (L'Age du Roman Américain i, d e m onstra que o romance alterou o seu modus operandi, trocando o "telling" pelo "showing", isto é, incorporando técnicas do cinema e do teatro» S. S a ntiago exemplifica tal a lt eração corn aquele que tal ves seja o melhor conto de Ernest Hemingway: The Killers. Nele, o escritor e s t a d u n i d e n s e quase que elimina a intervenção do narrador, fazendo com que o leitor tenha que d epreender as c a r a c t erísticas das personagens através de sua fala e de sua conduta »

1-lâ um trecho do ensaio de Silviano que expressa com p r o priedade esta maneira de escrever: " 0 romancista hoje deve ter habilidade suficiente, conhecimento factual de corno fala um personagem antes de criá-lo. Pelo exercício da linguagem que ê p rópria do personagem, pela própria fala dele, ê que o narrador o c a r a c t e r i z a " »

I s s o p o s t o , p oder í a m o s d i z e r q u e a P o 1 aqui n h a e a s u a fala se equivalem. Ou seja, que é na sua fala e na sua conduta

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II

-C on t e mp o râ ne a do quê?

G tempo em que ocorrem os fatos narrados pela Polaqu i n h a nã o é explici t am e n t e determinado. N'à'o sabemos o ano em que nasceu ou em que conheceu João, seu primeiro namorado. Tudo aconteceria, então, num universo historicamente descarac t e r i z a d o ?

Embora pareça desnecessária, esta perguntai abre caminho para o ent e n d i m e n t o da trajetória hipoteticamente v i vida pela n a r radora que traz em "sua" história o anonimato de todo um grupo s o c i a l „

Talvez o autor n'à'o tenha colocado fartos históricos relevantes na narrativa (o que delimitaria o tempo em que as ações ocorreram) porque; os personagens s'ào seres que n£o p articipam da História. Vivendo à margem de tudo, a Polaquinha n ão faria nenhuma menção aos acontecimentos que; m arcaram o seu t e m p o.

A sua narração é cronologicamente linear, porém ela nSo passa de um ano para outro mas sim de expe r i ê n c i a sexual paira e x p e r i ê n c i a sexual. Tudo o mais gravita em torno desta

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trajetória, que é o tronco da narrativa.

Como n ão ternos nenhuma referência aos grandes ac o n t e c i m e n t o s históricos, devemos procurá-los nas pequenas cenas da vida cotidiana ou em c o m entários perdidos nas dobras do texto.

Há um percurso temporal expresso pelas transformações do corpo da Polaquinha. P o d e r í a m o s chamá-lo, na falta de um termo melhor, de tempo b i o l ógico -• que vai da puberdade à maternidade. Mas este dado n ão permite que vinculemos a narrativa a um momento hi s t ó r i c o e por isso ficará à margem de nossas preocupações.

Uma leitura bem atenta do romance nos mostra a e x i s t ê n c i a de três r e f erências que podem ser portadoras de? um sent id o histórico, embora apareçam sem nenhum destaque no corpo d a f i c ç 'èi o , f u n c i o n a n d o c o m o c: o m e n t á r i o s i r r e leva n t e s . S 'ào e 1 a s s era " no tempo da toalhinha" (p.5), "no tempo das calças justas" (p.6) e "no começo do rock" (p.15). Dessa forma, a narradora localiza o começo de sua trajetória erótica, fornecendo, sem g r a n d e exatidão, as coordenadas temporais da narrativa.

Ma verdade, o tempo das calças; justas e do começo do rock pertencem a um ú n i co período. Por isso meu comentéirio tomará uma senda apenas, tentando angariar subsídios para a compreensão do texto.

0 rock, que surgiu nos; anos 50 nos EUA, vai se tornar a g r a n d e a r t e d a c la11u r a ' u n d e rgro u n d ' d o s a n o s 60 . C o m o

c omport a m e n t o social ele vai influenciar os ' h i p p i e s ’? na área da literatura vai desem p e n h a r um papel importante no s urgimento de uma geração de? e scritores (os beatnicks) que passa a negar a

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sociedade de consumo e a falsidade dos padrões éticos e morais do capitalismo. 0 rock é muito mais do que um tipo de música, tornou-se uma maneira de ser, uma ótica da realidade e uma forma de comportamento. Este comportamento implica em contestaçSo social, em rebeldia e em completa liberaçcfo sexual.

Mas, contraditoriamente, ele está ligado à consolidação d e u m p a d r âf o e c o n ô m i c: o, p o .1 s a 1 a s t r o l i- s e , t o rna n do-se u m f e n òm e n o mundial, junto com o d e s e n v olvimento dos meios de comunicação de massa que v ão ter um papel decisivo na vida do brasileiro a partir dos anos 60 (seja através da melhoria da qualidade dos d i scos ou da i n t e r ligação televisiva do país). Chega a um sò tempo o instrumento de poder do capitalismo e a rebeldia do rock que vai assumir entre nòs, em sua primeira versão, a forma bem c omportada do rock-balada de Cely e Tony Campeio, passando pela Jovem Guarda e chegando à maturidade com a Tropicália.

No final dos anos 60, o mundo viveu um clima geral de insatisfaçcío e de contestação. 0 episódio da Primavera de Praga, em 1968, mostrou que a ditadura comunista (que a princi pio f ora d e pos .1 t á r i a d e mu i t.as espe r anças) e r a um d os grandes e r r os histó r i c o s deste século. Em Paris, os jovens foram às ruas em protesto contra a sociedade hipócrita e preconceituosa, promo v e n d o um movimento qu.e ficou conhecido como Maio de 1968. Em vários pontos do planeta surgiram m a nifestações contra o sistema, a ditadura e a dominação. E foi ainda em 68 que aconteceu o maior e s p e t á c u l o musical de; todos os tempos s o festival de Woodstock.

Quando a Polaquinha diz que sua trajetória sexual principia no começo do rock, ela se situa dentro e, ao mesmo tempo, fora deste periodo de eferves c ên c i a c o n t e s t a t ò r i a .

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Mota Mar.ilena Chaul que foi nesta época que "pela primeira vez, luta política e reivindicação de liberdade sexual c aminharam juntas" (124, p.230), pois os jovens se revoltavam

contra todas as formas de opressão»

E justa m e n t e a partir de 1968 que chega ao Brasil a i n f o r m a ç ã o da co ntracultura internacional que vai colocar em d e b a t e a psicanálise?, o rock e a politica do corpo» 0 que favorecerá o surgimento, na década de 70, do grande interesse pelo feminismo.

Todos estes m o v i m e n t o s estão fora da vida contada pela Polaquinha. Ela parte em busca do Eros, mas com sentimento de culpa e com uma total desinfo r m a çã o sobre o seu corpo, sobre sua sexualidade. Ela n ã o se sintoniza com as contestações dos jovens de sua épocas quer entrar na universidade, melhorar sua condição e c o n ô m i c a e ascender socialmente»

E m 1970, John Lennon declaravas "o sonho acabou"» Era o fim n ão só dos Beatles mas também de uma das fases do r o c k » Estai frase tornou-se um slogan dos jovens que passaram a viver um período de desen c a n t o e de perplexidade. Desil u d i d o s com a rebeldia inconsequente, c o m eçaram a buscar outras formas de c o n t e s t a ç ã o mais participantes. Ma voz da Polaquinha esta frase vai ter um outro sen ti d cs que revela como ela se posiciona nesta é p o c a »

Partindo de um total d e sconhecimento de? seu corpo, ela apre nd e um pouco com João, estudante de medicina- Ambos estão co m e ç a n d o a vida e poderiam formar um casa'. 1 em condições

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similares» Mas Joio, ciumento e problemático, acaba a b a n d o n a n d o — a» Na visão romântica do discurso da Pol a q u i n h a ,, este seria o seu amor verdadeiro» Tanto que acaba levando a imagem do esqu e l ét i c o Joêío vida a fora» 0 seu segundo amante, Tito, é casado e nâo pode ligar-se a ela legalmente, além de não conseguir satisfazê-la, só se preocupando com o seu próprio prazer» Aparece então o terceiro amante» Um velho advogado, coxo e em ascensão, com quem ela vive alguns m omentos de felicidade» E o responsável pelo seu primeiro orgasmo» Com Mando ela poderia ingressar na sociedade, mas este não assume o caso e, aos poucos, a relação vai se desgastando. Mando acaba ficando impotente (ou apenas nâo sente mais nada por ela) e logo em seguida t roca— a por outra» Ficamos sabendo que; a Pol aquinha tinha investido quatro anos de? sua vida nesse caso. Havia perdida os seus melhores anos junto a um velho caxo na e xpe c t a t i v a de um relacionamento mais sólido e de uma certa esta bi l i d a d e econômica. D fim do caso com Mando é o fim de sua m ocidade e da possibilidade de ingresso em uma classe social»

Por isso ela lança mão da frase e m blemática para expressar a seu d e s â n i mo por não ter conseguido entrar para a s o c iedade que os seus contem p o r â n e o s c o n t e s t a r a m s"0 sonho acabou, a ilusão perdida, o fim de tudo" (19, p .6 6)„

P o d e m o s a i n d a a n a 1 i s a r a s i m p 1 i c a ç 'ô e s h i s t. ó r i c a s presentes em dois obj etos de uso p e s s o a1 s a t o a1hinha e o vibrador» Ela passa do tempo de um para o de outro» ü que pode ser lido de outra formas ela passa de um tempo rústico, que talvez possa ser chamado de primitiva, para o tempo 'moderno'» Há

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