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LEITURA DE PROPAGANDA IMPRESSA

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LEITURA DE PROPAGANDA IMPRESSA

Maria Aparecida Garcia LOPES-ROSSI Universidade de Taubaté

Resumo

Este artigo enfoca parte dos resultados de uma pesquisa cujo principal objetivo era contribuir para práticas pedagógicas que visem ao desenvolvimento de habilidades de leitura do gênero discursivo propaganda impressa e à formação do leitor crítico. Apresenta uma proposta de procedimentos de leitura de propaganda adequados a aulas de Língua Portuguesa e que consideram as características sócio-comunicativas e composicionais (verbais e não-verbais) do gênero discursivo propaganda impressa. Palavras-chave: Leitura; procedimentos; gêneros discursivos; propaganda.

1 Introdução

A leitura proficiente de propaganda impressa decorre de níveis ou etapas de leitura. Uma primeira leitura rápida permite ao leitor conhecer o produto, interessar-se ou não por ele. Esse nível de leitura pode provocar o impulso da compra do produto e certamente é o desejado pelos publicitários, mas não é um nível de leitura crítica. Uma leitura detalhada é necessária para que o leitor perceba os apelos de marketing (recursos verbais e não-verbais) utilizados na propaganda; e uma leitura crítica permite julgar esses apelos (recursos) técnica e eticamente.

Os procedimentos de leitura sugeridos neste artigo possibilitam um trabalho pedagógico envolvendo esses três níveis de leitura visando à ampliação do conhecimento do leitor a respeito do texto publicitário e ao desenvolvimento de sua percepção leitora.

2 A leitura da perspectiva dos gêneros discursivos

Discussões sobre o trabalho pedagógico com leitura ainda são necessárias porque a transposição da teoria para a prática de ensino de língua portuguesa baseada em gêneros discursivos, conforme sugere os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN – (BRASIL, 1998), ainda é uma dificuldade para

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grande parte dos professores. De maneira geral, os livros didáticos apresentam grande variedade de gêneros discursivos, porém com uma abordagem de leitura inadequada ou muito aquém do que se espera numa concepção sócio-discursiva (ou sócio-enunciativa) de ensino, como afirma Lopes-Rossi (2007). Os principais problemas observados nesses materiais didáticos são: gêneros discursivos inseridos nos livros para atividades exclusivas de gramática; tratamento homogeneizado aos diferentes gêneros discursivos; ausência quase total de atividades que enfoquem os outros elementos constitutivos dos gêneros, além do texto verbal.

Essa situação não se justifica. Como comenta Lopes-Rossi (2004), as teorias sobre leitura baseadas em pressupostos cognitivos (KLEIMAN,1989; 1993; SOLÉ, 1998), sociocognitivos (MARCUSCHI, 2008, KOCH; ELIAS, 2006) e discursivos (ORLANDI, 1988; 1999) desenvolvidas ao longo das últimas décadas contribuíram, cada qual a sua maneira, para que o processo de leitura fosse melhor compreendido e o processo pedagógico voltado à leitura pudesse ser melhor conduzido.

Interessa-nos para esta proposta de leitura de propaganda a abordagem sociocognitiva de leitura, pela qual na compreensão de texto oral ou escrito, como afirma Marcuschi (2008, p. 230; p. 233):

[...] exige habilidade, interação e trabalho. [...] Compreender não é uma ação apenas lingüística ou cognitiva. É muito mais uma forma de inserção no mundo e um modo de agir sobre o mundo na relação com o outro dentro de uma cultura e uma sociedade. [...] Sendo uma atividade de produção de sentidos colaborativa, a compreensão não é um simples ato de identificação de informações, mas uma construção de sentidos com base em atividades inferenciais.

Koch e Elias (2006, p. 10-11), também na abordagem sociocognitiva de leitura, assumem uma concepção “interacional (dialógica) da língua”, pela qual

[...] os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que – dialogicamente – se constroem e são construídos no texto, considerado o próprio lugar da interação e da constituição dos interlocutores. Desse modo, há lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da

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interação. [...] A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que ser realiza evidentemente com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo.

Essa concepção está fortemente vinculada à concepção de linguagem do filósofo russo Bakhtin; e esse conceito de leitura se viabiliza a partir do conceito de gênero discursivo (BAKHTIN, 1992). Gênero discursivo (ou do discurso) é qualquer produção de linguagem oral ou escrita, reconhecida e nomeada pelos participantes da situação de comunicação, como por exemplo: carta, bilhete, reportagem, propaganda, receita, conto, contrato, piada, conselho, conversa. Cada gênero discursivo caracteriza-se por aspectos sócio-comunicativos e funcionais (condições de produção e de circulação; propósito comunicativo), conteúdo temático, construção composicional (verbal e não-verbal), estilo. Uma produção de um gênero discursivo (um texto entendido como um enunciado concreto) é um evento comunicativo situado num contexto sócio-histórico, dialoga com outros textos (discursos) presentes e passados e, ainda, provoca uma atitude responsiva do leitor.

Para compreender um gênero discursivo, é preciso mobilizar um conjunto de conhecimentos sobre todos os seus aspectos constitutivos. Rojo (2002, p. 15) ensina a metodologia de natureza bakhtiniana de análise de um gênero discursivo:

[...] aqueles que adotam a perspectiva dos gêneros do discurso partirão sempre de uma análise em detalhes dos aspectos sócio-históricos da situação enunciativa, privilegiando, sobretudo, a vontade enunciativa do locutor – isto é, sua finalidade, mas também e principalmente sua apreciação valorativa sobre seu(s) interlocutor(es) e tema(s) discursivos –, e, a partir desta análise, buscarão as marcas lingüísticas (formas do texto/enunciado e da língua – composição e estilo) que refletem, no enunciado/texto, esses aspectos da situação. Nessa perspectiva teórica, outro aspecto importante a ser considerado na leitura de um gênero discursivo é a multimodalidade de linguagem. Dionísio (2005) explica que os gêneros discursivos são multimodais porque são produzidos por no mínimo dois modos de representação, como palavras e

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gestos, palavras e entonações, palavras e imagens, entre outras combinações possíveis. Nos gêneros discursivos escritos, as palavras se associam à tipografia, no mínimo, além de se associarem a vários outros elementos como cores, fotos, imagens, padrões de diagramação, texturas no papel, apliques que se desdobram e tudo o mais que puder ser incorporado ao papel pelas modernas tecnologias. Cada vez mais os gêneros discursivos impressos se utilizam de elementos multimodais em sua composição, e isso não pode ser ignorado na leitura, como comenta Mozdzenski (2008).

Os procedimentos de leitura apresentados a seguir partem desses pressupostos teóricos, aplicados às especificidades do gênero discursivo propaganda impressa.

3 O propósito comunicativo da propaganda e algumas de suas características básicas

Gêneros discursivos, de acordo com Bakhtin (1992), são fruto da interação social dos participantes de uma situação de comunicação. Caracterizam-se fundamentalmente por aspectos sócio-comunicativos e funcionais, além de apresentarem conteúdo temático, estilo e construção composicional com certas características relativamente estáveis, como explica Marcuschi (2002). Como explica Maingueneau (2001, p. 66-68), um gênero do discurso submete-se a certas condições de êxito, como: uma finalidade reconhecida pelo co-enunciador; o estatuto de parceiros legítimos – enunciador e co-enunciador(es); o lugar e o momento legítimos; uma organização textual típica. Essas três primeiras condições enquadram-se no que podemos chamar de características sócio-comunicativas dos gêneros (condições de produção e de circulação) e são reveladas com respostas a perguntas do tipo: Quem escreve (em geral) esse gênero discursivo? Com que propósito? Onde? Quando? Como? Com base em que informações? Como o redator obtém as informações? Qual é a temática desse gênero discursivo? Quem escreveu este texto que estou lendo? Quem lê esse gênero? Por que o faz? Onde o encontra? Que tipo de resposta pode dar ao texto? Que influência pode sofrer

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devido a essa leitura? Em que condições esse gênero pode ser produzido e pode circular na nossa sociedade?, como já comentado em Lopes-Rossi (2002). Esse nível de conhecimento sobre o gênero discursivo permite uma série de inferências, por parte do leitor, para a escolha vocabular, o uso de recursos lingüísticos e não-lingüísticos, a seleção de informações presentes no texto, a omissão de informações no texto, o tom e o estilo, entre outros.

Sant’Anna (1998) explica que a propaganda divulga crenças e idéias destinadas a influenciar as opiniões, os sentimentos e as atitudes do público receptor. Alguns subtipos de propaganda, de acordo com Pinho (1990), são: de produto, de serviços, de empresas de varejo, ideológica, política, eleitoral, governamental, institucional, social. O propósito comunicativo da propaganda de produtos é levar seu público-alvo ao consumo de um produto; e os recursos persuasivos (apelos) verbais e não-verbais procuram: 1) criar um desejo ou excitar um desejo já manifesto no consciente do leitor – que ele entende como uma necessidade –; 2) salientar a capacidade do objeto em satisfazer aquela necessidade – demonstrando que o sacrifício da compra vale a pena – e 3) levar o alvo à compra do produto. Esses apelos remetem o público-alvo, de maneira geral, a emoções, sensações, lembranças, desejos, idéias que correspondem a valores sociais e a seus ideais de felicidade, independentemente do produto anunciado.

A rigor, as necessidades humanas vitais são de ordem fisiológica; os desejos são de ordem psicológica. Os consumidores-alvos das propagandas divulgadas atualmente, no entanto, são sujeitos inseridos num contexto sócio-histórico-cultural-ideológico que já criou e reforça tantos desejos, de forma que já se tornaram “necessidades indispensáveis” à felicidade, como relaciona Sant’Anna (1998, p. 90): de progredir (ser alguém), ter o amor da família, ter boa aparência pessoal, apreciar boa mesa, conseguir aprovação social, participar de atividades esportivas, provocar atração sexual, ter beleza, viver com conforto, adquirir cultura, obter informação (atualização), ter dinheiro (lucros, poupança), desfrutar momentos de evasão psicológica (fuga da realidade, distração), conquistar afirmação pessoal, ter segurança (para o

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momento e para o futuro, manter a saúde (higiene, tratamento, prevenção), entre as principais.

Martins (2003) defende a tese de que a propaganda não cria necessidades, apenas procura atingir necessidades inerentes aos seres humanos. Para fundamentar sua argumentação, recorre a dois ramos do estudo da psicologia – a humanista e a social –, respectivamente nos trabalhos de Abraham Maslow e Gustave Le Bom. Maslow, como explica Martins (2003), defende a idéia de que as necessidades dos seres humanos estão numa hierarquia; o ser humano desenvolverá todos os esforços para evitar a dor e a fome, a solidão, o desprezo, o abandono, o esquecimento. Partindo da necessidade mais básica para a sobrevivência, à medida que o ser humano satisfaz uma necessidade, ele almeja satisfazer a próxima, na seguinte ordem:

• Fisiológicas: relacionadas à mecânica do corpo e essenciais à sobrevivência

• De segurança: relacionadas à proteção e abrigo, também necessários à sobrevivência

• De relacionamento: desejo de cada um de ser aceito pelo grupo de que participa e com o qual convive, dando maior sentido de importância a sua vida

• De estima: desejo de prestígio, reconhecimento social

• De auto-realização: busca de conhecimento, compreensão do mundo, desenvolvimento de uma escala própria de valores, apreciação da arte, realizações que possam ficar como legado para as próximas gerações.

É possível analisar uma propaganda partindo da percepção de que ela tenta seduzir seu público-alvo em uma das necessidades citadas – especialmente nas de relacionamento e de estima. A satisfação da necessidade de relacionamento é explorada pela propaganda que oferece produtos da moda ou modernos, que fazem com que a pessoa se sinta moderna, bonita, atualizada, parecida com as pessoas do grupo ao qual ela deseja participar. Esse tipo de propaganda, explícita ou implicitamente, diz coisas como: “Venha garantir seu lugar nesse grande sucesso!”; “Seja um dos

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primeiros a chegar!”; “Produto X, só a marca Y tem.”; dando a sensação ao leitor de que se ele não tiver aquele produto não fará parte do seleto grupo dos felizes proprietários daquele produto. A necessidade de relacionamento também é explorada na propaganda de produtos com os quais o consumidor fará um agrado ou um presente a outras pessoas (à família, ao namorado, ao amigo), dessa forma demonstrando carinho e recebendo carinho de volta, o que reforça os laços de relacionamento.

A necessidade de estima e prestígio social é ativada pela propaganda que sugere ao seu público-alvo que a posse do produto não apenas permitirá ao consumidor participar de um grupo seleto, mas também possibilitará ser admirado por esse grupo como alguém especial.

Le Bom, como explica Martins (2003), parte da idéia fundamental de que a todo ser vivo interessa procurar o prazer e evitar a dor (ambos em sentido amplo), e para isso cinco tipos de lógica são acionadas. O autor entende lógica como um conjunto de padrões que regem as várias manifestações do comportamento humano, do biológico ao psicológico, do individual ao social, assim relacionadas:

• Lógica biológica: Rege a vida. Envolve instintos e interfere diretamente nos nossos hábitos intelectuais e afetivos.

• Lógica afetiva: rege o inconsciente; controla nossa percepção de mundo; é a base de nossa moral política, religiosa e social. A propaganda apela para essa lógica quando oferece um produto que promete trazer satisfação, ou que vai permitir que, com ele, o consumidor demonstre afeto e receba afeto de volta.

• Lógica coletiva: Manifesta-se quando estamos envolvidos em grupos ou multidões; nosso comportamento muda, sentimo-nos mais fortes, protegidos, aceitos. Queremos participar de grupos sociais

• Lógica racional: Compreende vontade, atenção e reflexão

• Lógica mística: Relaciona-se a todo tipo de crença (entidades religiosas, mágicas, sorte, destino...) e superstição.

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É possível analisar uma propaganda partindo da percepção de que ela tenta seduzir seu público-alvo especialmente pelas lógicas afetiva, coletiva e mística. A lógica afetiva se parece muito com a necessidade de estima citada anteriormente; e a lógica coletiva, com a necessidade de relacionamento. A lógica mística, na propaganda, apela principalmente para a crença do consumidor na sua sorte, com sugestões do tipo: “Você pode ser mais um ganhador...”; “Mais de 10 mil prêmios esperando por você!”; “Compre e envie a embalagem, ou o código de barras para...”; “Concorra a milhares de prêmios!”; “A sorte está a seu lado!”.

Mas como exatamente a propaganda atinge os consumidores nessas necessidades ou por essas lógicas? Por meio de recursos (apelos de marketing) não-verbais (cores, fotos, imagens, elementos de diagramação e tudo o mais que a tecnologia permite agregar ao elemento impresso) e verbais (palavras, frases).

Perceber todos esses recursos e avaliá-los num contexto maior é requisito para uma leitura proficiente do gênero. Dada a complexidade desse processo, proponho quatro procedimentos de leitura que podem orientar o trabalho de leitura em sala de aula.

4 Primeiro procedimento de leitura: leitura global

As teorias mais modernas de leitura assumem a importância do conhecimento prévio e da contextualização da leitura numa determinada situação, cultura, momento histórico, campo ideológico, crença. Por isso, a leitura detalhada do texto pode ficar comprometida se o conhecimento prévio do leitor não estiver ativado. O que nos interessa evidenciar é que o conhecimento do gênero discursivo permite ao leitor uma visão mais ampla sobre o texto já numa leitura global e também o capacita a estabelecer objetivos de leitura pertinentes ao gênero, o que se constitui numa outra estratégia de leitura que deve ser explorada no procedimento seguinte à leitura global.

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Muitas vezes, a propaganda tem tão pouco texto que parece difícil separar a leitura global da leitura detalhada. Estamos considerando uma leitura global de propaganda impressa aquilo que um leitor proficiente desse gênero percebe num primeiro contato com o texto, por meio de uma leitura rápida. As perguntas a seguir podem orientar a leitura global de propagandas de produto e de serviços, em geral.

1. Que produto ou serviço está sendo oferecido (vendido)? 2. Qual é o público-alvo da propaganda?

3. Considerando a propaganda no todo, que palavras referentes a idéias, emoções, sensações, lembranças poderíamos associar a essa propaganda?

5 Segundo procedimento de leitura: estabelecimento de objetivos para a leitura detalhada

Pensando em gêneros discursivos, podemos afirmar que cada um, de acordo com seu propósito comunicativo, permite o estabelecimento de alguns objetivos de leitura que independem do assunto específico do texto porque um leitor proficiente de um gênero busca determinadas informações inerentes à atividade comunicativa que aquele gênero realiza. Se o propósito comunicativo da propaganda é levar o leitor – por causa de suas necessidades ou lógicas – a aceitar aquela oferta de produto por meio de recursos, de apelos de marketing, três objetivos de leitura detalhada se aplicam a todas as propagandas:

1. Leia atentamente a propaganda com o objetivo de verificar se há aspectos gráficos – cores, formas, aspecto gráfico das letras, imagens ou qualquer outro recurso – usados como apelo para sensibilizar o público-alvo em relação às necessidades que a propaganda se propõe a satisfazer.

2. Leia o texto verbal com o objetivo de verificar se ele também está sendo usado como recurso (apelo) para sensibilizar o público-alvo em relação às necessidades que a propaganda se propõe a satisfazer.

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3. Que necessidade de seu público-alvo ou lógica essa propaganda se propõe a satisfazer?

6 Terceiro procedimento de leitura: leitura detalhada a partir dos objetivos estabelecidos

Estabelecidos os objetivos citados na seção anterior, o leitor deve passar à leitura detalhada do texto, buscando as respostas às perguntas dos objetivos. No caso da propaganda impressa, tão rica em elementos não-verbais e organizada de maneira muito diferente de um texto tradicional de vários parágrafos, é importante orientar o leitor para a observação de alguns elementos constitutivos da propaganda.

Entre os inúmeros elementos não-verbais que podem compor uma propaganda impressa, pode-se sugerir ao leitor que fique atento aos seguintes elementos, bastante usados:

• Cores. Se bem usadas, “formam uma atmosfera agradável e apropriada ao espírito da mensagem ou ao próprio produto, pois [...] elas têm o poder de evocar sentimentos e sensações”, de acordo com Sant’Anna (1998, p. 181-182). “O vermelho é quente e impulsivo; traduz paixão e entusiasmo ou simboliza guerra ou perigo. O verde dá sensação de frescor e água corrente e simboliza esperança. O azul é frio e calmante; dá a impressão de céu e espaço aberto. O amarelo e o laranja sugerem luminosidade e alegria.” Esses são apenas alguns exemplos de como culturalmente associamos cores a idéias e estados de espírito.

• Tipos de letras. Tamanhos diferentes indicam a importância da informação da perspectiva do anunciante; fontes diferentes do padrão de imprensa são usadas para evocar sentimentos e sensações de acordo como a atmosfera que o anúncio quer criar: letras “gordas”, “magras”, “clássicas”, “medievais”, “infantis”, “descontraídas”...

• Disposição das informações na página. O texto verbal que se pretende que cause maior impacto é colocado na metade superior da

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página; sendo nesta, a parte esquerda provavelmente a primeira a ser lida.

• Fotos e ilustrações. Reforçam os sentimentos e sensações pretendidos pelo anúncio. Remetem a valores e desejos do público-alvo. • Recortes, apliques, formas do contorno do papel, dobras, perfumes, sons. A tecnologia atual permite inúmeros recursos que reforçam os sentimentos e sensações pretendidos pelo anúncio. Remetem a valores e desejos do público-alvo. Quanto mais a propaganda destina-se a um público de melhor poder aquisitivo e o produto concorre com outros no mercado, mais verba é investida nesses recursos.

Também inúmeros são os recursos verbais que podem compor o texto de uma propaganda impressa, dentre eles:

• Texto racional. De acordo com Sant’Anna (1998, p. 162), dirige-se à inteligência; age pela persuasão, pela lógica dos fatos. Informa, descreve o produto, enumera as vantagens, justifica as razões por que deve ser comprado. Pode ser associado ao texto emotivo.

Texto emotivo. De acordo com Sant’Anna (1998, p. 162), dirige-se ao afetivo, emocional. Atua principalmente por sugestão. Fala a linguagem dos sentimentos, das emoções. Em vez de falar objetivamente da mercadoria, salienta seus efeitos. Pode ser associado ao texto racional.

Marcadores de pressuposição. De acordo com Ilari e Geraldi (1995) e Koch (1984), deixam implícita uma condição de verdade associada ao texto explícito. Muitos são os marcadores pressuposição, mas alguns são bem comuns: até, só, nem, agora, ainda, desta vez, novo, também, seu, antes que, depois que, é que, apesar de; verbos como ajudar, continuar, permanecer, reduzir, diminuir, aumenta, perde, manter; verbos no imperativo, que pressupõem que quem dá a ordem tem condições de fazê-lo por autoridade e conhecimento e quem recebe a ordem tem obrigação ou necessidade de cumpri-la.

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• Jogos de palavras, rimas, metáforas, recursos de linguagem que chamam atenção do leitor.

7 Quarto procedimento de leitura: posicionamento crítico

A etapa final da leitura proficiente de uma propaganda impressa é sua avaliação a partir de critérios apropriados à apreciação do gênero.

Tendo um pouco mais de conhecimento sobre o universo da propaganda de produto e de seus elementos composicionais, duas perguntas orientaram essa avaliação, embora não esgotem todas as possibilidades de comentários:

1. Você acha que os aspectos lingüísticos e gráficos utilizados podem seduzir o público-alvo?

2. Considerando aspectos éticos, você acha que essa é uma boa propaganda?

Observa-se que uma propaganda pode ser muito bem produzida, mas ser eticamente reprovável por, por exemplo: explorar a figura da mulher como apelo sexual sem que isso tenha uma relação estrita com o produto; reforçar estereótipos racistas; reforçar estereótipos de beleza como adolescentes magras, altas, brancas, bonitas de acordo com o padrão europeu, de cabelos longos e lisos; usar apelo muito sensual para um público adolescente, estimular a inveja, entre outras posibilidades.

8 Considerações finais

A adoção desses procedimentos de leitura, sistematicamente ao longo de um projeto de leitura, contribui significativamente para: 1) a ampliação do conhecimento de mundo dos alunos sobre as condições de produção e de circulação da propaganda; 2) a percepção dos recursos de linguagem verbal e não-verbal mais comuns nas propagandas de produto; 3) o aumento da percepção do aluno de que, no uso social da língua, os significados que se podem construir para uma propaganda impressa são decorrentes de uma

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complexa inter-relação entre o conhecimento prévio do leitor a respeito de assuntos gerais e o conhecimento específico desse gênero discursivo, considerado como um fenômeno sócio-histórico, composto por texto verbal (não obrigatoriamente) e texto não-verbal; 4) a adoção pelo leitor de uma postura mais crítica em relação às maravilhas que a propaganda sugere a ele em termos de satisfação de suas necessidades psicológicas simplesmente pela aquisição de um produto que, daqui a alguns meses, já terá sido substituído por um mais moderno, na próxima campanha publicitária da marca.

Referências

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