• Nenhum resultado encontrado

Estatização, cooperativas e propriedade privada

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Estatização, cooperativas e propriedade privada"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

Estatização, cooperativas e propriedade privada

- O problema da propriedade dos meios de produção e o capitalismo - A estatização e a propriedade privada dos meios de produção

- A questão da ocupação de fábrica, o controle operário e a propriedade privada - Quando se ocupam fábricas?

1. Introdução

2. A propriedade privada dos meios de produção como base e condição de existência do capitalismo

3. Propriedade privada e classes sociais no capitalismo

4. A questão da propriedade privada e as empresas administradas por trabalhadores

5. Tendência ao deslocamento da propriedade privada dos meios de produção como centro do problema

6. Estatização como contra-tendência 1. Introdução

O eixo central deste seminário é a discussão entre estatização (ou propriedade estatal) e a propriedade privada, dentro do debate de caminhos e reivindicações a serem seguidos pelos trabalhadores que assumem empresas privadas no capitalismo.

Para a discussão efetiva sobre esta questão, desde uma perspectiva marxista consideramos necessário colocar dois pressupostos com os quais trabalhamos: primeiro, que a bandeira ou estratégia da estatização não deve ser entendida como parte de um dogma ou doutrina, mas que está relacionada com o contexto histórico atual e com uma análise dialética da história da luta de classes; segundo, que devem ser levadas em consideração para a discussão, responder as perguntas que os críticos desta bandeira colocam como justificativa para recusá-la.

Assim, é necessário considerar que estaremos discutindo dentro do que poderíamos chamar de marxismo ortodoxo – que não significa um “marxismo dogmático” – pelo contrário, mas que se apóia no marxismo anterior a seu revisionismo (que identificamos em quase todas as vertentes que se reivindicam marxistas do século passado, partidárias e acadêmicas).

Mas não estamos falando do “marxismo ortodoxo” derivado da doutrina do “socialismo num só país” e do Estalinismo. Críticos do Estalinismo que o identificaram como o “socialismo realmente existente”, ou possível, em parte o consideram como derivado de um “marxismo ortodoxo”, quando na verdade significou a deturpação do marxismo e abandono da tentativa de transitar ao socialismo.

Para estes críticos que, no jargão popular “jogaram a banheira com o bebê dentro”, discutir a questão da estatização dos meios de produção não faz mais sentido, já que acreditam que este foi um dos problemas do fracasso da Rússia soviética. Chegam a identificar qualquer “estatismo” ao Estalinismo, e não compreendem que embora a propriedade estatal dos meios de produção não se confunda com o socialismo, tampouco poderíamos chegar a ele sem ela, e muito menos poderíamos o identificar com a propriedade privada destes meios, condição por excelência do seu oposto, o capitalismo.

Dito isto, vale pensar agora, quais as principais objeções a bandeira da estatização atualmente: 1) A estatização das fábricas é contra a autonomia dos trabalhadores porque o Estado é burguês. 2) A estatização, mesmo nos países comunistas, sobretudo na União Soviética, fracassou. 3) Estatização é sinônimo de centralização e autoritarismo.

Posto isto, nosso objetivo será responder a estas questões desde nosso ponto de reflexão mais amplo através da discussão a propriedade privada dos meios de produção a partir de vários seus vários matizes: como base da exploração capitalista, base da oposição de classes do sistema, questão a ser enfrentada pelos trabalhadores que assumem empresas, seu deslocamento do centro do problema capitalista e a estatização como forma alternativa e crítica na atualidade.

(2)

2. A propriedade privada dos meios de produção como base e condição de existência do capitalismo

Aqui, nosso objetivo é responder a pergunta: O que é a propriedade privada dos meios de produção? Com o desenvolvimento do capitalismo, os meios de produção (ferramentas, máquinas, fábricas, terras, etc.) são concentrados enquanto propriedade privada nas mãos de uma única classe – a classe burguesa ou classe capitalista. Pela primeira vez na história, os trabalhadores se viram separados dos meios de produção e de trabalho. Ao mesmo tempo, serão obrigados a vender sua força de trabalho em troca de salário para comprar o necessário a sua sobrevivência e de suas famílias.

Sua força de trabalho irá colocar em ação os meios de produção dos capitalistas, cujo objetivo é o de produzir mercadorias e vendê-las para obter dinheiro que será acumulado mais e mais em forma de riqueza, ou capital.

O segredo do capitalista, é que ele comprará a força de trabalho operária para trabalhar por determinada jornada diária (por exemplo, 8 horas), e neste tempo o trabalhador produzirá mais valor em termos de mercadorias que o valor que o capitalista vai lhe pagar pelas 8 horas. De modo que é deste tempo de trabalho não pago (ou roubado, relativo à chamada “mais-valia”) que o capitalista vai ter o seu lucro, mesmo descontados os demais gastos que ele tem com a produção: pagamento dos salários, lucro dos comerciantes e dos bancos, arrendamento de terras ou prédios, etc.

Este sistema de exploração do trabalho é baseado, portanto, na propriedade privada dos meios de produção que com o desenvolvimento das forças produtivas (ciência, técnicas, tecnologia, crescimento da classe operária) e da concentração do capital nas mãos dos monopólios (grandes grupos capitalistas de diversos tipos – da indústria, dos bancos, etc.), se tornarão como hoje, em grandes meios de produção de propriedade privada dos grandes capitalistas. A exploração e o sistema capitalista não somente se baseia como depende da propriedade privada dos meios de produção para ter continuidade. Sem isto, todo o sistema se desintegra. Mas isto não ocorre porque os capitalistas contam com a guarda do Estado capitalista e as leis burguesas, cujo princípio mais supremo é o da defesa do direito a propriedade privada.

Assim, os trabalhadores têm como seus patrões e exploradores grandes grupos de capitalistas que concentram em suas mãos os meios de produção e colaboram entre si e com o Estado, para melhor explorar os trabalhadores. Isto não significa que não existam capitalistas de menor tamanho. Grandes ou pequenos todos dependem da propriedade privada dos meios de produção para utilizá-las como forma de extrair valor do trabalho alheio.

3. Propriedade privada e classes sociais no capitalismo

Aqui a pergunta central é: o que significa a propriedade privada dos meios de produção nas mãos dos trabalhadores no capitalismo?

Assumimos a categoria de classe social como estruturante da sociedade capitalista, não como categoria de estratificação econômica, mas no sentido clássico marxista que delimita esta categoria numa dupla determinação que em nossa interpretação pode ser esquematizada da seguinte maneira: 1) a determinação objetiva: da posição dos indivíduos em relação ao modo de produção econômico, ou seja, se estes são proprietários dos meios de produção (capital e terra) ou não, ou seja, a classe trabalhadora (formada por proprietários somente de sua força de trabalho); e

2) a determinação subjetiva: que depende de como as classes se relacionam com as outras classes em função de seus interesses e como se organizam ou se associam para impor tais interesses frente às demais classes antagônicas. Na verdade, em Marx, a dimensão objetiva ou econômica já determina a existência das classes, mas é somente na perspectiva de luta entre elas que as massas exploradas se colocam como classe “per se” ou “para si”, segundo seus “interesses de classe”, de um ponto de vista político ou subjetivo 1.

1 Marx em A miséria da filosofia escreve: “[...] Em primeiro lugar, as condições econômicas transformaram a massa do povo em trabalhadores. A dominação do capital criou a situação comum e os interesses comuns de classe; com isso, a massa já é uma classe em relação ao capital, mas ainda não é uma classe para si mesma. Na luta, da qual indicamos somente umas poucas passagens, essa massa se une e se enquadra numa classe per se. Os

(3)

É sabido que Marx também considerava concretamente a existência de outras classes sociais intermediárias ou médias, no sentido de sua posição entre a classe trabalhadora e as classes proprietárias. Assim, haveria, por exemplo, a classe dos “pequenos proprietários”, sobretudo no campo, mas também na cidade. No entanto, o autor afirma que é sobre as relações entre capitalistas e trabalhadores assalariados que repousa o sistema de produção capitalista.

(...) O capitalista e o trabalhador assalariado são os únicos agentes e fatores da produção cujas relações e cujo antagonismo emanam da própria essência do regime de produção capitalista. (MARX, 1944, p. 233).

Ao mesmo tempo o autor concede à classe dos trabalhadores assalariados (ou proletários) toda a centralidade em relação ao processo histórico de superação do modo de produção capitalista, inclusive considerando os setores que se colocam na posição das “classes médias” como reacionárias neste processo, na medida em que seus interesses presentes reafirmariam a manutenção do sistema 2. Marx, em vários de seus textos também considerava que as diferentes classes têm divisões internas, ou seja, frações de classe. Esta questão é importante porque no caso da classe burguesa, é uma forma de compreender o principal interesse comum – o do direito de propriedade privada – que esta classe, mesmo apesar de algumas diferenças entre suas frações - algumas mais reacionárias e outras mais progressistas – todas elas estarão unidas quando se tratar da defesa da propriedade privada. Isto nos permite compreender porque os capitalistas e seus governos sempre combateram os “comunistas”, que para eles são aqueles que representam o maior perigo a propriedade privada. Por outro lado, não vemos um combate semelhante aos cooperativistas, autogestionários, etc., pelo contrário.

Este breve preâmbulo se deve a constatação de que os coletivos de trabalhadores que passam a administrar ou se apropriam de empresas em lugar dos proprietários no quadro capitalista traz um primeiro problema político que diz respeito a como classificar os envolvidos desde o ponto de vista de sua origem e situação de classe nos diferentes momentos da experiência.

Eles são trabalhadores, pequenos proprietários/empresários ou assumem ambos os papéis ao mesmo tempo? Sendo também trabalhadores, como podemos classificar sua situação peculiar: seriam trabalhadores assalariados, autogestionados, ou de que tipo? Se além de administrarem as empresas são também proprietários delas, como podemos considerá-los: trabalhadores ou pequenos capitalistas?

Paul Singer (2005, p.83), de seu ponto de vista descreve as empresas de “economia solidária” como é o caso das cooperativas de autogestão como empresas onde “[...] capital e trabalho estão fundidos

porque todos os que trabalham são proprietários da empresa”.

Mas, mesmo na fábrica “normal”, “capitalista”, é possível dizer que, em certo sentido esquemático, capital e trabalho estão reunidos, mas neste caso, em personificações diferentes, as quais representam classes sociais diferentes: o empregado assalariado e o empresário capitalista; sendo este último o proprietário. Mas para as cooperativas de autogestão e outras formas onde os trabalhadores adquirem os meios de produção de uma unidade produtiva, a questão que se coloca é a seguinte: ambas as categorias, e, portanto, duas condições e duas referências de classe diferentes e antagônicas, convivem nos mesmos indivíduos.

Do ponto de vista concreto podemos considerar que os trabalhadores que passam a proprietários dos meios de produção, ainda que em pequena escala - de acordo com a acepção marxista já referida -, de fato já estariam na condição de “classe média” ou “pequeno burguesa”, podendo inclusive ascender à condição de capitalistas de fato. Ao falar da origem do capitalista industrial, Marx nos lembra que:

(...) Não há dúvida de que vários chefes de corporação, muitos artesãos independentes e até operários assalariados, tenham conseguido ser, no princípio, capitalistas incipientes, e, pouco a pouco, em virtude de uma

interesses que ela defende passam a ser interesses de classe. Mas a luta entre classes é uma luta política.” In: CASTRO, A. M. e DIAS, E. F. Sociologia: Introdução ao pensamento sociológico. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Eldorado, 1975, p. 187.

2 “[...] As classes médias – o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês -, todos combatem a burguesia para preservar do desaparecimento sua existência como classes médias. Portanto, não são revolucionárias, mas conservadoras. Mais ainda, são reacionárias, pois procuram girar a contrapelo a roda da História. Quando são revolucionárias, o são a luz da perspectiva iminente de sua passagem para o proletariado. Defendem não mais seus interesses presentes, mas seus interesses futuros; abandonam seu próprio ponto de vista para assumir o do proletariado.” In: MARX, K. ; ENGELS, F. o manifesto do partido comunista. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2001, p. 41-42.

(4)

exploração cada vez mais intensa do trabalho assalariado, seguida de uma acumulação correspondente, tenham saído por fim da sua casca [como] capitalistas completos. (MARX, 2000, p.77).

E embora o autor se refira a gênese do capitalismo, mesmo atualmente este processo - onde um trabalhador assalariado que se torna empregador de outros assalariados e em tempo se transforma num empresário bem sucedido -, ainda é verificável apesar de marginal. Assim, não está descartado que um trabalhador ou um conjunto deles possa passar a situação de pequenos empregadores ou de pequenos proprietários e até mesmo desta para a condição de capitalistas maiores.

Apesar desta possibilidade de mudança de posição de classe para os trabalhadores, ao mesmo tempo, do ponto de vista subjetivo e em relação às referências de classe, Marx não descarta que as “classes médias” ou a “pequeno-burguesia” possa também se posicionar desde um ponto de vista da classe trabalhadora. Caso contrário, Marx considera que ao defender seus interesses próprios, reforçam o

status quo capitalista 3. É exatamente este o problema que se coloca para os trabalhadores que passam a pequenos proprietários dos meios de produção, ou seja, o risco de contribuírem para reforçar o capitalismo.

4. A questão da propriedade privada e as empresas administradas por trabalhadores

Partindo da discussão teórica que fizemos acima, agora buscaremos refletir sobre a situação concreta e nosso objetivo é buscar responder a pergunta: Porque não é uma questão secundária a propriedade privada nas cooperativas e nas empresas de autogestão?

Sobre isto, Préobrajensky, marxista russo, traz uma importante reflexão donde partimos:

(...) a cooperação da produção constitui pequenas ilhas de propriedade, não social, mas coletiva, dos instrumentos de produção, ilhas que estão sujeitas na esfera da produção às leis fundamentais da economia capitalista e que apenas nessa medida existem no oceano das relações capitalistas.”(MARX, et all, 1979, p.50).

Antes de aprofundar a discussão, vamos apresentar o que entendemos por autogestão, cooperativismo e sua relação de oposição com o controle operário e a estatização.

Quanto à autogestão, não se trata de oposição em relação ao significado mais simples da palavra e quando relacionado aos trabalhadores. Porque nestes termos, a autogestão significa “gestão dos trabalhadores e sem os patrões proprietários capitalistas”. Com este significado poderíamos dizer que “autogestão” se confunde com “controle operário”, limitando-se a gestão, controle ou posse (que é utilização efetiva para a produção, e diferente de propriedade) dos meios de produção. Isto por si só já é um ato que coloca os trabalhadores em posição de combate desde um ponto de vista de classe. E neste caso, o “controle-operário” não se limita aos meios de produção de propriedade privada, mas é também ferramenta de luta sobre os meios de produção estatais ou mistos (público-privados).

Por isso, muitos entendem a ocupação da Flaskô como uma experiência de “autogestão”. No entanto, sabemos que a idéia de autogestão dos trabalhadores atual no Brasil, América Latina e no mundo, não é a mesma de controle, posse ou gestão, embora haja muitas confusões.

Muitos utilizam “controle operário” como sinônimo de “autogestão” sem saber ou entender as diferenças significativas com a noção predominante de “autogestão”, e que já há alguns anos vem sendo fomentada por governos e sindicatos, e aplicada por cooperativas e associações.

Nestes casos, a “autogestão” é, pelo contrário, justamente a reivindicação do “direito a propriedade privada” para os trabalhadores. Mas é preciso dizer que a idéia, ao menos no Brasil das últimas décadas, não nasceu da cabeça dos trabalhadores. Porque surge quando o que os trabalhadores reivindicavam era o direito ao emprego com direitos, quando as empresas fechavam em meio a condições de alto desemprego. E foi desta necessidade que muitos assumiram as empresas.

Quanto ao cooperativismo, não há muito que acrescentar nesta comparação, pois ele será retomado como a forma jurídica sobre a qual se assenta a idéia de autogestão, que a partir de agora, vamos sempre tratar como esta idéia de “direito a propriedade privada para os trabalhadores”.

Assim, autogestão é direito dos trabalhadores de “gerir o que é seu”. No caso de uma fábrica ou empresa, não há, portanto, nenhuma diferença em relação à gestão dos patrões. Porque eles também têm, e desejam continuar tendo, o direito de “gerir o que é seu”.

3 Retomo a nota 2.

(5)

O principal princípio que os autogestionários atuais reivindicam é o da democracia. Isto significa duas coisas: que dentro de uma empresa autogestionada, os que são proprietários decidem o que deve ser feito em relação a tudo. Aí também não há nenhuma diferença com as empresas dos capitalistas. Mas também os acompanha o princípio da democracia da propriedade privada, ou seja, não só os capitalistas, mas os trabalhadores, devem ter o direito de ter propriedade privada de meios de produção. Mas aonde isto leva os trabalhadores? Justamente a contribuir para a reposição das relações capitalistas, mesmo que de forma inconsciente e sem intenção. E muitas vezes acreditando que estão contribuindo para o contrário.

Aqui é necessário esclarecer mais uma vez que, a propriedade privada individual dos meios de produção não tem nenhuma diferença importante para os trabalhadores em relação à propriedade privada coletiva destes meios.

E sobre a propriedade privada coletiva dos meios de produção, para os capitalistas, também não faz a menor diferença que ela seja dos capitalistas de sempre, ou de ex-trabalhadores de uma empresa capitalista. Por quê?

Porque a partir desta condição, de proprietários, eles já não são mais exatamente trabalhadores, mas patrões de si mesmos e de outros assalariados. E controlados pelo mercado, os clientes, fornecedores, etc. Na melhor das hipóteses o patrão está fora da fábrica, mas na pior, está dentro, com a conversão de parte dos sócios, com ajuda das famosas assessorias, a patrões dos demais. Suas agendas políticas não serão mais a dos sindicatos de trabalhadores da categoria, mas a dos sindicatos das empresas do ramo ou setor econômico, infelizmente.

Sobre isto, é importante enfatizar que, os defensores da autogestão não só têm em geral uma perspectiva que minimiza os problemas decorrentes da propriedade privada como também trataram de deturpar os termos da discussão, para encontrar uma forma palatável de sua proposta à esquerda. Então eles dizem: “a propriedade coletiva dos trabalhadores nas cooperativas está em oposição à propriedade privada dos capitalistas”.

Parece brincadeira, porque as Sociedades Anônimas ou por Ações são a forma de propriedade privada coletiva das maiores multinacionais e monopólios capitalistas do mundo. Todas elas são de propriedade coletiva também. Suprime-se o termo “privada” e se o substitui por “coletiva”.

Assim, a “propriedade coletiva” das cooperativas, segundo eles, é muito melhor aos trabalhadores que a “propriedade individual”. Isso quando os trabalhadores só queriam, e com razão, manter seus empregos e direitos. E é esta disposição que foi utilizada ma maioria dos casos para conduzir um setor do movimento operário para a situação de responsáveis por si mesmos e “suas empresas”, numa situação onde o capitalismo leva a bancarrota até mesmo grandes empresários, que dirá dos pequenos. Ou seja, uma armadilha. De outro lado, esta disposição foi e poderia ser muito mais canalizada para a via do controle operário, onde os trabalhadores não se entregam, pelo contrário, se impõem.

Sobre isso, para não falar mais uma vez de Paul Singer, que é o criador no Brasil desta deturpação, citamos Marilena Chauí, famosa professora de Filosofia da USP, fundadora do PT e apoiadora dos governos do PT, em entrevista recente à revista Caros Amigos (CHAUÍ, 2010, p.13-14), em que ela defende que,

(...) a economia solidária, isto é, a constituição da economia através das cooperativas, e, portanto, da recusa da

propriedade privada do meio social de produção. (...) o trabalho do Paul Singer, através do sistema de cooperativas, e, portanto, da propriedade coletiva dos meios sociais de produção.

Portanto, ela acha que a propriedade privada coletiva dos meios de produção pelos cooperados é a “recusa da propriedade privada” dos mesmos. Uma grande contradição. E mesmo que em muitos casos as empresas que tenham passado a propriedade coletiva destas cooperativas fossem antes propriedade privada de um único patrão capitalista, não há nenhuma diferença, oposição ou recusa. Marx já explicara como foi uma forma de avanço do capitalismo a substituição da propriedade privada individual para a propriedade privada coletiva ou associada, dos capitalistas, pelas Associações Anônimas e por ações como já tratamos.

(6)

Em muitas destas experiências de “autogestão” em cooperativas os trabalhadores demonstram que o problema não se resolve somente com a “propriedade coletiva”. Pois muitos deles não se interessam em se dedicar mais do que o necessário para receber sua “retirada” ou “salário” ao final do mês. Seu interesse está na renda que necessita para sobrevivência e isto não pode ser criticado. Muitos, a maioria em geral, não se envolve com “as discussões da cooperativa”.

Os estudiosos destas experiências não se conformam com tamanha “traição” a suas expectativas. Alguns, como Lia Tiriba da UFF (Universidade Federal Fluminense de Niterói – ver referências), chegam a dizer sem nenhuma cerimônia, que os trabalhadores que passam a se autogestionar, entendem a situação como uma forma de ampliar sua possibilidade de ócio, fazendo “corpo mole” nas cooperativas. Mas ela menosprezou um dos aspectos jurídicos das cooperativas. Não há regulamentação de jornada de trabalho.

E muitos estudos mostram que há abuso neste aspecto. Portanto, o “corpo mole” e o desinteresse dos cooperados têm a ver com as condições de trabalho, jornadas sem regulamentação, salário que depende do desempenho da empresa, direitos inexistentes, etc. Ou seja, uma forma precária de trabalho.

Assim, estamos diante de um desafio, que é, através deste debate, desemaranhar as confusões e obstáculos que aqueles que já desistiram da revolução e apostam em reformas, colocaram para os que desejam lutar, mas pelo caminho que de fato leva a revolução, e não pelos que nos desencaminham. 5. Tendência ao deslocamento da propriedade privada dos meios de produção como centro do problema

Já há algum tempo, na maior parte dos setores de esquerda, partidária e acadêmica, justamente a partir da idéia de que o marxismo deveria, por diversos motivos, ser revisado, utilizaram este pretexto para deslocar os elementos centrais da crítica que o marxismo ortodoxo faz ao sistema capitalista. Foi assim que a propriedade privada dos meios de produção foi deslocada do centro do problema na análise que se pretende crítica do capitalismo. Outros aspectos tomaram seu lugar, como por exemplo, o problema da divisão manual e intelectual do trabalho e o autoritarismo despótico nestas relações no processo de trabalho.

Algo que Marx não ignorava, mas que é somente uma das conseqüências da propriedade privada dos meios de produção e não o contrário. É desta inversão entre causas e conseqüências que o problema da superação do capitalismo ou da transição ao socialismo para os autogestionários e libertários, se torna um problema de “relações democráticas de produção”, não importando sobre que base se assentem. Ou seja, algo que pode ser desenvolvido já, no próprio capitalismo.

E é preciso dizer que, de fato podem, mas justamente porque não significam nenhuma ameaça as bases do sistema, já que não só podem, como pretendem, reiterar a propriedade privada dos meios de produção, de forma coletiva, entre os trabalhadores. O que só faz com que a roda da história gire mais um pouco para trás.

Uma proposta que se adapta tranquilamente às atuais propostas de organização da produção de viés toyotista, participativa, flexíveis, ou mesmo totalmente liberadas como nos casos das empresas Facebook, Google, etc.

É a democracia reformista da “Terceira via” – ou seja, nem socialismo, nem capitalismo selvagem ou autoritário, mas sim um capitalismo liberal, com a participação dos trabalhadores. Mas não vemos diferenças entre estas propostas e a do chamado “socialismo autogestionário” das cooperativas atuais.

6. Estatização como contra-tendência

Nossa tarefa é apresentar o que significa a reivindicação de estatização de uma fábrica que já está sob controle, gestão ou posse dos trabalhadores como o caso da Flaskô. A primeira coisa que se deve dizer é que esta proposta é mais simples do que parece. A propriedade estatal neste caso, em primeiro lugar significa pura e simplesmente uma forma, e no capitalismo, a única, de que ela não seja privada.

(7)

Neste caso, estatização é exatamente a única possibilidade que se coloca se entendemos que os trabalhadores não devem se jogar no caminho de ilusões da propriedade privada dos meios de produção, que somente servirá para confundir suas referências e ações de classe trabalhadora. Além de desmoralizá-los, assim que a próxima crise levar a “sua empresa” a falência.

Para o debate sobre a estatização, não significa negligenciar as contradições da propriedade estatal dos meios de produção, sabendo que ela estará subordinada a uma estrutura estatal que é burguesa em suas influências, interesses e ações.

O “estado burguês’ é o maior argumento dos autogestionários que criticam o “controle operário” e a bandeira da estatização das fábricas, como um impedimento a “autonomia dos trabalhadores’.

Mas eles se esquecem de algo que nós, marxistas, não podemos nos esquecer: que o ideal de “autonomia” dos trabalhadores somente poderá começar a ser realizado, como explica Marx no Manifesto Comunista, quando em primeiro lugar a classe operária se tornar a classe dominante, através do poder de Estado e a partir daí, passos sejam dados no sentido de transição para uma sociedade sem classes e sem propriedade privada. Sem esta perspectiva, somente resta aos autogestionários à suposta “autonomia de mercado”, e portanto, capitalista.

Mas o caminho da estatização, com lucidez, permite evitar o caminho errôneo de transformar trabalhadores em proprietários, e, portanto, capitalistas, completamente separados de sua história e de sua classe. O que na verdade é uma violência ideológica, um assédio moral e uma manipulação de setores operários que poderiam estar na dianteira da resistência operária, é o que se faz.

Trasnsforma-se trabalhadores dispostos a lutar por seus empregos e direitos, muitas vezes experimentando a primeira prova de fogo em relação a suas direções sindicais acomodadas, e, portanto numa situação de se tornarem referência para sua classe, em novos capitalistas, defensores da sua propriedade privada coletiva. É evidente, após esta abordagem, que não é por acaso.

Por melhores intenções que os autogestionários tenham em relação aos trabalhadores, nos parece que se preocupam com pequenos grupos, esquecem dos interesses históricos e ideológicos de classe e por fim, querendo ou não, servem aos governos reformistas e capitalistas. Servem, portanto, para, ao contrário do que pensam, fazer regredir a consciência, integração, resistência e combate de classe dos trabalhadores.

Assim, que a gestão, posse e controle estejam nas mãos dos que trabalham de fato. Mas que a propriedade, que no capitalismo é um fardo, e uma responsabilidade indesejada para os trabalhadores, seja do Estado. Um fardo, claro, se entendida como uma instituição que determina comportamentos econômicos e que leva aos trabalhadores a se comportar como capitalistas e se consideramos que os trabalhadores só podem superar o capitalismo mantendo-se no terreno de classe trabalhadora. De fato, isto significa que a situação de assalariados se mantém, mas não há outro caminho para lutar contra isto, que não estar justamente nesta situação. É preciso entender que de nada vale a classe trabalhadora assalariada que alguns pequenos grupos deixem de ser assalariados, para dela se distanciar, porque somente juntos podem superar uma situação comum de exploração.

E não é contraditório que esta perspectiva seja obrigada a se desenvolver numa situação de dificuldades para mobilização dos trabalhadores, pelo contrário, pode significar uma alavanca de mobilizações e pode ainda contribuir, caso a estatização seja concretizada, com as tarefas da transição do capitalismo a uma sociedade socialista/comunista. Sobre isto, Marx, no Manifesto Comunista (2001, p. 59), diz:

(...) Vimos anteriormente que o primeiro passo da revolução operária será a ascensão do proletariado à classe dominante e à luta pela democracia. O proletariado utilizará seu poder político para arrancar pouco a pouco o

capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do

proletariado organizado como classe dominante, e para aumentar, o mais rapidamente possível, o contingente das forças produtivas. Naturalmente isso só pode acontecer, de início, mediante intervenções despóticas no direito de

propriedade e nas relações de produção burguesas.

Seria uma abordagem mecanicista acreditar que esta perspectiva já não poderia, e mesmo deveria ser desenvolvida antes mesmo do primeiro passo dos trabalhadores no sentido da tomada do poder político. Assim, em resumo, a bandeira da estatização dos meios de produção privados “sob controle

(8)

operário” no capitalismo, é uma forma de evitar diversas contradições e de permitir avançar na solução de outras contradições que estão diante da classe trabalhadora em sua luta por emancipação do jugo capitalista e da propriedade privada.

Acrescentamos, por fim, que a reivindicação de estatização das fábricas e empresas sob controle operário, não é o meio, nem o fim último da luta que os trabalhadores devem travar. O meio imediato de luta é o do controle operário dos meios de produção, através de comissões de fábrica eleitas pelos próprios trabalhadores. A reivindicação da estatização é também um meio para dar seqüência ao processo de luta, num caminho que ao mesmo tempo recusa as contradições da propriedade privada dos meios de produção pelos trabalhadores, e também permite a eles manterem-se organizados em comissões operárias eleitas que reivindicam para si o controle, gestão ou posse dos meios de produção estatizados, ao mesmo tempo em que seguem na luta de classes contra os capitalistas e seu Estado.

Referências

CHAUÍ, M. Sem comunicação não há democracia. São Paulo: Caros Amigos, n. 165, p. 12-16, 2010. MARX, K. História critica de la teoria de la plusvalia. México: Fondo de Cultura Econômica, 1944. ________. A origem do capital. São Paulo: Centauro, 2000.

MARX, K. ; Engels, F. O manifesto do partido comunista. Porto Alegre: LM & Pocket, 2001.

MARX, K.; LENIN, V.I.; LUXEMBURGO, R.; TSÉ-TUNG, M. ; PREOBRAJENSKY, I. Cooperativismo e socialismo. Coimbra: Centella, 1979.

SINGER, P. A recente ressurreição da economia solidária no Brasil. In: SANTOS, B. S. Produzir para Viver: os caminhos da produção não capitalista. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, pp. 83 - 129.

TIRIBA, L. Autogestão, disciplina no trabalho, e o “direito a preguiça”. Consulte em:

Referências

Documentos relacionados

• Empresas entraram na justiça pedindo para retirar o ICMS da base de cálculo das contribuições para PIS e COFINS. • O STF, depois de mais de uma década de discussão, finalmente

Posteriormente a CSPPG entendeu que, se um docente da UFG solicitar a realização de um estágio-sanduiche no Brasil ou no Exterior, esse novo tempo de

se deve em grande parte ao surgimento de um modelo familiar que se alinha ao modo de produção capitalista, baseado, principalmente na ideia de propriedade privada. Essa

1 Botão 1 Fecha a válvula de entrada para acumular pressão negativa no recipiente do filtro grosso 2 Botão 2 Abre a válvula de limpeza para limpar o filtro grosso... Coloque os

A reportagem do Jornal Folha do Progresso entrou em contato com a Fratello em Novo Progresso, os responsáveis pela empresa que são os mesmos da ex Três Irmãos alegam serem impedidos

É do diálogo entre MEC, órgão indutor de políticas educacionais, com os demais entes federados que se constroem os Planos Educacionais (Nacionais, Estaduais e

Estou ciente de que após a assinatura do termo de acordo a petição será protocolada no Fórum, e a baixa de restritivos junto ao SPC e SERASA, bem como baixa de protesto,

Resultados: Pode-se observar que na análise metrológica de padronização e precisão das placas não houve diferença estatisticamente significante entre as marcas comerciais