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PEDAGOGIA DO VIRTUAL EM TRÊS LIÇÕES

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ALEGRAR - nº16 - Dez/2015 - ISSN 18085148 www.alegrar.com.br

PEDAGOGIA DO VIRTUAL EM TRÊS LIÇÕES

Ismar Túlio Curi

Um sistema formado por uma série heterogênea e ressonante de três esculturas pode levar o espectador à compreensão das ideias de Deleuze e o virtual na obra de arte, as quais estão expostas em seu livro “Diferença e Repetição”. A obra de Deleuze se desenvolve sobre o drama, daí o texto escrito na forma de um diálogo entre um professor de estética e seus alunos, todos debatendo noções sobre o virtual. Iremos emprestar essas noções da obra deleuziana e tomar como presentes nas três esculturas apresentadas.

Professor Gael, iniciando com a primeira concepção – O virtual possui plena realidade, e, a partir

dessa ideia, vamos observar a primeira escultura, que se apresenta como um conjunto de três curvas metálicas em aço inox posicionadas sobre um Diedro de espelhos planos a 90° entre si, o qual, inclusive, é o título da obra.

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Renê, o aluno mais aplicado, pergunta – Professor, o espelho ilude, e, além disso, pouco alude à sua

proposição, pois aquilo que é refletido à esquerda, na realidade, temos à direita. Então, por que iniciar o tema da aula colocando o virtual como pleno de realidade?

Professor Gael, atenciosamente – A plena realidade do virtual a que me refiro, Renê, não significa

que ela se estabeleça na relação de identidade de todos os pontos da parte real da obra. Constatamos, com a obra, que (...) os virtuais são destacados da série dos reais e, ao mesmo tempo, incorporados a

ela (...)1. No caso desse primeiro trabalho, quem o observa tem de exercitar o olhar, pelo menos por

alguns segundos, no sentido de reconhecer que a obra se divide em partes real/virtual, tal o fluxo do movimento visual que ela nos faz percorrer.

George, o mais novo da classe – Bem, à primeira vista, é o que nos acontece. Mas, depois, quando

cessa a ilusão, do nosso ponto de vista, imediatamente, percebemos apenas o espelho plano entre o real táctil e a imagem, e, nessa situação, não algo mais do que o reflexo do original.

Professor Gael, prontamente – Mas é disso que estamos falando, George, sobre a imagem. Nem o

espelho participa disso, ele ainda é parte do mundo real; contudo, ele possui aquela característica sui

generis que sempre intrigou os artistas: o ser, além de si mesmo, também a outra coisa que reflete,

nesse caso, a própria realidade virtual. Não posso deixar de ressaltar, porém, que esse (...) destaque

implica, principalmente, um isolamento ou uma suspensão que congela o real a fim de extrair dele uma pose, um aspecto, uma parte (...). De tal forma, (...) o objeto virtual é um objeto parcial não

simplesmente porque lhe falte uma parte permanecida no real (...) mas em si e para si mesmo.2

Professor Gael continua – Passemos ao segundo ponto, que é mais complexo e problemático, cuja

concepção é a seguinte: o virtual é diferente do possível. Essa noção se revelará claramente na segunda escultura, formada por um Triedro ortogonal de espelhos, em que duas conexões em “Y” são montadas numa variedade enorme de posições diferentes entre si. Segundo o artista, a multiplicidade de posicionamentos e a variedade de montagens do conjunto no triedro permitiram verificar pelo menos 50 situações notórias.

Essas “experimentações”, que poderiam ser puramente estéticas, na verdade, exigirão algo mais de nossa imaginação, pois a forma do triedro logo remete o espaço da obra aos típicos planos cartesianos. Nesse triedro, o artista pôde desenvolver o trabalho como um problema ao considerar a montagem dos elementos escultóricos a partir dos eixos e dos encaixes dos corpos, de maneira a formar ângulos bem definidos, em 0°, 90° e 180°, o que resultou em 7 montagens possíveis.

1

Deleuze, Gilles – Diferença e Repetição – São Paulo, Edições Graal, 2006, pg 150 2

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Exemplo 1 – 3º CASO – posicionado no Triedro na horizontal

1º -‘Y’ vertical c/ horizontal a 0° 2º - Y’ vertical / horizontal 90° 3º - ‘Y’ vertical / vertical 0° 4º - Y vertical/vertical 90°

5° - Y vertical/vertical 180°

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Exemplo 2 –2º CASO – posicionado no Triedro na horizontal

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Exemplo 4–2º CASO – posicionado na vertical no Triedro (imagem invertida)

Renê, questionador – Professor, como eu poderia conceber o virtual diferente do possível, se você

mesmo utiliza a palavra “possibilidade” para suscitar a ideia da inumerável combinação de montagens tão evidentes nessa obra?

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Professor Gael, mais uma vez – Muito boa a sua colocação, Renê. Perdoe-me a hesitação, era tudo o

que eu deveria ter evitado –o termo “possibilidade”–; isso porque o grande (...) perigo é confundir o

virtual com o possível (...)3. Se a estrutura é a realidade do virtual (...)4, não há nada além de atualizar

aquilo que é dado como notável, e, em si mesmo, é evidente no seio da obra. Daí poder-se afirmar que é (...) o possível que se opõe ao real; o processo do possível é, pois, o de uma “realização”.5

Clarice, a única moça – Dito dessa maneira, professor Gael, não consigo alcançar tal concepção:

como assim o possível se opõe ao real, quando tudo aquilo que planejamos como possibilidade pode tornar-se bem real?

Professor Gael – Não, querida, isso não é apenas um jogo de palavras. Que (...) diferença pode haver entre o existente e o não existente, se o não existente já é possível recolhido no conceito, tendo todas

as características que o conceito lhe confere como possibilidade?O possível tem uma (...) tara que o

denuncia como produzido posteriormente, fabricado retroativamente, feito à imagem daquilo que se assemelha. A atualização do virtual, ao contrário, sempre se faz por diferença, divergência.

Claire, isto é o que deveremos ter, objetivamente: (...) o possível e o virtual (...) se distinguem porque um remete à forma de identidade do conceito, ao passo que o outro designa uma multiplicidade pura

na Ideia, que exclui radicalmente o idêntico como condição prévia.6

Professor Gael, retomando o Triedro – Há de se compreender a obra como interativa, pois ela demanda a interferência do espectador para demonstrar (...) o virtual como a realidade de uma tarefa

a ser cumprida, (...) um problema a ser resolvido; é o problema que orienta, condiciona e engendra as

soluções7. Soluções que, de fato, integram o trabalho como um processo e, a cada posicionamento dos

corpos de adjunção, o dispositivo de virtualização registrará mais uma interação na longa série da qual o artista nos envia mais algumas imagens entre as quais ele escolheu como notáveis.

3 Ibidem 1, pg 298 4 Ibidem 1, pg 294 5 Ibidem 1, pg 298 6 Ibidem 1, pg 298 7 Ibidem 1, pg 299

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Professor Gael continua – Vamos ao terceiro trabalho, que é o corolário de toda a série, a qual

começou com dois, foi a três e, agora, está no quarto, no que se refere aos planos de virtualização da obra. A terceira concepção é a seguinte: a repetição é sempre imaginária. O trabalho que nos remete a essa noção foi construído como um Tetraedro, no interior do qual são combinadas conexões “Y” e curvas de modo a obter reflexões que se refletem entre si nos espelhos, numa série “infinita” de imagens, de tal forma, que um espectador, em posição privilegiada, vê essa série virtualizada numa curva assintótica em relação ao objeto real.

Professor Gael observa – A primeira questão que se coloca à visão desse “percepto”8 está relacionada ao fenômeno da repetição de um contínuo indiscernível de imagens no fundo virtual dos planos opostos. Então, abriremos a discussão sobre a importância da diferença infinitamente pequena, para peceber que isso deve indicar uma diferença que se desvanece ante a intuição; mas, (...) por outro lado, também não seria a própria (...) intuição que se desvanece diante da relação diferencial9?

8

Nota do Autor, Deleuze e Guattari introduzem esse silogismo para identificar a autonomia que a percepção da obra de arte adquire ao se apresentar no mundo. O Que É a Filosofia? – São Paulo, Editora 34, 2007

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Clarice – É certo que há diferenças entre as imagens acumuladas no espelho, mas nada a se considerar

notável a ponto de chamá-las de algo que não seja repetição. Então, se esse é o ponto que você pretende evitar com a concepção de que toda repetição é imaginária, eu, novamente, não me convenci.

Renê – Interessou-me muitíssimo a ideia de infinito expressa no trabalho, pois, se os virtuais têm

plena realidade, então a percepção do infinito se tornaria real com a visão dessa obra.

Professor Gael interfere – Renê, vamos insistir antes na importância da primeira questão, que trata

da diferença e da repetição, até porque ela está relacionada ao problema da representação infinita. Agora, Claire, podemos, sim, (...) extrair da repetição algo novo, extrair-lhe a diferença, e esse é o

papel da imaginação, ou do espírito que contempla (...). Do mesmo modo, a repetição, em sua essência, é imaginária, (...) não uma falsa repetição que viria a suprir a ausência da verdadeira; (...)

mas o sentido é que (...) a verdadeira repetição é a da imaginação.10

Clarice – Mas qual a importância disso, afinal, a que você se refere nesse caso: é um fenômeno de

geometria ou de estética?

Professor Gael – A ambos Claire. No concepto/percepto anterior, descobrimos com os virtuais que há

um problema a ser resolvido. Então, por que agora a solução não poderia estar entre esses dois termos? Devemos descobrir as condições do problema: (...) a precisão dos corpos de adjunção, (...) a

condensação das singularidades(...), a precipitação de todas as circunstâncias deve fazer emergir a solução como algo brusco (...). Ter uma ideia é isso (...). E, em todas essas expressões: “pontos singulares e notáveis”, “corpos de adjunção”, condensação de singularidades”, não devemos ver metáforas matemáticas, (...) mas, extensões do cálculo diferencial, (...) que correspondem à Ideia em

todos os seus domínios de multiplicidade.11

George – Conheço as noções do cálculo diferencial, estudei matemática avançada, mas não vejo como

aplicá-las em uma obra de arte. Que importância isso tem para a estética?

Professor Gael – Pois bem, George, tomemos em consideração a proposta enviada pelo próprio autor

em relação a essa obra. Segundo ele, ela induz ao seguinte postulado: existe um ponto alinhado à curvatura projetada pela série dos virtuais refletidos de um lado e de outro dos espelhos tal que, numa região diametralmente oposta à escultura real, as imagens especulares à esquerda e à direita coincidiriam entre si para determinar uma singularidade virtual tão importante quanto aquela da escultura real. Eis o croqui enviado pelo artista.

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Ibidem 1, pg 118. 11

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Renê – Belíssimo! Um raio infinitamente longo nos leva de um ponto singular, onde tudo se origina –

a escultura real– até outra singularidade, localizada a uma distância incomensurável, mas, teoricamente, precisa, numa região diametralmente oposta.

George – Sim, mas, voltando ao cálculo diferencial, se os limites tendem ao infinito, a grandeza

geométrica “volume da escultura” tende a diminuir a cada reflexo, o que resultaria uma singularidade não mais visível e reduzida a apenas um ponto sem volume, portanto, inexistente em termos esculturais.

Professor Gael – Claro! E, então, compreendemos por que a repetição é imaginária. O que há sempre

é uma diferença infinitamente pequena, e, no caso do Tetraedro, encontramos, no limite, o objeto como algo evanescente, pois (...) quando a representação encontra em si o infinito, ela aparece como

uma representação orgíaca e não mais orgânica (...), ela descobre em si o tumulto (...), mesmo sob a

calma aparente ou sob os limites do organizado.12

Renê interrompe – Por outro lado, tudo isso só seria realizável, segundo o croqui do artista, que prevê

a existência de um Tetraedro de proporções astronômicas, construído com espelhos de precisão telescópica, para observação única e exclusiva de uma entidade divina, o que nos obrigaria a possuir olhos de um deus para visualizar a obra completamente.

Professor Gael – Muito bom o exemplo, porque tal coisa nos remeteria às consequências da

concepção anterior, que mostrou o possível como submetido a um processo de realização, ou seja, feito a posteriori, conforme o conceito. Naturalmente, não possuímos o olho de Deus; o que deve nos interessar, então, é (...) atribuir importância ao movimento infinito do esvaecimento (...) em que a

diferença se esvaece, momento que é também aquele em que ela se produz.13

Professor Gael finaliza – Portanto, para além dos conceitos, essa escultura nos proporciona um

espaço virtual, do qual, embora não tenhamos olhos divinos, ou espelhos telescópicos de proporções astronômicas, podemos espiar o infinito e imaginar como um deus o faria.

12 Ibidem 1, pg. 79

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