EVAPOTRANSPIRAÇÃO E FLUXOS DE ENERGIA NO CERRADO - estação chuvosa
Gilda T. Maitelli e Antônio C. Miranda
Laboratório de Ecologia, Dept2 de Biologia Vegetal
Universidade de Brasilia, 70.910, Brasilia, DF RESUMO
Taxas médias horárias de evapotranspiração, calor sensivel,ra diação solar e saldo de radiação foram medidas durante a estaçao chuvosa para um cerrado (sens. strict) no DF: arvoredo de escrube e árvores, xeromórfico, semideciduo e latifoliado. A razão entre os fluxos de calor sensivel e de calor latente, a razão de Bowen, foi 0,7 em média e variou geralmente entre 0,3 e 1,2. A média dos fluxos horários diurnos de calor sensivel foi 170 Wm2 • A média das taxas de evapotranspiração foi 0,34 mm/h (226 W/m2
) e os totais diários foram 2,6 mm/dia. A evapotranspiração utilizou cerca de 60% do saldo de radiação. A média dos fluxos horários diurnos do saldo de radiação foi 396 W/m2
• A resistência do dossel, estimada pela equação de Penman-Monteith, foi cerca de 70 sim pela manhã e da ordem de 100 sim durante a maior parte do dia, aumentando rapi-damente ao entardecer. As médias das resistências aerodinâmica e climatológica foram 10 sim e 50 sim, respectivamente.
INTRODUÇÃO
o
conhecimento dos fluxos de energia nos diferentes ecossiste mas e superficies da Terra tem sido de grande importância para a-vanços nas áreas de Meteorologia, Hidrologia e Ecologia. Ao redor do mundo, meteorologistas e hidrologistas têm se empenhado em com-preender melhor o transporte de energia e de massa na baixa atmos-fera, buscando aprimorar os modelos matemáticos que descrevem a di nâmica desses elementos no planeta. Os ecólogos procuram aperfei= çoar seus conhecimentos sobre processos e fluxos nos ecossistemas, empenhando-se em compreender melhor o funcionamento e a importân-cia dos grandes sistemas para a conservação dos recursos naturais. A água é uma dessas riquezas naturais de grande importância e de interesse geral. A disponibilidade desse recurso natural em uma re gião depende, inclusive, do tipo e da forma de vegetação existent; na região. Para se avaliar as alterações devido às substituiçõesdavegetação nativa por reflorestamentos, pastagens e culturas exóti-cas e irrigadas, é necessário conhecer previamente as taxas de eva potranspiração das diferentes coberturas vegetais (Mc Naughton e Jarvis, 1983). Como uma caracterização inicial, este trabalho des creve as taxas de evapotranspiração, fluxo de energia e valores d; resistência associados ao transporte de energia e de massa entre a atmosfera e uma das formas de vegetação de cerrado "senso estri to".
X.13
MATERIAL E MÉTODOS
o
estudo foi realizado na Reserva Biológica de Águas Emenda-das (150 33'S e 470 36'W, altitude 1000 m, 50 km de Brasilia, DF)durante a estação chuvosa de 1987 (poucos dias de medidas nos me-ses mais chuvosos de dezembro/86 B janeiro/87, la dias em
feverei-ro e la dias em maio, no final da estação chuvosa) em um cerrado de forma fisionômica muito comum no Brasil central: arvoredo de es crube e árvores, xeromórfico, latifoliado e semideciduo (Eiten~ 1984). Acima da superficie da vegetação modulada pelas copas das árvores mais altas que mediam de 8 a la m de altura foram instala dos, em uma torre metálica de 12 m de altura, os sensores para ra= di ação solar (solarimetro Kipp & Zonen) saldo de energia (saldo ra diômetro Funk) e um sistema diferencial reversivel de psicrômetros (descrito em outro trabalho neste Congresso). Diferenças de tempe-ratura e de umidade do ar foram medidas a la m e a 15 m acima do solo. A· torre foi instalada no centro de uma área plana, distante das bordas da vegetação de cerrado (de 3 a 6 km na direção do ven-to predominante) para evitar os efeiven-tos de fluxos horizontais ad-vectivos nas.medidas dos fluxos verticais estimados pelo método de Bowen (Bowen, 1926).
Como uma primeira aproximação, assumiu-se que todo o saldo de energia radiante (Rn) era utilizado nos fluxos de calor latente (~E) e de calor sensivel (C), desprezando-se fluxos de calor no so 10, fotossintese e armazenamento:
Rn
=
C + ~Eo
fluxo de calor sensivel foi calculado como: C=
a (
(Rn / (1 +a)
e o fluxo de calor latente (evapotranspiração):
~E
=
Rn / (1·+ a)onde
a,
a razão de Bowen (13= C / AE), foi calculada pela de Sargeant e Tanner (1966): (1) (2) (3 ) -equaçao 13= 1 / {(~Tw / ~Td) ( (sw / y) + 1) - I} (4) onde ~Tw e ~Td são as diferenças das temperaturas dos bulbos úmi-dos e úmi-dos secos, respectivamente; sw é a derivada parcial da pres-são de saturação de vapor na temperatura do bulbo úmido e Y e a constante psicrométrica.Combinando-se o método de Bowen com a equação de Penman-Monteith (Thom, 1975), a resistência do dossel da vegetação (rc), ou resistência de superficie, foi calculada pela equação
rc
=
(1 +e)
« pcp / y) (D / Rn» + « s / y)e -
1) r a ( 5 ) ondep é a densidade do ar, cp é o calor especifico do arà
pres-são constante, Dé
o deficit de pressão de vapor no ar, s e a der! vada parcial da pressão de saturação de vapor na temperatura do are ra
é
a resistência aerodinâmica:ra
=
{ln «z - d) / ZO)}2 / k2 U ( 6 )onde z é a altura acima do solo (z
=
15 m neste trabalho), d é o deslocamento do plano-zero (assumido igual a 63% da altura média h da vegetação: d=
0,63 h Thom, 1975), zo é a aspereza aerodinâmi ca da superficie (foi assumido zo=
0,13 h), k é a constante de von Karman (k=
0,41) e u é a velocidade do vento no plano horizo~ tal a z=
15 m (estimada usando-se valores obtidos na estação me-teorológica do CPAC/EMBRAPA, distante 15 km da torre). A resistên-cia climatológica (ri definida em Thom, 1975) foi calculada como sendo:ri
=
(pcp / y) (D/Rn) RESULTADOS E DISCUSSÃO(7)
Foram analisadas 174 médias horárias de fluxos e resistênci-as, extraidas de registros realizados em intervalos de la minutos. O erro padrão apresentado refere-se
à
população e 95% de intervalo de confianç"a. A Figura 1 mostra exemplos do comportamento dos flu-xos de radiação solar (S), saldo de radiação (Rn), calor latente (ÃE) e calor sensivel (C). A radiação solar raramente ultrapassou 1000 W/m2 e a média dos valores máximos foi de (800 ± 60) W/m2• O
valor médio de S foi de (520
±
30) W/m2• As variações em S no meio da estação chuvosa (fevereiro) são causadas principalmente pela passagem de cumulus que ora aumentam, ora atenuam, a radiação in-cidente no local do experimento. No final da estação chuvosa (maio) esse efeito é menos acentuado. O saldo de energia radiante sobre o cerrado (a energia que a comunidade dispõem para processos fisi--cos e biológifisi--cos, já descontadas perdas por reflexão e emissão), foi em média 1396 ± 20) W/m2 e a média dos máximos de Rn foi (588
±
38) W/m2 • A taxa méõia de perda de calor sensivel do dossel para a atmosfera (C) foi (170 ± 10) W/m2 com máximos de (282±
34)W/m2• Valores negativos de C (inversão) ocorreram
à
tarde quando Rn era n~lo ou tendia a valores negativos (v. 18 h dia 25/05" Fig. 1). Essa energia do ar para a vegetação podia manter pequenas taxas de eva-poração ao final da tarde. A média dos fluxos horários de calor la tente foi (226 ± 11) W/m2
, equivalente a 0,34 mm/h. As taxas máxi~ mas foram cerca de 0,57 mm/h e a média dos totais diários foi (2,6
±
0,4) mm/dia, ocasionalmente maiores que 3,5 mm/dia.A
energia u-tilizada na evapotranspiração foi cerca de 60% do saldo de energia radiante. A razão entre os fluxos de calor sensivel e de calor la-tente (a), variou entre 0,3 e 1,2 e foi 0,7 em média, indicando que a vegetação do cerrado na estação chuvosa dissipa a energia absorvida principalmente por evapotranspiração (calor latente), e~ bora seja significativa a perda de energia pela ação do vento (ca-lor sensível).A média dos valores minimos da resistência do dossel (rc), ou resistência de superfície, foi (70
±
16) s/mo A mediana e o valorX.15
mais frequente de rc foi 100 s/mo A Figura 2 mostra o comportamento geral de rc, que foi semelhante ao da resistência de superficie da floresta amazônica (Shutleworth et aI, 1984) e de resistências fo-liares de espécies nativas do cerrado (Johnson et aI, 1983). O com-portamento da resistência climatológica (ri) fo~s;;elhante ao de rc, com valor médio de 50 s/mo A resistência aerodinâmica (ra) foi estável durante o dia com valor médio em torno de la sim, ocasional mente atingindo 30 sim quando a velocidade do vento era muito menor que seu valor médio de 2,5 m/s . .
Urna análise detalhada de erros de medida (Maitelli, 1987) indi caram que erros de 100% em ra causariam erros de 10% em rc. Erros em S e Rn foram geralmetne de 5% e em S, ÀE e C foram de 15% a 20%. Nas resistências os erros foram da ordem de 25% durante a maior par te do dia (horários centrais).
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Fundação zoobotânica/DF, ao CPAC/EMBRAPA, àOWES e às Universidades UFMT e UnB. Reiteramos nossos agradecimentosàque les que colaboraram para a realização da Tese de Mestrado de G. T. Maitelli.
and 57-BIBLIOGRAFIA
e Evapotranspiração de um Cerrado Mestrado. Universidade de Brasi-Bowen, I.S. The ratio of heat losses by conduction and byevaporation
from any water surface. In: Physics Review 27: 779-787, 1926. Eiten, G. Vegetation of Brasilia. In: PhytocoenOlogia 12: 271-292,
:1984.
Johnson, P.G.i Franco, C.A.i Caldas, L.S. Fotossintese e resistên-cia foliar em espécies nativas do cerrado. In: Revista Brasilei-ra de Botânica 6: 91-97, 1983.
- -
-Maitelli, G.T. Balanço de Energia
(s~ns. striat.) no DF. Tese de
lia. 1987.
Me Naughton, K.G.i Jarvis, P.G. Predicting effects of vegetation changes on transpiration and evaporation. In: Water Deficits and P1ant Growth, vol. 7. T.T. Koslowiski (ed.). Academic Press, p. 1-47. 1983.
Shutt1eworth, W.J.i Gash, J.H.C.i Lloyd, C.R.iMoore, C.J.i Roberts,
R.i Marques, A.i Fisch, G.i Silva, V.i Nazare, M.i Molion, L. C.
B.i Abreu Sa, L.i Nobre, C.A.i Cabral, O.M.R.i Patel, S.R.; Car-valho, J. Eddy correlation measurements of energy partition for Arnazonian forest. In: Quarterly Journal of the Roya1 Meteoro1ogical Society 110: 1143-1162, 1984.
Sargeant, D.H.i Tanner, C.B. A simp1e psychrometric apparatus for Bowen ratio determinations. In: Journal of Applyed Meteoro10gy 6: 414-418, 1966.
Thom, A.S. Momentum, mass and heat exchange. In: Vegetation Atmosphere, vol. 1. J.L. Monteith (ed.). Academic Press, p. 110. 1975.
l000r---~=:---..---... 27/02/87 31105187 600 til·
'e
200 ~ "-o o te 21105187 :J ;:•
-,;,•
600 -,;, o ~..
c•
o 200 o • 10 12 14 16 18 I 10 12 14 16 18 HorasFigura 1. Radiação solar (A), saldo de radiação (A), calor laten-te (e) e calor senslve1 (o) sobre o cerrado.
- .500
'e
•
"
o ~ • c;•
ft o 300 ~ o ~ o Ü c te-
ft "ii 100•
G:o
o
8 10 12 14 Horol 16 . 18Figura 2. Medianas da resistência de dossel ou de superflcie para o cerrado na estação chuvosa.