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Fixação do regime na soma de penas privativas de liberdade no curso da execução penal

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GUINTER DE FRANÇA NAST

FIXAÇÃO DO REGIME NA SOMA DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE NO CURSO DA EXECUÇÃO PENAL

Tubarão 2015

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GUINTER DE FRANÇA NAST

FIXAÇÃO DO REGIME NA SOMA DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE NO CURSO DA EXECUÇÃO PENAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade

Orientador: Prof. Lauro José Ballock, Msc.

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Fruto de todos os seus esforços envidados para minha formação acadêmica e moral, para vocês, Pai e Mãe.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pela graça da vida, pela família, pela condução de meus passos, pela fé e por conceder-me força e sabedoria para transpor as mais variadas barreiras da vida.

Agradeço aos meus pais, Rose Terezinha de França e Norberto Nast, fontes inesgotáveis de amor, o mais belo exemplo de força e perseverança, pelo afeto, pela educação, pela formação do caráter, pela privação do bem próprio para servir aos propósitos da família.

Ao meu irmão, Werner de França Nast, expressão mais real de amizade, pela demonstração de companheirismo, pela presença em toda a meninice, pela participação na constituição moral, pelo subsídio emocional perante as adversidades.

À matriarca da família, Zelanda Martins de França, pelo amor incomensurável ao seu neto que, agora, retribui com este módico, mas puro, agradecimento, pela presença de qualquer ordem, pelas conversas, pela divisão de bons momentos.

Ao meu padrinho, Rodrigo Marcellino de França, segundo pai, por acompanhar de perto todas as etapas de meu desenvolver, pelas boas memórias da infância, pelo amor cego à vida, pela luta incansável na redução das diferenças, pela ternura, pelos cuidados e pelos laços em outras dimensões que nos fazem companheiros eternos.

Meu agradecimento à minha namorada, Tayane Miranda dos Santos, fiel companheira, pela compreensão diante de todas as ausências advindas da elaboração do presente trabalho e pela motivação.

Agradeço ao meu orientador, Lauro José Ballock, de importância ímpar para o desenvolvimento da pesquisa, pela diligência, pela presteza e pelo compartilhamento do conhecimento, que fazem de si um verdadeiro mestre.

A todos que, em vida terrena ou de um plano superior, guiam-me pelo caminho da luz.

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar, por meio dos conceitos dogmáticos e legislativos respeitantes ao tema, além de fundamentos jurisprudenciais, se a fixação do regime de cumprimento do remanescente da pena, no curso da execução penal, por fato posterior ao início do cumprimento, deve obedecer somente ao produto da soma das penas privativas de liberdade, sem atender ao regime estabelecido na sentença penal condenatória acrescida. Para atingir o objetivo foi utilizado o método de abordagem dedutivo, porquanto a pesquisa partiu de noções gerais acerca da pena e de sua execução para, em seguida, analisar de forma particular a fixação do regime na soma das penas privativas de liberdade no curso da execução penal. Quanto à profundidade, a presente pesquisa se classifica como exploratória, haja vista que, antes de adentrar na temática principal, busca-se uma aproximação com o objeto de estudo. No tocante ao procedimento utilizado na coleta de dados, a pesquisa se classifica como bibliográfica, pois se baseia em teorias divulgadas em livros, artigos, meios eletrônicos, bem como na legislação brasileira e acervo jurisprudencial, que conferem sustentáculo teórico e norteiam todo o desenvolvimento do trabalho. Do estudo constatou-se que a individualização da pena, no processo de conhecimento, também deve irradiar sobre a execução penal. Assim, conclui-se que após proceder à soma das penas privativas de liberdade, o juiz da execução penal deve sopesar os elementos de convicção que nortearam o processo de conhecimento acerca do grau de reprovação da conduta e o regime fixado na sentença advinda para, então, estabelecer o regime de cumprimento do remanescente de penas.

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ABSTRACT

This study aims to analyzes, through the dogmatic and legislative concepts relating to the topic, and jurisprudential foundations, the fixation of the compliance regime of the remainder of the sentence in the course of criminal execution by later fact the beginning of the fulfillment, should obey only the product of the sum of custodial sentences, without regard to the rules established in the criminal sentence increased conviction. To achieve the goal we used the deductive method of approach, because the research came from general notions of sentence and its execution to then analyze a particular way to fix the system the sum of custodial sentences in the course of execution criminal. Regarding the level of depth, this research is classified as exploratory, given that, before entering the main theme, looking up an approach to the study object. With regard to the procedure used in data collection, this research is classified as literature because it is based on theories disseminated in books, articles, electronic media, as well as in Brazilian legislation and case law collection, which give theoretical mainstay and guiding all development work. From the study it was found that the individualization of punishment in the knowledge process should also radiate on criminal enforcement. Thus, it appears that after proceeding to the sum of custodial sentences, the judge of criminal enforcement should weigh the evidence or information that guided the process of knowledge about the degree of disapproval of the conduct and the penalty attached to the sentence to be added to then establish the compliance regime of the remaining sentences.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS § — Parágrafo art. — Artigo arts. — Artigos Cf. — Conforme CF — Constituição Federal de 1988 CP — Código Penal

LCP — Lei de Contravenções Penais LEP — Lei de Execução Penal REsp — Recurso Especial RExt — Recurso Extraordinário STJ — Superior Tribunal de Justiça STF — Supremo Tribunal Federal

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 11

1.2 JUSTIFICATIVA ... 12

1.3 OBJETIVOS ... 13

1.3.1 Objetivo geral ... 13

1.3.2 Objetivos específicos ... 13

1.4 DEFINIÇÃO DOS CONCEITOS OPERACIONAIS ... 13

1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 14

1.5.1 Método ... 14

1.5.2 Tipo de pesquisa ... 15

1.6 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS .. 15

2 DA PENA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA ... 17

2.1 CONCEITO ... 17

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ... 18

2.2.1 Período da vingança privada ... 19

2.2.2 Período da vingança divina ... 21

2.2.2.1 O oriente antigo ... 22

2.2.2.2 A pena na Grécia e em Roma ... 24

2.2.3 Vingança pública ... 25

2.2.4 Período humanitário ... 30

2.2.5 Período científico da pena ... 32

2.2.6 Período atual ... 33

2.3 TEORIAS DA PENA ... 34

2.3.1 Teorias absolutas ou retributivas ... 34

2.3.2 Teorias relativas ou preventivas ... 35

2.3.3 Teorias mistas ou unificadoras ... 36

3 A EXECUÇÃO PENAL ... 38 3.1 NATUREZA JURÍDICA ... 38 3.1.1 Sistemas administrativos ... 38 3.1.2 Sistemas jurisdicionais ... 39 3.1.3 Sistemas mistos ... 40 3.2 PRINCÍPIOS ... 41

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3.2.1 Princípio da legalidade... 42

3.2.2 Princípio da igualdade ... 44

3.2.3 Princípio da jurisdicionalidade ... 45

3.2.4 Princípio do duplo grau de jurisdição ... 45

3.2.5 Princípio do contraditório e da ampla defesa ... 46

3.2.6 Princípio da humanização das penas ... 47

3.2.7 Princípio da vedação ao excesso ... 48

3.2.8 Princípio da intranscendência da pena ... 48

3.2.9 Princípio da individualização da pena ... 49

3.2.10 Princípio da publicidade ... 50

3.3 A COISA JULGADA NA EXECUÇÃO PENAL ... 51

3.4 REGIMES DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ... 53

3.4.1 Regime fechado ... 55

3.4.2 Regime semiaberto ... 55

3.4.3 Regime aberto ... 58

4 SOMA DE PENAS NO CURSO DA EXECUÇÃO PENAL E FIXAÇÃO DE REGIME ... 61 4.1 REINCIDÊNCIA ... 61 4.2 CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS ... 63 4.2.1 Culpabilidade ... 64 4.2.2 Antecedentes ... 65 4.2.3 Conduta social ... 66 4.2.4 Personalidade do agente ... 66 4.2.5 Motivos do crime ... 67 4.2.6 Circunstâncias do crime ... 67 4.2.7 Consequências do crime... 68 4.2.8 Comportamento da vítima... 68

4.3 SOMA DE PENAS NO CURSO DA EXECUÇÃO PENAL ... 68

4.4 FIXAÇÃO DE REGIME NA SOMA DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE NO CURSO DA EXECUÇÃO PENAL ... 70

5 CONCLUSÃO ... 76

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1 INTRODUÇÃO

A execução penal é área que revela inúmeros entraves de ordem teórica e procedimental, dentre elas a soma das penas. Basta uma simples busca em base de dados para que se perceba, amiúde, pouco cuidado que se dá a este ramo da ciência penal, embora tenha em seu objeto principal a liberdade humana.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Diante da prática delituosa o Estado move sua máquina para lançar mão ao infrator. É quando o direito de punir deixa de ser impessoal para atingir pessoa determinada. O caminho percorrido para fazer valer a sanção dá nome à persecução criminal, caracterizada por uma série de atividades com vistas ao direito de punir. Com a imposição da pena, passa-se à execução, considerada “[...] a mais importante fase do direito punitivo, pois de nada adianta condenação sem que haja a respectiva execução da pena imposta” (NOGUEIRA, 1993, p. 3).

O advento da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 veio romper o paradigma até então vigente de que o direito de execução penal era atividade imanente administrativa para consagrar a intervenção do juiz na resolução dos incidentes advindos dos conflitos havidos entre o Estado e o condenado, revelando a presença da jurisdição na área execucional.

Daí que a execução penal serve aos propósitos da sentença, pois, anunciando os objetivos da LEP, esclarece seu art. 1º que “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (BRASIL, 1984), e o juízo da execução deve estar a serviço deste propósito.

Deve o juiz atuar quando de qualquer possibilidade de alteração do título que dá causa à execução da pena em execução, estando, dentre as suas competências, conforme art. 66 da LEP, “III - decidir sobre: a) soma ou unificação de penas” (BRASIL, 1984).

Nesse sentido, o parágrafo único do art. 111 da LEP é claro ao dispor que “[...] Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime” (BRASIL, 1984).

Não raro, aportam ao juízo da execução penal mais de uma condenação, por fato posterior ao início da condenação que se encontra em cumprimento, o que demanda a soma de penas, descontando-se o período de pena já resgatado. Mas, a atividade jurisdicional não se limita à simples operação matemática.

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Deve o juiz fixar, ainda, o regime de cumprimento da pena somada ao restante da pena em execução. A fixação do regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade, aprioristicamente, parece ser método de simples medida aritmética. Contudo, em uma análise mais detida e acurada do tema, é possível verificar entendimentos dissidentes, dado que o legislador não consegue prever todas as situações em que possam advir da edição da determinada interpretação legal.

Notadamente, quando na nova sentença condenatória a ser somada já se verifica a eleição do regime fechado para o cumprimento da pena, dada a reincidência a as circunstâncias judiciais que impedem o regime mais brando.

1.2 JUSTIFICATIVA

A adoção do tema proposto para investigação decorre da atuação prática do pesquisador no campo educativo supervisionado da execução penal. Não invariavelmente, o operador do direito se depara com situações que impõe reflexão, despindo-se do caráter meramente mecânico, da subsunção do fato à norma.

De outra banda, o direito de execução penal é pouco visado, não somente no campo acadêmico, mas também no campo prático-teórico, o que revela escassa existência de revisão bibliográfica tocante ao tema, além da dificuldade ao acesso de informações que, em sua grande maioria, estão disponíveis apenas em revistas especializadas e na jurisprudência.

Tendo em conta as interpretações díspares verificadas na prática da execução penal, notadamente porque esquecidos alguns preceitos que norteiam o cumprimento da pena, revela-se imperioso, assim, a necessidade de uma reflexão acurada acerca da literalidade do parágrafo único do art. 111 da LEP.

Com efeito, a matéria a ser tratada no presente trabalho ultrapassa o campo meramente acadêmico, pois alcança inúmeras situações práticas, em razão da proximidade da área da pesquisa com prática jurídica. Isto porque a LEP é a lei nacional específica que normatiza a execução penal, regendo grande parcela dos atores que compõe o cenário do sistema carcerário.

Destarte, o tema selecionado para a elaboração do trabalho monográfico é de suma importância e detém acentuado interesse acadêmico e jurídico e, sobretudo, em virtude das incontáveis interpretações que são podem ser conferidas ao parágrafo único do art. 111 da LEP.

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1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo geral

Analisar, por meio dos conceitos dogmáticos e legislativos respeitantes ao tema, bem como por intermédio dos fundamentos jurisprudenciais, se a fixação do regime de cumprimento do remanescente da pena, no curso da execução penal por fato posterior ao início do cumprimento, deve obedecer somente ao produto da soma das penas privativas de liberdade, sem atender ao regime estabelecido na sentença penal condenatória acrescida.

1.3.2 Objetivos específicos

Apresentar digressão teórica do surgimento e evolução histórica da pena. Conceituar a pena.

Abordar teorias que fundamentam a pena.

Analisar a natureza jurídica da Lei de Execuções Penais. Verificar os princípios que informam a execução penal.

Diferenciar os regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade.

Descrever as circunstâncias judiciais e a reincidência incidentes na eleição do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade.

Identificar os principais conceitos dogmáticos que permeiam a soma das penas, no curso da execução penal.

Apontar a normatização aplicável à estipulação do regime de cumprimento da pena.

Identificar preceitos legais e os posicionamentos jurisprudenciais que norteiam a fixação do regime na soma de penas no curso da execução penal.

1.4 DEFINIÇÃO DOS CONCEITOS OPERACIONAIS

Para melhor compreensão do universo que circunda a investigação, necessário elucidar a acepção que alguns termos assumem na presente pesquisa. Vejamos:

Por Código Penal entende-se o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, com a redação dada pela Lei n. 7.209, de 11.7.1984 que, do art. 1º ao 120 trata de assuntos

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relacionados à aplicabilidade, características e esclarecimentos que incidem sobre as normas, do art. 121 ao art. 361, denominada parte especial, tipifica crimes e comina penas.

O termo execução penal, na pesquisa, designa “[...] o conjunto de normas e princípios que tem por objetivo tornar efetivo o comando judicial determinado na sentença penal que impõe ao condenado uma pena (privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa) ou estabelece medida de segurança” (AVENA, 2013, p. 37).

Soma de penas é aqui entendida como a adição, operação matemática, de

condenações criminais proferidas em processos distintos, por fatos praticados posteriormente ao início de cumprimento da pena privativa de liberdade.

Pena de privativa de liberdade é a pena que restringe a liberdade de locomoção,

tendo como espécies a pena de reclusão e a pena de detenção.

Por Curso da execução penal, deve-se entender o cumprimento da pena privativa de liberdade, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Fixação de regime determina a conduta do magistrado de “[...] escolher, dentre

os três regimes existentes — fechado, semi-aberto e aberto — em qual deles o réu cumprirá a pena [...]” (FERREIRA, 2004, p. 163)

1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Com o fito de atingir o objetivo proposto, revela-se imprescindível estabelecer a metodologia de pesquisa que dará sustentáculo à realização do trabalho monográfico. Para conferir caráter científico à pesquisa, é necessário que seu objeto seja estudado a partir da eleição de meios técnicos da investigação, prevendo-se os instrumentos e os procedimentos necessários utilizados para a coleta de dados.

1.5.1 Método

Método – etimologicamente, methodos, meta: por intermédio de, e de hodos: caminho –, constitui o fio condutor do raciocínio que projeta e ordena os caminhos a serem adotados para o desenvolvimento da pesquisa. Para Marconi e Lakatos (2003, p. 83), “Método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros –, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista”.

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O método adotado no trabalho assume duas divisões: de abordagem e de procedimento. Leonel e Motta (2007, p. 66) com propriedade definem que “[...] os métodos de abordagem estão vinculados ao plano geral do trabalho, ao raciocínio que se estabelece como fio condutor na investigação do problema de pesquisa”, enquanto que os métodos de procedimento “[...] estão vinculados muito mais à etapa de aplicação das técnicas em uma investigação ou, mais especificamente, às fases de desenvolvimento de uma pesquisa [...]”.

Assim, para a consecução da pesquisa utilizar-se-á o método dedutivo, porquanto o trabalho tem como ponto de partida noções gerais sobre institutos gerais como pena, teorias, histórico, execução, princípios, para então investigar os parâmetros para fixação do regime de cumprimento do remanescente das penas, após sua soma, no curso da execução penal.

1.5.2 Tipo de pesquisa

Leonel e Motta (2007, p. 98), definem a pesquisa como “um processo de investigação que se interessa em descobrir as relações existentes entre os aspectos que envolvem os fatos, fenômenos, situações ou coisas”.

Para determinação do tipo da pesquisa devem-se levar em conta três critérios de classificação: nível, abordagem e procedimento (LEONEL; MOTTA, 2007, p. 92). Quanto ao nível, as pesquisas podem ser exploratórias, descritivas ou explicativas. (LEONEL; MOTTA, 2007, p. 99).

A pesquisa exploratória deflagra “[...] um processo de investigação que identifique a natureza do fenômeno e aponte as características essenciais das variáveis que se quer estudar.” (KÖCHE, 1997, p. 126 apud LEONEL; MOTTA, 2007, p. 100), o que está intimamente associado à necessidade de produção de conhecimento a respeito da fixação de regime, após a soma de penas, no decurso da execução penal, cunho principal da pesquisa.

Nesta senda, adotar-se-á para a coleta de dados a pesquisa bibliográfica, pois o estudo será desenvolvido e abalizado segundo teorias divulgadas em livros, artigos científicos, meios eletrônicos, bem como em acervos da legislação e repertório jurisprudencial.

1.6 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS O desenvolvimento da monografia foi estruturado em três capítulos.

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O primeiro capítulo trata da pena, subdividindo-se em sua origem e evolução histórica, além de parte dedicada à conceituação para, posteriormente, apresentar as principais teorias acerca da finalidade da pena.

O segundo capítulo, dedica-se a apresentar noções gerais sobre a execução penal, tais como a natureza jurídica, a coisa julgada na execução penal, sem descuidar dos princípios que regem a execução penal, bem como discorrer sobre os regimes de cumprimento da pena, fazendo breves digressões sobre a progressão de regime.

No terceiro capítulo, delinearam-se institutos que dão base para eleição de regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, tais como a reincidência e circunstâncias judiciais, além de definir o instituto da soma de penas na superveniência de condenação no curso da execução penal. Por fim, foi exposta a fixação do regime na soma de penas no curso da execução, transparecendo os parâmetros a serem utilizados pelo juiz da execução para tanto.

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2 DA PENA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Cícero já dizia que “quando se quer pôr ordem e método numa discussão, é preciso dar início definindo a coisa de que se debate, para se ter dela uma idéia [sic] clara e precisa” (CÍCERO, 2001, p. 33).

Desse modo, é salutar, antes de adentrar ao cerne do trabalho monográfico, expor noções conceituais da pena, em virtude da posição central que assume no decurso da pesquisa, além de considerações históricas e teóricas que circundam a temática da pena.

2.1 CONCEITO

Prescrevem Shecaira e Correa Júnior (2002, p. 181) que a conceituação da sanção penal sempre foi palco de embates doutrinários e alvejada por críticas de todas as ordens da doutrina especializada. Dito isso, não se pode atribuir à pena um conceito acabado1, mas sim

colacionar conceitos trazidos pelos penalistas.

Do latim “poena”, mas com derivação do grego, “poine”, o termo pena traz em seu âmago a significação da dor, do castigo, sofrimento, expiação, recompensa dentre outras acepções, conforme enumera Oliveira (1996, p. 21). Juridicamente, a pena retrata, contudo “a sanção imposta pelo Estado, valendo-se do devido processo legal, ao autor da infração penal, como retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes” (NUCCI, 2005, p. 56).

A pena é a privação ou restrição de bens jurídicos infligida pelos órgãos jurisdicionais competentes, com supedâneo legal, ao autor de uma infração penal, considerada a consequência de maior relevo do delito (PRADO, 2007, p. 538).

Deve ser acrescida, ainda, a contribuição de Ferreira (2004, p. 235), para quem “a pena é a consequência jurídica — o mal que se impõe —, que implica a diminuição de bens jurídicos, ao autor imputável de fatos descritos na lei como crimes”.

Severiano (1934, p. 159, grifo nosso) dizia que:

[...] o crime é uma entidade puramente social. Toda vez, que o instinto individual triunfa sobre o social, viole-se ou não uma lei, pratica-se um crime, pela alteração do ritmo estabelecido. Que deve ser então a pena? Um meio de reajustar o ritmo

alterado pela reimplantação, no indivíduo, do instinto social banido.

1 Também não se pode deixar que anotar que “[...] uma concepção de Estado corresponde a uma de pena, e a esta, uma de culpabilidade. Destaque-se a utilização que o Estado faz do Direito Penal, isto é, da pena, para facilitar e regulamentar a convivência dos homens em sociedade. [...] Estado, pena e culpabilidade formam conceitos dinâmicos inter-relacionados” (BITENCOURT, 2010, p. 97).

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Na lição de Noronha (1999, p. 227) “o binômio “retribuição e prevenção” explica a pena. Não deixa de ser um mal, apesar da evolução que sofreu, porém, no estágio atual, na civilização em que vivemos, é indispensável e imprescindível”.

Pela a reforma penal ocorrida com a Lei n. 7.209/1984, no ordenamento jurídico brasileiro as espécies de penas são privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa, conforme art. 32 do CP (BRASIL, 1940).

Entretanto, o sentido que assume a pena hodiernamente é produto de um longo caminho percorrido pela história, pelo que se revela imperioso abordar a evolução das ideias penais, desde as suas primeiras manifestações.

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A história da pena remonta à própria existência humana, pois “com os primitivos seres humanos e as sociedades ainda rudimentares, nascia o crime e com ele a pena” (TELES, 2004, p. 315). Nos dizeres de Prado (2007, p. 66), não se pode compreender o contexto da conjuntura atual da sociedade, sem conhecer seu passado, assim como para bem compreender uma legislação, impossível ignorar seu curso pelo tempo.

Costa (1982, p. 5-6) destaca que a função punitiva é identificada nos mais primitivos momentos da vida em sociedade; as primeiras manifestações de um ordenamento jurídico se expressam pela voz do Direito Penal, que castiga o infrator de uma norma de convivência social, como forma dar ao grupo unidade e coesão.

Noronha (1999, p. 20) enfatiza que a história da pena é considerada pelas fases da vingança privada, a vingança divina, a vingança pública e o período humanitário. Já Ferreira (2004, p. 35) aponta como etapas de evolução da pena a vingança privada, a vingança, divina, a vingança pública, a humanização, o período científico e o período da nova defesa social.

É de bom alvitre anotar que os períodos da história da pena ao longo dos tempos não são ordenados sequencialmente, “[...] ou melhor, advindo um, nem por isso o outro desaparece logo, ocorrendo, então a existência concomitante dos princípios característicos de cada um: uma fase penetra a outra e, durante tempos, esta ainda permanece ao seu lado” (NORONHA, 1999, p. 20).

Reserva-se, assim, à tarefa de traçar breves característicos de cada fase da evolução da pena, mas sem esgotar seu conteúdo, dada a vastidão e simultaneidade que se opera em sua evolução.

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2.2.1 Período da vingança privada

Oliveira (1996, p. 22) aponta que é disseminada entre os autores a ideia de que a expressão mais remota da pena tenha sido a vingança privada, como manifestação instintiva da condição humana. Período em que, para Ferreira (2004, p. 7), prevalece a lei do mais forte, ficando a extensão e forma de execução da punição a cargo do ofendido, ultrapassando a individualidade do infrator para lançar mão a sua família, ou sua tribo, dizimando-as em sua integralidade.

No mesmo sentido, Funes (1953, p. 26) aduz que “Em seus começos, a pena era uma reação contra o delito que aspira a reproduzir e conservar os caracteres próprios da ação criminal”.

Com a coordenação primitiva dos clãs, nutridos por um ânimo de solidariedade e conjugando interesses comuns para defesa do grupo, a pena passa a ser executada não só pelo ofendido, mas também pela sua comunidade. Posteriormente, com a formação das famílias, a pena se manifesta com a perda da paz, bem como a vingança de sangue. (OLIVEIRA, 1996, p. 22).

A perda da paz se caracterizava pela expulsão do infrator do clã, inviabilizando sua sobrevivência perante as fúrias da natureza, expondo-o aos impasses na colheita de alimentos e das investidas hostis dos animais. (DOTTI, 1998, p. 31), por isso equiparava-se à pena de morte, pois conforme observa Mirabete (2004b, p. 36) “o deixava à mercê de outros grupos, que lhe infligiam, invariavelmente, a morte”.

Traduzia-se essa modalidade de pena no banimento do infrator da comunidade a que se achava vinculado, equiparando-se quase que com a morte, porquanto, ao tornar-se proscrito, perdia a proteção do grupo, além de se ver privado de alimentos e abrigo do clã, ficando à mercê da própria sorte, das diversas intempéries e ataques.

A vingança de sangue, espécie que surge ao mesmo tempo, por sua vez, consistia na punição de um integrante de grupo diverso diante de uma lesão praticada a um de seus membros, cujo preço era suportado por toda coletividade, travando as tribos diversas guerras, uma vez que a vingança era tida como legítima para esses povos.

Da punição desmedida da vingança privada eclodem, entre grupos e famílias, “lutas acirradas [...] que, assim, iam debilitando, enfraquecendo e [se] extinguindo” (NORONHA, 1999, p. 20-21). Gradativamente, a ideia de tranquilidade entre os grupos ganha corpo e as guerras privadas passam a ser consideradas como óbice à paz pública

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(SALEILLES, 2006, p. 41). “Surge, então, como primeira conquista no terreno repressivo, o talião”. (NORONHA, 1999, p. 20-21).

Pelo talião, aplicava-se o castigo na mesma medida da ofensa. Oliveira (1996, p. 23) identifica sua existência já no período neolítico, mais precisamente na segunda idade da pedra2, sujeitando o infrator ao mesmo injusto por ele praticado. Procurava-se com essa lei delimitar a proporção do mal da pena ao mal do delito, por meio da máxima oculum pro oculo, dentem pro dente (NOGUEIRA, 1938, p. 15).

O olho por olho, dente por dente, determinava a morte do filho inocente quando seu pai, abatendo uma árvore, provocasse a morte de uma criança que por ali brincasse imprudentemente. Mataste o filho de outrem, pois o teu filho também será morto. Segundo o Código de Hammurabi se alguém tirar um olho de outro, perderá o seu igualmente: se alguém quebrar um osso de outro, partir-se-lhe-á um também; se o mestre de obras não construir solidamente a casa e esta, caindo, mata o proprietário, o construtor será morto e, se for morto o filho do proprietário, será morto o filho do Construtor. (FERREIRA, 2004, p. 7-8).

A própria etimologia da palavra talião (“tal”), revela a simetria dada à punição, como proporção tal e qual do mal praticado. Conforme prescreve Noronha (1999, p. 21), o talião esteve presente nas leis mais remotas que se conhece, a exemplo do Código de Hamurabi, o Código de Manu, e também o Pentateuco.

Registro interessante é feito por Oliveira (1996, p. 24) ao versar sobre o talião simbólico, essa espécie era reservada aos delitos praticados contra propriedade ou omissivos, equivalendo-se ao talião material, mas de menor intensidade. Isso porque, nos crimes contra os costumes, geralmente, a vítima e o agente pertenciam a sexos diferentes; a aplicabilidade do talião material era limitada aos crimes contra de homicídio ou lesões corporais, o que impedia a aplicação do talião a todas as situações desordeiras (COSTA, 1982, p. 14).

Assim, o talião simbólico determinava a punição de modo indireto, atingindo o membro ou órgão corporal utilizado para a prática do crime. (COSTA, 1982, p. 15).

Contudo, esta forma rudimentar e brutal “[...] sofreria, com o avanço da vida política, uma transformação essencial com o pacto de paz entre o grupo ofendido e o ofensor” (BRUNO, 1984, p. 73), conquista-se, assim, a composição, pela qual se livrava o infrator do castigo mediante pagamento de sua liberdade. “Preço em moeda, gado, vestes, armas, etc.,

2 “Supomos na época neolítica, porque a Lei de Talião é encontrada, em igualdade de fórmula, no Velho e no Novo Mundo, na América, em algumas tribos incas que conservam a tradição, sendo a emigração do Velho ao Novo Mundo através do estreito de Bhering (COSTA, 1982 p. 13).

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porque o ofensor comprava do ofendido ou de sua família o direito de represália, assegurando-se a impunidade” (NORONHA, 1999, p. 21).

Para Ferreira (2004, p. 8), a composição guardava enorme iniquidade, pois os mais bárbaros crimes poderiam ser reparados em moeda, desde que houvesse indenização da vítima pela ofensa praticada.

Com o progresso das organizações sociais e com a expansão da vida política, aparecem comunidades superiores e, como um processo natural, surgem tendências centralizadoras de poder. Daí em diante, a pena materializa a reação coletiva, politicamente organizada, almejando a autopreservação (SHECAIRA, CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 26).

Registre-se que nesse período não se concebia a pena de prisão como forma de punição (BITENCOURT, 2011, p. 34). A prisão é despida dos contornos que detém hodiernamente. Passa despercebida à prisão a natureza de sanção.

Até fins do século XVIII a prisão serviu somente aos objetivos de contenção e guarda de réus, para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados. Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infamantes. Por isso, a prisão era uma espécie de antessala de suplícios. (BITENCOURT, 2011, p. 37)

É possível perceber, contudo, a utilização da prisão como pena autônoma na antiguidade, por meio dos registros realizados por Platão, em sua obra “As Leis”. Em seu livro nono, propõe três formas de prisão, uma com a finalidade de custódia, uma segunda com caráter de correção (sofonisterium) e a terceira para suplícios. (SHECAIRA, CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 26).

2.2.2 Período da vingança divina

Neste período, “Já existe um poder social capaz de impor aos homens normas de conduta e castigo. O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime”. (NORONHA, 1999, p. 21). A pena, da concentração do poder de punir das mãos do ofendido, passa a ter como fundamento as entidades superiores.

O direito, aqui, é a própria religião. Exemplo disso é a previsão de crimes em meio a livros sagrados e o poder de reis e imperadores, que se revestia de caráter sagrado (OLIVEIRA, 1996, p. 25).

Oliveira (1996, p. 25) indica que o delito, então, representa uma ofensa às divindades, que quando ultrajadas, atingiam toda a sociedade. Pela punição aplacava-se a ira

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divina e regenerava-se ou purificava-se a alma do infrator, para que reinasse a paz na terra (FERREIRA, 2004, p. 8).

O Direito Penal Oriental, tomado pela vingança divina, tinha caráter teocrático, como ocorreu na China, cujo regramento era dominado pela vingança, e pela sua natureza sagrada, com a utilização do talião.

2.2.2.1 O oriente antigo

No Egito, o Estado fundado na autoridade teocrática representado pelo Faraó tinha as punições aplicadas às condutas que atingiam a religião, através da pena de morte, simples ou qualificada pela tortura, posteriormente substituída pela amputação do nariz. Além dela, a forca, decapitação, crucificação, desterro, confisco, mutilações, trabalhos forçados em minas e escravidão. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p. 182).

Na Índia, Shecaira e Corrêa Júnior (2002, p. 27) destacam o Código de Manu, alicerçado na religião hindu (bramanismo), datado do século V a.C ou, para alguns, do século XIII a.C.. Conforme lição de Zaffaroni; Pierangeli (2002, p. 182), a faculdade de punir era divina, atribuída à autoridade a execução, por delegação de Brahma.

Afirma-se que a pena de multa era maior e reservada para as pessoas hierarquicamente superiores, eximindo-as das penas corporais, dando conta, assim, da existência de uma sociedade estratificada (SHECAIRA; CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 27). E ainda que, para o homem das castas superiores3 que tivesse em sua memória decorado o texto legal, podia cometer crimes, sem que fosse sujeitado a qualquer tipo de pena. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p. 182)

No ponto, anota Ferreira (2004, p. 8), que o Código de Manu, pregando a purificação da alma do infrator, impunha decepar os dedos dos ladrões e, no caso de reincidência, também os pés, o corte da língua para os insultos aos homens de boa índole, atear fogo aos adúlteros e a entrega da adúltera aos cães.

A expressão religiosa é sobremaneira identificada nas regras do povo hebreu, em Israel, influenciada pelos Dez Mandamentos de Moisés (por isso, Lei Mosaica4), inspirado nas diretrizes do talião. Predominava a pena de morte, ultimada em variadas formas, por

3 Noronha (1999) descreve que a mais elevada é a dos brâmanes, e a mais baixa a dos sudras, que nada valiam. Havia, ainda, a casta dos guerreiros, comerciantes e lavradores.

4 Dotti, (2013) narra que o Pentateuco consiste nos cinco primeiros livros do Velho Testamento, de autoria de Moisés, o Gênese, Êxodo, o Levítico, o Números e o Deuteronômio.

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enforcamento, crucificação, serra, fogo, espada, afogamento, esquartejamento, flechadas, dentre outras, segundo relatam Shecaira e Corrêa Júnior (2002, p. 27).

Nos hebreus, era possível verificar “outras penas como prisão, excomunhão, privação de sepultura e multa e, em alguns casos sem gravidade, era permitida a composição, que requeria a completa reparação do dano e um sacrifício religioso”. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p. 183)

Ainda sobre a legislação penal hebraica, Zaffaroni; Pierangeli, (2002, p. 184) afirmam que os fariseus, posteriormente denominados “Rabbí”, foram os legisladores dos hebreus e são responsáveis pela edição do Talmud (“O Estudo”) no século V a.C, prevendo a pena de morte, penas corporais e pecuniárias, além de institutos como a legítima defesa, culpa, reincidência, preterintenção e o erro.

Singularmente afastada do cunho religioso é a sanção penal da Babilônia que, com Código de Hammurabi, datado de 2083 a.C, representa a vingança pública através dos princípios do talião, medida pela qual se atinge o infrator no mesmo grau da ofensa por ele praticada. Percebe-se, contudo, resquícios da ideia religiosa. (BRUNO, 1984, p. 75).

Figuravam como as principais penas a lex talionis e a morte, mas não de menos utilização as sanções corporais com a perda ou mutilação de membro, sentido ou função que se relacionasse com a prática do crime, como o que ocorria com o furto, que acarreta a amputação das pernas (DOTTI, 2013, p. 217).

O direito penal Chinês, na antiguidade, é marcado pelo caráter puramente sagrado e místico, verificado no Livro das Cinco Penas, que não desconhece o talião e a vingança. Dotti (2013, p. 217-218) descreve as cinco penas como sendo a amputação do nariz, amputação das orelhas, obturação dos orifícios do corpo, a perfuração dos olhos e, por fim, a morte, cuja execução pública — com intuito de impor o temor — era por meio da forca, decapitação e esquartejamento5.

Na Pérsia, atual Irã, antes do advento do Islamismo, o direito penal alicerçava-se na vingança regida pelo talião. Vigorando os ideais do Islã, as penas eram crudelíssimas, já que o crime transgredia a majestade do soberano, titular da aplicação das penas.

Das modalidades da pena capital “se destacavam a lapidação, a crucificação, o esquartejamento, a decapitação e o scaffismo. Também se aplicava a pena de mutilação” (DOTTI, 2013, p. 218). Ao descrever o “escaffismo”, Oliveira (1996, p. 27) narra que se

5 “Esse suplício consistia em prender um cavalo a cada um dos pés e a cada um dos braços do condenado, obrigando em seguida os animais a puxar em direções opostas até separarem-se do tronco os membros do suplicado” (DOTTI, 2013, p. 218)

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deitava o corpo do infrator de costas em um bote, cobrindo-o com outro, deixando os pés, mãos e cabeça de fora, aplicando-lhe uma mistura de leite mel, expondo seu rosto ao sol, de modo a cobri-lo de moscas e formigas, que iam devorando o corpo do malfeitor, deixando seus restos em meio à podridão.

No oriente antigo, a prova dos fatos era feita por meio das ordálias, também conhecidas por “provas de Deus”, com a submissão do acusado à escolha, com os olhos vendados, entre uma cruz e uma espada, acaso optasse pela espada era considerado culpado, pois Deus deveria orientar a opção correta se fosse inocente, e deixando de acolhê-lo se fosse culpado (SHECAIRA; CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 28).

Conhecidos como eminentes comerciantes, os fenícios mais se preocuparam com a repressão dos crimes no âmbito do comércio (OLIVEIRA, 1996, p. 26) e, também, era generalizada a pena de morte, pregando o sentido de prevenção geral e intimidação, com origem no castigo sacral (PIMENTEL, 1983, p. 123).

Uma breve passagem aos países da América antiga permite identificar a pena de morte, a escravidão, desterro, confisco, destituição de emprego, prisão para a civilização asteca, o que também ocorre com os incas, com a nuance de ordem teocrática (SHECAIRA; CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 27).

A organização social do Império Inca tinha suas raízes na ordem teocrática, seu sistema penal também deita raízes na natureza guerreira desta civilização, sendo possível verificar aplicação mais benéfica aos nobres; as penas pecuniárias tiveram tímida aplicação, em virtude a sua base socialista de formação (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p. 185).

2.2.2.2 A pena na Grécia e em Roma

As fontes que permitem o conhecimento dos velhos tempos gregos são os poemas homéricos, em que havia participação ativa dos deuses na luta dos homens, é nos mitos e obras, sobretudo do trágico Ésquilo, que a pena aparece como expiação, em que se manifesta sua matriz sacral (BRUNO, 1984, p. 76). Mais tarde, a pena passa a ser pública, alternando sua escala de severidade de acordo com a natureza do delito, se praticado contra o Estado ou a religião, a pena era maior, já se levado a efeito contra o particular, a punição era menor. (FERREIRA, 2004, p. 9).

Para Dotti (2013, p. 221), na Grécia, no período legendário, preponderou a vingança privada, que atingia além do infrator, a sua família. Em um segundo momento, com

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o advento do Estado, surge o período religioso, em que o direito e o poder advinham de Júpiter e, em nome dele os reis jugavam e executavam o castigo. (NORONHA, 1999, p. 22).

De larga escala foi a utilização da pena de morte na Grécia, sobretudo em Esparta, pela rigidez da legislação6, mas sem deixar de aplicar outras sanções, como os açoites, penas corporais, desterro, mutilações, aplicadas com a finalidade imediata de castigar e, mediata, de infundir medo. (PIMENTEL, 1983, p. 125).

Por volta de 399 a.C é que a temática da individualização da pena e sua natureza torna-se debatida, quando do julgamento de Sócrates, em que, em sua defesa, indaga ao tribunal que o condenou que pena deveria a ele ser aplicada, episódio retratado por Platão, em Apologia de Sócrates. (DOTTI, 2013, p. 222-223). Para Platão, a pena acarreta sempre dois efeitos isolados ou simultâneos: vale ao condenado para sua correção, ou vale à sociedade, dando-se ciência aos demais infratores do sofrimento infligido (COSTA, 1982, p. 26).

Aristóteles faz florescer a discussão acerca dos fundamentos do direito de punir e sobre as finalidades da pena, “que faz penetrar nas especulações sobre o crime da ideia do livre-arbítrio, [...] e que tanta influência iria exercer nos séculos vindouros” (DOTTI, 2013, p. 222).

Não menos aplicada foi a pena exterminadora em Roma, que em seu princípio albergava a vingança, o talião e a composição, como expressão do caráter sacral, informações trazidas por Dotti (2013, p. 223). Porém, Bruno (1984, p. 80) ressalta que os romanos foram, dos povos antigos, os que mais cedo despiram o Direito do matiz religioso, fazendo nítida diferenciação entre o sagrado e a doutrina e prática jurídica.

2.2.3 Vingança pública

O Estado trouxe para si a titularidade do direito punitivo, em razão da vulnerabilidade que ocasionava a vingança levada a efeito pelo particular ou grupo, bem assim aquela realizada sob os auspícios da religião, não servindo, pois, aos propósitos do Estado, que se tornava mais enfraquecido (FERREIRA, 2004, p. 9).

Como pontuado por Oliveira (1996, p. 33), com o progresso das civilizações, divorcia-se o direito da religião, em razão do aperfeiçoamento das definições de valores, de sorte que as leis não eram mais albergadas como costumes sagrados, impostas pelos deuses;

6 “Da primeira metade do século IX ao fim do séc. VIII a.C., em Esparta, era aplicada a legislação de Licurgo. As leis espartanas eram revestidas de espírito heroico, puniam principalmente o soldado covarde, o jovem afeminado e o celibatário (OLIVEIRA, 1996, p. 29).

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assim, fortificada a autoridade pública, a força foi conferida ao Estado, invocando para si o exercício da pena, subtraindo do ofendido, da vítima ou de sua família o poder de punir.

Mirabete (2004b, p. 36) afirma que a vingança pública veio a atribuir maior estabilidade ao Estado, buscando a segurança do príncipe ou soberano por intermédio da pena, ainda severa e cruel, para posteriormente, separá-la da natureza religiosa, transmudando-se em responsabilidade individual.

Nesse contexto, a pena passou à titularidade do ente soberano, exercida em conformidade com seus interesses; perdura a aplicação do talião e a vindita, mas não ao talante do ofendido. Assim, sob o aspecto humanitário, quase insignificativas eram as mudanças (FERREIRA, 2004, p. 9).

A composição que, no período da vingança pessoal era faculdade, passa a ser um dever jurídico; a pena ao deixar o caráter privado já não tem mais o cunho religioso, mas sim grande fundamento político (OLIVEIRA, 1996, p. 33).

Desconhece-se a origem exata da mutação do privado para o público, certo é que a pena passa a ostentar uma finalidade política, descolando-se do caráter religioso (OLIVEIRA, 1996, p. 33). Para Zanon (1997, p. 84), em Roma, com o advento da República, em meados de 509 a.C., o Estado se separa da Religião.

Importante advertência é feita por Ferreira (2004, p. 11) ao aduzir que o período da vingança divina e o período da vingança pública coexistiram lado a lado por muito tempo na história, o que sucede também com o período da vingança privada.

Com a queda da Monarquia, em 500 a.C., a Lex Valeria pôs termo à arbitrariedade dos monarcas, senadores, magistrados e pater familias quanto à discricionariedade penal (OLIVEIRA, 1996, p. 33). Isso se deve à instalação do juízo popular (judicium populare), a quem era dada a função de julgar; o condenado à morte era submetido ao comício ou juízo do povo (ZANON, 1997, p. 85).

A laicização do direito penal romano, conforme ensinamentos de Shecaira e Corrêa Júnior (2002, p. 29), ocorreu com a Lei das XII Tábuas (século V a.C), distinguindo-se os delitos públicos dos delitos privados, estes punidos na seara privada, pelo próprio ofendido, buscando a composição na justiça civil.

A pena pública, por sua vez, era aplicada aos delitos públicos, punidos com sanções mais severas, pela aplicação da pena de morte ou desterro, subdividiam-se em dois grupos: o perduellio (contra a existência e a segurança da cidade) e o parricidium (morte do pater familias, não simplesmente de um pai), segundo ensinam Shecaira e Corrêa Júnior (2002, p. 29).

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Entre as mais penas aplicadas, estavam a pena de morte, perda de direitos civis, penas pecuniárias, desterro e trabalhos forçados (SHECAIRA; CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 29), que, na maioria das vezes, culminava com a morte do infrator. Havia, ainda, as penas executadas em público, com a exposição do condenado aos animais ferozes (PIMENTEL, 1983, p. 125).

Somente em 200 a.C. é que a pena passa a ter um tratamento menos intenso, passando-se a aplicar penas pecuniárias aos delitos privados, abrandando o campo de atuação da pena de morte; os delitos mais graves eram submetidos ao crivo do povo, congregados em comícios quando, então, a aplicação da pena passa a ter matriz predominantemente pública (OLIVEIRA, 1996, p. 34).

Já no fim da república, com as leges Corneliae e Juliae, datadas de 80 a.C., é possível perceber linhas da reserva legal, já que, com a edição dessas leis, estabeleceram-se condutas criminosas, além da distinção entre crimes públicos e privados, cominando penas a cada um deles; a leges Corneliae cuidou dos crimes havidos nas relações dos cidadãos e leges Juliae cuidou dos crimes praticados contra o Estado, praticados pelos particulares, administradores, juízes e parlamentares (BITENCOURT, 2010, p. 62).

Às ruínas do império romano e à tomada da Europa pelos “Povos Bárbaros”, sucede a Idade Média, marcada pela aplicação do direito germânico7 (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p. 30). “[...] os povos germânicos trouxeram para a Europa Central seus costumes, seus usos, suas tradições, suas religiões e superstições e também seu sistema jurídico” (LEAL, 1998, p. 66).

As punições germânicas, em sua maioria, eram de três ordens: a perda da paz (Frieldlosigkeit), a faida e a composição (wertgeld). Pela pena mais grave, a perda da paz, o apenado se via subtraído da proteção social, permitindo que fosse agredido impunemente (SHECAIRA; CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 30). A faida era aplicada aos crimes privados, com a consequente inimizade para com o infrator e sua família, que poderia se transmudar em uma soma em pecúnia a ser paga à vítima ou sua família, o que caracterizava a composição (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p. 190).

7 O delito era concebido pelos povos germânicos como algo puramente objetivo, passando às margens de indagações quaisquer questões de ordem psicológica, adotando uma concepção privatística da pena, tida como restauração do injusto suportado pela vítima e como verdadeira reação do ofendido (COSTA, 1982, p. 40). No mesmo sentido: “há uma apreciação meramente objetiva do comportamento humano, onde o que importa é o resultado causado, sem questionar se resultou de dolo ou culpa ou foi produto de caso fortuito, consagrando-se a máxima: o fato julga o homem” (BITENCOURT, 2010, p. 65)

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Havia ainda a vingança de sangue (bluetrache), que dava espaço ao direito de asilo em detrimento do talião (SIQUEIRA, 1947, p. 47, apud DOTTI, 2013, p. 224), além da compra do direito de vingança pelo infrator, do agredido ou de sua família (NORONHA, 1999, p. 23).

Posteriormente, sob os influxos do direito penal romano, começa-se a exigir um vinculo psicológico entre o resultado e o comportamento humano, devendo ser destacado ainda o procedimento adotado para apuração dos crimes, por meio das ordálias (BITENCOURT, 2010, p. 65).

Ao tempo da Idade Média, a Igreja acumulava cada vez mais poder, de modo que certas decisões eclesiásticas eram executadas por tribunais civis (ZANON, 1997, p. 84). A Igreja ampliava cada vez mais o campo de atuação de suas regras para disciplinar fatos tidos como crimes praticados por religiosos e por profanos; dá-se a esse conjunto de normas ditadas pelo poder pontifício a denominação de Direito Penal Canônico (BRUNO, 1984, p. 86).

A pena no direito penal canônico detinha caráter sacral, com fundamento retribucionista, mas sem descuidar da correção do infrator (SHECAIRA; CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 31). Com bases no direito penal romano e germânico, o direito penal da Igreja, inspirado nos ideais do cristianismo, humanizou o sistema de penas, enxergando o infrator na condição de ser humano, viu o crime sob a responsabilidade subjetiva, afastando as ordálias e os duelos judiciários; a pena transcende o caráter expiatório para atingir também natureza regeneradora (ZANON, 1997, p. 85).

Assim, embora a acentuada crueldade na perseguição dos hereges, a Igreja contribuiu com os avanços no campo da prática penal, fazendo fortalecer a autoridade pública, combatendo a pena privada, buscando a base do direito punitivo na pena pública, como sendo a única justa e regular (BRUNO, 1984, p. 86).

Nas práticas antigas, a privação e a restrição da liberdade não se expressavam como penas autônomas, mas sim como forma de assegurar a imposição das penas corporais, além servir à prática da tortura para obtenção de provas (DOTTI, 1998, p. 32).

É no século IV que a prisão como pena ganha seus primeiros contornos com o Direito Canônico, baseado no ideal de reforma do delinquente (BITENCOURT, 2010, p. 67). É a prisão eclesiástica aplicada aos sacerdotes ou aos hereges como reclusão nos mosteiros, com finalidade de pôr o recluso a meditar, repensar e se arrepender da infração, que nomeia a “penitência”, utilizada até os dias atuais (SHECAIRA; CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 34).

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Pelo sofrimento e na soledade, a alma do homem se depura e purga o pecado. Trata-se dum conceito de origem religiosa, que opera mediante a asceTrata-se, isto é, através da prática ou exercício das virtudes religiosas que, adormecidas na alma do homem, pode êste despertar com a prática da penitência. Tudo isso implica a existência no delinquente duma perfeição transitoriamente negada pelo delito e suscetível de recuperação mediante o sofrimento e execução da pena. (FUNES, 1953, p. 63-64)

As principais figuras do Direito Canônico foram Santo Agostinho, que pregava que o livre-arbítrio prevalecia sobre o intelecto, e São Tomaz de Aquino, que expunha a prevalência do intelecto sobre a vontade (OLIVEIRA, 1996, p. 34). Porém, embora a tentativa da Igreja de fazer abrandar a prática penal, a Idade Moderna demonstra a prodigalidade das penas cruéis (OLIVEIRA, 1996, p. 35).

Com a congregação do Direito romano, Direito germânico, do Direito canônico e dos direitos nacionais, dá-se o Direito Penal Comum (PRADO, 2007, p. 75). Direito este que “regeu a prática da justiça punitiva em diversos países da Europa, durante os séculos, na Idade-Média e épocas posteriores [...], com o predomínio do Direito romano” (BRUNO, 1984, p. 87).

No século XII, os “glosadores”, também os “pós-glosadores” iniciam a sua atividade de comentaristas dos textos romanos que eram recepcionados (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p. 192). Prado (2007, p. 75) salienta a importância dos estudos do direito romano, pois “[...] restaura na Europa o sentimento do Direito, de sua dignidade, de sua importância para assegurar a ordem e o progresso social”.

Shecaira e Corrêa Júnior (2002, p. 31) afirmam que, com a queda de Constantinopla e o perecimento do feudalismo, do século XVI em diante, advém a Idade Moderna, trazendo consigo o produto das guerras religiosas, difundindo a pobreza por todo o continente europeu, fazendo sobrelevar a delinquência.

Sobre o direito penal da Idade Média assenta Leal (1998, p. 678-68) que suas práticas, notadamente a pena de morte, perduraram até meados do século XVIII sempre adjetivadas pela crueldade, pelo temor e brutalidade quando aplicadas às classes populares, mas dava guarida e concedia privilégios aos nobres e clérigos.

Assim, o Direito Penal Comum é

Justificado por esse regime injusto e cruel, assente sobre a iníqua desigualdade de punição para nobres e plebeus, e o seu sistema repressivo, com a pena capital aplicada com monstruosa frequência e executada por meios brutais e atrozes, como a forca, a fogueira, a roda, o afogamento, a estrangulação, o arrastamento, o arranchamento das vísceras, o enterramento em vida, o esquartejamento; as torturas em que a imaginação se exercitava na invenção dos meios mais engenhosos de fazer sofrer e multiplicar e prolongar o sofrimento; as mutilações, como as de pés, mãos, línguas, lábios, nariz, orelhas, castração; os açoites, as penas propriamente

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infamantes, e onde a perna privativa da liberdade, quando usada, se tornava hedionda pelas condições em que então se executava. (BRUNO, 1984, p. 89).

No decorrer do tempo, até início do século XIX, era cada vez mais difundida a ideia de que as penas tais como eram executadas, em meio ao público, não causavam mais o efeito almejado (OLIVEIRA, 1996, p. 38). Ferreira (2004, p. 12) afirma que nem todos sentiam prazer em assistir ao teatro da execução das penas, pois a maioria assim o fazia pela ignorância, pelo medo ou induzimento8.

É quando eclode a Revolução Francesa, que “com seu movimento reformador, foi o marco de extinção da desumanidade do Direito Penal” (BITENCOURT, 2010, p. 68). Movimento este permeado pelos ideais Iluministas e seus precursores, como Montesquieu, Rousseau e outros, culminando com a queda da Bastilha, em 1789, a identidade da iniquidade característica do despotismo9 (SHECAIRA E CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 32).

Daí em diante, passa-se a questionar a necessidade de mudança na política de apenar, quando então se iniciou o período humanitário (OLIVEIRA, 1996, p. 38).

2.2.4 Período humanitário

É na segunda metade do século XVIII que se insurge contra os abusos e atrocidades cometidas pelo Direito Penal absolutista, uma corrente de pensamento totalmente contrária refuta a ideia de que, em nome do Direito Penal, fossem realizadas tamanhas barbáries contra o infrator (LEAL, 1998, p. 69).

Na lição de Dotti, “O Iluminismo se caracterizou na Europa racionalista no final do século XVIII como um movimento e um modo de pensar diferente [...], se caracterizou pelo empenho de ampliar a crítica e o guia da razão em todas as atividades humanas” (DOTTI, 2013, p. 233).

O ideário humanitário foi encabeçado por Voltaire, Montesquieu e Rousseau que censuravam os abusos que regiam a aplicação e execução da pena, pregando a necessidade de imposição das penas proporcionalmente ao crime, sopesando as circunstâncias do infrator,

8 Oliveira (1996, p. 37) retrata que os dias da execução da pena eram festivos, celebrados pelo povo com grande consumo de bebidas, agregando pessoas de várias áreas da cidade, exercendo o público papel determinante, participando desde os aplausos, até mesmo com a libertação do condenado, perseguindo e executando o carrasco.

9 “No absolutismo, entendido como toda doutrina que defende o poder absoluto do Estado, o controle do monarca se refletia no campo penal e o suplício infligido aos criminosos era a reafirmação do poder do soberano.” (ROSSETO, 2014, p. 18).

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bem como ser a mais eficaz sobre a alma humana e simultaneamente a menos cruel (BITENCOURT, 2011, p. 69).

Surge, então, a célebre obra de Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, Dos Delitos e Das Penas, ainda em voga nos tempos atuais, recebendo inúmeros predicados, pois “foi um primeiro grande brado de revolta contra as iniquidades do Direito e do Processo Penal [...]” (DOTTI, 2013, p. 233).

Beccaria defende a necessidade da previsão legal da pena, não sendo dado ao juiz impor pena que não tivesse prevista em lei (FERREIRA, 2004, p. 13), dispensa a arbitrariedade na interpretação das leis, opõe-se à pena de morte, (ROSSETO, 2014, p. 30), afirma que a pena deve ser proporcional e guardar na sua finalidade a ideia de prevenção geral e proporcional (PRADO, 2007, p. 79).

O Marquês de Beccaria tem parcela de contribuição na extinção dos resquícios dos antigos bárbaros e cooperou para alteração no cenário que se ilustrava em seu tempo (ZANON, 1997, p. 111).

Desde que apareceu, a obra de Beccaria passou a ser o farol, o ponto de luz a indicar o caminho a ser seguido pelos estudiosos do direito penal. As suas premonições faziam antever que um dia, afinal, o homem seria remido e resgatado de toda a punição infamante, cruel ou atentatória de sua dignidade. Antes dele ninguém ousara insurgir-se publicamente contra a ignomínia das torturas e contra a pena de morte (SILVA, 1991, p. 23)

Gradativamente, a pena de morte foi se extinguindo, ou não aplicada, já as penas corporais e infamantes, paulatinamente, perdem espaço que passa a ser ocupado às penas privativas de liberdade e, centrados na reeducação de criminosos, passa-se a edificar diversos presídios (FERREIRA, 2004, p. 15).

Oliveira (1996, p. 39) deixa certo que houve uma redução drástica nos crimes contra as pessoas, acentuando-se os crimes contra o patrimônio, como o roubo, o furto e as fraudes, tudo em razão da elevação do padrão de vida e ao crescimento populacional, acarretando, por via reflexa, o desenvolvimento do aparato policial.

Obra de destaque neste período foi a de John Howard que se dedicou a estudar e reformar as prisões, fazendo passagens em diversos países, e neles visitando hospitais, prisões e estabelecimentos do gênero, cujos resultados foram expostos na obra “The state of the prisons in England and Walles” (Estado das Prisões na Inglaterra e País de Gales) (DOTTI, 2013, p. 235, tradução do autor).

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Assim, “propugna Howard um tratamento mais humano do encarcerado, dando-lhe assistência religiosa, trabalho, separação individual diurna e noturna, alimentação sadia, condições higiênicas etc.” (NORONHA, 199, p. 26).

Na ideia de que o homem procura sempre abandonar a dor e buscar o prazer, Jeremias Bentham fundamenta a pena; foi pioneiro ao expor a importância da arquitetura prisional, propondo o sistema panótico de prisão (BITENCOURT, 2010, p. 74-75).

Por este sistema carcerário, a casa penitenciária teria forma circular, com seus quartos em suas curvas e, ao centro, a presença do inspetor, de onde poderia avistar todos os presos, e a eles designar ordens, sem que deixasse seu lugar, delegando a um particular a tarefa de saúde dos presos (FERREIRA, 2004, p. 16).

Os resultados práticos do trabalho dos reformadores apenas ressoam em 1810, com a edição do Código Penal Francês, reformado em 1832, abolindo todas as formas de mutilações e, abrandando as penas capitais, conferindo meios de atenuação de penas (OLIVEIRA, 1996, p. 41).

2.2.5 Período científico da pena

Já no fim do século XIX a preocupação até então voltada para a humanização da pena passa a contar com o cientificismo, que buscava incisivamente as causas da delinquência (LEAL, 1997, p. 69). Aqui, o delito é tido como um processo patológico de seu autor, representante de um fato social e individual e, por isso, a pena deixa de ser um castigo para ser vista como um remédio (FERREIRA, 2004, p. 16).

Dando início a esse período, Cesare Lombroso buscou fixar um liame entre a constituição física e a vocação para prática delitiva, cujos resultados são expostos na obra “O Homem Delinquente”, publicada em 1876 (LEAL, 1997, p. 69).

Ao comentar a obra de Lombroso, Martins (2001, p. 19). diz que o autor “pecou, no entanto, ao tentar atribuir ao direito penal uma função meramente clínica, contrapondo-se ao entendimento de que se trate de ciência normativa, cujo conteúdo é ético e relaciona-se com o fato que infringe norma de conduta”.

Contudo, é a partir daí que se começa a surgir ciências penais voltadas ao estudo das características antropológicas do criminoso, atentas às questões como individualização da pena, a periculosidade e a medida de segurança passam a ser objetos de debates com profundidade (GOMES NETO, 2000, p. 39).

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A Primeira Guerra Mundial fez surgir os regimes autoritários, fascismo, nazismo e comunismo, restabelecendo a pena de morte na Itália; no decurso dos tempos advém a Segunda Guerra Mundial que põe fim ao período científico da pena e faz alvorecer o período atual, nominado de Nova Defesa Social (FERREIRA, 2004, p. 17).

2.2.6 Período atual

Na lição de Silva (1991, p. 30), após findar a Segunda Guerra Mundial, o direito volta a percorrer o caminho que vinha trilhando ao tempo das ideias de Beccaria, vindo à tona movimentos de reação humanitária, surgindo a defesa social.

Iniciado em 1945, por Filippo Gramatica, o período da nova defesa social, com as bases de seu fundador tem objetivo radical: a eliminação do direito penal, em razão da revolta contra o regime fascista e retrógrado do direito penal; filiado a essa corrente está Marc Ancel, não adepto ao radicalismo de Gramatica, mas dedicado à humanização das instituições penais (FERREIRA, 2004, p. 17).

No magistério de Pimentel, na escola da nova defesa social, “a pena não tem somente caráter expiatório, mas serve também à defesa da sociedade; além de ser exemplar e retributiva, a pena tem um escopo de melhoramento, senão mesmo de uma reeducação, do delinquente; o tratamento penal deve ser humano [...]” (PIMENTEL, 1983, p. 132).

Deve ser anotado que aqueles que comungam dos ideais de abolicionismo não o querem de modo repentino, imediato, mas sim como um processo engendrado pela prevalência de medidas alternativas, reduzindo gradativamente a utilização da prisão como forma de pena (SILVA, 1991, p. 38).

Assim, analisando a evolução histórica da pena é possível constatar que a ideia de castigo sempre a acompanhou desde os seus princípios, buscando sempre a reconciliação com a ordem e a paz (PIMENTEL, 1983, p. 132).

Com Oliveira (1996, p. 42) é possível afirmar, ainda, que em todas as etapas da pena na história verifica-se uma multiplicidade de castigos, além de infindáveis meios de execução, mas certo é que a cada fase a pena e sua execução expressa o nível de formação cultural e organizacional da sociedade.

O que se deve ter em vista é que a pena surge como consequência do crime, pelo que deve ser envidado maior tratamento em suas causas, o que apenas ocorreria por intermédio da reforma no modelo cultural e social, tarefa árdua e prolongada, mas nem por

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isso não há que permanecer inerte, é necessário dar preferência as medidas alternativas e buscas meios que tornem a pena mais eficaz e menos maléfica (FERREIRA, 2004, p. 21).

Ultrapassado o aspecto histórico e seus aspectos essenciais, passa-se a analisar as teorias que fundamentam a pena.

2.3 TEORIAS DA PENA

No dizer de Boschi, “falar em teorias da pena é destacar os fundamentos racionais que explicam e justificam, isto é, apontam científica e empiricamente, os sentidos da imposição pelo Estado de penas pelos fatos considerados ofensivos a interesse público” (BOSCHI, 2011, p. 87).

Costuma a doutrina classificar as funções da pena em teorias preventivas, denominadas “relativas”, focadas aos seus fins enquanto justificativa à sua finalidade e nas teorias retributivas, nominadas de “absolutas”, que não buscam qualquer fim na pena (BARROS, 2001, p. 53). É consenso também a existência das teorias mistas, conforme assinala Noronha (1999, p. 28).

É de ser destacado, junto com Zaffaroni e Pierangeli (2002, p. 120), que “sem pretender esgotar a enorme lista de teorias que foram elaboradas, nos limitaremos a assinalar orientações gerais por elas adotadas”.

2.3.1 Teorias absolutas ou retributivas

As teorias absolutas não veem na pena um fim utilitário, punem em decorrência da prática do crime, como um justo mal imposto ao injusto praticado e, em decorrência dessas assertivas, há quem diga que as teorias absolutas representem propriamente o talião (NORONHA, 1999, p. 28).

Atribui-se a Kant a ideia da teoria absoluta como mal justo que se antepõe ao mal injusto que é o crime10; já Hegel, ao fim do século XVIII, buscou fundamentar a teoria

10Das passagens da obra “metafísica dos costumes” de Immanuel Kant, retira-se o caráter retributivo da pena, em que “a punição imposta por um tribunal (poena forensis) [...] jamais pode ser infligida meramente como um meio de promover algum outro bem a favor do próprio criminoso ou da sociedade civil. Precisa sempre ser a ele infligida somente porque ele cometeu um crime [...]” (KANT, 2003, p. 174).

Referências

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