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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC – SP PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA – COS Magda Salete Vicini

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Academic year: 2019

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PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E

SEMIÓTICA – COS

Magda Salete Vicini

Dimensões comunicacionais no conceito de escultura social de Joseph Beuys:

um processo de tradução criativa

Tese de Doutorado

Orientadora: Profa. Dra. Lucia Leão

Linha de Pesquisa 2: Processos de Criação nas Mídias

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Magda Salete Vicini

Dimensões comunicacionais no conceito de escultura social de Joseph Beuys:

um processo de tradução criativa

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Pontifícia Universidade Católica

São Paulo – 2011

Magda Salete Vicini

Dimensões comunicacionais no conceito de escultura social de Joseph Beuys:

um processo de tradução criativa

Tese de Doutorado apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Doutora em Comunicação e Semiótica, à Comissão Julgadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Prof. Dr. Lucia Leão.

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Lúcia leão

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Rogério Almeida

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Sérgio Bairon

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Helena Katz

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Agradecimento

Agradeço a Deus e minha família pelo apoio e amor incondicional. Em

especial meus queridos irmãos que compreendem minha busca intelectual e artística. À minha

orientadora Lúcia Leão, que me motivou a buscar a essência dessa pesquisa e me conduziu

aos resultados alcançados. Às crianças, adolescentes e adultos que participaram das gravações

para a tradução. Ao Prof. Dr. Matthias Bunge, pelo fato de motivar-me a esta pesquisa, a

partir de seus textos. À Unoesc Campus de Xanxerê, pela compreensão e apoio nesses anos de

pesquisa. Ao prefeito e amigo Bruno Bortoluzzi, pela oportunidade de estar trabalhando para

a cultura de Xanxerê. Aos professores Dra. Helena Katz e Dr. Rogério Almeida, pelas

contribuições no exame de qualificação desta Tese. Agradeço Profa. Dra. Arlete Petry, que

gentilmente aceitou revisar e meus textos. Também agradeço à Irene Sá Affolter, que

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Resumo

Essa investigação busca a compreensão do conceito de Escultura Social de Joseph Beuys, que requer a adoção de uma visão de suas dinâmicas comunicacionais como processos criativos constantes, fundindo-se com sua vida. O primeiro objetivo desta Tese é encontrar a definição do conceito de Escultura Social de Joseph Beuys que sustente a sua proposta de comunicar-se a partir de uma arte ampliada. O segundo é relacionar esse conceito à produção artística de Beuys, revelando, a partir de seus contextos vividos, suas obras e possíveis influências à sua arte, a natureza dessa comunicação. E, finalmente, o terceiro objetivo é realizar uma tradução criativa como tradução simbólica, cuja essência interprete o conceito de Escultura Social. Além disso, uma análise da epistemologia da arte de Joseph Beuys, tanto em críticas de jornais, vídeos, livros e catálogos de exposições brasileiras e estrangeiras. Para visualizar o conceito de Escultura Social, foram feitas análises das obras de Beuys produzidas como performances, ações, múltiplos (cartões postais e objetos) e desenhos. Para fundamentar o conceito de Escultura Social, a Tese se fundamenta em Tisdall (1998, 2008), Kuoni (1993), Bunge (1998) e Borer (2001), na Antroposofia de Rudolf Steiner e no Romantismo em Hegel, Schiller, Goethe e Novalis. Apresenta a obra de Beuys em pesquisadores como Durini (2008), Lauf (1993), Harlan (2005), Adriani, Tomas e Konnertz (1979). Concebe que o conceito de Escultura Social apresenta proximidades com as teorias da comunicação, dentre estas, Negri e Hardt (2005), Maturana e Varella (1995), Flusser (2008) e Gorz (2005). Compreendido o conceito de Escultura Social, realiza uma tradução desse conceito em produção digital. Para tornar clara a opção de tradução nos apoiamos nas considerações teóricas de Benjamin (2008), Gentzler (2008), Steiner (2005) e Campos (1997, 2005, 2006). A produção pretendida aproxima-se de uma tradução intersemiótica na compreensão de Plaza (2008). Para tanto, foi fundamental entender a tradução com origem na linguística e na linguagem como elementos de construção da cultura humana, - base da essência humana na obra de Joseph Beuys -, nos autores Rudolf Steiner (2001), Cassirer (2001, 2005), Bachelard (2008), Steiner (2008) e Baudrillard (1993). Concluído que a Escultura Social se apresenta como crítica à comunicação, à política e à cultura, e meio para provocar pensamentos, palavras e ações, percebemos que Joseph Beuys buscava o encontro da essência humana com a realidade vivida. A partir dessa nossa compreensão, construímos a tradução em videoáudio: faladoOutro/EscutaImagem.

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Abstract

This investigation confront and checks the amplitude of the concept of Social Sculpture based in the authors Tisdall (2008), Kuoni (1993), Bunge (1998) and Borer (2001), and relates to all works produced by Joseph Beuys. Contextualize the concept of social sculpture of Joseph Beuys in relation to his life and his art, from theories and concepts as the Rudolf Steiner’s anthroposophy and Romanticism in Hegel, Schiller, Goethe and Novalis. Present some considerations about his work with researchers as Durini (2008), Lauf (1993), Harlan (2005), Bunge (1998), Tisdall (1998, 2008) and Adriani, Konnertz and Tomas (1979). Approach the context of art from visual arts critics who analyze his artwork from the 1960s. The desired yield, say, the intention in this context, is close to an understanding of the inter-semiotic translation Plaza (2008), considering it as symbolic translation. We conceive that the concept of Social Sculpture was close to the critique of current communication, among these, the analysis of democratic representation in the absence of Negri and Hardt (2005), the process of communication and interaction between man and nature in Maturana and Varella (1995 ), the critique of technology Flusser (2008) and the invisible economy of knowledge as Gorz (2005). Since the concept of Social Sculpture was understood, the aim is to make a translation of this concept in digital production, considering aspects of translation theory. To clarify our translation option in the theoretical considerations in support of Benjamin (2008), Gentzler (2008), Steiner (2005) and Campos (1997, 2005 and 2006), building a creative process for the translation that is down from our experience as an artist, teacher, manager of Brazilian culture and citizenship, reading and directing the social and cultural contexts the concept of Social Sculpture. Thus, it was fundamental the understanding of the translation originated in linguistic and language as building elements of human culture - the basis of the human essence in the work of Joseph Beuys -, the authors Rudolf Steiner (2001), Cassirer (2001, 2005), Bachelard (2008), Steiner (2008) and Baudrillard (1993). We got the concluded that the Social Sculpture is presented as critical to communication and culture, and means to provoke thoughts, words and actions. Joseph Beuys sought the meeting with the human essence of the lived reality, using art as a way to challenge and expand the notion of human beings and the the world. From this understanding, made the translation of

digital production: Otherspoken/ListenImage.

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Lista de Figuras

Lista de obras de Joseph Beuys – Capítulo I

Figura 1 - Directional Forces – 1976 – Veneza - Foto Caroline Tisdall (1998) Figura 2 - Richtkräfte, 19781 - Fonte: www.picsearch.com

Figura 3 – Untitle (State of Sun) – 1974 – Fonte: - artblart.wordpress.com/category/joseph-beuys/

Figura 4 - Coyote – I Like America and America Likes me – 1974 – Foto: Caroline Tisdall (1998)

Figura 5 - Intuition – 19682 - fonte:www.worthpoint.com

Figura 6 - Wer nicht denken Will flieght raus. Sich selbst. – 1977 – Fonte: Catálogo dos Cartões Postais (1998)

Figura 7 - Ich denke sowieso mit dem Knie – Joseph Beuys - Fonte: Catálogo dos Cartões Postais (1998)

Figura 8 – Roses – 1952 - www.tate.org.uk

Figura 9 - Pietá, 1948 – Joseph Beuys - Fonte: Borer (2001) Figura 10 - _______?, 1948 – Joseph Beuys - Fonte: Borer (2001) Figura 11 – Kunst=Kapital – 1980 – Fonte: www.artthrob.co.za

Figura 15 – ActionPiece – 1972 – Foto: Simon Wilson – Fonte: theartofchalkboards.tumblr.com/post/1043260983/tate-modern-past-exhibitions-joseph-beuys

Lista de obras - Capítulo II

Figura 12 - Kiry, Beuys, Salvador – Ayrson Heráclito (1995)3 - Fonte: www2.sescsp.org.br . Figura 13 - Cabana Extemporânea – Rugens Espírito Santo (2009/2010) – Fonte: http://cabanaextemporanea.wordpress.com/

Figura 14 - Exchange Values: images of invisible lives (1995) – Fonte: http://www.exchange-values.org/

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www.picsearch.com/imageDetail.cgi%3Fid%3DBgixidJhBecwbvY_nmBaOplVoKnvi-a2iZ47Yia2rwQ%26width%3D908%26start%3D513%26q%3DJoseph%2520Beuys&rurl. Eem 18/11/2010.

2

http://www.worthpoint.com/worthopedia/joseph-beuys-german-1921-1986-intuition-1968. Em 18/11/2010. 3

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Lista de fotos do Processo Criativo – Capítulo III

Figura 16 - Anotações do processo criativo – Fonte: arquivo pessoal Figura 17 - Anotações do processo criativo – Fonte: arquivo pessoal

Figura 18 - Anotações do processo criativo - gravação em áudio – Fonte: arquivo pessoal Figura 19 - Anotações processo criativo - dúvidas sobre o Objeto Imediato – Fonte: arquivo pessoal

Figura 20 - O pensamento político – Fonte: arquivo pessoal

Figura 21 – Desenho em grafite da obra “Descida da Cruz” (1604) de Caravaggio – dedicada a Beuys (2001) – Fonte: arquivo pessoal

Figura 22– Retrato de Beuys – Grafite, cera derretida s/papel (2001 – Fonte: arquivo pessoal Figura 23 - Releitura de Pietá de Michelângelo – óleo s/tela – 2000 – Fonte: arquivo pessoal Figura 24 – Diagrama Nº 1 – Diagrama conceitual

Figura 25 – Detalhe do diagrama Nº1 – Fonte: arquivo pessoal Figura 26 – Detalhe do diagrama Nº1 – Fonte: arquivo pessoal Figura 27 – Detalhe do diagrama Nº1 – Fonte: arquivo pessoal Figura 28 – Detalhe do diagrama Nº1 – Fonte: arquivo pessoal Figura 30 - Diagrama Nº 2 – Fonte: arquivo pessoal

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Sumário

Introdução...11

CAPÍTULO I A ESCULTURA SOCIAL DE JOSEPH BEUYS 1.1 O Conceito de Escultura Social ...15

1.2 As obras de Joseph Beuys...58

1.2.1 Energy Plan for the Western Man - Directional Forces…...58

1.2.2 I Like America and America Likes Me – Coyote………...65

1.2.3 Multiplos: Intuition e os Cartões Postais: Wer nicht denken will, Fliegt Raus. sich selbst – Ich denken mit knie Sowieso………...71

1.2.4 Desenhos: Pietá e _______?...78

1.3 O Romantismo no conceito de Escultura Social em Joseph Beuys...88

1.4 A comunicação e suas relações com o conceito de Escultura Social...93

CAPÍTULO II ESCULTURA SOCIAL EM JOSEPH BEUYS E O CONTEXTO DA ARTE CONTEMPORÂNEA 2 .1 A influência do conceito de Escultura Social na Arte Contemporânea : Estudos de caso...106

CAPÍTULO III ETAPAS DE UM PROCESSO CRIATIVO 3.1 A tradução como processo criativo...121

3.2. A possibilidade de tradução do conceito de Escultura Social nas obras de Joseph Beuys...139

3.3 O rocesso criativo: A tradução para o videoáudio...146

CONSIDERAÇÕES FINAIS...209

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...214

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Introdução

O desencadeamento desta Tese foi sendo formado pelo conhecimento adquirido e vivido em uma família que ofereceu a possibilidade da arte, da espiritualidade e do afeto; pela percepção sobre o contexto histórico e cultural o qual habito, onde há índios, caboclos e imigrantes europeus; pela formação acadêmica em artes e atuação como artista e professora; pelas pessoas com as quais partilho esta Tese, principalmente minha orientadora Profª. Dra. Lucia Leão; e pelo encontro com Joseph Beuys a partir do ano de 2001. Nas páginas desta investigação, é possível encontrar o envolvimento com todos esses aspectos citados, em obras desenvolvidas como artista plástica. Obras como: “Resignações” (1986); “Fragmentos Indígenas” (1988 - 1991), “Cortes” (1995); “O Universo é tudo, inclusive você” (1998); “Encontro com a Luz” (2000); “Rituais” (2005); e desenhos que se estão sendo desenvolvidos, alguns ensaios de performances e instalações, até chegar ao vídeoáudio, que faz parte do resultado desta Tese.

A dissertação realizada em 2003 (Mackenzie-SP), que resultou em livro (2006), deixou sinais de que a pesquisa sobre Joseph Beuys deveria prosseguir para compreender a maneira pela qual o conceito de Escultura Social envolvia a obra do artista. Além disso, suscitou o desejo de realizar uma produção digital cujo tema seria a arte de Joseph Beuys.

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Sua produção artística pode ser definida como processos criativos constantes, fundindo-se com sua vida.

Dentre os objetivos desta pesquisa, está o desejo de ir além da fundamentação teórica que instiga incessantes percepções e concepções científicas, para que nosso objeto e corpus de estudo seja substância que promova ações e atitudes já durante o processo de construção da Tese. Essas ações bem como possibilidades futuras para esta pesquisa, são apresentadas nas considerações finais desta Tese.

Em recente exposição no Sesc Pompéia de São Paulo (2010), tivemos a oportunidade de ver, ouvir, participar e refletir sobre a proposta de arte em Joseph Beuys. Ver no sentido de visualizar os cartazes e múltiplos produzidos pelo artista; ouvir e ver os documentários, entrevistas, ações e performances; ver e ouvir quem conhece profundamente sua obra como Antonio d´Avossa, crítico, historiador e curador da exposição; Volker Harlan, amigo de Beuys e pesquisador em, filosofia, arte e biologia; Rainer Rappmann, que conheceu Beuys e mantém a editora da Universidade Internacional Livre (FIU), criada por Joseph Beuys. Ainda Rappman mantém o site da FIU4, realizando seminários, publicando livros, divulgando entrevistas e fotografias de Joseph Beuys. Utilizamos esses três verbos: ver, ouvir, refletir a arte de Beuys, porque no decorrer da pesquisa eles designaram um significado especial no conceito de Escultura Social.

No catálogo da exposição (2010, p.15), d´Avossa declara a respeito dos cartazes expostos, que “Beuys não perdeu nenhuma oportunidade de usar esse meio de comunicação de massa para dar forma visual ao seu pensamento”. Percebemos que Beuys utilizou todas as formas de comunicação, principalmente o seu corpo e sua voz para divulgar e expôr sua forma de ver e viver a arte, conforme é apontado no primeiro capítulo desta Tese. Nesse capitulo apresentamos algumas de suas obras, evidenciando-se delas, o conceito de Escultura Social. As concepções de Escultura Social encontradas em autores como Borer (2001), Tisdall (1998-2008), e Bunge (1998) possibilitaram a proximidade e distanciamento entre os conceitos que motivaram o questionamento desta pesquisa. A partir dessa fundamentação conceitual, descrevemos as relações existentes entre suas obras com a leitura de autores que participaram do contexto vivido por Beuys, como Bastian e Simmen (1979-1980), Tisdall (1998, 2008), Kuoni (1993), Harlan (2007), Durini (2001) Adriani, Konnertz e Thomas (1979). Realizamos uma análise da epistemologia da arte de Joseph Beuys, tanto em críticas de jornais, livros e catálogos de exposições brasileiras e estrangeiras. Para visualizar o conceito de Escultura Social, foram feitas análises das obras de Beuys produzidas como

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performances, ações, múltiplos (cartões postais e objetos) e desenhos, nas quais é possível constatar a relação dessas com o conceito de Escultura Social, aliada à sua referência Antroposófica de Rudolf Steiner (1988, 1999, 2005). Nesse mesmo capítulo, levantamos as influências do Romantismo alemão de Goethe, Schiller, Hegel e Novalis nas obras de Joseph Beuys, pois acreditamos ser essencial para a compreensão da Escultura Social.

O capítulo primeiro possibilitou aproximarmos a produção artística de Joseph Beuys com a teoria critica da comunicação em Negri e Hardt (2005), Gorz (2005), Maturana e Varella (1995), Heidegger (2000) e Flusser (2008). Sugerimos que a Teoria Escultórica de Joseph Beuys utilizava as mídias, ações, objetos e performances, (bem como de seu conceito de Escultura Social), como linguagens de critica à comunicação. Nesse sentido, procuramos trazer uma proposta relacional da crítica comunicacional, a descrição de comunicação em Maturana e Varella (1995) em relação às interações internas e externas entre ser humano e natureza, que Joseph Beuys sugere a partir da Antroposofia e Ciência Oculta de Rudolf Steiner. A hermenêutica de Heidegger (2000) e Gadamer (1997) acompanha o raciocínio desse estudo, tanto como forma de refletir as obras de Joseph Beuys, a compreensão filosófica de sua arte, como no processo criativo e teórico sobre a tradução.

No segundo capítulo, revela-se a pesquisa sobre as possíveis influências do conceito de Escultura Social na arte contemporânea, realizada em livros, sites de artistas e em exposições. Como resultado, encontramos sinais do conceito de Escultura Social nos brasileiros Ayrson Heráclito e Rubens Espírito Santo; no cenário internacional os artistas como Anselm Kiefer, Schnabel, Polke, mas cujas críticas e ensaios não relacionam suas obras ao conceito de Escultura Social. Já a artista e diretora da Unidade de Pesquisa Escultura Social, da Universidade de Oxford, Shelley Sacks tem sua produção estritamente ligada ao conceito de Escultura Social de Joseph Beuys com constante atuação pela Europa, sendo esta a proposta desta Unidade ligada ao Centro de Artes e Humanidades da Universidade.

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O processo criativo da tradução, se concretizou a partir de entrevistas com grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Grupos que estiveram sempre no horizonte do olhar desta pesquisadora: crianças em abrigos sociais, mulheres e índios.

A realidade brasileira vivida nesta cidade na qual habitamos e a realidade européia vivida por Joseph Beuys. O artista europeu que propõe suas ideias como Escultura Sociais e a artista brasileira que propõe que o Outro produza esculturas, a faladoOutro/escutaimagem.

O objetivo dessa pesquisa, sobre a possibilidade de chegar a uma produção digital, conceitualmente foi se aproximando da tradução, da interpretação e da cultura, como fundamento para a formação humana em Bachelard (2008), Ricoeur (2008), Gadamer (1997), Zielinski (2006), Cassirer (2001, 2005) e Baudrillard (1993). Nesta proposta de tradução a fala revela, a partir da cultura do homem, a linguagem, que revela a filosofia, a história e a arte, como é demonstrado a partir de diagramas no percurso do processo criativo.

As bases para a tradução foram se efetivando ao tornar consciente de que o conceito de Escultura Social envolve literalmente e subjetivamente a forma de pensar e construir o mundo no qual o ser humano vive. Essa consciência de compreender e conseguir tomar para si essa suposta verdade, só foi possível pelo fato de perceber a faladoOutro/escuta/imagem, pela Arte de Joseph Beuys que foi analisada no primeiro capítulo, pelo fato de ouvir/ler os autores que fundamentam os textos e pelas conversas com os grupos de mulheres, crianças, adolescentes e índios que habitam a região oeste de Santa Catarina. Se a arte conceitual, que tem ressonâncias na contemporânea voltou-se para a “ideia” (Le Witt apud WOOD, 2002, p.37-38) - A ideia torna-se a máquina que produz arte – Beuys, ciente de seu contexto europeu conduziu sua arte ao seu conceito de Escultura Social. Em nossa pesquisa a “ideia” se construiu de um cotidiano vulnerável, propondo o pensar sobre esse cotidiano vivido em solo brasileiro.

Entendemos que nosso processo criativo como tradução vivenciou o que Joseph Beuys denomina “contra-imagem” quando conceitua Escultura Social em nossas palavras: conviver com a dualidade interpretativa da criatividade e do imaginário e a sistematização/raciocínio teórico de uma realidade.

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CAPÍTULO I

A ESCULTURA SOCIAL DE JOSEPH BEUYS

Assim, a arte, no sentido do conceito ampliado de arte, é a última chance que nos resta”. Ou: “A única força revolucionária é a força da criatividade humana [...] a única força revolucionária é a arte5. (Beuys in BUNGE, 1998, p.40)

1.1O conceito de Escultura Social

Em sua atuação artística, Joseph Beuys formula o conceito de Escultura Social que, segundo o próprio artista, tem como fundamento à ideia de calor, ebulição, transformação (KUONI, 1993, p.19)6 :

Meus objetos devem ser como estimulantes de transformações sobre a ideia de escultura, ou da arte em geral. Devem provocar pensamentos sobre o que pode ser escultura e como o conceito de escultura pode se estender para materiais invisíveis utilizados por todos. FORMAS DE PENSAMENTO – como nós moldamos nossos pensamentos ou FORMA DAS FALAS – como nós formamos nossos pensamentos em palavras ou ESCULTURA SOCIAL – como nós moldamos e formamos o mundo no qual nós vivemos: ESCULTURA COMO UM PROCESSO EVOLUCIONÁRIO, TODOS SÃO ARTISTAS. Eis o porquê minha escultura não seja fixa ou acabada. Processos contínuos: reações químicas, fermentações, mudanças de cores, apodrecimento, surgimento. Tudo está em estado de mudança7(KUONI, 1993, p.19).

Defendemos que para Beuys, a palavra tem a força da transformação como arte, que provoca pensamentos que podem constantemente alterar a forma da vida em seu sentido mais

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So ist die Kunst, im Sinne des erweiterten Begriffs, die letzte Chance, die uns geblieten ist”. Oder: “Die einzig revolutionäre kraft ist die kraft der menschlichen Kreativität .Tradução livre de Peter Naumann.

6Carin Kuoni (MA, da Universidade de Zurique; Sorbonne BA). É historiadora de arte e educação, curadora e

crítica, Kuoni anteriormente foi diretora de exposições dos Curadores Internacionais Independentes (ICI) e diretora do Instituto Suíço de Nova York. Ela tem curadoria e co-curadoria de mais de 20 exposições internacionais e já escreveu para diversas publicações internacionais. Atualmente é diretora do The Vera List Center for Art and Politics at The New School em New York. Em seus artigos e conferências, visa a compreensão da arte engajada politicamente. É participante e fundadora da REPOhistory, grupo formado em 1989, por artistas que pensam a arte como peça fundamental na sociedade.

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amplo. Mas a palavra e o pensamento provêm do que é possível captar com os olhos, ouvidos e a mente; são imagens e formas visíveis ou não, audíveis ou não, que se expressam em ações, performances, objetos, cartões postais, desenhos, cartazes, esculturas, vitrines e sons. Em outras palavras, Beuys reflete sobre como moldamos e formamos o mundo em que vivemos com o conceito de Escultura Social. Além disso, caracteriza sua escultura como algo em processo, nunca fixa ou acabada.

Por esta razão eu tento desenvolver a escultura social como uma nova disciplina na arte – primeiramente como escultura invisível, e é muito incomum olhar escultura invisível. [...] Eu quero levar a escultura nesta direção: a alienação tem que ser trocada por elementos de calor8 (KUONI, 1993, p.35).

Para Beuys, a arte é o principio de uma forma de atuação, de atitude a partir do pensamento e da fala que podem provocar transformações que possam fazer o ser humano estar em contínuo questionamento do que está pré estabelecido como verdade.

Desde o início de sua atuação artística, na década de 1940, Joseph Beuys buscava outros tipos de materiais e conceitos para a arte. A particular visão de escultura de Beuys já está presente entre 1949 e 1952, procurando por uma escultura que fosse subjetiva, movendo uma articulação de dentro para fora com formas originais ou primitivas como animais, cera de abelha e feltro. Alguns autores como Adriani, Konnertz e Thomas9 (1979, p.23), avaliam que o conceito de escultura em Beuys recebeu influências da teoria Antroposófica de Rudolf Steiner (1861-1925)10. A pedagogia de Steiner é conhecida atualmente como Escolas Waldorf, espalhadas pelo mundo, inclusive no Brasil. Acreditamos que essa pedagogia possa ser referida em síntese - pois não pretendemos aprofundá-la nesta pesquisa - como a ação educativa para atingir o equilíbrio humano. Steiner (1995, p.13) a apresenta referindo que: “No sentido da Ciência Espiritual, consideramos o ser humano como sendo composto de um

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For this reason I try to develop social sculptures as a new discipline in art – at first it is an invisible sculpture, and it´s very uncommon to look for invisible sculpture. […] I want to take sculpture in this direction: alienation has to be exchanged for a warm element.

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Esses pesquisadores escreveram este livro na Alemanha em 1973 e a edição em inglês, ocorreu por ocasião da XV Fienal Internacional de São Paulo em 1979, quando Beuys expôs uma obra: Brazilian Fond. Götz Adriani (1940) é professor honorário da Academia Nacional de Belas Artes de Kalhsrue. Foi Diretor da Galeria de Arte da Universidade de Tübingen. Escreveu livros sobre Cézanne, Toulouse Lautrec e Renoir. Karin Thomas (1941) é pesquisadora da história da arte alemã e escreveu o livro “Kunst in Deutschland seit 1945” (2002) Karen Thomas, nascida em 1941 em Colônia, estudou historia da arte e fiflosofia. Muitos anos de experiência como editora-chefe de Arte na Verlag DuMont.

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eu11, um corpo astral12, um corpo etérico13 e um corpo físico”14. No decorrer desta Tese, mostraremos as relações entre esta visão de Steiner e as produções de Joseph Beuys, pois este relaciona sempre a atuação humana com o mundo animal, mineral e vegetal. Principalmente na citação que destacamos abaixo, em relação ao poder do corpo, da mente e do desejo do ser humano.

Steiner usou a palavra Dreigliederung que, transliterada, é 'trimembração', para indicar que a sociedade e os organismos sociais deveriam ser organizados em três

membros, analogamente aos membros da constituição física humana, no sentido de

eles terem funções independentes, mas que interagem. Assim, a cabeça tem suas funções próprias, e os braços idem. No entanto, existe uma interação entre eles, por exemplo, por meio dos olhos da cabeça vemos um objeto e, em um impulso de volição, movemos os braços para pegá-lo. Por outro lado, se um braço toca um objeto, sentimos a sensação táctil e viramos a cabeça para obervá-lo. Ele usou a denominação de organismo pois tanto a sociedade como os grupos e instituições sociais deveriam funcionar como um organismo vivo, e não, por exemplo, como uma máquina.15

Sentimos que Beuys, em 1945, quando lia os livros de Steiner refletia profundamente sobre as relações e reações que promovem a forma como construímos o mundo. Assim, o conceito de Escultura Social, acreditamos podermos traçar paralelos com a referência do que Steiner chama “Ciência Oculta”:

A Ciência Oculta deseja emancipar o método e a atitude investigativa das Ciencias Naturais – os quais, em sua esfera, se atêm ao contexto e ao decorrer dos fatos sensórios – dessa aplicação especial, porém conservando-os em sua característica pensamental e outras. Ela quer falar sobre o não-sensível do mesmo modo como as Ciências Naturais falam do sensível. [...] a Ciência Oculta deseja considerar o

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Este quarto membro da entidade humana, Steiner relaciona que, diferentemente dos animais, o homem: Ele pode criar desejos e apetites para cuja origem não haja suficientes motivos nem dentro nem fora de seu corpo. A tudo o que incide neste domínio deve-se atribuir uma fonte especial. Essa fonte pode ser vista, segundo a ciência

supra-sensível, no ‘eu’ do homem. (STEINER, 2001, p.50)

12

O corpo astral: Aquilo que repetidamente desperta a vida, retirando-as do estado de inconsciência, é, no sentido do conhecimento supra-sensível, o terceiro membro da entidade humana. Pode-se denominá-lo ‘corpo

astral’. (STEINER, 2001, p.48)Steiner relaciona este terceiro membro, com o sentido dos animais: O animal

experimenta com grande regularidade as influências do mundo exterior e, sob a influência do calor e do frio, adquire consciencia da dor e do prazer . (...) consciência da fome e da sede. (STEINER, 2001, p.49)

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O corpo etérico ou corpo vital é interfluxo, é relacionado com as plantas, porque estão em permanete sono (STEINER, 2001, p.49). Ele seria um membro independente de uma visão supra-sensorial, que está ao lado do corpo físico: aquilo que impede as substâncias e forças físicas de seguirem seu próprio caminho, que conduz à

dissolução do corpo físico STEINER(2001:45). Deve ser visto como um arquiteto do corpo físico (STEINER,

2001, p.47) 14

O corpo físico é relacionado com o intelecto e os sentidos; também com o mundo mineral: sua trajetória de vida e morte, pois dentro do cadáver tem as mesmas substâncias e forças atuantes no âmbito mineral. (...) Fica

sujeito também à decomposição (STEINER, 2001, p.44).

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trabalho anímico junto à natureza como uma espécie de auto-educação da alma, aplicando os frutos dessa educação ao âmbito não-sensível (STEINER, 2001, p.33).

Nos textos, Steiner elabora os contrapontos entre Ciência Natural e Ciência Oculta em cada definição que identifica seus pontos de vista, enaltecendo que “para aquele que considera ‘ciência’ apenas o que se revela por meio dos sentidos e do intelecto a serviço destes, naturalmente o que se subentende aqui como ‘Ciência Oculta’ não é ciência alguma” (STEINER, 2001, p.32). Beuys compreende as forças visíveis e invisíveis que fazem parte dessa ciência, (como veremos ainda neste capítulo), em suas fundamentações de suas obras, sejam estas com caráter de exposição (múltiplos, desenhos, esculturas, cartões, cartazes), como de caráter performático (seminários, conferências, instalações, happenings).

Beuys utilizava o seu corpo para expressar sua arte de diversas formas: sua boca e seu rosto, expressavam os moldes de sua escultura, suas mãos e seus braços que projetavam suas ideias e atitudes, suas pernas e seus pés estavam sempre em movimento para a frente (como veremos nas fotos de Beuys e de suas obras), sua cabeça e seus olhos, transformavam pensamentos em palavras e imagens. Todos seus membros se movimentavam para ser Escultura Social.

Continuando a estabelecer os antecedentes do conceito de Escultura Social, encontramos a indicação de que Beuys tinha particular interesse pelas abelhas e sua cera produtiva, como identificaram Adriani, Konnertz e Thomas (1979). Compreendida como material de transformação para um sistema cristalino, as abelhas e a cera são constantemente utilizadas na sua elaboração do conceito de escultura. Esse interesse surgiu após Beuys ler o livro “About Bees” (Conferência realizada em Dornach, Suíça, em 1923), de Rudolf Steiner 

(ADRIANI, KONNERTZ e THOMAS, 1979, p.38). Segundo Beuys:

O organismo quente da colônia de abelhas é sem dúvida o elemento essencial de conexão entre a cera, a gordura e as abelhas. O que me interessou sobre abelhas, ou sobre seu sistema de vida, é a organização de calor total de tal organismo e formas esculturais bem definidas dentro dessa organização. Por um lado as abelhas têm esse elemento de calor, que é um fluido forte, por outro lado elas produzem esculturas cristalizadas; elas fazem formas geométricas regulares. Aqui nós já encontramos algo de teoria escultura, como fazemos nos cantos da gordura, que também aparecem em determinadas situações em um contexto geométrico. Mas o caráter real do calor é seu elemento fluido, em que a gordura é afetada pelo calor e, portanto, assim escoa. A partir deste elemento de movimento indefinido, por meio de uma diminuição de movimento, as superfícies ganham configurações geométricas que parecem abstratas. Esses movimentos são praticados regularmente pelas abelhas 16

(ADRIANI, KONNERTZ e THOMAS, 1979, p.41).

16

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Encontramos nesse pensamento de Beuys um dos fundamentos de suas Esculturas Sociais, ou seja, sua característica de transformação permanente a partir do calor, promove um outro estado físico e mental nas pessoas. Ao lermos os livros de Steiner, principalmente, “About Bees”, foi como descobrir o caminho percorrido pela mente de Joseph Beuys, em algumas de suas principais ideias de Escultura: a concepção de Steiner sobre a influência entre universo e natureza, incluso o homem, sendo este constituído como ser anímico (ar) - espiritual (universo), bem como as interações espontâneas entre natureza, universo e homem (2005, p.16-17)17convergem com a ideia de colaboração coletiva de Beuys:

Na verdade, a vida da colméia repousa no fato de que as abelhas colaboram entre si de um modo muito preciso, muito mais do que as vespas e as formigas, e de que as abelhas realizam o trabalho de tal maneira que tudo se harmonize (STEINER, 2005, p.28).

Verificamos, ainda, a percepção de Steiner (2005, p.31) da cultura dentro da colméia na produção do mel. Com intenso trabalho cada abelha, com sua autonomia e responsabilidade, produz o mel para revigorar a alma humana quando ingerido pelo homem. Queremos salientar como cultura, a importância que Steiner estabelece entre o habitat da abelha e sua produção: a interdependencia que há no universo para que ocorra a vida dos planetas, as fases da lua, a energia solar, para que a terra produza a flor, que produz o néctar, que a abelha utiliza para produzir o mel, que nutre o homem (STEINER, 2005, p.156-157). A partir de um diagrama desenhado - dentre tantos que realiza em suas conferências -, Steiner identifica as células sanguíneas na cabeça humana da mesma forma que a cera das abelhas na colméia, convertendo o néctar que colhem na natureza em energia. Essa cadeia da vida levantada por Steiner nos faz compreender a proposta de Joseph Beuys de olhar o mundo holisticamente.

O sangue são as abelhas do ser humano: “[...] também temos abelhas dentro de nós, a saber o sangue. Este carrega o mel para as diversas partes do corpo”(STEINER, 2005, p.46). É o mel que produz cera e que constrói a estrutura do cérebro, para termos força (STEINER, 2005, p.48). Em muitas performances ou Esculturas Sociais, Joseph Beuys desenha diagramas

have this element of heat, which is a very strong fluid element, and on the other hand they produce crystalline sculptures. They make regular geometric forms. Here we already find something of sculptural theory, as we do in the corners of fat, which also appear in certain situations in a geometric context. But the actual character of the exiting heat is a fluid element, whereby the fat is affected by the heat and thus flows off. From this undefined element of motion, by way of a diminishing element of movement, surfaces a form which appears in abstract, geometric configurations.This is practiced regularly by bees.  

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em quadros negros, da mesma forma que Steiner realizava em suas conferências. Em algumas dessas Esculturas, Beuys iniciava pelo desenho do contorno de um corpo humano completo ou com o desenho da cabeça, desenvolvendo sua Teoria Escultórica que estava intrinsicamente ligada ao corpo/mente humanas, como um fluxo sanguíneo entre todo o universo, as fases históricas, sociais, políticas e filosóficas, conforme a abordagem que utilizava em suas Esculturas.18

Outro aspecto importante que percebemos ter relevância em toda concepção de Escultura Social, é a crença de Steiner (2005) na sabedoria camponesa, que encontra a intuição e a espiritualidade das coisas na natureza e universo: a força da terra, dos planetas, das plantas, dos minerais, animais e da energia humana, que ele contrapõe ao materialismo científico e fragmentado. Para ele, “[...] Hoje a humanidade perdeu esses instintos. Hoje querem saber o porquê em toda parte”. O homem teria que pesquisar muito a fundo. “[...] E o saber atual, em geral, ainda não consegue fazer isso” (STEINER, 2005, p.113). Em Steiner (2005), isso não significa o descrédito na ciência, mas sim, uma necessidade de percebermos essas forças ocultas da natureza19.

As palavras devem significar o que realmente existe. E, com efeito, neste caso havia antigamente uma espécie de ciência que se ligava diretamente à prática. [...] Naquele tempo uma pessoa contava à outra aquilo que sabia, em conseqüência das suas próprias experiências, e pressentia-se desde logo se alguém era fanfarrão, ou se realmente tinha acumulado experiências, pois estas coisas são completamente diferentes, quando se ouve alguém conversando. [...] Porquanto a tinta preta do impressor tem sido freqüentemente acrescentada às demais coisas, como se fosse uma nova autoridade (STEINER, 2005, p.73).

Nessa concepção, Steiner relaciona as experiências de vivência entre os grupos humanos em relação à produção dos vegetais, das abelhas, como dos minerais existentes na terra, à força de instauração de equilíbrio entre estes, os seres humanos e a cosmologia. Se tratarmos com amor os animais e as plantas20, perceberemos as forças invisíveis entre o ser humano e a natureza, como também, a intuição que promove o medo ou a aproximação entre os seres (STEINER, 2005, p.87 a 89). Para Joseph Beuys, a palavra tem o poder de transformação, de penetração nas forças invisíveis e visíveis. Tanto a palavra escrita, a fala

18

Por exemplo as obras Directional Forces e Energy Plan for the Western Man, bem como perceberemos nos desenhos e múltiplos.

19

Como vimos anteriormente, no conceito de Ciência Oculta e a formação da entidade humana. 20

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como as imagens, promovem pensamentos e ações em suas Esculturas Sociais. Em outro livro de Steiner, O Limiar do Mundo Espiritual (1994), o autor descreve a forma na qual os seres e fatos espirituais se fazem presentes na vivência humana, como se fossem imagens de uma recordação que nos faz sentir estranhos. Essas imagens não precisam ser compreendidas como se apresentam, da mesma forma que as letras que surgem em nossa mente, mas sim, como “visão supra-sensível, que necessitam ser abstraídas de sua qualidade de imagem”. Precisamos observar o paradoxo das imagens que se apresentam em nossa mente, comparando-as com a leitura. Mas para interpretarmos corretamente essas imagens supra-sensíveis carecemos de vivência (1994, p. 16 - 19). Veremos em Bunge (1998), sua visão de Escultura Social, na qual “ver imagens” significa ir além do visível. Ainda, na leitura de Bunge a concepção de Joseph Beuys e, de sua teoria da Escultura Social, que implica a intuição, a imaginação, a vontade e o pensamento, veremos na leitura de Tisdall, Kuoni entre outros.

Assim como Beuys afirmava que a humanidade está doente, para Steiner são as relações de valor econômico e a visão materialista (STEINER, 1994), que promovem essa doença, pois antigamente a troca de mel

[...] o mel era entremeado e tinha-se realmente a impressão de que o mel era algo tão valioso que não podia absolutamente ser pago. [...] nas condições atuais, absolutamente tudo que existe encontra na verdade sujeito a relações erradas de preço. [...] Entretanto, hoje, por não vivermos absolutamente sob condições sociais sadias, todas as questões também são colocadas de uma maneira doentia (STEINER, 2005, p.98).

No decorrer do livro essa questão das relações terem se tornado doentias está explicita como um caráter humano perdido no decorrer da história da humanidade, relacionando o comportamento auto-destruidor do homem (STEINER, 2005, p.18) e estados evolutivos da terra, às questões geográficas e biológicas (STEINER, 2005, p.157-216). Observamos que as obras de Joseph Beuys possuem conotações voltadas aspectos econômicos e culturais, buscando a compreensão da vida em seu sentido amplo e essencial para o homem. Para Joseph Beuys, por exemplo, “Criatividade é igual a capital”:

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inclui a criatividade das pessoas. Criatividade é igual a capital 21 (TISDALL, 22

1998, p.40).

Em Steiner, bem como em Beuys, precisamos levar em grande consideração o que eles denominam ciência espiritual, que para Beuys pode implicar em uma espécie de anti-ciência.

Justamente isso tudo se pode reconhecer apenas mediante a ciência espiritual. Pois a outra ciência só se preocupa com aquilo que a abelha retira da flor. Mas as abelhas não pousariam sobre as flores durante milênios se elas também não as cultivassem, ao mordiscá-las. [...] Dessa maneira, bem se pode dizer: admiramos o espírito que está dentro de tudo isso (STEINER, 2005, p. 166-167).

Se para Adriani, Konnertz e Thomas (1979), a teoria da Escultura Social estaria ligada à conferência sobre as abelhas, já Harlan (Catálogo, 2010, p.28) acredita que a teoria estaria ligada à leitura de Beuys, aos 26 anos (1947), do livro de G. Grohmann: Botanische Beiträge und Erläuterungen zum Verständnis der Vorträge Dr. Rudolf Steiners “Geisteswissenschaft und Medizin”, ein Versuch (Contribuições botânicas e comentários para compreensão das palestras sobre “Ciências do espírito e Medicina” do Dr. Rudolf Steiner: uma abordagem). Harlan chegou a essa proposição, ao manusear o exemplar que Joseph Beuys leu, em cujas margens das páginas aparecem desenhos a lápis traduzindo compreensão do leitor Beuys. A visão de Harlan, como estudioso da biologia, vai construindo as referências dos desenhos realizados por Joseph Beuys no período em que ele estudou os livros de Steiner (séc.XX). Em sua visão biológica sobre a Escultura Social, percebe princípios também encontrados na alquimia de Paracelso:

[...] enxofre, mercúrio e sal. Resumidamente, enxofre é o indetermiando, o caos, a energia pura; mercúrio, o movimento mediador, o processo de formação. Sal, a rigidez e a forma. Isto vale, da mesma maneira, para os processos naturais, anímicos e sociais (HARLAN, Catálogo, 2010, p. 27).

Essa constante interdependência entre os elementos da natureza: homem, animais, plantas e minerais, e os processos de origem, crescimento e morte, são os pilares da evolução como transformação das formas (MENNEKES apud HARLAN, 2010, p.35) são também argumentos para a construção de sua Escultura Social.

Em Vicini (2006), apontamos que a vida e a arte de Joseph Beuys seriam fundamentadas pelo acidente aéreo sofrido na época em que era piloto, durante a II Guerra Mundial, como lemos em autores como Tisdall (1998, 2008), Adriani, Konnertz e Thomas

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Economics is not only a money-making principle. It can be a way of production, to fulfil the demands of people all over the world. Capital is humankind´s ability in work, not just money. True economics includes the creativity of people. Creativity equals capital.

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(1979), Borer (2001). Em setembro de 2010 na cidade de São Paulo, tanto na exposição Joseph Beuys – a revolução somos nós, como em seminários promovidos pelo SESC Pompéia, Antonio D`Avossa23 narrou esse acidente. Segundo ele, durante a Segunda Guerra Mundial,

[...] seu avião foi alvejado, caindo na região da Crimeia; por sorte, Beuys foi achado e acolhido pelos Tártaros, que cuidaram dele por cerca de oito dias, envolvendo-o em gordura e feltro. Aqui estaria localizado o mito de origem do artista, até mesmo na criação de seu léxico de materiais24.

Em nossa publicação (VICINI, 2006), apresentamos o depoimento de Eliade (apud Borer, 2001, p.12), onde afirma que a lenda de Joseph Beuys deve ser tomada como verdadeira para analisar sua obra. Sobre esse aspecto, encontramos em Borer (2001) e emYamada (1997, p.2), a referência de Buchloch, curador, crítico e professor de Arte, que escreveu em 1980 o artigo Beuys. The twilight of the idol: Preliminary notes for a Critique25 para a revista Artforum. Neste artigo, o curador argumenta que é necessário esquecer o mito para poder avaliar criticamente a obra. Joseph Beuys diversas vezes relatou a existência desse acontecimento em sua vida, mas em entrevista a Kate Horsefield (apud KUONI, 1993, p.69-70), em 1980, negou que esse acidente esteja ligado diretamente à sua produção na arte, porque começou a usar feltro e gordura em suas Esculturas Sociais, muito tempo depois de ocorrido o acidente na Crimeia.

O fato que ocorreu durante a guerra é verdade, mas não é verdade que tenha sido a razão para trazer essas substâncias para minha escultura. Se isso fossse verdade, me pergunto então, por que eu usei mais tarde esses materiais? A prova do porquê isso não pode ser verdade, e não é verdade, é que antes eu fazia essas coisas, eu construí uma teoria em que esses materiais pareceram ser mais adequados, para fazer uma teoria clara de escultura, uma teoria da ordem social, uma teoria da ação como uma escultura viva e assim por diante 26 (KUONI, 1993, p.70).

Em sua declaração, Beuys afirma que os elementos e materiais que ele utiliza foram surgindo naturalmente em sua vida e arte, a partir dos seus pensamentos. Com essa fala de Beuys nos certificamos que ele teria criado o conceito de Escultura Social antes de seu

23

Antonio d’Avossa é curador da exposição Joseph Beuys: a revolução somos nós, que Videobrasil e Sesc São Paulo realizam no Sesc Pompeia, em São Paulo (set. - nov. 2010), e no Museu de Arte Moderna, em Salvador (dez. 2010 – fev. 2011).

24

Relato de Livia Benedetti - http://www.forumpermanente.org/.event_pres/encontros/encontro-com-antonio-d-avossa/relatos/beuys-e-a-escultura-social- acesso em 11/09/2010.

25O crepúsculo dos ídolos: notas preliminares para uma crítica.

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acidente na Criméia, que esse conceito será influenciado pelas leituras de Rudolf Steiner, Hegel, Novalis e Goethe. Desde sua infância, ele criava máquinas com experiências de combustão, energia física, que levam sempre a um paralelismo entre o passado e o futuro de sua vida (KUONI, 1993, p.70-71). Mas, nessa sua declaração, afirma que o acidente com o avião ocorreu, e foi um momento crucial de transformação em sua vida. Na dissertação de Mestrado de Yamada (1997, p.2), o pesquisador defende a ideia de que a história do acidente com o avião é falsa, lembrando Duchamp e sua dupla identidade Rose Sélavy. Ele afirma que Beuys atuou mais como celebridade do que como artista, e que sua arte pode ser estudada como uma narrativa de ficção.27 No decorrer de toda a pesquisa, Yamada relaciona este acidente como sendo uma anedota utilizada por Beuys, da mesma forma com que utilizou o sofrimento. Sua característica religiosa e formação cristã, sua atuação na guerra seu salvamento pelos tártaros, seu sofrimento corporal com os ferimentos, foram formas de romantizar e criar um mito, um salvador para o mundo (1997, p.37-41). Esse autor utiliza referências como Rosemblum (1975), Temkin (1993) e Buchloch (1993), para apoiar sua posição sobre o acidente.

Veremos agora a visão do conceito de Escultura Social segundo três autores: Tisdall, Borer e Bunge. Tisdall28 (apud KUONI, 1993, p.9) propõe que Escultura Social não possa ser associada à performance que o artista executa, quando este realiza ações de diálogo com o público. Segundo ela, para o artista Beuys não há performance, mas sim Esculturas Sociais com sugestões e resultados específicos em conceitos da arte. Apoia-se no que diz o próprio artista: “Percebo que é importante...Fazer contato, fugir da alienação para alternativas dinâmicas... O processo mental de energia provoca mudanças em ações físicas”.

Borer29 (2001), que se aproxima do conceito de Tisdall, não utiliza a terminologia Escultura Social, mas apenas escultura, definindo:

Enquanto a palavra “escultura” em seu sentido clássico designa um objeto tridimensional, os ensinamentos de Beuys ou entrevistas já representam a obra: “a fala é escultura”. A voz (o seu volume, sua plasticidade, seus tons) participa do espaço criado, (in) forma-o como um lugar de intercâmbio, um lugar de instantânea renovação. [...] a voz (e nesse sentido Beuys esculpiu muito) opõe-se à eternidade do

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Because of the myth and his shamanistic perofrmance, Beuys has been frequently discussed more as a

celebrity rather than an artist. Nevertheless, his myth-making in connection with his identity must be discussed in his art, not in the judgment created by his fame as a shaman or star.

28

There was some confusion of terms. For Beuys this was not “performance”, but “social sculpture”, a means of suggesting and effecting change beyond restricted art concepts. “I feel ist is important to appear with nothing now in order to get closer to people, tomake contact, to take a step away from alienation towards an organic alternative… The energy of the mental process gives the energy for a change in physical actions.

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mármore; mas, sendo flutuante, efêmera e também confusa, ela aponta ao mesmo tempo para uma “obra” coletiva ainda por vir, no longo caminho que ela ensina (BORER, 2001, p.14).

Para o autor, escultura refere-se a conferências, entrevistas, seminários e a indispensável presença de Beuys nessa forma de exposição de sua arte, como ambém as esculturas em ferro, bronze e madeira produzidas na carreira artística de Beuys. No decorrer desta pesquisa, vamos percebendo que nossa proposta de tradução está se aproximando do conceito de Borer: o elemento da voz, da fala, como possível objeto que poderá dar significado à nossa compreensão de Escultura Social. Nesse trecho que citamos a partir do livro de Borer, ele fala especificamente sobre a característica pedagógica e didática da arte de Beuys que esculpia sua arte, utilizando como meio sua própria fala. Diferentemente das propostas de outros artistas, ele procurava a busca do sentido na vida das pessoas. Para Beuys, o conhecimento provocado a partir da arte, pode ser acessível a todos, indistintamente, todos somos artistas. A ideia era difundir seus pensamentos de forma coletiva, quando permanecia horas e horas repetindo àqueles que assistiam as suas Esculturas Sociais, ações ou performances (BORER, 2001, p. 13 a 20).

Já para Bunge (1956), que foi professor de História da Arte na Universidade Católica de Wichstätt, e atualmente na Escola Antroposófica Waldorf em Walhausen e Universidade Livre de Manheim, a teoria de Escultura Social abrange toda a obra de Joseph Beuys, incluindo:

[...] desenhos, aquarelas, telas pintadas, quadros escultóricos, esculturas, vitrines, múltiplos, instalações espaciais e ações, mas também de imagens invisíveis. Uma tal imagem invisível é a ideia de uma Escultura Social, constitutiva para a configuração das obras e a fundamentação do seu sentido. A arte beuysiana é suportada por uma concepção de ideias que produz, enquanto Teoria Escultórica, o trabalho mental que é imprescindível para uma ampliação fundamental do conceito de arte, tal como ele foi proposto por Beuys 30(BUNGE, 1998, p.30).

Essa visão de Escultura Social em Bunge, que inclui a atuação de Beuys com seu próprio corpo, amplia-se com a totalidade das obras do artista, seja atuando pessoalmente ou não como veículo da arte, já que todas as suas obras incluíam-se no conceito de Escultura Social.31 Na leitura de Bunge (1998), toda a produção de Beuys produz um pensamento imagético voltado ao “ser humano, à natureza, ao mundo e Deus”; pensamento que em Klee,

30

In diesem Zusammenhang ist es notwendig, sich bewuBt zu machen, daB das Beuyssche Oeuvre nicht nur aus Zeichnungen, Aquarellen, Malereien, Plastischen Bildern, Plastiken, Vitrinen, Multiples, Rauminstallationen un Aktionen besteht, sondern auch aus Unsichtbaren Bildern. Ein solches ist die Idee einer Sozialen Plastik, die für die Gestaltung der Werke und ihre Sinnfundierung konstitutiv ist. Die Beuyssche Kunst ist getragen von einer gadanklichen Konzeption, die als Plastische Theorie die Denkarbeit leistet, die für eine fundamentale Erweiterung des Kunstbegriffs, so wie sie Beuys geleistget hat, unverzichtbar ist.

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Kankinsky, Malevitch e Mondrian se relacionavam aos elementos visuais na pintura (BUNGE, 1998, p.30). A proposta de uma imagem invisível é relevante no sentido de ver além do que Beuys apresentava quer como desenhos, objetos, performances, cartões, cartazes, ações. Sua arte se extendia a partir do que essas obras poderiam provocar na mente, na ação da fala e do corpo das pessoas que as presenciassem. Joseph Beuys propõe novos caminhos para a arte, sem a ênfase no racionalismo, mas sim na magnitude do ser humano como potencial criador e inovador. Mas acreditamos que chegar a essa proposta de Escultura Social em Beuys, significa rever a trajetória intelectual que lhe trouxe fundamentos para criar sua Teoria Escultórica.

Beuys compreendia os avanços científicos da época em que vivia, as décadas de 1940 e 50, (ADRIANI, THOMAS E KONNERTZ, 1979, p.93) demonstrando a necessidade de avançar com a arte em outro sentido, o que mais tarde ele próprio viria a realizar com sua ideia sobre escultura: “[...] Expansões similares aconteceram em outras áreas, por exemplo o conhecimento fundamental de Einstein na matemática e física”. Pudemos visualizar também nos documentários expostos na exposição Joseph Beuys – a revolução somos nós32, os diversos encontros deste artista com pensadores e artistas de vanguarda, como Max Bense, Lama Sogyal e Andy Wahrol. A visão de vanguarda de Beuys, além de explorar a história da humanidade e sua própria história, incluía realizações de experimentos com as alternativas tecnológicas da época, tendo a televisão, o cinema, a música e a fotografia, como meios expressivos. Para D´Avossa:

O próprio uso do meio televisivo sugere que a prática incentivada por Beuys subvertia as regras estáticas das vanguardas. Para superá-las, ele usava um meio humano; mas também se servia doque era, até ali, o mais avançado meio tecnológido de comunicação entre os homens. [...] a escultura social, da qual se declara intérprete, ganha forma e corpo, e se instla na mídia como ideia superior a qualquer linguagem midiática, para afirmar um conceito de arte totalmente relacionado com o homem (D`AVOSSA, Catálogo, 2010, p.14).

Era evidente, nesse artista, a busca por uma identidade com a arte e seu tempo, o que conseguiu realizar no decorrer dos seus 65 anos de vida, como vemos em sua produção artística que ele nos apresentou. Os meios que Beuys utilizava para defender seus pensamentos e ideias, e a forma pela qual poderia expor e significar esses meios, acreditamos fazer parte de uma sistematização cuja origem teria surgido pela formação acadêmica e científica do artista.

No decorrer desta pesquisa percebemos a preocupação constante de Joseph Beuys na

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preparação e na execução de seus trabalhos:conduzia-os com direcionamento e, ao mesmo tempo, buscava a flexibilidade. Beuys havia recebido na juventude uma formação educacional tradicional voltada às pesquisas científicas, e essa visão científica trouxe-lhe uma sistematização que seria mais bem aplicada a partir da arte.33 Para nos situarmos melhor na abrangência do conceito de Escultura Social de Joseph Beuys, é importante ressaltar a sua formação, pois vivenciou o sistema educacional das décadas de 1920 a 1960 na Alemanha weimeriana, hitlerista e pós-guerra34, chegando a atuar como professor na própria academia que o graduou em Escultura - a Academia de Escultura em Düsseldorf (de 1947 a 1951), a partir do ano de 1961 até 1972, como professor de Escultura. Consideramos relevante a formação de Beuys, pois sua atuação pedagógica oferece indicações sobre sua forma de atuação como artista. Não pretendemos evidenciar o caráter pedagógico de Beuys, uma vez que já existem outras pesquisas que detalham especificamente essa questão e foram apresentadas no livro que publicamos em 2006, mas tencionamos indicar uma das características que determinaram sua forma de atuação na Arte. Lauf 35(1992), que pesquisou a formação pedagógica de Beuys, afirma a influência de Mataré (professor na Academia de Dusseldorf durante os anos 40) sobre sua formação, bem como no conceito somos todos artistas. Era ideia de Mataré que,

[...] a arte não significa somente capacidades artísticas, mas um processo de vida. Estética não era uma coisa finita que somente acontece na esfera do artista, mas tinha um papel na mais diversa vida e processos de aprendizagem36 (LAUF, 1992, p.51-52).

Lauf ainda comenta, a partir de entrevista com um aluno de Beuys, que Mataré haveria falado sobre o poder de Beuys de fascinar as pessoas. E que esse talento é atribuído para um professor que lidera pessoas. Outros aspectos importantes a serem relacionados entre Beuys e Mataré são a liberdade com que as aulas eram conduzidas e a forma de avaliação, na qual cada estudante era respeitado em sua natureza, descobrindo os talentos particulares e

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VICINI, 2006. No primeiro capítulo do livro escrevemos sobre a formação de Beuys desde a infância, adolescência, a formação na Academia de Düsseldorf e o encontro com o Grupo Fluxus. Ressaltamos também a questão pedagógica em Mataré.

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idem , 2006. 35

Cornelia Lauf é alemã, professora de História da Arte na Universidade de Veneza. Escreve artigos e críticas em jornais e revistas como Arts Magazine, Arts Scribe, Art in America. Lauf fundou um espaço denominado Câmera Escura em Roma, onde se trabalha as interfaces entre arte, artesanato e agricultura. Também é curadora e crítica de arte contemporânea e mora atualmente em Roma. Acessamos a tese de Doutorado da autora, realizada na Universidade de Columbia, na Escola de Artes e Ciências, em 1992.

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tornando-os conscientes desses talentos37. Como aponta Lauf (1992, p.53-54), era a “crença no potencial criativo do ser humano, o pivô dos princípios educacionais de Beuys, era derivado do princípio do trabalho de Mataré, mas também de suas leituras dos trabalhos de Rudolf Steiner”.38 Para essa pesquisadora Beuys fora da academia, fora influenciado pelo Grupo Fluxus, os Happenings e o movimento Dada. A importância da liberação do gesto, a interferência da música, da expressão corporal, os objetos como referência da ação e a valorização do silêncio, tudo isso pode ter influenciado Beuys. Na fala de Lauf (1992, p.72), “[...] a mudança da obra de Beuys de um expressionismo para o uso multimídia, combinando som, objetos prontos e um público, foi resultado das atuações de artistas como Dine”.39

Outro aspecto relevante na obra beuysiana é a espiritualidade que, acreditamos, volta-se para as influências de volta-seu professor Mataré. Somados ao cristianismo, a Antroposofia de Steiner e a retórica utilizada por Mataré, renderam titulações messiânicas a Joseph Beuiys (LAUF, 1992, p.88-89). Falamos isso, considerando as ações ritualísticas e seus conceitos em torno da Escultura Social, que apresento neste estudo. A autora acredita que

[...] é significativamente em Beuys como um artista cristão que sua pedagogia deve ser discernida. [...] O significado pelo qual ele tentou mudar a consciência humana foi através de analogias visuais de rituais cristãos. [...] Em sua busca por uma linguagem de representação que ensinaria melhor o principio da criatividade, Beuys alcançou uma variedade de mitos e apoios representativos. Ele mais tarde enrolou-se em feltro, entrelaçando-se para simbolizar a hibernação espiritual, confrontação com animais vivos e mortos, espontâneas representações de ruas e mais atividades organizadas em que ele deliberadamente representou o que tem sido chamado de modelo Messias 40 (LAUF, 1992, p.91).

Compreendemos nessa citação, que as imagens dos rituais cristãos oferecem uma representação das mensagens bíblicas carregadas de gestos performáticos de introspecção, revelação da humildade, direcionamento para viver a palavra do evangelho. Joseph Beuys,

37

Ver VICINI (2006, p.49 e 74). No segundo capítulo do livro, levantamos as características pedagógicas principalmente em relação à Universidade Interdisciplinar Livre, criada por Beuys e Boll, cuja arte é enfatizada como liberdade, que é igual à educação.

38

The belief in the creative potential of the human being, the pivot of Beuys´s educational principles, was derived in principle from the work of Mataré but also from his readin of the works of Rudolf Steiner (1861-1925).

39

The change in Beuys´s work from relatively conventional late Expressionist sculpture to multi-media events combining sound, ready-mades, and an audience, was a direct outcome of performances such as Dine´s. Jim Dine (artista Americano que trabalhou com performance - nota da pesquisadora).

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criado sob a concepção católica, apropria-se desses ritos propondo sua forma de ação e reflexão na arte: a performance nos gestos, as palavras, objetos e materiais que levam a pensamentos e ações. O aspecto de religiosidade e sofrimento, ligado a ações ritualísticas, segundo Lauf (1992, p.93-94), são muito presentes em muitas das obras de Beuys, entre elas The Chief (1964), How to explain paintings to a dead heare (1965), Eurasia (34 movement of the Siberian Symphony) (1965), Manresa (1966), Vacuum-Mass (1968), Celtic (1971), Peace Festival (1971), Ziege deine Wunde (1976/80) Stadtverwaldung (1982) e ainda, Palazzo Regale (1985).

Na obra Celtic+~ (1971), ele representa sua versão de uma cerimônia cristã lavando os pés dos membros da audiência, espalhando gelatina nas paredes, e imergindo-se em um tubo de água com a assistência do compositor Henning Christiansen. Apesar da explícita referência de lavar os pés de Cristo, e o batismo, Beuys negou-se a identificar conteúdo cristão específico na representação, dizendo que a igreja não oferece mais sustentação espiritual. No entanto, sua referência foi claramente desenhada de fontes cristãs [...]41 (LAUF, 1992:95).

Nesse trabalho, Beuys anuncia que não havia mais espaço para o Cristianismo, mas que, a partir do que este significou, poderia ser criada uma nova forma de ressuscitar o verdadeiro espírito do cristão (LAUF, 1992, p.96). Beuys afirma que o homem deve reconhecer o seu poder espiritual por ele próprio, pois a religiosidade não pode justificar ou potencializar o homem, mas o homem deve tentar fazer algo por si próprio (LAUF, 1992, p.97). A noção de espiritualidade, que pode ser observada nos processos criativos de Beuys, funde-se ao ritual de criação, execução e finalização de suas obras a partir de rituais católicos e primitivos, principalmente pela questão dos processos internos e subjetivos da Escultura Social, fundamentais em sua obra. Observamos uma espécie de conflito na obra beuysiana em relação às suas concepções de rituais cristãos. Ora se direcionam para uma fundamentação católica, de espírito de humildade e submissão, ora se voltam para o sentido de espiritualidade e ciência oculta apresentados pela antroposofia de Steiner; ou pelosos rituais ancestrais de xamanismo42.

Notamos que ao entrarmos em contato com as obras de Beuys, imediatamente nos sentimos em contato com um tempo e espaço desconhecidos tanto por nossa mente quanto por

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The action Celtic (1971) was one of the events in which it became obvious that Beuys himself provided the means to higher cretivity. In this performance, Beuys enacted hhis version of an early Christian ceremony by washing the feet of member of the audience, splattering gelatin on the walls, and immersing himself in a tub of water with the assistance of the composer Henning Christianssen. Despite the explicit reference to the washing of the feet of Christ and the baptism, Beuys declined to identify specific Christian content in the performance, stating that the institution of the Church no longer offered spiritual sustenance. Neverthless,his reference was clearly drawn from Christian sources […].

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nosso corpo, pois seus materiais e objetos não são comuns ao presente, mas ao passado. Tentamos tornar a obra de Beuys mais familiar, num processo intelectual e emocional, para que criasse vínculos com nossa vida, numa imersão individual e coletiva em relação ao Outro43. Como propõe Beuys, a ação ou transformação do sujeito começa com esse estranhamento que provoca o pensamento e a atitude para então acontecer a transformação que ele buscava nos pensamentos, falas e imagens a fim de provocar a desalienação.

Essa possibilidade imersiva e interacionista é proposta em todas as obras desse artista, como podemos verificar na obra Directional Forces44 (TISDALL,1992), realizada em quatro momentos diferentes: em Londres (1974), New York (1975), Veneza (1976) e Berlim (1977). Nela, Beuys escrevia em quadros suas ideias sobre sociedade, política, filosofia e arte, conversando com o público e interagindo com ele, provocando as pessoas a escreverem nos quadros ou exporem suas ideias oralmente. Havia uma comunicação direta entre artista e público: ação, resposta, comunicação. Essa intensa busca de estar em diferentes espaços, com diversos elementos, com linguagens distintas, pode traduzir a multiplicidade potencial digital da obra de Beuys, como salientado em pesquisa anterior (VICINI, 2006) na qual relacionamos as obras de Beuys com a pedagogia e a hipermídia.

No catálogo sobre a exposição dos Cartões Postais, que ocorreu em Frankfurt e Berlim, no Museu dos Correios e Comunicações, Bunge (1998, p.30) coloca uma frase de Beuys, no início de sua crítica: “A minha vida inteira foi publicidade, mas as pessoas deveriam interessar-se uma vez para quê fiz publicidade.45 Concebemos que essa frase de Beuys relaciona-se a toda sua produção, uma vez que utilizou os mais diversos meios e linguagens para atingir o objetivo de divulgar suas ideias. Assim, Bunge discorre a respeito da possibilidade de compreender essa afirmativa do artista, explanando a visão de Beuys sobre a imaginação, o “pensamento imagético” de construir formas que para os artistas do passado, tem relação direta de representatividade do ser humano, da natureza, de Deus. Temas que “ampliam-se no artista escultórico Joseph Beuys”(BUNGE, 1998, p.30). Escreve Bunge (1998) que Beuys harmoniza “os princípios de configuração [Gestaltung] da escultura com uma antropologia”, pois, para Beuys, a tarefa da arte era

43

Filosoficamente falando, o Outro que está em nós e o Outro diferente de nós: “Para a consciência-de-si há uma outra consciência-de-si [ou seja]: ela veio para fora de si. Isso tem dupla significação: primeiro, ela se perdeu a si mesma, pois se acha numa outra essência. Segundo, com isso ela suprassumiu o Outro, pois não é o Outro como essência, mas é a si mesma que vê no Outro (HEGEL, 2008, p.143).

44 

Em nosso livro, descrevemos e analisamos essas quatro diferentes formas de Beuys apresentar esta obra, destacando os aspectos fenomenológicos e hermenêuticos.

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[...] transmitir ao homem uma imagem da sua própria essência, então precisamos [...] trilhar caminhos de pensamento que projetam uma imagem maior do pensamento do que justamente essa imagem racionalista, materialista do pensamento46 (BUNGE, 1998, p.30).

Nessa citação, Beuys abre-nos o significado lato sensu de sua arte, que analisamos ter sido introspectiva por essência, interessada em captar a subjetividade do mundo nos temas e aspectos que abordava em suas exposições, ações, conferências ou Esculturas Sociais. A materialidade de suas obras era a coisa em si, que propõe brotar a verdade47, pensando o homem como essência e poder para ser e fazer. Como citamos no início deste capítulo, quando trtamos da Antroposofia em Steiner (1994) e do poder da imagem,Beuys pretendia ir além da visibilidade do mundo e das coisas, identificando os objetos, porque acreditava que existe uma linguagem direta importante entre o significado desses objetos e o mundo, mas, principalmente, acreditava que a transformação que essas imagens podem provocar no pensamento e mente das pessoas é muito mais ampla do que simplesmente “ver”. Como nos diz Bunge (1998),

[...], pois formas superiores do pensamento são a intuição e (inspirações) mediações, o conceito de imagem. Pois “imaginação” significa: a imagem, imago [...] O fato de o pensamento poder se tornar tão imagístico, esse fato precisa ser finalmente discutido 4849 (BUNGE, 1998, p.31).

Esse autor descreve o que tem-se salientado nesta pesquisa, ou seja, ao fato de Beuys trabalhar as imagens para fazer as pessoas pensarem realmente no que estavam vendo, quando diz:

De modo absolutamente decidido, ele se ateve ao meio não-verbal da imagem (imago), pois esta produziria, por meio da intuição sensível, um efeito imediato sobre a consciência intelectual e seria, por conseguinte, especialmente apropriada a provocar irritações e pôr em marcha movimentos do pensar. Esculturas, ações e instalações espaciais também se afiguram como “imagens” a Beuys 50 (BUNGE, 1998, p.31).

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[…] das die Gestaltungsprinzipien der Plastik mit einer Anthropologie in Einklang bringt. […] dem Menschen ein Bild seines eigenen Wesens zu vermitteln, dann muB man… Gedankenwege gehen, die ein gröBeres Bild vom Denklen entwerfen als eben dieses rationalistische, materialistische Bild von Denken.

47

Heidegger (2000, p. 62). 48

Beuys in: Gespräche mit Beuys, 1988, p.137 apud Bunge (1998). Um pensamento imagético significa que “não se deve teorizar constantemente, mas desenvolver essas imagens verdadeiras”. Ein bildhaftes Denken heiBt, daB man nicht ...dauernd theoretisieren soll, sondern man muB diese wahren Bilder entwickenlt.

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Denn höhere Formen von Denken sind Intuition uns Inspiration und Imagination, die haben denBegriff des Bildes doch unmittelbar im Begriff. Denn, ’Imagination’ heiBt: das Bild, das Imago…DaB das Denken so bildhaft warden kann, daB muB doch einmal diskutiert warden.

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Imagem

Figura 2 – Richtkräfte, 1978
Figura 3 – Sem título (State of Sun) -  Joseph Beuys - 1974
Figura 4 - Coyote – I Like America and America Likes me – 1974
Figura 5 – Intuition - 1968
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Referências

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