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Ciênc. saúde coletiva vol.8 número4

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Academic year: 2018

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Saúde e ambiente sustentável: estreitando nós. Or-ganizado por Maria Cecília Minayo e Ary Carvalho de Miranda. Editora Fiocruz , Rio de Janeiro, 2002, 344pp.

M arcelo Bessa de Freitas

Escola Politécn ica de Saúde Joaquim Ven ân cio

A partir da década de 1970, m otivados pelos riscos ecológicos globais e pelas crises en ergéticas do petróleo, diferen tes m ovim en tos sociais, qu e se am -pliavam naquele momento, e setores organizados da econ om ia e do com ércio com eçaram a question ar, em bora por diferentes vieses, os paradigm as e m o-delos de desenvolvimento, produção e consumo vi-gen tes. Tam bém n o m esm o período, um in form e produzido pelo govern o can aden se rein corpora as dimensões sociais, comportamentais, culturais, polí-ticas e ambientais no entendimento do processo saúdedoença, que teve um peso fundam ental no pen -samento sanitário. Esses dois contextos representam os principais marcos históricos para o entendimento da intrínseca relação saúde e am biente nas décadas seguintes. Saúde e am biente sustentável: estreitando nós é uma das poucas literaturas da área da saúde co-letiva a apresentar um rico debate teórico-conceitual em torno da relevância da questão ambiental para a saúde. O livro tem dois grandes méritos; o primeiro é contextualizar as condições e inter-relações socio-ambientais que promovem agravos à saúde pública; o segundo é apresentar de forma propositiva e refle-xiva cam in hos e altern ativas para lidarm os com os diferentes processos produtivos e riscos am bientais que ameaçam a sustentabilidade ecossistêmica e sa-nitária. O conteúdo da obra é com pilado em cinco capítulos, com postos por dois ensaios cada um , se-guido de debates prom ovidos por especialistas que atuam junto ao tema.

A prim eira parte da obra – Am bien te, Espaço, Território: o Olhar da Saúde – é iniciada com o tex-to de Pádua “Dois séculos de crítica am bien tal n o Brasil”. Neste ensaio o autor apresenta uma brilhante historicidade em torno do discurso ambiental brasileiro n os séculos 18 e 19, fun dam en tal para com -preender o início do processo da destruição dos ecossistem as, e a apropriação dos vastos recursos natu rais do território brasileiro pela colonização portu -guesa, o que colaborou para o agravamento do qua-dro sanitário brasileiro nos séculos que se seguiram. O texto também revela como o discurso dos am bien-talistas da época se distanciava dos reais interesses de ocupação territorial pelo Império português, de fato um projeto meramente espoliativo e ausente de pro-postas desenvolvimentistas, para os paradigmas so-cioeconômicos vigentes na época.

No segun do texto “Doen ças em ergen tes e ree-mergentes, saúde e ambiente”, Navarro et al. trazem contribuições valiosas a respeito do tem a, apresen -tam e discutem algun s cam in hos estratégicos para o enfrentam ento dessas doenças e as tendências de abordagens para lidar com elas. O texto fundamen -ta a importância das dimensões espaciais e os determ in an tes econ ôdeterm icos, sociais, geográficos e cultu

-rais no entendim ento das doenças em ergentes e re-em ergen tes, sob o pon to de vista da com plexidade que rege as relações socioecológicas.

Os debates referentes a esta parte do livro lem-bram quão importante seria a investigação comple-mentar, das raízes culturais, ideológicas, filosóficas e religiosas subjacen tes aos m odos de produção que degradam o ambiente no Brasil, traçando um quadro com parativo com a realidade dos dem ais países da América Latina. Como faz Leroy, ao discorrer sobre a história da ocu pação territorial pela agricu ltu ra brasileira e sua relação como a emergência e reemer-gência de doenças e a degradação ambiental associa-da a essas práticas. O debate tam bém levanta a im-portância de abordagens m ultidisciplinares e ecos-sistêmicas em substituição aos métodos da auto-eco-logia das doen ças para explicar as relações tróficas entre espécies, populações, comunidades biológicas e ecossistemas.

A segun da parte do livro – Dialogan do com o Risco – é dedicada à conceituação de risco. A partir de um a perspectiva histórica, Lieber & Lieber, n o texto “O conceito de risco: Janus reinventando”, dis-cutem a incerteza com o um elem ento fundam ental n as an álises de risco, e com o ela foi n egligen ciada ao longo do pensamento científico ocidental, e ago-ra é tomada como elemento inerente às abordagens com plexas de avaliação e gerenciam ento dos riscos ambientais sociotécnicos.

O segun do texto, “Dialogan do com o risco n a era midiática” de Castiel, aborda os aspectos subje-tivos dos riscos, revelando a importância e a influên-cia da m ídia na percepção do risco e nas m udanças de comportamento e estilo de vida. O texto aborda, sob a perspectiva da governam entalidade foucaultia-na, as ações de medidas individuais como a higiene, os estilos de vida e os comportamentos de risco.

Os debates referen tes à segun da parte do livro procuram con tribuir com elem en tos cen trais para a discussão sobre riscos. O primeiro debate trata da percepção e da com un icação dos riscos associados ao uso de agrotóxicos, ilustrando de forma prática a importância de uma abordagem integrada e partici-pativa para gerenciar risco na saúde am biental. No segundo debate Spink classifica as tradições nos dis-cursos sobre risco, sob a perspectiva da governamen-talidade das ações coletivas e individuais sobre o ris-co, e do risco aventura.

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cursivo e paradigmático como elementos-chave para a discussão do cam po da Prom oção da Saúde e for-mulação do Sistema Único de Saúde.

No segundo texto desta parte “Enfoque ecossis-têmico de saúde e qualidade de vida”, Minayo apre-sen ta elem en tos para a con strução teórico-prática desta abordagem, a partir da mudança da perspectiva an tropocên trica dos problem as de saúde e am -biente. A autora define o que vem se configurar no m odelo ecossistêm ico, represen tado pelo desloca-m ento de udesloca-m desloca-m odelo essencialdesloca-m ente econodesloca-m icista para um a reflexão que en volve eqüitativam en te as dimensões ambientais, econômicas e sociais. Descre-ve os antecedentes históricos desta abordagem, ocor-ridos nas décadas de 1970 e 1980 no Canadá, e o movim en to da reform a san itária brasileira e sua con -cepção am pliada da saúde. Por fim , de form a insti-gan te, apon ta para a n ecessidade de se superar al-guns desafios metodológicos e operacionais que per-mitam, na prática, a viabilidade da abordagem ecos-sistêmica em saúde.

Os debates realizados para esses dois ensaios re-fletem a avaliação da participação da comunidade e sua inclusão efetiva nas ações da prom oção da saú-de. São colocados também como desafio às ações de Promoção da Saúde a efetivação das metas de aten-ção universal e da eqüidade em saúde e não apenas a am pliação da cobertura de serviços e a descentrali-zação. Em relação ao enfoque ecossistêmico, o deba-te ressalta a im precisão da fun dam en tação con cei-tual e teórica e a dificuldade de operacion alizar a abordagem na prática, apontando para a dificuldade de se estimular gestores e a população a investir nes-ta proposnes-ta, em fun ção de ain da persistirem um a inadequação teórica e metodológica neste enfoque.

A quarta parte do livro discute os Processos Pro-dutivos, Consumo e Degradação da Saúde e do Am-biente. No prim eiro texto, “Padrões de produção e con sum o n as sociedades urban o-in dustriais e suas relações com a degradação da saúde e do meio ambi-ente”, Franco conduz sua narrativa de form a a pro-blematizar inicialmente o tema trabalho e saúde nu-ma perspectiva sociológica, da revolução industrial à tecnológica, pontuando sempre as questões de saúde e doença advindas da modernidade e do processo de produção e consumo, vinculadas aos diferentes tem-pos e m om entos tecnológicos e contextos políticos sociais e econômicos. Na parte final do texto, a auto-ra aborda as relações en tre processo de tauto-rabalho e meio ambiente, e os riscos tecnológicos associados a estas duas dim en sões, ressaltan do os custos socio-ambientais embutidos no processo de globalização e de transferência de manufatura industrial dos países do Prim eiro Mundo para os países periféricos. Por fim aponta para a necessidade de superar a visão an-tropocen trista pela con strução de an álises con tex-tualizadas e críticas, incorporando os limites bioló-gicos nas ciências sociais e as restrições ecológicas às análises do mundo do trabalho e da vida social.

No segundo texto “Produção e consumo, saúde e am biente: em busca de fontes e cam inhos”, Rigotto aborda de form a progressiva e com plexa os proble-mas ambientais e os riscos à saúde gerados nos

pro-cessos produtivos e de consum o no contexto social atual. A autora procura enfocar a organização social e do trabalho na era moderna, a partir das transfor-mações experimentadas pelas mudanças de paradig-mas das ciências e pelas revoluções industrial e tec-nológica e as suas inter-relações com os aspectos po-líticos, econôm icos, sociais, culturais e sim bólicos, e os im pactos e riscos gerados ao am biente e à saú-de humana, num contexto de globalização. Por fim, pontua algum as dim ensões úteis em alim entar no-vas utopias que gerem um a relação positiva entre o m undo da produção/consum o, o am biente e a saúde. Tais com o, m u dan ças n os sistem as de produ -ção de bens e serviços e nas relações do processo de trabalho; o desenvolvim ento de novas tecnologias; e am pliação dos espaços dem ocráticos e de partici-pação.

Os debates que se seguem a esta quarta parte do texto contribuem com aspectos fundam entais para se adicionar à discussão, tais como a questão do de-semprego e a precarização do trabalho, a importân-cia do modelo toyotista de produção, e a institucio-nalização da saúde do trabalhador no Sistema Único de Saúde e os desafios em lidar com assistência e vi-gilância dos fatores de riscos resultantes do proces-so de produção, consum o, trabalho e am biente. Há ain da con tribu ições em torn o de n ú m eros e casos de estudos, como cenários e projeções políticos-eco-nômicos na lógica neoliberal de mercado e o univer-so da produção e consumo de agrotóxicos e os pro-blemas e agravos à saúde e meio ambiente no Brasil. A quinta parte do livro – Indicadores em Saúde e Ambiente: Construção Conceitual – aborda a dis-cussão em torno da construção conceitual de indica-dores em saúde e ambiente. Começa com o texto de Augusto que resgata, n um breve recorte histórico, as motivações iniciais que, sob a perspectiva da saú-de do trabalhador e exposições ocupacionais, moti-varam as prim eiras discussões n acion ais em torn o de indicadores de saúde ambiental e ocupacional no processo de trabalho. Subjacente a esta introdução a autora conduz uma discussão de caráter epistemoló-gico sobre a necessidade de uma abordagem integra-da para a construção de integra-dados e indicadores que re-flitam as condições de complexidade e incerteza das inter-relações em saúde e ambiente.

No segundo ensaio “Constituição de um sistema de indicadores socioam bientais”, Barcellos traz ele-m en tos n ovos para a discussão de in dicadores so-cioam bien tais, quan do apon ta para a im portân cia dos índices como instrumentos importantes para fa-cilitar a comunicação entre pesquisadores, gestores e sociedade a respeito dos riscos ambientais e da sus-tentabilidade. Infere também sobre a necessidade de um a construção não linear e não com partim entalizada de indicadores e índices, e de dim ensões tem -porais e espaciais que se com un iquem m ais facil-mente, considerando a horizontalidade e verticalida-de das discussões dos dados, indicadores e índices.

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nário para a realização de ações humanas, mas uma entidade dinâm ica, base para a construção de indi-cadores socioambientais. Também são ressaltadas as lim itações epistem ológicas e territoriais presen tes nas propostas de refinamento de indicadores socio-ambientais. Por fim ilustra-se, com um estudo de ca-so, a con stituição de in dicadores socioam bien tais utilizados no monitoramento das condições de saú-de saú-de idosos em Belo Horizonte.

De certo que as idéias contidas neste livro repre-sentam uma contribuição essencial ao entendimento das relações entre saúde e ambiente, através de uma rica contextualização dos problemas ambientais e de saúde e, da iden tificação profícua e pertin en te de tendências conceituais e m etodológicas necessárias à form atação de novas práticas que se colocam co-mo desafios à saúde coletiva brasileira.

rá a reflexão da autora e perm eará toda a análise de saúde com o potência de ser e agir. Para discutir tais questões, Margarida Barreto elege a humilhação co-m o o co-m icroscópio da relação saúde-doen ça e des-sa, com a sociedade. Propõe e destaca o valor da “conversa clínica prolongada” na relação médico-pa-cien te, ressaltan do o valor das queixas subjetivas, sentimentos e emoções como forma de garantir a voz àqueles que estão excluídos da fala. A segunda parte do livro discute, em particular, o m undo do traba-lho, espaço do agir médico em busca da “saúde per-feita”, da omissão e subnotificações de doenças e aci-dentes, da produtividade a baixos custos, da insalu-bridade e exposição a m últiplos riscos, da doença e sofrimento imposto. Esta viagem pelas ciências hu-m anas ehu-m seu diálogo cohu-m as práticas ainda vigen-tes nos revela uma concepção de saúde na mais bela tradição humanista. A autora destrincha diante dos nossos olhos a “jornada de humilhações” e suas con-seqüências à saúde e à vida dos trabalhadores, reve-lan do um m un do do trabalho que adoece, agrava padecimentos e destrói a vida. Um dos aspectos ino-vadores da sua análise é sua concepção de risco invi-sível, ao afirmar que a humilhação repetitiva e de lon-ga duração constitui um risco invisível porém concre-to, nas relações e condições de trabalho, que interfere na vida dos/das trabalhadores/as de m odo direto, com prom etendo a identidade, a dignidade e as rela-ções afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saú-de física e mental, que posaú-dem evoluir para a incapaci-dade laborativa, desemprego ou mesmo a morte. Hoje, a violência m oral é tem a obrigatório em discussões e encontros sindicais. Ganhou o público e o coração de centenas de trabalhadoras e trabalhadores anôni-mos, humilhados e sem direito a voz. Antes mesmo da publicação do livro, a partir da divulgação dos re-sultados da dissertação de m estrado na grande im-prensa, em novem bro de 2000, o tem a teve e conti-nua tendo am pla repercussão nacional em diferen-tes espaços sociais, inclusive no campo do legislativo e do judiciário. O livro constitui, sem dúvida, um a contribuição inovadora às discussões de saúde, emo-ções e violência m oral no trabalho. Estam os diante de um saber militante, em que a autora procura de-volver a voz aos sem voz. Trata-se de um livro que nos convida a refletir profundam ente sobre as cau-sas da violência, ao mesmo tempo que nos interpe-la e convoca a somar forças e construir no cotidiano um m undo do trabalho e um a sociedade, na qual a afetividade ética constitua prioridade do tecido rela-cional humano.

Violência, saúde e trabalho (uma jornada de hu-milhações). Margarida Barreto. São Paulo, EDUC, 2003, 235pp.

M aria Benigna Arraes de Alencar Gervaiseau Un iversidade de Bordeaux III, Fran ça

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