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DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

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DAYANE ARAÚJO DIAS

DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

Belo Horizonte 2014

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DAYANE ARAÚJO DIAS

DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade de Minas Gerais, sob a orientação da Professora Roberta Salvático Vaz de Mello, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Belo Horizonte 2014

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DAYANE ARAÚJO DIAS

DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade de Minas Gerais, sob a orientação da Professora Roberta Salvático Vaz de Mello, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

_______________________________________________

Roberta Salvático Vaz de Mello

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(Professor)

________________________________________________

(Professor) Belo Horizonte

2014

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À Deus, por sua perfeita e agradável medida.

Aos meus queridos pais, Neuza e Juarez, pelo amor incondicional.

As minhas irmãs, Daniela, Débora e Dayse, pelas inspirações e carinho diário.

Ao amado Rafael, pelo companheirismo e afeto.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, pela parceria nessa caminhada, cuidado e pelo constrangedor amor a mim ministrado das diversas formas, cores e jeitos.

Aos meus pais, Neuza e Juarez, demonstração viva do amor, agradeço da forma mais sincera pelos ensinamentos, pela base familiar, pelas correções, conversas, risos e principalmente por acreditarem em mim, pois esse sentimento por vezes me impulsionaram e me fizeram querer mais.

As minhas irmãs, Daniela, pelo tratamento e amor como filha; à Dayse, minha inspiração constante de bondade e genuíno carinho, à Débora, com quem compartilho sonhos, brincadeira e tudo que possa se tornar mais engraçado com a sua companhia, dispenso minha eterna gratidão, por terem, sem dúvida nenhuma, contribuído para o meu crescimento.

Os meus sobrinhos Maycon, Camille, Gabrielle e Guilherme, pela doce, as vezes nem tão, convivência, e pelo carinho durante essa caminhada. Especialmente ao Pedro, que chegou trazendo amor e beleza nas nossas vidas.

Ao Rafael, meu companheiro de sonho, amigo pra todas as horas, namorado compreensivo, noivo atencioso e futuro marido, com você divido tudo o que tenho e sou.

Ao meu avô, aos tios, primos, amigos e colegas de trabalho que sempre estiveram torcendo por mim. Com vocês também divido a felicidade do enceramento de um ciclo.

E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, mesmo assim nada seria. 1º Cor: 13:2

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RESUMO

O presente trabalho analisa a problemática contida no Título das Sucessões no Código Civil Brasileiro, no que tange a distinção feita por este texto, da vocação hereditária do cônjuge e do companheiro, utilizando-se dos métodos histórico, dedutivo e indutivo numa pesquisa bibliográfica. Precipuamente, buscou-se detectar na história a progressão das relações afetivas e sua proteção estatal, perpassando pelo casamento e pela união estável. E principalmente o assento, dessas instituições familiares, na Constituição Federal de 1988, que as descreve e as deixa em paridade de igualdade. A isonomia está confrontada de forma danosa ao companheiro no artigo 1.790 do Código Civil de 2002, que diferencia este, ora legitimado pela Carta Magna, do cônjuge, tratamento este, inconstitucional, uma vez que a Lei Ordinária, viola em seus dispostos, texto e interpretação Constitucional, ora consagrado Texto Maior da Legislação Brasileira. Diante disso, traz a abordagem de possível solução legislativa, que se define pela declaração de inconstitucionalidade e, enfim, o tratamento igualitário ao companheiro e cônjuge, na busca da aplicação máxima do Direito.

Palavras Chaves: Sucessão do Companheiro. Vocação Hereditária. Inconstitucionalidade.

Artigo 1.790 do Código Civil Brasileiro. Tratamento Paritário. Companheiro e Cônjuge.

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ABSTRACT

This paper analyzes the issues contained in Title Succession in the Brazilian Civil Code, regarding the distinction made by this text, the heredity of spouse and partner, drawing on the historical, inductive and deductive methods in literature. Primarily, that we sought to detect the progression of the story and their relationship effective state protection, passing by marriage and stable relationships. And especially the seat, these family institutions, the Federal Constitution of 1988, which describes and leaves of equal parity. Equality is confronted harmful to the companion form in Article 1790 of the Civil Code of 2002, which sets this, now legitimized by the Constitution of the spouse. This treatment, unconstitutional, since the Ordinary Law infringes on their willing, text and constitutional interpretation, now enshrined Text Larger Brazilian legislation. Thus, the approach provides a potential legislative solution, which is defined by the declaration of unconstitutionality and order, equal treatment to companion and spouse in the pursuit of maximum application of law.

Keywords: Key Words. Hereditary Vocation. Unconstitutional. Article 1790 of the Civil Code.

Joint Treatment. Companion and Spouse.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 A HISTÓRIA DO DIREITO SUCESSÓRIO APLICADO ÀS RELAÇOES AFETIVAS NO BRASIL ... ...11

2.1 Do casamento ... 11

2.3 Da união estável ... 13

3 INSTITUIÇÕES FAMILIAR À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 ... 17

3.1 Princípios relevantes ao tema ... 19

3.1.1 Princípio da Supremacia da Constituição ... 20

3.1.2 Princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público 20 3.1.3 Princípio da interpretação conforme a Constituição ... 20

3.1.4 Princípio da dignidade da pessoa humana ... 20

4 A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE E DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE ... 22

4.1 Da dissolução parcial da entidade familiar em razão da causa mortis ... 22

4.1.1 Da concorrência do companheiro com os descendentes comuns ... 23

4.1.2 Da concorrência do companheiro com descendentes exclusivos do de cujus ... 24

4.1.3 Da concorrência do companheiro com os demais parentes sucessíveis ... 25

4.1.4 Da sucessão do companheiro na ausência das três classes anteriores ... 25

4.2 Da inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil ... 26

4.2.1 Da infração do princípio da isonomia ... 27

4.2.2 Da inobservância do princípio da dignidade da pessoa humana ... 29

4.2.3 Da prevalência da ordem constitucional sobre disposição infraconstitucional ... 29

4.3 Do entendimento dos tribunais ... 30

5 CONCLUSÃO ... 34

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REFERÊNCIAS ... 35

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1. INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico brasileiro, apesar de sua notória extensão e complexidade, guarda questões que desafiam os mais influentes doutrinadores, contrapondo a existência de possíveis lacunas e a inexigibilidade de codificação específica de aspectos já contemplados pela norma geral. As discussões que emanam desse contexto trazem a tona interessantes ponderações, ricas e meritoriamente desafiadoras para os operados do direito em geral.

O Código Civil Brasileiro, promulgado em 2002, é campo de algumas dessas batalhas doutrinárias. O que não poderia ser diferente, já que essa se apresenta como uma de nossas legislações mais recentes datada de 1973, época em que o projeto que lhe deu origem começou a tramitar no Congresso Nacional.

Quando a matéria é o Direito Sucessório, os juristas levantam diversas bandeiras, abrindo um mar de discussões capaz de abrigar grandes turbulências. O artigo 1.790 dessa coleção de leis civilistas é tomado como tema para as considerações que se pretende tecer a seguir; A começar por uma análise das disposições internas do Código Civil Brasileiro, tem- se que ao cônjuge, este legitimamente reconhecido em função do casamento, é garantida a totalidade de bens do de cujus na ausência de ascendentes e descendentes, ressalvada a concorrência com estes se existirem. Ao passo que, nas mesmas condições, o companheiro, aquele que constitui união estável com o autor da herança, é preterido, chegando a ser rechaçado frente ao Estado, último destinatário na linha sucessória.

Na contramão da lei infraconstitucional, elevando-se os olhos para o ápice da pirâmide idealizada por Hans Kelsen, a Carta Magna consagra em seu artigo 226 a proteção da família, célula-materna da sociedade, estendendo taxativamente tal garantia à união estável no parágrafo 3º do referido dispositivo. Note-se a harmonia existente entre as disposições constitucionais, sendo esta flagrante reafirmação da igualdade sedimentada como garantia fundamental no artigo 5º da Norma Maior.

Neste contexto se mostra latente o Princípio da Isonomia como marco teórico do presente estudo. Como se falar em tratamento diferenciado as diversas formas de instituição familiar enquanto a Constituição Federal de 1988 garante-lhes proteção indistinta?

Esse embate legislativo em que figuram em lados opostos de uma mesma arena a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002 traz à baila um importante mecanismo de verificação da adequação e comunicabilidade dos diversos elementos integrantes do ordenamento jurídico brasileiro, o chamado controle de constitucionalidade. Ora, se lei infraconstitucional, em quaisquer de seus fragmentos, contraria a Norma Máxima de um

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Estado, imperioso se mostra seu enfrentamento, sob pena de contaminação irremediável do todo.

O que se busca no presente estudo não é o esgotamento da matéria, visto se tratar de substância de especial complexidade, mas sim propor uma análise apurada do ordenamento jurídico pátrio. A contraposição de ideias e a verificação de alternativas eficazes figuram entre as pretensões inarredáveis do objetivo geral deste estudo, conforme aspectos oportunamente aduzidos.

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2. A HISTÓRIA DO DIREITO SUCESSÓRIO APLICADO ÀS RELAÇOES AFETIVAS NO BRASIL

A regulação do destino dado aos bens que compõem o patrimônio arrecadado em vida, após o falecimento de seu titular, é tema que grande relevância e há muito normatizado pelas legislações para a disciplina das relações humanas em sociedade. Isso porque, como destaca Rizzardo (2009), a morte ocupa um espaço significativo entre as preocupações dos sujeitos de direito, sobre a qual não é permitido ao Estado escusar-se de suas obrigações.

Ao longo da história das civilizações, a construção do direito sucessório se confunde, por vezes, com a evolução da instituição familiar sob a ótica das crenças religiosas e costumes. Isso porque, conforme destaca a jurista Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2001), a influência dos aspectos sociais evidencia os limites da autonomia de autoafirmação do indivíduo, ipis literis:

O poder de designar herdeiros encontra, no mais das vezes, limitação na legislação ou nos costumes de todos os povos, tendo havido épocas em que tal limitação foi absoluta, mormente em decorrência de motivos de ordem religiosa. Contudo, a ausência do poder de designar herdeiros não acarreta a ausência do pressuposto da vocação hereditária. Herdeiro há. O que não há – em certas épocas ou lugares – é a liberdade de instituí-lo segundo critérios que o autor da herança julgasse apropriados. (HIRONAKA, 2001, p.1)

Perpassando o universo detalhado pela doutrina no que concerne à origem histórica do Direito Sucessório, ao presente estudo importante se mostra a análise da matéria tratada pelas leis brasileiras, momento que se faz imperativo destacar os institutos do casamento e da união estável.

2.1 Do Casamento

No Brasil, reafirmando a influência religiosa na ordem social, a união entre homem e mulher para a constituição de uma família, só alcançava a condição de casamento com repercussão civil se realizado conforme os ritos da Igreja Católica. Esta realidade foi modificada apenas com o advento do Decreto Lei 1.144 de 11 de setembro de 1861, que assim dispunha em seu preâmbulo:

Faz extensivo os effeitos civis dos casamentos, celebrados na forma das leis do imperio, aos das pessoas que professarem religião diferente da do Estado, e determina que sejão regulados ao registro e provas destes casamentos e dos nascimentos e obitos das ditas pessoas, bem como as condições necessárias para que os Pastores de religiões toleradas possão praticar actos que produzão effeitos civis.

(IMPÉRIO DO BRASIL, Decreto Lei nº 1144 de 11 de setembro de 1861, 1861)

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Note-se, contudo, que o referido texto legislativo não firmou uma ruptura com a vinculação da validade do casamento à ratificação cristã, mas tão somente estendeu seus efeitos às chamadas “religiões toleradas” pelo Estado.

Esse cenário, como destaca Castro (2011), só veio a ter uma nova alteração sensível após a proclamação da República, quando, em Janeiro do ano seguinte a esse grande feito (1890), o Decreto 181 promulgou a lei sobre o casamento civil. O que foi confirmado pela Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891) em seu artigo 72, parágrafo 4º: “A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.”

Conforme se depreende do instrumento legislativo supramencionado, à época de seu reconhecimento nacional, afastava-se categoricamente a proteção estatal de toda e qualquer instituição contraída de forma diversa daquela descrita pela norma, ainda que desta guardasse as características fundamentais no plano fático. Em outras palavras, o casamento era “a união permanente entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos” (MONTEIRO, 2007, p.21).

A lenta evolução legislativa em face da progressão contínua da sociedade e suas necessidades evidencia a carência de tratamento positivado dos fatos sociais. Neste ponto, destaca-se a atuação do ente soberano no que se refere às garantias dispensadas a homens e mulheres durante a vida conjugal e após o advento da morte.

O Código Civil de 1916, por sua vez, reproduziu em muito os ditames do Decreto 181 de 1890, em especial no que se refere às formalidades e nulidades decorrentes dos impedimentos para o casamento. Inovando também no que tange ao Direito Sucessório em espécie, no que estas considerações se focalizam o regime aplicado às relações afetivas.

O referido diploma legal, assim determinava a ordem hereditária:

Art. 1.603. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - Aos descendentes.

II - Aos ascendentes.

III - Ao cônjuge sobrevivente.

IV - Aos colaterais.

V - Aos Estados, ao Distrito Federal ou a União.

V - aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União.

Esclarecendo a proposta anunciada no dispositivo retroindicado, a Lei Civilista especificava em seu artigo 1.611:

Art. 1.611 - A falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal.

§ 1º O cônjuge viúvo se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens

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do cônjuge falecido, se houver filho deste ou do casal, e à metade se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do "de cujus".

§ 2º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar.

§ 3o Na falta do pai ou da mãe, estende-se o benefício previsto no § 2o ao filho portador de deficiência que o impossibilite para o trabalho.

Sobre o assunto, merece destaque as palavras de Sílvio de Salvo Venosa, in verbis:

O cônjuge vem, no Código Civil de 1916, colocado em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, após os descendentes e ascendentes. Não é herdeiro necessário, podendo, pois, ser afastado da sucessão pela via testamentária. Nesse código, o cônjuge herda na ausência de descendentes ou ascendentes. A dissolução da sociedade conjugal exclui o cônjuge da vocação sucessória. A separação de fato por si só não o exclui. Tal exclusão só ocorrerá com sentença de separação, ou de divórcio, com trânsito em julgado. Até aí o cônjuge é herdeiro. Separação de fato, ainda que por tempo razoável, não basta para que o cônjuge saia da linha sucessória. A meação do cônjuge não é herança. Quando da morte de um dos consortes, desfaz-se a sociedade conjugal. Como em qualquer outra sociedade, os bens comuns, isto é, pertencentes às duas pessoas que foram casadas, devem ser divididos. A meação é avaliada de acordo com o regime de bens que regulava o casamento. (VENOSA, 2003, p.53)

Já em 1988, a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil trouxe ao ordenamento jurídico pátrio transformações, não sendo diferente no que tange ao casamento e seu tratamento no regime sucessório. A consagração do casamento como forma familiar protegida pelo Estado é objeto do artigo 226, § 2º da Lei Magna em vigor, que também garante qualidade de direito fundamental ao instituto da herança no artigo 5º, XXX.

Disposições que, por comporem o alicerce de toda a gama legalista brasileira, foram observadas pelo legislador infraconstitucional quando da edição do Código Civil de 2002. Por força do casamento, é concedido ao cônjuge sobrevivente, neste Texto de Lei, tratamento privilegiado na sucessão, tendo a ordem de vocação hereditária especial atenção no que a ele se refere - artigo 1.829, I e III.

2.2 Da união estável

A união estável, em matéria de Direito, caminhou ao longo da história em um ritmo ainda mais lento que o empreendido pelo casamento, apesar de ser ainda mais antiga, uma vez que muito antes da formalização do casamento, essa era a forma preexistente de instituição familiar. A marginalização desse instituto decorrente, em suma, de sua caracterização como

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avessa à moral, assinada substancialmente pelo Direito Canônico, é destacada pela doutrina nos seguintes termos:

No direito romano não era mera união de fato, mas uma forma de união inferior ao casamento. Nela se tinha a coabitação sem affectio maritalis de um cidadão com uma mulher de baixa condição, como uma escrava ou uma liberta. O antigo direito francês não apenas desconheceu seus efeitos jurídicos como, sob a influência do direito canônico, adotou medidas tendentes a combatê-la. Compreensível que o Código de Napoleão tivesse silenciado a respeito. Como se influenciou a codificação moderna, entre ela o diploma civil brasileiro, tais reuniões sempre foram tidas como situação contrária à moral, sendo-lhes negados efeitos jurídicos. (VIANA, 1999, p.

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No Brasil, de acordo com Altamann (2006), até a Constituição Federal de 1988, tal instituição familiar era conhecida como concubinato, tema bifurcado em puro – substituído pela união estável, e o impuro ou adulterino. O primeiro ocorria quando um homem e uma mulher, sem impedimentos, os mesmos que alcançam o casamento, decidiam morar juntos com a intenção de formar família, porém não formalizavam a união mediando o casamento. Já o concubinato impuro ou adulterino, é aquele em que um dos envolvidos era casado, e nessa condição não poderia inicial uma nova instituição familiar, mantendo, mesmo assim, o casamento sem romper através da separação de fato, judicial ou divorcio.

Mister se faz, diferenciar o concubinato puro, união estável, e concubinato impuro, como anotado por Souza Bichal:

A união estável pode ser convertida em casamento, então, só pode ser estabelecida com quem poderia se casar, pois, se no futuro os companheiros assim pretenderem, poderão converter sua união estável em casamento, devendo ser, para tanto, solteiros, divorciados ou viúvos. Antes da vigência do CC/02 era comum encontrar autores que preferiam usar as expressões concubinato puro, honesto, em diferenciação ao concubinato impuro ou adulterino, que seria aquele em que um ou ambos os então concubinos eram casados ou apenas separados judicialmente, ou de fato, de seus cônjuges. Por isso, a palavra concubinato e união estável eram, mas não são sinônimos. A partir da redação do § 3º, do art. 226, CR/88 e dos arts. 1.723 a 1.727, CC/02, é evidente a diferenciação, pois só será considerada união estável se os companheiros – um homem e uma mulher – puderem a converter em casamento (civil), ou seja, se forem divorciados ou viúvos, nos termos e princípios constitucionais. O problema é que palavra concubinato, do latim com (com) + cubare (dormir), no dizer de Rodrigo da Cunha Pereira, já carrega consigo uma certa dose de preconceito e, por isso, a Constituição Federal trouxe a nomenclatura união estável, para substituí-la. Alertava, ele, ainda, para confusão dos julgados com tais nomenclaturas. Infelizmente, mesmo após a vigência do CC/02, que distingue muito precisamente entre companheiros em união estável – art. 1.723 – e concubinos (relação incestuosas ou adulterinas) – art. 1727 – ainda é comum a confusão na jurisprudência. (BIRCHAL, 2010, p.4)

Essa sociedade de fato, em quaisquer de suas manifestações, foi penalizada pelo legislador brasileiro até o advento da Constituição Federal de 1988, quando foram estendidas

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as garantias concernentes ao casamento à instituição familiar resultado da união estável. Nos dizeres de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

O que quis, sem sombra de dúvida, o legislador constitucional foi equalizar o casamento e a união estável, emparelhando cônjuges e companheiros numa mesma linha de proteção pelo Estado, eis que tanto uma situação como outra se desenham constitucionalmente como entidades familiares. (HIRONAKA ,2009, p.456)

No entanto, a Constituição Federal de 1988 passou a tratar o concubinato puro como união estável, levando em consideração as mesmas condições de exigibilidade do casamento civil. Ainda assim, a relação geradora do concubinato impuro ou adulterino passou a chamar apenas concubinato, conforme art. 1.727 do Código Civil, in verbis: art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

Como orientado por Altamann (2006) a união estável é a ligação de um homem e uma mulher com a intenção de constituir família e de pleno direito perante a sociedade civil.

Reafirma-se este entendimento com o Código Civil de 2002, que regularizou a união estável após a legitimação desta instituição familiar pela Carta Magna. Não podendo esquecer-se da Lei nº 9.278 de 10 de maio de 1996, que alicerça os direitos dos conviventes ou companheiros de forma similar ao casamento, acrescentando o direito de herança, bem como, a presunção do regime parcial de bens, ou seja, aquele em que todos os bens adquiridos na constância da união serão partilhados entre o casal (REVISTA ÂMBITO JURÍDICO, ART. 9702, p.6).

De acordo com os dizeres de Veloso, vale acentuar:

Pela Existência de um casamento que não existe, ou que existe, somente nos arquivos cartoriais, não se deve desconsiderar uma união duradoura contínua, séria, construída para criar e manter uma entidade familiar. Trata-se-á, afinal, é uma família que tem o direito de merecer o respeito e proteção que são conferidos a qualquer família dignamente formada. Obviamente, se algum convivente ainda está preso a outra pessoa pelo vínculo matrimonial, embora separado de fato, não se poderá fazer a conversão da união estável em matrimônio, dado o impedimento dirimente. Uma coisa é não poder a união estável num caso concreto, converter-se em casamento, e outra, muito diferente, é garantir-se que, por isto, não há união estável. Aliás, se um ou ambos os conviventes são separados judicialmente, também não pode haver conversão. E ninguém ousaria negar a existência da união estável, se os requisitos estão atendidos. (VELOSO, 2003, p.405)

Há tempo, a respeito da união estável, o conceito compreendido por Bittencourt:

Na União Estável existe a convivência entre homem e mulher, sobre o mesmo teto ou não, mas é um convívio como marido e mulher fossem. A União Estável é um fato jurídico , qual seja, um fato social que gera efeitos jurídicos, companheira é a designação elevada que se dá a mulher unida por longo tempo a um homem, como se fosse sua esposa; mas, como não existem os laços do casamento civil, é concubina pura. (BITTENCOURT, 1985, p.17)

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A intenção manifestada pelo Constituinte enfrenta sensíveis restrições em razão das disposições específicas do Código Civil Brasileiro. Essas ofensas passaram de um nível mais gravoso no diploma de 1916 para outro menos prejudicial no dispositivo de 2002.

No que tange ao Direito Sucessório, o legislador civilista, elevando minimamente o tratamento dispensado à união estável, inseriu dispositivo regulador da participação do companheiro sobrevivente no artigo 1.790, que dispõe:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Em relação ao direito sucessório dos companheiros, Dantas reforça:

Neste ponto não há demais recordar que as normas referente ao companheiro só podem ser interpretadas conforme a Constituição Federal, e dessa se extrai com objetivo maior que é a proteção familiar, quer seja formada entre os companheiros.

E nessa busca de proteção que obrigatoriamente se impõe ao legislador infraconstitucional, que o casamento sempre terá alguma vantagem em relação a União Estável, mas não ao ponto de configurar a proteção significativa maior a família formada pelo casamento, pois o contraste pode levar a conclusão de que restou desprotegida a família de que se esteia na União Estável. (DANTAS, 2005, p.

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Presente no Capítulo I das Disposições Gerais, da Sucessão em Geral, no Código Civil de 2002, a união estável alcançou condição mais benéfica que aquela registrada em toda a história até então, persistindo, contudo, o confronto necessário entre a Carta Magna e a Lei Infraconstitucional.

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3. A INSTITUIÇÃO FAMILIAR À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

A Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988 constitui um importante marco para o Direito pátrio. As transformações legislativas por ela introduzidas propiciaram aos seus jurisdicionados um novo fôlego, rompendo-se com o regime autoritário que persistiu nas duas décadas que a antecederam.

O surgimento do chamado Estado Democrático de Direito inaugurou um momento singular na história do Brasil, reescrevendo as matérias de maior relevância para o ente soberano conforme a organização social construída paulatinamente. A influência dos tratados internacionais, destacadamente aqueles referentes aos direitos humanos, deu corpo à voz que ecoava em resposta aos graves abusos praticados durante a ditadura militar.

No que tange ao Direito das Famílias, não foi diferente. A limitação caracterizadora da Constituição de 1967 deu lugar a um rol passível de especial ampliação, conferindo à proteção da instituição familiar uma elasticidade nunca vista.

Nesse ponto, emergem múltiplas manifestações doutrinárias, as quais convergem no sentido de vislumbrar esse novo tratamento como um avanço de grandes proporções, como pondera o constitucionalista José Afonso da Silva:

A família é afirmada como base da sociedade e tem especial proteção do Estado, mediante assistência na pessoa de cada um dos que a integram e criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Não é mais só pelo casamento que se constitui a entidade familiar. Entende-se também como tal a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes e, para efeito de proteção do Estado, também, a união estável entre homem e mulher, cumprindo à lei facilitar sua conversão em casamento (cf. Lei 9.278, de 10.5.96). Em qualquer desses casos, os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, especificando aqui o direito de igualdade entre ambos, já consignado no art. 5º, I (art. 226). (SILVA, 2010, p. 850)

Note-se que o reconhecimento da família como a base da sociedade exauriu as semelhanças com a ordem constitucional anterior, proporcionando um novo horizonte especialmente alargado. O constituinte de 1988, por seu turno, se aproximou da sociedade para atribuir legitimidade àquelas situações que há muito ilustravam a história de milhões de brasileiros.

A instituição tradicional, concebida tão somente pelo casamento, foi recolocada para que coexistissem na Carta Magna as diversas formas de família já incorporadas aos costumes nacionais. Os fatos sociais desempenharam um papel de suma importância, exigindo paulatinamente a reorganização do ordenamento vigente.

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Nesse sentido Paulo Luiz Netto Lobo, fundamenta:

[...] não é a família per se que é constitucionalmente protegida, mas o locus indispensável de realização e desenvolvimento da pessoa humana. Sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade humana. (LOBO, 2002, p. 44)

Essa pluralidade é temática enaltecida por inúmeros juristas, contemplando progressivamente a jurisprudência. Frise-se que não se trata de uma desconsideração do modelo civil law adotado pelo Direito Brasileiro, mas sim de uma interpretação ampliativa da norma, sem perdê-la de vista, a fim de promover sua máxima eficácia.

À vista disso, na visão de Luiz Edson Fachin:

[...] numa sociedade de identidades múltiplas, da fragmentação do corpo no limite entre o sujeito e o objeto, o reconhecimento da complexidade se abre para a idéia de reforma como processo incessante de construção e reconstrução. O presente plural, exemplificado na ausência de modelo jurídico único para as relações familiares, se coaduna com o respeito à diversidade, e não se fecha em torno da visão monolítica da unidade. (FACHIN, 199, p. 147)

Impedir que as disposições do artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 protejam aquelas famílias em que o genitor ou a genitora desempenha sozinho(a) ambas as funções, ou mesmo aquelas em que, na ausência das figuras materna e paterna, outros parentes o sejam para crianças e adolescentes, ou até mesmo a união estável, é afrontar a intenção primeira do constituinte, de tal sorte que não poderia essa conduta ter outra definição que não nula de pleno direito.

Em relação a isso, doutrina Ana Carolina Brochado Teixeira reafirmando, de forma coerente, que a família existe “em função de seus componentes e não estes em função daquela, com valorização e compromisso aos vínculos afetivos” (TEIXEIRA, 2002, p.60). Em fim, trata-se da valorização definitiva da pessoa humana.

Rejeitar o lar constituído sem as formalidades do casamento civil, nesse diapasão, constituiu realidade não mais abraçada pelo direito. A proteção antes exclusiva do casamento passa a ser aplicada à união estável por força de previsão expressa do artigo 226, parágrafo terceiro, do Texto Maior, in verbis:

Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

(20)

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Nessa direção, Viviane Girardi expõe a grande mudança trazida pela Constituição que ampliou a legitimidade familiar, o que outrora era somente concedido ao casamento, tratando assim com paridade as diversas formas de constituição familiar:

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a sociedade brasileira teve o acolhimento legal do que os fatos sociais a muito já demonstravam: existem outras formas de organização familiar que não somente aquelas fundadas no casamento.

A partir do artigo 226 e seus parágrafos e do artigo 227, a Constituição Federal inundou o cenário jurídico das relações familiares, de um sentido amplo de democracia e de respeito às diferenças. Permitindo o reconhecimento legal da união estável e das famílias monoparentais, culminou por elastecer o leque das relações familiares legitimas, as quais passaram a ser reconhecidas e tuteladas pelo Estado.

(GIRARDI, 2005, p. 32)

Chamando ao presente, as lições de Gustavo Tepedino (1999), que esclarece que o centro da tutela constitucional não está concentrado, apenas, na família constituída por meio civil, mas também aquelas distantes dessa formalidade, não obstante a motivação originária de formar uma família e promover a reprodução de valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, fortalecendo assim a dignidade dos membros da família e alcançando a proteção estatal. Em síntese conclui “[...] o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no social.”

(TEPEDINO, 1999, p. 328)

Sendo assim, a união estável, tema máster aqui tratado encontra assento na Constituição Federal como instituição familiar, sem qualquer distinção a forma legal, casamento, não podendo, por tanto, qualquer ato normativo dizer o contrario.

3.1 Princípios relevantes ao tema

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Diante do confronto normativo aqui discutido, há necessidade de perpassar pelos Princípios Constitucionais que atenuam a preeminência da Carta Magna fortalecendo a busca constante de sua aplicação, eficácia e alcance.

3.1.1 Princípio da supremacia da Constituição

Este princípio é o responsável por elevar a Carta Marga ao local onde sua morada encontra eficácia legislativa, determinando assim, nenhum feito jurídico, declaração de vontade ou até mesmo ato internacional que confronte a Constituição Federal, terá eficácia. À vista tal princípio decorre da supremacia jurídica da Constituição diante de qualquer fonte normativa do poder estatal. (BARROSO, 2006, p.76)

3.1.2 Princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público

Este princípio traz em sua aplicação a presunção relativa de que os atos realizados pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são norteados pelas normas, extrínsecas e intrínsecas, ditada pela Constituição Federal, acarretando a legalidade desde o nascimento da norma. (BARBOSA, 2006, p. 80)

3.1.3 Princípio da interpretação conforme a Constituição

Tal ditame busca a interpretação mais coerente, eficaz e ponderada de qualquer norma legislativa do ordenamento jurídico, levando em consideração os dizeres, princípios e interpretações da Constituição Federal. Sua aplicabilidade é demonstrada de forma cristalina, quando uma norma está diante de várias interpretações, há busca da eficácia, emergindo então a tendência de seguir o orientado na Carta Magna. (BARBOSA, 2006, p.84)

3.1.4 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana, denominado princípio máximo, constitui fundamento basilar do Estado Democrático de Direito, com previsão no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, que assim normatiza:

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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Frente a esta inarredável proteção à pessoa humana, Antonio Junqueira de Azevedo (2002), ministra que há grande controvérsia em torno de sua interpretação, devendo partir-se do entendimento que a dignidade, acima de tudo, é a condição humana da pessoa, e, portanto guarda íntima afinidade com as complexidades, de forma geral com o que diz respeito à declaração da personalidade humana. Percebe o qual difícil é a definição jurídica para tal norteador, uma vez que sua aplicabilidade ultrapassa as linhas da Lei e das doutrinas que discorrem sobre o tema, sendo necessária uma interpretação ampla e eficaz, ao caso concreto, de tal modo que seja possível detectar a afronta à intimidade e valores da pessoa humana a ponto de emergir este grande fundamento/princípio, como resgatador da proteção máster.

Ainda na busca da conceituação deste princípio, a lição de Günter Dürig, esclarece:

[...] a dignidade como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humana como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar a possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. (DÜRIG, 1956, p. 9)

Entendido a busca constante do princípio supra tratado e os demais, que além da preservação máxima da Carta Magna são guiados à constante proteção da pessoa humano na sua forma mais íntima, culmina em uma zona nebulosa quando confrontada com as normas infraconstitucionais. Tratamento divergente ao entendimento Constitucional no que tange as instituições familiares encontra assento no artigo 1790 do Código Civil Brasileiro de 2002, ora confrontado no próximo capítulo.

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22

4. DA SUCESSÃO DO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE E DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE

Entrando na grande problemática aqui proposta, após as definições e conceituações já trabalhada, depara-se com o direito sucessório, ou seja, as normas reguladoras de transmissão de bens e obrigações de um indivíduo em consequência da sua morte (MAXIMILIANO, 2002, p. 292), alcançado ao cônjuge supérstite e o companheiro sobrevivo.

O texto destinado a este tratamento encontra-se no Código Civil Brasileiro de 2002, iniciando pela vocação contida no artigo 1790, que distingue o cônjuge supérstite do companheiro sobrevivo evitando a efetivação da paridade, contida na Carta Magna, a esses dois institutos. Isto posto Madaleno (2004), deslinda sobre a sucessão legitima:

Mais uma vez resta discriminada a relação afetiva oriunda da União estável que perde sensível espaço no campo dos direitos que já haviam sido conquistados após o advento da Carta Política de 1988, em nada sendo modificada a atual redação do novo Código Civil e será tarefa pertinaz da jurisprudência estas flagrantes distorções deixadas pelo legislador responsável pela nova codificação civil. (MADALENO, 2004, p.113)

Tendo em vista que a união estável é uma entidade família igualada ao casamento por força da Carta Magna, alcançando assim os dispositivos infraconstitucionais.

4.1. Da dissolução parcial da união estável em razão da causa mortis

É reconhecido pelo Direito Brasileiro duas formas de dissolução parcial da entidade familiar, o divórcio e o falecimento de um de seus membros. Merece destaque a segunda hipótese aplicada a um dos cônjuges ou companheiros, a depender do vínculo jurídico entre o casal.

Dessa forma chama o Direito Sucessório causa mortis disciplinado no Código Civil Brasileiro de 2002, como bem distingue de forma conceitual a jurista Maria Helena Diniz:

Na acepção jurídica o vocábulo sucessão apresenta:

a) um sentido amplo, aplicando-se a todos os modos derivados de aquisição do domínio, de maneira que indicaria o ato pelo qual alguém sucede outrem, investindo-se, no todo ou em parte, nos direitos que lhe pertenciam. Trata-se da sucessão inter vivos, pois o comprador sucede ao vendedor, o donatário ao doador, tomando uns o lugar dos outros em relação ao bem vendido ou doado;

b) um sentido estrito, designando Essa delimitação temática chama à discussão o a transferência, total ou parcial, de herança, por morte de alguém, a um ou mais herdeiros. É a sucessão mortis causa que, no conceito subjetivo, vem a ser o direito

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em virtude do qual a herança é devolvida a alguém, ou, por outras palavras, é o direito por força do qual alguém recolhe os bens da herança, e, no conceito objetivo, indica a universalidade dos bens do de cujus que ficaram, com seus encargos e direitos. . (DINIZ, 2009, p. 11-12)

Outra especificação necessária diz respeito à fonte da herança e o enfrentamento do regime aplicado aos cônjuges e companheiros pela chamada transmissão legítima.

Contexto que convoca, mais uma vez, as palavras da doutrina:

Predomina, na tradição do direito das sucessões, a sucessão legítima, em razão da marcante influência do elemento familiar na formação desse ramo do direito entre nós. A sucessão legítima é a regra, e a testamentária, a exceção. Nosso Código Civil instituiu, a par da sucessão legítima, a testamentária; assim, o elemento familiar, definido pelo parentesco, e o elemento individual, caracterizado pela liberdade de testar, são os dois fulcros em que se baseiam as normas da sucessão. (DINIZ, 2009, p. 15)

O artigo 1.829 do Código Civil Brasileiro determina a ordem de vocação hereditária, fortalecendo a ideia de herdeiros necessários os descendentes, ascendentes e o cônjuge. Este último concorre com as duas classes anteriores conforme o regime de bens adotado e, na falta destas, é destinatário da totalidade da herança, independentemente se o casamento era regido pelas comunhões universal ou parcial, ou mesmo pela separação de bens. (GONÇALVES, 2010, p. 169)

Já a participação do companheiro na sucessão do de cujus é trazida nas Disposições Gerais da Lei Civil, especificamente no artigo 1.790 que determina a forma pela qual o companheiro participará da sucessão do outro, limitando-se, somente, aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável.

4.1.1 Da concorrência do companheiro com os descendentes comuns

Como previsto no inciso I do art. 1.790 do Código Civil, quando existirem filhos comuns, frutos da união estável, o companheiro terá o mesmo direito a eles alcançados, referentes aos bens adquiridos onerosamente na constância da união.

O que significa dizer que, com o advento da morte de um daqueles que constituía, parte da entidade familiar, o companheiro e os filhos comuns sucederão por cabeça, resguardada a meação do primeiro. A concepção de concorrência, neste ponto, segue em igualdade de condições em relação à herança, preservado ¼ (um quatro) aplicado ao cônjuge (artigo 1832, CC/02).

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Por oportuno, destaca-se que essa disposição legislativa, no entendimento manifesto pelo Conselho Nacional de Justiça, no enunciado 226 da III Jornada de Direito Civil, comporta interpretação ampliativa no que tange a sua manutenção quando da existência de outros descendentes comuns que não apenas os filhos. (DINIZ, 2009, p. 147)

Ou seja, o companheiro sobrevivente participará da sucessão do de cujus na exata medida dos descendentes comuns, sejam eles filhos, netos, bisnetos, etc. Perceba que essa isonomia emerge da intenção do próprio legislador civilista, que estatuiu no artigo 1.834 que

“(...) descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes”, em consonância com o disposto no artigo 226, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988.

(GONÇALVES, 2010, p. 165)

4.1.2. Da concorrência do companheiro com descendentes exclusivos do de cujus

Diferentemente da hipótese tratada do item anterior, quando, no momento da morte, coexistirem o companheiro e descendentes apenas do autor da herança, o inciso II do artigo 1.790 do Código Civil limita a participação do sobrevivente à metade da quota-parte pertencente a eles. O que importa na concessão aos descendentes exclusivos do dobro do que competir ao companheiro sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável que compõem a herança.

Esse dispositivo abriga questão polêmica no que se refere a sua aplicação prática, posto que, nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

Como a lei não prevê solução para a hipótese em que os filhos têm origem híbrida, a omissão dá ensejo à mesma discussão mencionada no n. 2.1.3, na qual se entrechocam três correntes antagônicas. Uma delas vislumbra a possibilidade de partilhamento da herança considerando todos os filhos como se fossem comuns, para atribuir ao companheiro quota igual à que lhes foi destinada. Outra, restringe a quota do companheiro à metade do que àqueles couber. Uma terceira, por fim, propõe a realização de um cálculo proporcional do que caberia ao companheiro, considerando-se quota igualitária com relação aos filhos havidos em comum, e só metade do que coubesse aos demais. (GONÇALVES, 2010, p. 194)

Diante dos entendimentos acima, visto que afasta algumas garantias constituídas na Carta Magna, converge para a conclusão de que:

Por conseguinte, o inciso II do art. 1790 do Código Civil só garante aos descendentes quinhão correspondente ao dobro do que atribuído à companheira quando forem todos descendentes exclusivos do de cujus. Havendo descendentes comuns e unilaterais, aplica-se a regra do inciso I, assegurando à companheira quinhão igual ao daqueles. (GONÇALVES, 2010, p. 195)

(26)

A aplicação desse dispositivo caminha em busca da preservação da mínima proteção do companheiro após a morte daquele com quem compartilhou grande parte da vida.

4.1.3. Da concorrência do companheiro com os demais parentes sucessíveis

Já no inciso III do artigo 1.790 do Código Civil, disciplina a sucessão do companheiro na ausência de descendentes comuns ou exclusivos. Sua incidência se dá quando da existência apenas de ascendentes ou colaterais até o 4º (quarto) grau do de cujus.

Determina o texto de lei que, nessa possibilidade, o companheiro terá direito a um terço da herança, limitada sua participação aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável. (DINIZ, 2009, p. 148)

Destaca-se que, quando da concorrência com os ascendentes, o companheiro estará restrito a apenas um terço da herança ainda que exista um único ascendente no grau mais próximo. Mais uma vez, o legislador infraconstitucional deixou de estender à união estável reserva aplicada ao casamento, no Direito Sucessório (artigo 1.837, CC/02).

Inexistindo ascendentes, diferentemente do que ocorre com o cônjuge, serão chamados para concorrer com o companheiro sobrevivente os colaterais até o 4º (quarto) grau do autor da herança. Sendo estes irmãos (2º grau), sobrinhos (3º grau), tios (3º grau), primos (4º grau), tios-avós (4º grau) e sobrinhos-netos (4º grau).

4.1.4 Da sucessão do companheiro na ausência das três classes anteriores

A previsão do artigo 1.790 do Código Civil traz ainda a hipótese em que o companheiro sobrevivente for a única pessoa próxima ao de cujus. Inexistindo descendentes, ascendentes, colaterais até o 4º (quarto) grau ou disposição testamentária em contrário ao tempo da morte, determina o inciso IV que será ele o destinatário da totalidade da herança.

Essa disposição insere o companheiro em uma “quarta classe”, colocando-o em posição desprivilegiada mesmo em relação aos colaterais até o 4º (quarto) grau, nos moldes destacados no item anterior.

O legislador infraconstitucional, neste ponto, deixou de positivar o destino dos bens anteriores à união estável ou que nela tenham sido adquiridos de forma não-onerosa.

Essa omissão traz à baila uma importante discussão, assim descrita por Maria Helena Diniz (2009):

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26

Há quem ache que, na falta de parente sucessível, o companheiro sobrevivente teria direito apenas à totalidade da herança, no que atina aos bens onerosamente adquiridos na vigência da união estável (CC, art. 1.790), pois o restante seria do Poder Público, por força do art. 1.844 do Código Civil. (DINIZ, 2009, p. 149) Essa e outras questões que emergem quando do confronto da disciplina do Direito Sucessório aplicado ao companheiro, constante no artigo 1.790 do Código Civil o que será tratado no próximo título.

4.2. Da inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil

Como tratado no tópico anterior de forma detalhada, o disposto no art. 1.790 do Código Civil, se comparado ao tratamento no mesmo texto ministrado ao cônjuge é percebível as distorções que afasta o companheiro da posição de igualdado com o cônjuge.

Porém, essas inconsistências se majoram quando postas sob uma ótica sistêmica, uma vez que, nessa plataforma, as previsões constitucionais nascem como parâmetros de observância obrigatória.

As disposições inerentes à união estável regulada no art. 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal, por vezes aqui mencionada como instrumento apto a igualar as diversas formas de entidade familiar, enfraquece diante do tratamento privilegiado conferido ao cônjuge pela Lei Civil.

Inicia-se as divergências, com o art. 1.845, que determina a posição do cônjuge juntos aos chamados herdeiros necessários, enquanto o companheiro é qualificado como herdeiro concorrente, podendo, para alguns, ser preterido por disposição testamentária. Cenário que possibilita disciplina do regime a ele aplicado na parte geral do Título I do Livro que cuida do Direito das Sucessões no Código Civil. (CARVALHO, 2009, p.66)

Nos dizeres de Sílvio de Salvo Venosa, esse fenômeno demonstra que:

O mais moderno Código conseguiu se perfeitamente inadequado ao tratar do direito sucessório dos companheiros. A primeira preocupação já expusemos, qual seja, a manutenção ou não, no que couber, das Leis nº 8.971/94 e 9.278/96. Ademais, o atual Código traça em apenas um único dispositivo o direito sucessório da companheira e do companheiro no art. 1.790, em local absolutamente excêntrico, entre as disposições gerais, fora da ordem de vocação hereditária. (VENOSA, 2009, p. 144)

Diante do tratamento distinto dado ao companheiro sobrevivo e ao cônjuge supérstite, mesmo havendo normatização superior conduzindo o entendimento ao tratamento igualitário,

(28)

persiste a controvérsia diante da ausência de normatização que adeque a inteligência da Carta Magna as demais esferas do direito, especialmente no que tange ao Direito Sucessório.

Corroborando a este entendimento, destaca-se os enunciados 49 e 50 do I Encontro dos juízes das Varas de Família e das Sucessões ocorrido em Piracicaba em novembro de 2006:

49. O art. 1.790 do Código Civil, ao tratar de forma diferenciada a sucessão legítima do companheiro em relação ao cônjuge, incide em inconstitucionalidade, pois a Constituição não permite diferenciação entre famílias assentadas no casamento e na união estável, nos aspectos em que são idênticas, que são os vínculos de afeto, solidariedade e respeito vínculos norteadores da sucessão legítima.

50. Ante a inconstitucionalidade do art. 1.790, a sucessão do companheiro deve observar a mesma disciplina da sucessão legítima do cônjuge, com os mesmos direitos e limitações, de modo que o companheiro, na concorrência com descendentes, herda nos bens particulares, não nos quais tem meação.

Nesse sentido fortalece Zeno Venoso com os seus ensinamentos:

Sem dúvida, nesse ponto, o Código Civil não foi feliz. A não está imitando a vida, nem está em consonância com a realidade social, quando decide que uma pessoa que manteve a mais íntima e completa relação com o falecido, que sustentou com ele uma convivência séria, sólida, qualificada pelo animus de constituir família, que com o autor da herança protagonizou, até a morte deste, um abraço ao projeto de vida, fique atrás de parentes colaterais dele, na vocação hereditária. O próprio tempo se incumbe de destruir a obra legislativa que não segue os ditames de seu tempo, que não obedece as indicações da história e da civilização. (VENOSO, 2010, p.1812)

Colaborando com esse entendimento Maria Berenice Dias se manifesta:

A consagração das entidades familiares e a proteção que lhes foi assegurada passam a construir garantia constitucional. Não podem sofrer limitações ou restrições da legislação ordinária. Não é possível sequer limitar direitos que haviam sido consagrados em leis anteriores. A legislação infraconstitucional não pode ter alcance jurídico-social inferior ao que tinha sido estabelecido, originalmente, pelo constituinte, sob pena de ocorrer retrocesso ao estado pré-constituíste. É o que se chama de princípio da proibição de retrocesso social. (DIAS. 2009, p. 163)

Essa afronta a Constituição Federal é intensificada quando passam a integrar o polo máximo do ordenamento jurídico os princípios, implícitos e explícitos, contidos na mesma carta. Dentre os quais merecem evidência aqueles atinentes à isonomia e dignidade da pessoa humana, ondem clara da intenção do constituinte quando da promulgação do Texto Maior quase duas décadas antes do Código Civil em vigor.

4.2.1 Da infração do princípio da isonomia

Inicialmente, há que se ponderar que a inconstitucionalidade aqui evocada decorre da flagrante infração ao Princípio da isonomia, exaltado no caput do artigo 5º da Constituição

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28

Federal. Repare que o distanciamento entre o regime sucessório aplicado ao cônjuge e ao companheiro vai de frente não só ao dispositivo Constitucional, contido no art. 226, bem como aos Princípios norteadores da Carta Magna.

A paridade na ordem constitucional afastou-se do legislador civilista no momento que não considerou a Máxima Legal contida no ordenamento jurídico, a Constituição Federal, para dispor sobre lei hierarquicamente inferior. Que limita, na sucessão, a participação do companheiro aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, no passo que, o cônjuge pode ser contemplado com totalidade dos bens da herança, a depender da situação, sem oposição quanto ao regime.

Oportunidade que Cesar Fuiza, defende a exclusão do companheiro na sucessão quando existirem apenas bens particulares do autor da herança:

Em minha opinião, seria absurdo interpretar a norma no sentido de colocar o companheiro em situação inferior à do Estado. A se interpretar o art. 1.790 apenas de acordo com seu caput poderá, por não haver patrimônio adquirido a título oneroso durante a união estável. Supondo que haja outro patrimônio, este seria incorporado aos cofres municipais. Tal situação iria muito além das raias do absurdo. (FIUZA, 2008, p. 1020)

Ao mesmo tempo que o cônjuge, em concorrência com os descendentes comuns ou exclusivos do de cujus, tem reserva de quota nunca inferior a um quarto; o companheiro não tem garantida mínima importância, é preterido quando os descendentes são somente do autor da herança, fazendo jus à metade que couber a cada um deles. (CARVALHO; CARVALHO, 2009, p. 68)

Vale ressaltar que não só a questão anunciada padece de inconstitucionalidade mas também o tratamento dispensado ao descendentes, uma vez que, são diferenciados entre comuns e exclusivos. Isso porque o art. 227, parágrafo 6º, da Constituição Federal determina que os “(...) filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

Assim também do entendimento do Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho:

Da mesma forma, na sucessão do companheiro, concorrendo ao mesmo tempo com vários filhos comuns e com filhos só do autor da herança, o Código civil não reproduziu a regra contida na parte final do art. 1.832, ao tratar da sucessão concorrente do cônjuge, o que tem gerado muitas controvérsias na sua interpretação, ao possibilitar quinhões desiguais entre filhos comuns e os só do autor da herança, violando o princípio da igualdade dos filhos (art. 227, § 6º, CF). (CARVALHO;

CARVALHO, 2009, p. 68)

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O excerto legislativo aqui enfrentado reforça sua posição ao Princípio da Isonomia ao distanciar o companheiro da condição de terceira classe, ocupada pelo cônjuge, já que, na ausência de descendentes e ascendentes, ao invés de receber a totalidade da herança como ocorre no caso do cônjuge, o companheiro deverá concorrer com outros parentes do de cujus até o quarto grau, limitando a um terço dos bens adquiridos onerosamente na constância da sociedade. (CARVALHO; CARVALHO, 2009, p.69)

4.2.2 Da inobservância do princípio da dignidade humana

O art. 1.790 do Código Civil também caminha em direção oposta a um dos corolários da Carta Magna, qual seja, a dignidade da pessoa humana. Essa previsão como já pontuada anteriormente encontra-se no art. 1º da Constituição Federal de 1988.

Ao limitar a participação do companheiro aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, o legislador civilista o negou, mais uma vez as garantias ensejadoras da proteção declarada pelo legislador constituinte.

Como ensina Sílvio de Salvo Venosa:

A impressão que o dispositivo transmite é de que o legislador teve rebuços em classificar a companheira ou companheiro como herdeiros, procurando evitar percalços e críticas sociais, não os colocando definitivamente na disciplina da ordem de vocação hereditária. Desse modo, afirma eufemisticamente que o consorte da união estável “participará” da sucessão, como se pudesse haver um meio-termo entre herdeiro e mero “participante” da herança. Que figura híbrida seria essa senão a de herdeiro! (VENOSA, 2009, p. 144)

O Princípio da Dignidade Humana enaltecido pela Carta Magna perde consideravelmente sua força, quando uma lei infraconstitucional permite que os bens que guarnecem o lar e proporcionava o mínimo existencial, após a morte de um dos companheiros sejam retirados do sobrevivente, caso tenha adquirido antes da vida em comum. Esse estigma de grande gravidade está descrito no art. 1790, caput, combinado com o inciso IV.

4.2.3 Da prevalência da ordem constitucional sobre disposição infraconstitucional

Diante da clara incompatibilidade do art. 1.790 do Código Civil com o texto constitucional, inegável a conclusão de que sua continuidade no ordenamento jurídico afronta à supremacia da Constituição Federal. Caso em que se resplandece o instituto do controle de constitucionalidade, de acordo com o entendimento do legislador constituinte.

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O tratamento discriminatório contido na lei civil, por não está recepcionada pela Constituição Federal deve ser retirado do ordenamento jurídico, porque a sua manutenção fragiliza a uniformidade da ordem legislativa proclamada pela Carta Magna.

Além do aspecto formal evidenciado, há que se ponderar cumulativamente as manifestações referentes à repercussão social do art. 1.790 do Código Civil, pelas criticas de Salomão de Araújo Cateb:

No Congresso de Direito de Família, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), ocorrido em Ouro Preto, no mês de outubro de 2001, manifestaram-se os estudiosos participantes, Ministros do STJ, professores universitários, desembargadores, juízes e advogados contrariamente ao texto do novo Código Civil, aprovado pelo Congresso Nacional, reduzindo os direitos votados e aprovados em projetos originários da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. (CATEB, 2008, p. 85)

A demanda ultrapassada os processos legislativos, persistindo a inconformidade, chama o judiciário para atuar na controvérsia, razão pela qual a sucessão do companheiro tem ocupado espaço nas manifestações jurisprudenciais, como se verá no próximo Capítulo.

4.3. Do entendimento dos tribunais

O objeto deste estudo tem sofrido controle difuso de constitucionalidade pelos Tribunais de todo país, que recebe os reiterados clamores a cerca da diferenciação realizada pelo Código Civil em desconformidade com a Constituição Federal, no que tange o instituto das sucessões. Porém essa tese nem sempre encontra apoio do Poder Judiciário, embora o entendimento majoritário da doutrina seja favorável, em razão da insuficiência legislativa do tema, havendo entendimentos divergentes e irreparáveis ao companheiro.

Á vista dois entendimentos jurisprudenciais proferidos nos anos 2003 e 2004 no Estado do Rio de Janeiro, que detecta o receio em manusear o recente dispositivo legal, a época, a luz da Carta Magna, assim pronunciando-se:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. SUCESSÃO ABERTA APÓS A VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL. DIREITO SUCESSÓRIO DE COMPANHEIRO EM CONCURSO COM IRMÃOS DO OBITUADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1790, III DA NOVEL LEGISLAÇÃO.

DIREITO A UM TERÇO DA HERANÇA. INOCORRÊNCIA DE

INCONSTITUCIONALIDADE. NÃO HÁ CHOQUE ENTRE O CÓDIGO E A CONSTITUIÇÃO. As disposições do Código Civil sobre tais questões podem ser consideradas injustas, mas não contêm eiva de inconstitucionalidade.

Reconhecimento dos colaterais como herdeiros do de cujus. Provimento do Recurso.

(Agravo de Instrumento nº 2003.002.14421, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Marcus Faver. Publicado em 16/03/2004)

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