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MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO 2011

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(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Fernando Silva Moragas

Para além da normalização:

As Medidas Sócio-Educativas em Meio Aberto

na zona de fronteira das ilegalidades

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM

PSICOLOGIA SOCIAL

Fernando Silva Moragas

Para além da normalização:

As Medidas Sócio-Educativas em Meio Aberto

na zona de fronteira da ilegalidade

Orientadora: Profª. Drª. Maria Cristina Gonçalves Vicentin

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Fernando Silva Moragas

Para além da normalização:

As Medidas Sócio-Educativas em Meio Aberto

na zona de fronteira da ilegalidade

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profª. Drª. Maria Cristina Gonçalves Vicentin.

O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ± CNPq ± Brasil.

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Banca Examinadora

_________________________________________

_________________________________________

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Moragas, F. S. (2011). Para além da normalização: As Medidas Sócio-Educativas

em Meio Aberto na zona de fronteira da ilegalidade. Dissertação de Mestrado. São

Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Orientadora: Maria Cristina Gonçalves Vicentin.

Linha de Pesquisa: Aportes da Psicologia Social à compreensão de problemas sociais

Resumo

A adolescência em conflito com a lei configura-se atualmente com um fenômeno social que tem suscitado especial atenção tanto do campo do conhecimento científico, quanto por parte da sociedade civil e das autoridades responsáveis pela execução de políticas públicas. Essa questão social é foco de intenso debate quanto aos direitos HGHYHUHVGHVVD³SRSXODomR´HPVXDUHODomRFRPD

sociedade. Para compreender este campo atual de disputa, partiremos, portanto, de uma análise histórica acerca do tratamento social proposto para os adolescentes autores de atos infracionais. Esta análise busca compreender as heranças herdadas nas tradições punitivas sistematizadas nos códigos de menores brasileiros

HODERUDGRVHPHGHVWLQDGDVjVGLYHUVDV³VLWXDo}HVLUUHJXODUHV´HPTXH

eram enquadrados esses adolescentes. Tal reflexão subsidia a análise acerca das ambigüidades e tensões ainda encontradas no texto do Estatuto da Criança e do Adolescente, cujos reflexos são sentidos na execução das medidas por ele propostas, especialmente quando consideramos o campo tão conturbado de intervenções voltadas aos adolescentes em conflito com a lei ± que até hoje ainda divide opiniões de juristas, acadêmicos, militantes dos direitos humanos e da própria sociedade civil quanto ao seu caráter penal-pedagógico. Esta compreensão dos marcos legal e conceitual do ECA ganhará em consistência com a análise conceitual, de base foucaultiana, acerca dos saberes e práticas desenvolvidos historicamente por governamentalidades distintas, que se fundamentam no controle dos corpos individuais por mecanismos disciplinares e na regulação das populações por mecanismos de segurança biopolíticos. A partir de cenas presenciadas em um serviço de atendimento socioeducativo em meio aberto na cidade de São Paulo e de casos de adolescentes em conflito com a lei ali acompanhados, essa pesquisa propõe uma interpretação das intervenções sócio-educativas que visa contribuir com reflexões ético-políticas acerca dos efeitos das práticas sócio-educativas no cotidiano desses adolescentes, efeitos de normalização de conduta, efeitos de resistência. Em que termos a intervenção sócio-educativa pode suscitar a responsabilização e potencializar liberdades e resistências ético-políticas?

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Moragas, F. S. (2011). Beyond normalization: socio-educatives measures in the

limits of illegalities.0DVWHU¶V7KHVLV6mR3DXOR3RQWLItFLD8QLYHUVLGDGH&DWyOLFDGH

São Paulo.

Tutor: Maria Cristina Gonçalves Vicentin.

Line of Research: Approaches used in Social Psychology for comprehending social problems.

Abstract

The youth in conflict with the law sets up as a social phenomenon that has attracted special attention from the field of scientific knowledge, the society and the authorities responsible for implementing of public policies. This social issue is the focus of an intense debate about the rights and duties of this "population" in its relationship with society. To understand this current field of dispute, we begin, therefore, analyzing the social treatment proposed for teenagers who committed crimes. This analysis seeks to understand the legacies inherited in traditions

V\VWHPDWL]HGLQWKHEUD]LOLDQV³&yGLJRVGH0HQRUHV´GUDIWHGLQDQGIRU

the several "irregular situations" that were framed in these teenagers. Such thinking underpins the analysis about the ambiguities and tensions still found in the text of the Statute for Children and Teenagers (Estatuto da Criança e do Adolescente), whose consequences are felt in the implementation of the measures proposed by it, especially when considering the turbulent field of interventions aimed at teenagers in conflict with the law ± which until today still divides opinions of lawyers, academics, human rights activists and civil society itself about its criminal and pedagogical character. 7KLV XQGHUVWDQGLQJ RI (&$¶V OHJDO DQG FRQFHSWXDO landmark gain in consistency with the conceptual analysis, based on Foucault, about the knowledges and practices developed by distinct governamentalities, which are based on control of individual bodies, by disciplinary mechanisms, and on regulation of populations, by biopolitical mechanisms of security. Analyzing scenes experienced in a service of socio-educational support in Sao Paulo and cases of teenagers in conflict with the law, this research proposes an interpretation of socio-educational intervention that aims to contribute to an ethical-political thought about the effects of socio-educational practices in the daily lives of these teenagers, HIIHFWV RI FRQGXFW¶V

normalizantion, effects of resistance. In what terms the socio-educational intervention may raise responsibilization and strengthen freedoms and ethical-political resistance?

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Agradecimentos

Ao Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

À Profª. Drª. Maria Cristina Vicentin, que gentilmente me aceitou como orientando e muito contribuiu para a construção desta pesquisa.

À Profª. Drª. Mary Jane Spink e à Profª. Drª. Fúlvia Rosemberg, pelas reflexões proporcionadas por suas disciplinas.

Ao Prof. Dr. Márcio Alves da Fonseca, pelas conversas sobre esta pesquisa, pelas reflexões proporcionadas por suas disciplinas e pela aceitação em participar das bancas de qualificação e defesa.

À Profª. Drª. Isa Maria Ferreira da Rosa Guará, pelas contribuições realizadas na qualificação e pela aceitação em participar da banca de defesa.

À Profª. Drª. Marisa Borin, pelas conversas acerca desta pesquisa e pelas reflexões proporcionadas por sua disciplina.

Aos amigos do Núcleo de Pesquisa em Lógicas Institucionais e Coletivas, pelos inúmeros diálogos e reflexões que contribuíram ao desenvolvimento desta pesquisa.

À Marlene, pela atenção aos procedimentos administrativos.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq], pelo investimento em minha carreira como pesquisadora.

Ao Serviço de Medidas Socioeducativas em meio aberto, que prontamente aceitou a minha proposta de pesquisa e à equipe técnica, por permitirem minha presença nas atividades realizadas e pelo acesso às informações que subsidiaram a construção dos casos.

Aos adolescentes que participaram desta pesquisa, por terem compartilhado comigo alguns de seus territórios de existência.

Às minhas famílias paulista, baiana e mineira, pelo amor e por serem minha base de sustentação.

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Sumário

Lista de siglas

...

... p.1

Introdução

...

p. 3

Capítulo 1

±

Gestão das liberdades: ato infracional e Medidas

Sócio-educativas

...

p. 9

I ± Breve histórico do Sistema de Justiça Juvenil brasileiro... p. 10

II ± O Estatuto da Criança e do Adolescente: algumas tensões... p. 16

III ± Princípios e fundamentos do atual Sistema de Justiça Juvenil

brasileiro... p. 20

IV ± O Sistema Nacional de Atendimento Sócio-educativo em questão:

reafirmação da natureza pedagógica das medidas socioeducativas?... p. 26

V ± O serviço de medida socioeducativa em meio aberto e sua relação institucional com a rede de assistência pública voltada à criança e ao

adolescente... p. 30

Capítulo 2

±

Gestão das condutas e normalização

...

p. 39

I ± Engrenagens de saberes e práticas em torno do anormal perigoso:

assujeitamentos e normalizações jurídico-psiquiátricos... p. 41

II ± Como normalizar e disciplinar anormais, perversos e perigosos? Dos

exames psiquiátricos às prisões... p. 45

III ± O nascimento da medicina social e a emergência da população como

objeto de gestão... p. 50

IV ± O governo biopolítico das condutas e a gestão das ilegalidades... p. 55

Capítulo 3

±

O movimento da pesquisa: considerações metodológicas e

o lócus da pesquisa

...

p. 61

(9)

Capítulo 4

±

Gestão das ilegalidades: análises acerca da seletividade e

da normalização da medida socioeducativa em meio aberto

...

p. 78

I ± A seletividade como base do funcionamento do Sistema de Justiça

Juvenil brasileiro... p. 78

II ± Cenas analisadoras... p. 82

1 ± Eixo 1 de análise de cenas ± ³4XDQGR D RIHUWD ID] VHQWido, os

DGROHVFHQWHVVHDSURSULDP´ p. 83

2 ± Eixo 2 de análise das cenas ± ³6y ID] UHGH TXHP VH FRORFD HP

UHGH´... p. 89

III ± Casos analisadores... p. 94

1 ±³2QGHHVWiRQyGDUHGH"´ p. 94

2 ±³3DUDDOpPGRVHUYLoRGHPHGLGDVRFLRHGXFDWLYDHPPHLRDEHUWR´ p. 103

Considerações finais

±

O serviço de medida socioeducativa na zona de

fronteira da ilegalidade

...

p. 109

Referências bibliográficas .

...

p. 113

Anexo I

±

Parecer do Comitê de Ética da PUC-SP

...

p. 118

Anexo II

±

Termos de consentimento livre e esclarecido

...

p. 119

(10)

Sumário de figuras e gráficos

Figura 1 ± Quadro geral de atividades propostas para o acompanhamento dos

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Lista de Siglas

ABMP ± Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e Juventude APA ± American Psychological Association

CAPS-AD ± Centro de Atenção Psicossocial Álcool de Drogas CAS ± Coordenadoria de Assistência Social

CEU ± Centro Educacional Unificado

CMDH-SP ± Comissão Municipal de Direitos Humanos de São Paulo CNPq ± Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico COGEAS ± Coordenadoria Geral da Assistência Social

CONANDA ± Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONEP ± Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

CREAS ± Centros de Referência Especializados em Assistência Social DEIJ ± Departamento de Execução da Infância e Juventude

ECA ± Estatuto da Criança e do Adolescente

FONACRIAD ± Fórum Nacional de Organizações Governamentais de Atendimento à Criança e ao Adolescente

FEBEM ± Fundação Estadual de Bem Estar do Menor FUNABEM ± Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

Fundação CASA ± Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente ILANUD ± Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Deliquente

IPVS ± Índice Paulista de Vulnerabilidade Social LA ± Liberdade Assistida

LAC ± Liberdade Assistida Comunitária MAS ± Ministério da Ação Social

MDSCF ± Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MSE ± Medida Socioeducativa

MSEMA ± Medida Socioeducativa em Meio Aberto ONG ± Organização não governamental

ONU ± Organização das Nações Unidas PIA ± Plano Individual de Atendimento

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PNDCFC ± Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária

PSC ± Prestação de Serviço à Comunidade

SAMU ± Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SEDH ± Secretaria Especial dos Direitos Humanos

SEADE ± Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados SGD ± Sistema de Garantia de Direitos

SIM-DH ± Sistema Intraurbano de Monitoramento dos Direitos Humanos SINASE ± Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

SMADS ± Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social do Município de São Paulo

SNAS ± Secretaria Nacional de Assistência Social

SPDCA ± Sub-secretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente SUAS ± Sistema Único da Assistência Social

SUS ± Sistema Único de Saúde

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Introdução

Essa pesquisa inscreve-se no campo de problematizações do sistema socioeducativo brasileiro. Suas reflexões fundamentam-se na legislação vigente, na política de atendimento e, principalmente, na leitura dos agenciamentos e efeitos produzidos por um serviço de medidas socioeducativas em meio aberto da cidade de São Paulo acompanhados por essa pesquisa em seu cotidiano.

Antes de apresentarmos o argumento desenvolvido ao longo do texto, propomos uma reflexão acerca do caminhar experimentado ao longo destes dois anos de mestrado, a fim de explicitarmos nossa implicação com a temática, o nosso envolvimento com o campo da socioeducação, e as transformações da pesquisa e do pesquisador experimentadas ao longo deste processo. Vale ressaltar aqui que o próprio mestrado configura-se como possibilidade de encontros diversos, ampliação de horizontes (teórico-conceituais e vivenciais) e potência política. A construção do conhecimento é pensada por nós como um movimento coletivo, que envolve afetações diversas, cujos efeitos devem apenas partir do contexto acadêmico, mas também dirigir-se às comunidades, ao mundo da vida onde nossa problemática se insere (no nosso caso deve dirigir-se aos adolescentes, familiares, comunidades e trabalhadores da rede de assistência socioeducativa), a fim de ampliar a troca e de construir novos mundos juntos.

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propunha e eram pensadas por nós a partir de leituras que foquem nas relações de poder envolvidas no serviço e sua inserção nas comunidades e territórios existenciais dos adolescentes.

Partindo de um contexto micro-político, ou seja, de um território de relações concretas estabelecidas entre adolescentes, comunidade e operadores de um serviço de medida socioeducativa, essa pesquisa tem como proposta ensaiar tais reflexões e pensá-las a partir de um fazer científico implicado, que se posiciona dentro do campo de força em que está imerso, em sua relação com a sociedade, assumindo os efeitos que possa engendrar.

Como contexto, vale ressaltar à título de introdução, que, a partir de 1990, o sistema de justiça brasileiro passou a privilegiar as medidas socioeducativas em meio aberto [MSEMA] a serem aplicadas a adolescentes infratores, visando reforçar os laços familiares e comunitários1. Uma vez que os serviços de medidas socioeducativas em meio aberto incumbiram-se de intervir nas relações dos adolescentes com seus familiares e com sua comunidade, torna-se imprescindível acompanhar suas práticas e examinar os efeitos que produzem.

O sistema socioeducativo, fundamentado na doutrina da Proteção Integral do ECA, na Política Nacional de Atendimento Socioeducativo [SINASE] e operado pelos serviços de medida socioeducativa, agencia saberes e práticas que objetivam o fortalecimento dos laços sociais, o exercício da cidadania e a não reincidência de práticas infracionais. Observa-se, nesse movimento, o agenciamento de saberes e práticas que se voltam para o sujeito em seu território. Como, então, problematizar esses agenciamentos produzidos, os exercícios de poder aí implicados e seus efeitos nos territórios existenciais dos adolescentes e das comunidades?

(15)

Com um olhar voltado para as relações que se estabelecem entre adolescentes, operadores dos serviços socioassistenciais e comunidade, pretendemos uma reflexão sobre as possibilidades de construção de espaços de diálogos e de decisão que se pautem em uma postura crítica às práticas socioeducativas, que nem sempre consideram os adolescentes enquanto atores da sua própria medida.

Partimos da compreensão de que possibilidades de existência recriam-se a partir do embate entre diferentes perspectivas e da tensão produzida nos campos de forças. Nesse sentido, interessa-nos refletir sobre alguns movimentos da socioeducação, para que possamos encontrar caminhos que potencializem a relação dos adolescentes em medidas socioeducativas em meio aberto com seus territórios, incluindo o serviço de MSEMA.

Para tanto, no primeiro capítulo, partimos de uma leitura crítica acerca das compreensões sócio-históricas voltadas ao adolescente infrator aliadas ao tratamento social historicamente destinado a essa população. Desse modo, propomos uma reflexão acerca do projeto de institucionalização da adolescência brasileira e o consequente processo de banalização da figura do adolescente infrator. Partimos da

pSRFDHPTXHRDGROHVFHQWHDXWRUGHDWRLQIUDFLRQDOHUDFRQVLGHUDGR³GHOLQTXHQWH´

seguimos com a aniOLVH GD GRXWULQD GD ³VLWXDomR LUUHJXODU´ DWp FKHJDUPRV j VXD

configuração atual, como sujeito de direitos. Analisamos as tradições discursivas alimentadas pelos Códigos de Menores de 1927 e 1979 e algumas tensões e ambigüidades encontradas no Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo [SINASE]. Nossa reflexão tem como foco problematizar como os fundamentos e objetivos que orientam as intervenções socioeducativas estão configurados em práticas, tentando contribuir para o enfrentamento das dificuldades de sua implementação. As intervenções desenvolvidas e a relação institucional do serviço de medida socioeducativa em meio aberto também são analisadas, fundamentalmente em relação ao projeto maior de socioeducação em que estão inseridas.

(16)

partimos refletindo acerca das noções de anormalidade e periculosidade, e suas relações com a produção de práticas disciplinares e normalizadoras das condutas. Nesse momento, apresentaremos as discussões realizadas por Foucault acerca dos

PHFDQLVPRV GH FRQWUROH GLVFLSOLQDU TXH WrP QD SULVmR VXD IRUPD PDLV ³SHUIHLWD´

voltadas à normalização dos corpos individuais, e dos mecanismos de regulação e segurança, de caráter biopolítico, destinados ao controle da circulação e da conduta da população, das regularidades do ser humano enquanto espécie. Essa análise tem como objetivo compreender os atravessamentos destes mecanismos de gestão de indivíduos e coletivos nos contextos micro-políticos, onde o serviço de medida socioeducativa em Liberdade Assistida está inscrito, em tentativa de aproximação com os mecanismos de normalização desenvolvidos por este.

Estes referenciais analíticos nos permitiram uma outra abordagem no processo de elaboração e condução da pesquisa de campo. Com o objetivo de compreender as relações socioeducativas à luz destas reflexões, e de poder contribuir na construção

GHXPDUHODomRVRFLRHGXFDWLYDPDLV³OLEHUWiULD´TXHSUHVVXS}HUHVSRQVDELOL]ação e garantia de direitos dos adolescentes autores de atos infracionais, a pesquisa propôs algumas estratégias, tais como, dialogar com os operadores do serviço e acompanhar momentos de seu cotidiano, acompanhar atividades realizadas em outros serviços da rede, conhecer territórios de existências dos adolescentes, como por exemplo, suas casas, seus percursos no bairro, seus espaços de sociabilidade etc. Desse modo, a pesquisa transformou-se seguindo os movimentos envolvidos no campo em que estava inserida; movimento este que se mostrou extremamente importante para repensar os posicionamentos teóricos, de base reflexiva.

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nortes teóricos começavam a ser tramados em uma rede de argumentos que passou a sustentar nossa perspectiva a partir de um olhar orientado pelas próprias vivências do cotidiano do serviço.

O capítulo três apresenta nossa aproximação enquanto pesquisador com a realidade de um serviço de medida socioeducativa, explicitando a discussão metodológica que subsidia nosso olhar e percurso. Aí são apresentadas de modo detalhado as estratégias adotadas no percurso da pesquisa, assim como uma breve reflexão acerca do método analítico adotado. Realizamos também uma apresentação do contexto social em que está inserido o serviço de medida socioeducativa em meio aberto onde foi realizada a pesquisa de campo, mesclada com as nossas observações e impressões oriundas da imersão neste campo. Nesta apresentação do lócus onde a pesquisa de campo foi realizada, discutimos a caracterização do bairro, seus índices de vulnerabilidade e indicadores sociais, como forma de contextualizar o serviço e também subsidiar uma análise mais crítica acerca da gestão diferenciada de condutas e populações operada por mecanismos disciplinares e de regulação e segurança de acordo com a distribuição das populações em territórios sócio-econômicos consLGHUDGRVPDLVRXPHQRV³IDYRUHFLGRV´

No capítulo quatro, propomos uma análise interpretativa do sistema socioeducativo que não se restringe somente à crítica aos modos como os desvios e ilegalidades são produzidos em estratégias de governo das populações próprias à sociedade disciplinar e à sociedade de controle. Suscitadas por algumas cenas vividas no serviço de medida socioeducativa e pelo acompanhamento de alguns casos de adolescentes autores de ato infracional destinatários do serviço, essas análises buscam uma reflexão do sistema socioeducativo que integre as reflexões teóricas sobre os processos de normalização disciplinar e controle da população com as práticas concretas vividas pelo serviço no processo de implementação das diretrizes de atendimento. Aqui algumas tensões e ambigüidades encontradas nos marcos legal, conceitual e de intervenção são novamente elencadas a partir da perspectiva daqueles que as vivenciam cotidianamente.

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Capítulo 1

±

Gestão das liberdades: ato infracional

e Medidas Sócio-educativas

Esse capítulo, de caráter contextual, tem como objetivo apresentar e refletir cULWLFDPHQWHVREUHRGXSORSURFHVVRVRFLDOTXHOLJDDFRPSUHHQVmRGR³DGROHVFHQWH LQIUDWRU´ FRP R SDSHO TXH R (VWDGR DVVXPH IUHQWH D HVVD TXHVWmR DRV SRXFRV

considerada um problema social cotidiano de suma importância. Historicamente, observamos o concomitDQWHIRUWDOHFLPHQWRGDFRQVWUXomRGLVFXUVLYDGR³DGROHVFHQWH LQIUDWRU´HQTXDQWRFDWHJRULDVRFLDODVVRFLDGRjFUHVFHQWHFRQVWLWXLomRGHXPSURMHWR

de institucionalização e controle social da infância e adolescência pobre dado a cabo pelo Estado brasileiro.

Esse capítulo, portanto, pretende contextualizar a discussão proposta sobre as práticas e saberes relativos ao ato infracional e às medidas socioeducativas no Brasil e para isso retoma de modo crítico os modos como o Estado vem em sua história intervindo sobre essa questão, e ao fazer isso, vem interagindo com os modos como a sociedade compreende o ato infracional praticado por crianças e adolescentes. É importante salientar que esse duplo processo acontece nos dois sentidos, ou seja, ao mesmo tempo em que cada contexto social e cada época considera o ato infracional de modo próprio ± o que influencia nos modos como o Estado propõe suas intervenções ± também o Estado, ao tratar o ato infracional como questão social de modos diversos, institucionaliza a criança e o adolescente infrator, fomentando desvios e mudanças importantes na compreensão da sociedade sobre esses sujeitos. Desse modo, essa dupla implicação historicamente situada permite uma reflexão crítica a partir da análise dos textos legais e das práticas institucionais previstas por elas, associando, assim, os efeitos simbólicos e discursivos com as práticas concretas da socioeducação.

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principais mudanças propostas como fundamento para um novo paradigma de intervenção. Tal análise buscará as ambigüidades e desafios que o ECA propõe à socioeducação e será aqui trabalhada no sentido de tentar contribuir para uma reflexão sobre as dificuldades de implementação e desafios desse novo Sistema de Justiça Juvenil brasileiro. Tal análise é fundamental para a compreensão desta pesquisa, uma vez que esta parte de problemáticas e questões levantadas a partir do cotidiano do serviço de medida socioeducativa. Esta reflexão crítica sobre a socioeducação tem também o papel de abrir a discussão para a análise de caráter conceitual e interpretativo a ser realizada no capítulo seguinte a partir de leituras foucaultianas.

I ± Breve histórico do Sistema de Justiça Juvenil brasileiro

O contexto de surgimento do Código de Menores Mello Mattos (1927) é entendido por Alvarez (1989) como um dos momentos centrais de constituição da

FDWHJRULD ³PHQRU´ QR SDtV 1R %UDVLO R FyGLJR GH parece representar o momento em que se dá a cristalização jurídico-LQVWLWXFLRQDO GR ³PHQRU´ FRPR

categoria discursiva. Em sua análise, Alvarez (1989) entende que, desde o final do século XIX, uma série de discursos passou a discutir a proteção e a assistência à criança e ao adolescente, culminando em um novo projeto de institucionalização. Nesse contexto, o Código de Menores de 1927 foi o resultado mais acabado e representa um nó em uma ampla rede de práticas discursivas que objetivaram o

³PHQRU´ FRPR VXMHLWR 'HVVH PRGR SRUWDQWR R SURFHVVR GH VXMHLomR GR ³PHQRU´

enquanto categoria não pode ser dissociado do projeto de institucionalização da menoridade, uma vez que as relações de dominação se cristalizam no curso dos processos de institucionalização.

Por meio de aproximação histórica, Fajardo (2004) aborda o desenvolvimento dos momentos normativos e os aspectos políticos das práticas oriundas das políticas

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territórios tradicionais, principalmente do litoral ± em que a pesca configurava-se como um dos principais meios de subsistência ±, a pobreza e a carência tornaram-se conhecidas. As separações forçadas, por motivo dos trabalhos forçados nas lavouras e nas casas dos senhores, fizeram conhecer também a desagregação familiar. Frutos

GDV UHODo}HV HQWUH ³EUDQFRV´ ³QHJURV´ e ³tQGLRs´, ³bastardos´ e ³perdidos´

tornaram-VHDVSULPHLURVVXMHLWRVFXMDLQIkQFLDHUDFRQVLGHUDGD³GHVDPSDUDGD´&RP

o processo de colonização, foram se desenvolvendo e ampliando quadros de violências que, em função dos conflitos culturais e da política de extermínio da população excedente, fez juntar à miséria e à desagregação familiar a orfandade infantil.

Alvarez (1989) entende que durante o período colonial e imperial, as formas de institucionalização da infância correlacionam-se às mudanças na legislação brasileira sobre menoridade. Uma das formas mais importantes de institucionalização da

LQIkQFLD³DEDQGRQDGD´ QRFRQWH[WRGRSHUtRGRFRORQLDOIRLD³5RGDGRV([SRVWRV´

Citando Gonçalves (1978), Alvarez (1989) informa que as primeiras rodas foram instaladas em Salvador e no Rio de Janeiro por volta de 1700, momento em que

³H[SRVWR´H³HQMHLWDGR´HUDPWHUPRVUHFRUUHQWHV$URGDHUDXPDSDUHOKRGHPDGHLUD

em formato cilíndrico que tinha um dos lados vazado e que girava. Anexada a um asilo de menores, favorecia que aquele que abandonava não fosse identificado.

&RQKHFLGDV SRU ³&DVD GRV ([SRVWRV´ ³&DVD GD 5RGD´ RX DLQGD ³'HSyVLWR GRV ([SRVWRV´em um primeiro momento, esses espaços eram destinados a recolher crianças que eram fruto de relações ilícitas, mas aos poucos passaram a também receber crianças que nasciam em meio a condições de dificuldade de serem mantidas e criadas, principalmente por motivo de pobreza.

De acordo com FaMDUGRDV³5RGDVGRV([SRVWRV´HUDPLQVWDODGDVQDV

Santas Casas de Misericórdia e constituíam um mecanismo alternativo às práticas de expor as crianças nas ruas ou em lugares públicos. Mas as crianças não ficavam muito tempo internadas, elas eram encaminhadas a famílias beneméritas que as mantinham como agregadas. A autora sustenta que até 1817 quarenta e cinco mil crianças foram expostas. Todavia, noventa por cento delas vieram a óbito.

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Janeiro. Nas grandes propriedades rurais, os interesses não estavam voltados para os problemas públicos, mas sim para o comércio e para a organização e gestão das fazendas. O autor ressalta ainda que esse tipo de institucionalização parecia atender a uma regulação dos desvios da organização da família colonial.

Segundo Abreu e Martinez (1997, citados por Fajardo 2004), com o Brasil tornando-se independente de Portugal em 1822, a preocupação com a difusão da instrução a todos os habitantes livres do império ganhou força e a temática da infância veio à tona principalmente no campo da Medicina. A Lei do Ventre Livre, em 1871, declarou livres os descendentes de escravos nascidos a partir daquela data e impulsionou as discussões sobre proteção, educação e amparo. Para os autores (Abreu e Martinez, 1997), esta lei foi um marco a partir do qual a infância surgiu como um problema social.

Retomando Gonçalves (1978), Alvarez (1989) também discute o momento de crise da forma de institucionalização caracterizada pela Roda dos Expostos, indicando dois aspectos: o número crescente de crianças abandonadas fazia com que as casas sofressem sucessivos deslocamentos; e as altas taxas de mortalidade

DOHUWDUDPXPD³SUHRFXSDomR´FUHVFHQWHSRUSDUWHGD0HGLFLQDKLJLrQLFD

De acordo com Fajardo (2004), com a introdução das práticas higienistas, o Brasil passou à uma segunda fase das políticas para a infância, quando a filantropia caritativa deu lugar a uma fase de higienização dos espaços públicos e das relações sociais. Não que a filantropia tenha deixado de existir, mas com ela as práticas higienistas passaram a coexistir de modo preponderante. Segundo a autora, a fase higienista pode ser localizada até a década de 1920, quando surgem as primeiras leis de infância ± no Brasil em 1924.

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De acordo com Abreu e Martinez (1997, citado por Fajardo, 2004), a partir da proclamação da República em 1889, o Estado passou a prestar mais atenção à criança, que passou a ser vista como base para a construção da nova nação. Todavia, ressaltam os autores, os discursos e propostas dessa Primeira República denotam um projeto mais repressivo que assistencial. No início do século XX já surgiam críticas ao internamento de crianças na penitenciária do Estado, consideradas ³menores infratores´. Um projeto de lei criou, então, o Instituto Disciplinar e, em 1909, o Estado assinou convênios com instituições particulares para assistência de

³menores´. De acordo com a autora, pode-se notar desde essa época a gestação de uma futura hegemonia do conhecimento jurídico na área da assistência à infância.

Alvarez (1989) ressalta que, no fim do século XIX, um novo discurso sobre a

³infância abandonada´ e ³GHOLQTXente´ constituiu-se, culminando com a promulgação do primeiro código especial para ³menores´ do Brasil, em 1927. Com esse código, um amplo dispositivo de institucionalização de crianças e de jovens emergiu enquanto projeto, direcionado pelo Estado mas amplamente articulado à benemerência privada. Segundo Lima (2009), o Código de 1927 procurou regulamentar o vínculo entre Estado e adolescentes infratores e ressaltou a distinção entre medida não punitiva e medida punitiva: Liberdade Vigiada e Internação, respectivamente.

De acordo com Teixeira (1994), a Liberdade Vigiada seria aplicada ao jovem sob vigilância judicial, prescrevendo a permanência da responsabilidade dos pais ou tutor. A aplicação dessa medida incluía a obrigação do jovem de reparar e indenizar o dano e comparecer em juízo em prazo estipulado. É interessante notar que a vigilância judicial, a reparação e indenização do dano e a obrigação de comparecimento em juízo não eram consideradas medidas punitivas, o que oferece sustentação para a defesa da constrição de liberdade como medida protetiva. Essa tensão entre proteção e tutela gerada desde o Código de 1927 permanece em muitas formas nos códigos seguintes e será trabalhada especialmente no que se refere aos princípios e fundamentos conceituais do Estatuto da Criança e Adolescente de 1990.

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como ³GHOLQTXente´, prevendo a formação especializada para o cuidado dos adolescentes e a atualização dos métodos de educação e reeducação dos jovens,

FRQVLGHUDGRV ³SRUWDGRUHV GH GHVYLRV´ 7Hixeira (1994) descreve que, em 1971, foi instituído o Serviço de Liberdade Assistida, com a finalidade de conscientizar a

FRPXQLGDGHHRIHUHFHUDMXGDDRVMRYHQV³GURJDGRV´GDFODVVHPpGLD(PIRL

implantada a Liberdade Assistida Comunitária [LAC], voltada para a resolução dos problemas de acesso à escola e ao emprego. Na perspectiva de Ferreira (2006), a LAC constituiu-se como uma forma adequada de assistência, uma vez que os orientadores residiam no mesmo bairro onde o posto de atendimento estava situado, o que lhes permitia conhecer o ambiente, as demandas, os recursos e muitas vezes compartilhar as histórias dos adolescentes e seus familiares.

Seguindo essa tendência, em 1979, um novo Código do Menor substituiu o termo Vigiada por Assistida, uma vez que considerava que a vigilância era somente eficiente nos países ricos. Nos países pobres, como o Brasil, a vigilância exclusiva não seria suficiente, o que requereria ajudar, auxiliar, assistir o ³menor´, além de também vigiá-lo, como expresso no artigo 38 do Código ³D DXWRULGDGH MXGLFLiULD

fixará as regras de conduta do menor e designará pessoa capacitada ou serviço

HVSHFLDOL]DGRSDUDDFRPSDQKDURFDVR´7HL[HLUDSFRPRSRUH[HPSOR

não mais se envolver na prática de atos infracionais; recolher-se à residência até determinado horário; não freqüentar lugares nocivos à sua formação; reparar o dano na medida de suas possibilidades; apresentar-se regularmente a juízo ou à pessoa ou serviço encarregado da execução da medida; submeter-se a tratamento médico ou psicológico; ser assíduo à escola etc.

+iTXHFRQVWDUTXHHVVDPHGLGDHUDGHVWLQDGDDTXDOTXHU³PHQRUDEDQGRQDGR´ RX ³GHOLQTHQWH´ R TXH UHYHOD XPD H[SUHVVLYD H[WHQVmR GH VHX HVFRSR GH

intervenção e institucionalização, com efeitos definitivos na construção da categoria

GLVFXUVLYD³PHQRUGHOLQTHQWH´'HVVHPRGRR(VWDGRVXVWHQWRXVXDLQWHUYHQomRD SDUWLUGDH[SDQVmRGD³PHQRULGDGH´TXHSDVVRXDVHUHIHULUDTXDOTXHUSHVVRDTXH HVWLYHVVH HP ³6LWXDomR ,UUHJXODU´ IUHQWH DR (VWDGR RX VHMD RV ³FDUHQWHV

(economicamente), os abandonados, os vitimizados, os que estão em perigo moral, os

yUImRVDTXHOHVFRPGHVYLRGHFRQGXWDHRDXWRUGHLQIUDomRSHQDO´7HL[HLUD

(25)

WH[WRVDQWHULRUHVHVSHFLDOPHQWHQRTXHVHUHIHUHDRVWHUPRV³PHQRUDEDQGRQDGR´H ³GHOLQTHQWH´ VXEVWLWXtGRV SRU ³PHQRU HP 6LWXDomR ,UUHJXODU´ H ³DXWRU GH DWR LQIUDFLRQDO´ UHVSHFWLYDPHQWH 9DOH UHVVDOWDU TXH D GRXWULQD GD 6LWXDomR ,UUHJXODU

destinava-se quase que exclusivamente às crianças e adolescentes pobres; prevendo a Liberdade Assistida como uma forma de controle da adolescência e infância pobre através de medidas que apenas explicitamente não eram consideradas punitivas.

De acordo com Lima (2009RFyGLJRGHDVVRFLRXD³6LWXDomR,UUHJXODU´

ao estado de patologia social ampla, para justificar a necessidade de crianças e adolescentes permanecerem sob o controle rígido de um conjunto de normas jurídicas. De acordo com o autor, o adolescente não foi identificado como uma pessoa com direito de defesa, mas sim como alguém que devia ser tutelado. Segundo Konzen (2007), os ideólogos da Situação Irregular e das políticas do Bem-Estar do Menor defendiam a cultura de institucionalização como gesto de benevolência, com efeito educativo. A atuação estatal justificava-se pelo argumento de tutelar e proteger

R³PHQRULQFDSD]´SDUDWUDWDUHSUHYHQLUXPHVWDGRGHSDWRORJLDDLQGDTXHa doença tivesse origem familiar ou social.

A partir de 1980, segundo Sales (2007), o Brasil passou a ser pressionado a rever a sua visão e as políticas sociais dedicadas à infância e adolescência como resultado tanto da pressão externa decorrente do acumulo político e da experiência de vários outros países no terreno das medidas socioeducativas, quanto da militância e luta política contra o regime autoritário ditatorial pela conquista de direitos protagonizados pelo país. Somente a partir da promulgação da Constituição Federal em 1988, a tutela do Estado deixou de se fundamentar na noção de patologia social aliada à ³PHQRULGDGH GHOLQTXente´, responsabilizando a família, a sociedade e o Estado pelos direitos das crianças e adolescentes. Um ano depois, em 1989, foi elaborada a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes, momento de consolidação dos movimentos sociais em defesa dos direitos e da abertura política. No Brasil, esse movimento se fez presente em 1990, quando foi aprovada a lei 8.069 ± o Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] (MAS, 1991) ±

(26)

II ± O Estatuto da Criança e do Adolescente: algumas tensões

Em análise aprofundada do texto do ECA, Fajardo (2004) ressalta mudanças conceituais, metodológicas e políticas em relação ao Código de 1979. Citando Costa (1994), observa-se uma mudança de conteúdo inspirada nas fontes internacionais de direitos da criança; uma mudança de método pela substituição do assistencialismo pela socioeducação e uma mudança de gestão, implicando na descentralização das ações.

Com relação à mudança de conteúdo, o ECA incorpora os principais itens das Declarações e Convenções da Organização das Nações Unidas [ONU], a saber: a Convenção sobre os Direitos da Criança; as Regras Mínimas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing); as Regras Mínimas para a Proteção dos jovens Privados de Liberdade; as Diretrizes para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad); a Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da Criança e o Plano de Ação para sua implementação.

Referindo-se à mudança de método, Fajardo (2004) explica que a intervenção pública passou a ser prevista a partir de uma violação de direito que, apoiada na doutrina da proteção integral, inverte a lógica da criança como objeto de proteção para a criança como sujeito de direitos. É importante destacar que a ampliação proposta pelo ECA do leque de tutela do Estado para todas as pessoas em idade de desenvolvimento físico e emocional estendeu a categoria ³menor´ para todas as pessoas que não completaram 18 anos de idade, reconhecendo toda criança e adolescente como sujeito de direitos. Tal extensão acabou por ter efeitos sobre as responsabilidades do Estado, uma vez que o protagonismo do Poder Judiciário nas políticas de assistência à criança deu lugar a uma divisão de responsabilidades entre Estado e sociedade, através dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares.

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medidas socioeducativas. No caso da medida socioeducativa, o ato infracional requer a instauração do devido processo legal.

A mudança de gestão proposta pela ECA implica três formas de divisão de trabalho entre os sujeitos das políticas públicas para a infância: a desconcentração entre a União, os estados e os municípios (descentralização político-administrativa), a divisão de responsabilidades entre os poderes públicos e a sociedade civil e a distribuição de deveres entre a família, a comunidade e o Estado. A articulação entre Estado, sociedade e família, através do princípio de participação oferece à sociedade voz nos processos de deliberação, gestão e controle das políticas públicas, imputando ao Estado responsabilidade compartilhada e não exclusiva na defesa e garantia dos direitos fundamentais. Segundo a autora, é importante destacar que o processo de transição de um modelo centralizado no Estado para um modelo descentralizado e participativo se dá em termos normativos, pois apoia sua legitimidade na dimensão participativa mais que na dimensão garantista. Nesse sentido, o ordenamento constitucional brasileiro contempla os direitos fundamentais e a participação popular, mas enfatiza positiva e politicamente a segunda em detrimento dos primeiros.

(28)

A primeira ambigüidade encontrada no texto refere-se à representação do Estado e seu papel em relação aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, o que se torna explícito a partir da presença de elementos teóricos de várias vertentes no texto. Segundo Fajardo (2004), destacam-se fundamentos da teoria liberal ou clássica, da teoria da função democrática e da teoria do Estado de Bem-Estar Social, o que revela contradições importantes quanto às representações de Estado e de seu papel sobre os direitos humanos. Estes modos contrastantes de compreender idealmente a função do Estado expressam a disputa de forças em torno do papel de intervenção reservado ao Estado e sua relação com compreensões contraditórias da infância. Desse modo, conforme o ponto de vista e os interesses políticos, enfatiza-se uma ou outra vertente teórica do ECA e, ainda, justificam-se umas ou outras práticas que dão consistência à lei. A título de exemplo, a autora destaca a vertente do Estado Neoliberal, que enfatiza a descentralização das ações invocando a participação popular, mas não a descentralização dos poderes de decisão. Tais ambigüidades abrem espaço a diferentes interpretações e intervenções e podem servir, por exemplo, para a sustentação de práticas autoritárias fundamentadas em uma visão democrática de infância. Assim, a DXWRUD FRPHQWD TXH R ³FDUiWHU P~OWLSOR GHL[D PDUJHP jV

polêmicas interpretativas de corte ideológico e, além disso, a um leque bastante amplo de alternativas de aplicação das normas e implementação das políticas delas

GHFRUUHQWHV´Fajardo, 2004, p. 50).

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sociais. Na prática, fica clara a tendência patrimonialista e a lógica de segurança cidadã como hegemônicas entre as finalidades do ECA, o que acaba por sustentar a representação de criança perigosa, judicializando-a, ao invés de proteger a criança em perigo com direitos violados.

A terceira ambigüidade refere-se à doutrina da Proteção Integral, que não é clara quanto ao seu método de intervenção, mesclando intervenções tutelares e intervenções voltadas ao desenvolvimento da autonomia. A doutrina, respondendo à normativa internacional, é clara quanto a seu destinatário, mas expressa um conteúdo hibrido entre penal e promocional, uma vez que defende a noção de criança como sujeito de direitos, o que, por um lado, reduz a estigmatização da noção de criança desamparada, mas que, por outro lado, possibilita ou justifica um intervencionismo ampliado, mais capilar.

Contudo ± podemos perguntar ±, o que representam efetivamente tais ambigüidades nas intervenções relativas à infância e adolescência no Brasil? Para Fajardo (2004), é justamente no plano da prática que tais ambigüidades podem ser

³UHVROYLGDV´XPDYH]TXHDSRQWi-las não necessariamente levará à mudança da lei. Distintas representações de Estado possibilitam uma pluralidade de intervenções e uma confusão sobre condições concretas de garantia dos direitos. Quanto às

finalidades da lei, tais ambigüidades pressupõem um conflito entre racionalidades opostas, o que indica a possibilidade de uma solução mais política que legal. Já a ambigüidade sobre a doutrina da proteção integral está no núcleo do conflito entre os paradigmas de intervenção. Para a autora, o caminho é pender para o lado da representação da criança como sujeito de direitos em contraposição à representação da criança perigosa.

Segundo nossa reflexão, tais ambigüidades convocam os atores envolvidos a responsabilizarem-se eticamente pelos efeitos da escolha de determinados elementos teóricos relativos às representações do Estado, às finalidades da lei ou à doutrina da proteção integral. Esse processo requer um rigor ético que explicite que modelo de garantia de direitos está sendo sustentado em cada intervenção e quais os efeitos concretos que desejamos no cotidiano dos sujeitos envolvidos. Com o terreno da ética convocado por taLVDPELJLGDGHVHSHOD³OLEHUGDGH´GHHVFROKDHQWUHHOHPHQWRV

(30)

ECA, voltamos novamente a nos questionar sobre quais as implicações e efeitos

GHVVD ³OLEHUGDGH´ WHyULFD H SUitica no campo árido de saberes e práticas da socioeducação. Para isso, realizaremos uma breve apresentação do modo como o ECA considera o ato infracional, explicitando os diferentes marcos conceituais do Sistema de Justiça Juvenil, para em seguida apresentarmos mais uma ambigüidade presente no texto legal, em análise semelhante à realizada anteriormente.

III ± Princípios e fundamentos do atual Sistema de Justiça Juvenil brasileiro

O tema do ato infracional juvenil apresenta uma série de tensões nos planos conceituais e práticos. Segundo Konzen (2007), a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente defendem a inimputabilidade penal dos sujeitos menores de dezoito anos, sujeitando-os às normas estabelecidas por legislação especial. Essa questão, que em si divide opiniões, faz emergir uma série de questionamentos, dentre eles, a possibilidade de a criança e o adolescente responderem de forma retributiva à conduta definida como crime ou contravenção penal. Quanto a esse questionamento, uma primeira resposta, diz o autor, é que a Constituição deixa transparecer implicitamente a possibilidade de uma imputação de natureza penal ao inimputável em razão de idade, tanto assim que há a previsão da obrigatoriedade da oferta ao imputado da garantia de poder resistir. O Direito socioeducativo atribui ao inimputável a condição de sujeito da resposta, de sujeito de responsabilidade. Nesse sentido, Liberati (2006) considera que as medidas socioeducativas apresentam caráter impositivo, por serem aplicadas independentemente da vontade do infrator; caráter sancionatório, pela quebra da regra de convivência social, e caráter retributivo, por ser uma resposta do Estado ao ato infracional praticado, o que contraria a defesa de inimputabilidade penal realizada no ECA e na Constituição.

Esses dois documentos legais ± a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (MAS, 1991) ± FRQVLGHUDP R DWR LQIUDFLRQDO FRPR ³FRQGXWD GHVFULWDFRPRFULPHRXFRQWUDYHQomRSHQDO´HXPDYH]YHULILFDGDDSUiWLFDGHXP

(31)

I ± Advertência;

II ± Obrigação de reparar o dano;

III ± Prestação de Serviço à Comunidade; IV ± Liberdade Assistida;

V ± Inserção em regime de semi-liberdade; VI ± Internação em estabelecimento educacional.

O item I ao IV configuram medidas socioeducativas em meio aberto. Dentre elas, destacamos a Liberdade Assistida [LA], cujas ações estão orientadas para a vida social do adolescente (família, escola, trabalho, profissionalização e comunidade), com objetivo de estabelecer um processo de acompanhamento, auxílio e orientação ao adolescente. Desse modo, visa constituir e fortalecer relações sociais consideradas como base de sustentação do processo de inclusão social. Dessa forma, a LA acaba por configurar-se como catalisadora da integração e inclusão social dos adolescentes a quem é destinada. Além desta, destacamos também a Prestação de Serviço à Comunidade [PSC], que tem como objetivo FRQVWUXLU ³XPD DomR SHGDJyJLFD TXH

privilegie a descoberta de novas potencialidades direcionando construtivamente seu

IXWXUR´(SPDCA et al2, 2006, p.48).

As medidas em meio aberto, embora não sejam privativas de liberdade, restringem a liberdade e pressupõem uma gestão das liberdades, das condutas dos adolescentes. Além disso, em caso de descumprimento, podem acarretar uma medida de privação em regimes de semi-liberdade ou internação.

Em discussão sobre a imputação de natureza penal realizada aos adolescentes que cometeram atos infracionais realizada pelas medidas, Konzen (2007) questiona a tutela da liberdade enquanto forma de responsabilidade penal por privar ou restringir

D OLEHUGDGH SHVVRDO ³QmR VH SRGHULD GL]HU TXH D DSURSULDomR FRQVWLWXFLRQDO GD

inimputabilidade em razão da idade passou a significar tão-somente, e de fato, a possibilidade da imputação diferenciada do infrator até uma determinada idade em

UHODomR DR LQIUDWRU HP LGDGH GH DGXOWR"´ S $ QDWXUH]D SHQDO GDV PHGLGDV

sustenta-se na privação da liberdade ou na potencialidade da perda de liberdade por descumprimento das medidas. O autor também argumenta que a verbalização

(32)

unilateral de juízo de valor de ordem moral sobre a conduta é de ordem penal, configurando modo de punição e modo de controle social por meio de instrumento jurídico-político de restrição coercitiva de direito fundamental.

Por outro lado, as medidas socioeducativas inscrevem-se no Sistema de Garantia de Direitos, fundado por princípio garantista, que se pauta na noção da pessoa enquanto sujeito de direitos. Como afirma Konzen (2007), a pretensão do garantismo é a construção de um modelo penalógico minimalista redutor de danos. Em outras palavras e segundo Sposato (2006), em conformidade à Constituição Federal e ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o Direito Penal Juvenil baseia-se nos Princípios do Respeito à Condição Peculiar de Pessoa em Desenvolvimento e do Melhor Interesse do Adolescente, condicionando a intervenção do Estado por considerar que os sujeitos na adolescência são sujeitos de direitos e possuem capacidade progressiva de exercê-los. O princípio do Respeito à Condição Peculiar de Pessoa em Desenvolvimento rompe com o paradigma menorista considerando crianças e adolescentes não mais como seres inferiores e imperfeitos. Fundamenta-se na igualdade essencial do ser humano e em sua dignidade, garantindo direitos e deveres. Para a autora, a condição peculiar de desenvolvimento não isenta o adolescente da responsabilização, mas expressa a necessidade de diferentes níveis de responsabilidade. No caso das crianças não há responsabilização; para elas são aplicadas medidas de proteção. Já o princípio do Melhor Interesse do Adolescente tem como finalidade atenuar as restrições de direitos próprias do sistema penal comum, direcionando a um enfoque mais preventivo e educativo. Segundo Sposato (2006), o modelo de responsabilidade impõe desafios na operacionalização do

VLVWHPD ³D VXSHUDomR GD OyJLFD WXWHODU H GD LGHRORJLD GR WUDWDPHQWR VRPHQWH VHUi

alcançada de forma substancial quando o reconhecimento da natureza penal das

PHGLGDV IRU H[SOLFLWDGR´ S LQFOXVLYH QD REVHUYkQFLD HVWULWD GDV JDUDQWLDV

processuais penais.

3DUD.RQ]HQDUHVSRQVDELOLGDGHGHYHVHUHQWHQGLGDFRPR³VLQ{QLPRGH

(33)

(2006), em um processo de responsabilização, o jovem deve reconhecer suas determinações psíquicas e sócio-históricas, de modo que seus laços sociais superem as dificuldades e conflitos experienciados em seu contexto. Além disso, é preciso

JDUDQWLUDSRVVLELOLGDGHGHGHFLVmRHHVFROKD1HVVHVHQWLGR³DUHVSRQVDELOLGDGHWHP

duas dimensões: a social, das causas, funções e encargos relativos ao fenômeno da criminalidade/criminalização; e da responsabilidade individual com respeito à

VRFLHGDGHHDRVRXWURVLQGLYtGXRV´9LFHQWLQS

Nesta linha de pensamento, Konzen (2007) afirma que as doutrinas de justificação da pena por pretensão pedagógica devem ser superadas:

O dever-ser pedagógico não se constitui, portanto, em uma qualidade, ou em um atributo, ou em uma propriedade da medida. De todas elas, notadamente as de privação ou de restrição de liberdade, nenhuma das medidas tem, por si, quaisquer instrumentalidades pedagógicas que as justifique. O pedagógico deve ser uma qualidade relacional dos educadores do programa de atendimento em que se executa a medida no lugar de uma propriedade, uma qualidade, ou um conteúdo, como ainda se prefere, da medida propriamente dita (Konzen, 2007, p.43).

Para o autor, a proposta educativa deve apoiar e estimular o processo de emancipação, ao invés de produzir normalizações.

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excepcionalmente e pelo menor tempo possível. Nesse sentido, os adolescentes permanecem como inimputáveis frente ao Direito Penal, mas passam a ser imputáveis diante de lei especial ± o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Já outro grupo de juristas defensores do ECA não o consideram como um estatuto de caráter punitivo, como os códigos de menores anteriores. A responsabilização dos atos infracionais, nessa perspectiva, deve acontecer pedagogicamente através de práticas socioeducativas, uma vez que o ECA refere-se apenas a atos infracionais, não os considerando crimes e nem prevendo nenhum tipo de ação com caráter retributivo, punitivo ou intimidatório. Essa polêmica divide opiniões e reflete o conturbado campo de pensamento e práticas referentes aos atos infracionais cometidos por adolescente no país.

No que tange mais especificamente à intervenção socioeducativa, Fajardo (2004) indica uma ambigüidade referente ao caráter pedagógico-penal: o problema básico do modelo de intervenção voltado ao ato infracional refere-se à indefinição teórica e prática do modelo de justiça juvenil adotado. Se referenciando em Gimenez-Salinas (1998), a autora apresenta um quadro comparativo entre os principais sistemas de justiça juvenil, a saber:

x Modelo de Bem-estar/Educativo (1): esse modelo tem como objetos o ³PHQRU´ H VXD IDPtOLD H R GHOLWR p XPD H[SUHVVmR GH QHFHVVLGDGH

educativa, sendo a educação, portanto, o meio de intervenção. A equipe de trabalho consiste em técnicos da área psicopedagógica e tem como finalidade a educação;

x 0RGHOR 3URWHWRU WHP SRU REMHWR R ³PHQRU´ VHQGR R GHOLWR XPD

expressão de patologia. A intervenção consiste em tratar com pessoal psicossocial e com finalidade proteção-moralizante.

x Modelo de Justiça (3): no modelo de justiça o objeto é o delito,

entendido como expressão da livre escolha. A intervenção consiste na punição, que é implementada por pessoal judicial com finalidade do respeito à lei e à ordem.

x Modelo Normalizado Não Intervencionista (4): o objeto é a reação

(35)

evitar a estigmatização e conta com pessoal comunitário com finalidade integradora.

x Modelo Reparador/Responsabilizante (5): o objeto é o dano, sendo o

delito expressão de conflito. A intervenção consiste em reparar o dano, por meio de mediadores, que têm como finalidade responsabilizar o adolescente.

No plano teórico, Fajardo identifica ambigüidades no texto do ECA, onde se pode notar elementos dos modelos do bem-estar/educativo (1) e protetor (2). O texto parte do delito (2), mas tem como objeto de intervenção a criança, o adolescente e a família (1) e como meio e fim a educação (1). O pessoal pode ser psicoeducativo (1), psicossocial (2), judicial (3) ou ainda comunitário (4) ± este último voltado principalmente para medidas de proteção.

Já no plano das práticas, as medidas socioeducativas fazem convergir elementos dos modelos protetor (2) e de justiça (3). O objeto de intervenção é o adolescente (2), sendo o delito uma expressão patológica (2) e, portanto, atendido/tratado (2) por equipe predominantemente psicossocial (2). Mas a intervenção costuma também ser da ordem do castigo-repressão (3), inclusive por incorporar no quadro de pessoal agentes de segurança. Desse modo, a finalidade é moralizante/protetora (2), mas visa também o respeito à lei e à ordem (3).

Fajardo (2004) supõe que as ambigüidades do campo das práticas podem decorrer da indefinição teórica e da remanescência do modelo adotado pelo Código de 1979. A intervenção tende a evitar a estigmatização (4) com finalidade integradora (4), enfatizada no plano teórico pela importância da comunidade (4). Curioso é notar que no modelo socioeducativo não aparecem elementos do sistema reparador/responsabilizante (5), estando mais presente em práticas pioneiras como a Justiça Restaurativa3. Em sua análise, Fajardo considera que a sociedade brasileira normatizou o que aspira, mas mantém institucionalizado o que representa em relação à segurança e à infância em perigo ou perigosa.

(36)

A ambigüidade sobre o caráter pedagógico-penal das medidas socioeducativas permanece no texto e nas intervenções não somente a nível nacional, uma vez que representam dificuldades levantadas pelo contexto internacional de debate sobre a infância e adolescência infratoras. Enquanto tal debate, de caráter internacional, não se resolve, alguns riscos podem ser levantados. Em primeiro lugar, há o risco de o protecionismo com ênfase terapêutica reforçar a estigmatização do adolescente autor de ato infracional. Além disso, há também o risco do educativismo reforçar a falácia retórica do ECA. Por fim, há risco de uma visão penalista estreita de justiça juvenil acabar por restringir possibilidades de resolução de conflitos com as normas desde fora do sistema de judicial.

Fajardo argumenta que o que acaba por ocorrer, devido às ambigüidades expostas, é que as sentenças baseiam-se nos antecedentes criminais, ao invés de serem negociadas junto com os adolescentes no sentido de buscar sua responsabilização, como anteriormente discutido. Além disso, a duração das medidas socioeducativas torna-se indeterminada, permitindo que os agentes de execução a determinem segundo critérios próprios, por vezes moralizantes e/ou punitivos, uma vez que os laudos técnicos passam a ser baseados mais no comportamento do que nos objetivos definidos. Para Fajardo (2004), o conteúdo das medidas pode passar também por processos de medicalização ou psicologização, onde o adolescente infrator passa a ser vitimizado. Em todo caso, observa-se uma desilusão sobre a eficácia instrumental da norma ± o que constitui espaço aberto para o retorno dos modelos superados.

IV ± O Sistema Nacional de Atendimento Sócio-educativo em questão:

reafirmação da natureza pedagógica das medidas socioeducativas?

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Adolescente [FONACRIAD] realizaram encontros estaduais, regionais e um nacional com juízes, promotores de justiça, conselheiros de direitos, técnicos e gestores de

HQWLGDGHVHRXSURJUDPDVGHDWHQGLPHQWRSDUD³GHEDWHUHDYDOLDUFRPRVRSHUDGRUHV

do SGD [Sistema de Garantia de Direitos] a proposta de lei de execução de medidas socioeducativas da ABMP, bem como a prática pedagógica desenvolvida nas Unidades socioeducativas, com vistas a subsidiar o CONANDA na elaboração de

SDUkPHWURVHGLUHWUL]HVSDUDDH[HFXomRGDVPHGLGDVVRFLRHGXFDWLYDV´SPDCA et al, 2006, p. 15).

(VVH FRQMXQWR GH DWRUHV HODERUDUDP XP ³JXLD´ SDUD D LPSOHPHQWDomR GDV

medidas socioeducativas sustentado nos princípios dos Direitos Humanos, de acordo com documentos internacionais, com o propósito de reafirmar a natureza pedagógica das medidas socioHGXFDWLYDVH³FRQVWLWXLUSDUkPHWURVPDLVREMHWLYRVHSURFHGLPHQWRV PDLVMXVWRVTXHHYLWHPDGLVFULFLRQDULHGDGH´SPDCA et al, 2006, p. 13).

Segundo o documento, o adolescente deve ser alvo de um conjunto de ações que contribua em sua formação

de modo que venha a ser um cidadão autônomo e solidário, capaz de se relacionar melhor consigo mesmo, com os outros e com tudo que integra a sua circunstância e sem reincidir na prática de atos infracionais. Ele deve desenvolver a capacidade de tomar decisões fundamentadas, com critérios para avaliar situações relacionadas ao interesse próprio e ao bem-comum, aprendendo com a experiência acumulada individual e social, potencializando sua competência pessoal, relacional, cognitiva e produtiva. (...) Os programas devem propiciar ao adolescente o acesso aos direitos e às oportunidades de superação de sua situação de exclusão, de ressignificação de valores, bem como o acesso à formação de valores para a participação na vida social, uma vez que as medidas socioeducativas possuem uma dimensão jurídico-sancionatória e

uma dimensão substancial ético-pedagógica (SPDCA et al, 2006, p. 51).

(38)

esse documento pretende reafirmar a natureza pedagógica das medidas. Na dimensão

MXUtGLFDSRUH[HPSOR6SRVDWRVXVWHQWDTXH³DVXSHUDomRGDOyJLFDWXWHODUH

da ideologia do tratamento somente será alcançada de forma substancial quando o

UHFRQKHFLPHQWRGDQDWXUH]DSHQDOGDVPHGLGDV IRUH[SOLFLWDGR´S 'HDFRUGR

com a autora, o princípio da legalidade, consubstanciado na Constituição Federal, faz

HQWHQGHU TXH ³QmR Ki FULPH VHP OHL DQWHULRU TXH R GHILQD QHP SHQD VHP SUpYLD

cominação lHJDO´S 251), vinculando, assim, a definição de crime com a imposição de penas. O conceito de ato infracional, presente no Estatuto da Criança e do Adolescente, refere-se, justamente, à conduta descrita como crime ou como contravenção penal, ou seja, parte da mesma seleção de condutas tipificadas na definição de crime, o que torna admissível a imposição de qualquer medida restritiva de direitos com base no princípio da legalidade.

A imposição de uma medida socioeducativa não pode fundamentar-se em condições pessoais dos adolescentes, tal como a falta de respaldo familiar, a baixa escolarização, a presença de algum sofrimento psíquico, entre outras circunstâncias que não traduzem a prática de um ilícito penal, e que denotam, sobretudo, a ausência de uma política de atenção à adolescência e juventude em suas necessidades (Sposato, 2006, p. 253).

Partindo desse princípio, a autora afirma que as medidas socioeducativas e sua execução não estão dissociadas da política criminal, constituindo um sistema formalizado de controle penal sobre a adolescência (Sposato, 2006). No SINASE (SPDCA et al, 2006), o princípio da legalidade é reconhecido no item seis (Legalidade) do capítulo três (Princípios e marco legal do sistema de atendimento socioeducativo), em que se retoma o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal:

³QLQJXpPVHUiREULJDGRDID]HURXGHL[DUGHID]HUDOJXPDFRLVDVHQmRHPYLUWXGHGD OHL´SPDCA et al, 2006, p.28).

(39)

constitui-se como uma política pública que visa coadunar responsabilização e satisfação de direitos, organizando-se a partir dos princípios da incompletude institucional e da intersetorialidade para se articular com a rede de serviços de um território.

Lembrando o argumento de Fajardo (2004), a Doutrina da Proteção Integral não é clara quanto ao seu método de intervenção, mesclando intervenções de cunho penal e promocional e podendo, por um lado, reduzir a estigmatização da noção de criança / adolescente desamparado ± por reconhecê-los como sujeitos de direitos ±, e por outro, possibilitar ou justificar um intervencionismo ampliado. Nesse sentido, há de se manter a questão e avaliar se, na prática, o serviço consegue se articular em rede e se os efeitos dessa articulação não respondem à lógica da segurança, sustentada pela representação da criança / adolescente perigoso ± como problematizado pela autora na ambigüidade referente à finalidade da lei.

No SINASE (SPDCA et al, 2006), encontra-se firmada a prevalência da ação socioeducativa sobre os aspectos meramente sancionatórios (item 1 das diretrizes pedagógicas do atendimento socioeducativo, capítulo 6 ± Parâmetros da gestão pedagógica no atendimento socioeducativo), condicionando a execução das medidas à garantia de direitos. A indicação de desenvolvimento de ações educativas que visem à formação da cidadania está pautada em uma perspectiva ético-pedagógica, cujos parâmetros se organizam em eixos estratégicos (Suporte institucional e pedagógico; Diversidade étnico-racial, de gênero e de orientação sexual; Cultura, esporte e lazer; Saúde; Educação; Profissionalização / trabalho / previdência; Família e comunidade; Segurança). Estes parâmetros descrevem ações específicas para cada eixo estratégico, no sentido de promover a garantia dessas dimensões de direitos.

(40)

que procurem romper com a cultura da institucionalização, preservando os vínculos familiares e comunitários.

Uma análise crítica que se proponha refletir sobre as intervenções socioeducativas elaboradas para adolescentes autores de ato infracional deve partir, também, de uma compreensão acerca do contexto em que o serviço que as implementa está inserido, no sentido de problematizar as implicações da relação deste serviço com a rede de assistência social e com as comunidades que configuram seu entorno. Partiremos, portanto, para uma descrição acerca das relações institucionais, explicitando e discutindo onde o serviço está referenciado na rede de instituições públicas.

V ± O serviço de medida socioeducativa em meio aberto e sua relação

institucional com a rede de assistência pública voltada à criança e ao adolescente

As medidas socioeducativas de Liberdade Assistida e prestação de serviço à comunidade são executadas, no município de São Paulo, pelos Serviços de Medida Socioeducativa em Meio Aberto [MSEMA], a partir de convênio firmado entre uma Organização Não Governamental [ONG] e Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social do Município de São Paulo [SMADS], por meio da Coordenadoria Geral da Assistência Social [COGEAS]. O serviço de MSEMA foco dessa pesquisa é gerido por uma ONG localizada na capital. Cada região tem sua Coordenadoria de Assistência Social [CAS] e os Centros de Referência Especializados em Assistência Social [CREAS], aos quais os serviços de MSEMA referenciam-se4. Sendo assim, o serviço de MSEMA responde à CAS e ao CREAS de sua subprefeitura.

As medidas socioeducativas fazem parte do quadro de serviços sócio-assistenciais previstos pela Política Nacional de Assistência Social [PNAS] (MDSCF & SNAS, 2004). Essa política, aprovada em 2004, consolida princípios, diretrizes,

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Figura 1: Quadro geral de atividades propostas para o acompanhamento dos jovens  (SMADS, 2010)
Gráfico 1: Número de adolescentes por medida socioeducativa
Gráfico 4: Número de adolescentes atendidos por grau de escolaridade
Gráfico 6: Número de adolescentes atendidos por situação em relação à medida  Tomando  como  parâmetro  o  relatório  1,  por  conter  um  registro  maior  de  adolescentes inscritos, aproximadamente 14% dos adolescentes têm idade de doze a  quatorze  anos
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Referências

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