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Gestão das condutas e normalização

Neste capítulo, de caráter teórico-conceitual, pretendemos apresentar algumas noções que possam nos auxiliar em nossa tarefa de compreender criticamente o processo histórico de constituição da engrenagem jurídica voltada para a figura do adolescente infrator, processo este que envolveu a imbricação de saberes e práticas em torno desta figura, tornada cada vez cotidiana e dispersa na sociedade, para quem é destinada uma série de instituições. Em um primeiro momento, partiremos das reflexões realizadas por Foucault acerca do domínio da anormalidade pelas práticas judiciárias e psiquiátricas, a partir da leitura do curso ministrado por Foucault no Collége de France em 1974-1975 ± ³2V DQRUPDLV´ (2001), DOpP GRV OLYURV ³$V verdades e aV IRUPDV MXUtGLFDV´  , publicado em 1973, H ³9LJLDU H SXQLU´ (1987), publicado em 1975.

$ILJXUDFHQWUDOQHVVDGLVFXVVmRpR³DQRUPDO´ HVHXFRQWH[WRGHHPHUJrQFLD são os tribunais da década de 1950, na França, onde a loucura e o crime fizeram engrenar esses dois domínios. O aspecto importante que deve ser destacado nessa discussão é a construção da noção de periculosidade: um indivíduo considerado perigoso à sociedade passou a exigir uma série de mecanismos de controle e punição, que na sociedade disciplinar, tinha em seu corpo o alvo das intervenções. A noção de periculosidade foi central para a imbricação dos domínios da medicina e da justiça, que a partir de então forjaram novas formas de intervenção. O objetivo aqui é discutir como os mecanismos de normalização relacionam-se aos modos como, em uma determinada sociedade, são arbitrados os danos e as responsabilidades e como é estipulado o julgamento (Foucault, 2003). Neste argumento, abordaremos também os sistemas de punição e os dispositivos de vigilância e controle desenvolvidos a partir da sociedade disciplinar.

Essa discussão, que parte da cotidianização da figura do anormal, tentará relacionar este processo de banalização justamente ao fortalecimento das práticas punitivas e dos saberes jurídicos e psiquiátricos. Nesse movimento, abordaremos a transformação paulatina do autor do crime em delinquente e do delito em criminalidade, como parte de um movimento importante que tinha por objetivo fixar

os indivíduos em um aparelho de normalização e produção típico da sociedade disciplinar.

De modo mais abrangente, essa discussão convoca uma análise dos modos como em uma determinada sociedade os mecanismos de normalização são forjados e dos pontos de ingerência do poder na população. A partir do surgimento da medicina social, abordaremos as mutações nas tecnologias do poder, que, através de dispositivos de segurança, passaram a exercer o controle da circulação no território. Nesta discussão, nos baseamos nos cursos oferecidos por Foucault em 1975-1976 ± ³(P GHIHVD GD VRFLHGDGH´   H em 1977-1978 ± ³6HJXUDQoD WHUULWyULR H SRSXODomR´ 2008), além da conferência ministrada GD QD 8(5- HP  ³2 QDVFLPHQWRGDPHGLFLQDVRFLDO´  .

O fim de século XIX viu surgir novas medidas de gestão da vida, fundadas em governamentalidades que tinham como foco o ser humano enquanto espécie, destinando seus recursos à segurança e regulação das populações. Trataremos aqui das reflexões foucaultianas sobre a biopolítica e sua relação com o governo das condutas dos coletivos. Interessa-nos um esforço de análise crítica que nos subsidie um olhar mais acurado sobre o modo como as condutas são governadas no interior de racionalidades políticas, onde o sistema de legalidades é forjado para dar conta da regulação e gestão das populações. Aqui destaca-se a noção de criminalidade, que passa a ser abordada a partir de suas regularidades em uma população. Tentaremos compreender como a criminalidade insere-se nos jogos de interesses presentes na gestão das ilegalidades.

Por fim, cabe ainda voltarmos a nossa análise para o contexto brasileiro onde estão envolvidos adolescentes autores de ato infracional em governamentalidades próprias. Desse modo, tentaremos relacionar as reflexões foucaultianas com a realidade aqui vivenciada, retomando a discussão das medidas socioeducativas. Nesse sentido, vale nos questionarmos, por exemplo, se a noção de periculosidade serve como subsídio para suas intervenções. Nosso interesse nessa discussão é buscar aproximações com o contexto atual das políticas destinadas à juventude em conflito com a lei no contexto brasileiro. Problematizar essas políticas à luz dessas reflexões pode permitir uma análise crítica das estratégias empregadas pelas medidas

socioeducativas em seu projeto de intervenção, que como vimos, alterna práticas e intervenções fundamentadas nas ambivalências entre o caráter penal e o pedagógico.

I ± Engrenagens de saberes e práticas em torno do anormal perigoso: assujeitamentos e normalizações jurídico-psiquiátricos

Em análise sobre os discursos e práticas sociais característicos das sociedades ocidentais dos séculos XVIII e XIX, Foucault (2003) sustenta que se desenvolveram novas formas de saber-poder sobre o corpo e sobre a vida. Por meio de mecanismos disciplinares e de regulação e por meio dos saberes que os sustentam e que deles emergem, produziram-se diferentes modos de objetivação e subjetivação constituintes do indivíduo moderno. Dentre os discursos e as práticas sociais comuns às sociedades ocidentais, Foucault (2001) entende que os de origem jurídica e médica são os mais importantes na análise histórica sobre a constituição do individuo moderno.

Um acontecimento importante que transformou o modo de a justiça operar no século XIX foi a articulação ou o entrelaçamento dos domínios da justiça e da psiquiatria entorno da noção de anomalia. Em sua tarefa de construir uma genealogia do anormal, Foucault (2001) apresenta três figuras constitutivas da anormalidade: o monstro humano, o desviante sexual e o individuo a ser corrigido. Segundo Foucault (2001), tais figuras permaneceram distintas e separadas até o fim do século XVIII e o início do século XIX. O ponto de aparecimento do indivíduo anormal se deu quando foi estabelecida uma rede regular de saber e poder que reuniu essas três figuras de acordo com um sistema de regularidades. Vale aqui uma breve descrição desse processo de articulação de saberes e práticas em torno de tais figuras, no sentido de compreender o contexto histórico e o nascimento das práticas e saberes que giram em torno das anormalidades.

A primeira figura a quem Foucault dedica sua análise é a do monstro humano ± a princípio marcado por anomalias biológicas, mas em seguida, extendido para o FDPSRGDV³DQRPDOLDVVRFLDLV´GHWLSRPRUDO2SURFHVVRGHEDQDOL]DomRGDILJXUDdo monstro do século XVIII, para o autor, envolveu a transformação paulatina de uma monstruosidade jurídico-biológica, representada pelas anomalias biológicas, para a

monstruosidade jurídico-PRUDOQRVpFXOR;,;íIXQGDPHQWDGDQDQRomRGHGHVYLRGH comportamento, irregularidade social, conduta criminosa frente à sociedade. Tal mudança foi responsável pela ampliação da noção de monstruosidade, que passou a ser aplicada mais facilmente a diversas situações sociais, tornando-se, portanto, mais distribuída na sociedade. Nesse processo, a norma da natureza rompida pelo monstro biológico deu lugar à norma da lei, rompida pelo monstro moral.

A natureza contranatural do louco criminoso, do monstro moral, passou a ser considerada como possibilidade virtual para toda conduta, o que aproximou a monstruosidade da vida cotidiana. A justiça e a psiquiatria deveriam controlar e normalizar as irregularidades dos comportamentos sociais, o que se configurou como resultado de certa dispersão da figura do monstro na sociedade. Tal tarefa fortaleceu o princípio de inscrição das práticas jurídico-psiquiátricas no campo da proteção social, da segurança e da higiene pública.

Diante do crime monstruoso, a demonstração médica de que a loucura é perigosa passou a ser necessária, uma vez que a justiça via-se impotente em determinar a punição de um crime sem ter determinado seus motivos. É assim que a WHPiWLFD GR ³KRPHP SHULJRVR´ LQVFUHYH-se cada vez mais na prática e na teoria penal, tornando-se o principal alvo da intervenção punitiva. Para Foucault (2001), como conseqüência desse movimento, a questão da responsabilidade penal passou a referir-se à inteligibilidade do ato de referida conduta: tanto mais responsável por seu ato quanto mais ligado a este estiver por uma determinação psicológica. Tal movimento, que tende a ter como alvo de intervenção o indivíduo, também será experimentado pelas outras figuras antecedentes do anormal: o incorrigível e o onanista.

Passemos, então, para a outra figura importante na genealogia do anormal, o indivíduo a ser corrigido. Seu contexto de referência é muito mais limitado do que o do monstro moral: a família ± a família em relação com as instituições que lhe são vizinhas ou que a apoiam. É no âmbito das relações privadas que foi configurado o ponto de ingerência do poder de normalização referente ao incorrigível. Por ser mais comum que o monstro humano, apresenta um primeiro paradoxo ao poder de normalização: é regular em sua irregularidade.

O que define o indivíduo a ser corrigido, portanto, é que ele é incorrigível. E no entanto, paradoxalmente, o incorrigível, na medida em que é incorrigível, requer um certo número de intervenções específicas em torno de si, de sobreintervenções em relação às técnicas familiares e corriqueiras de educação e correção, isto é, uma nova tecnologia da reeducação, da sobrecorreção (Foucault, 2001, p.73).

Foucault comenta que, a partir da conjuração do indivíduo como objeto do saber-poder psiquiátrico-jurídico, esboça-se um eixo da corrigível incorrigibilidade, que vai servir de suporte a todas as instituições especificas para anormais que vão se desenvolver no século XIX.

Por fim, a criança masturbadora, uma figura própria do fim do século XVIII, tem seu campo de aparecimento também na família, o que exigiu uma vigilância e controle dos espaços privados a serem realizados pela família, agora aliada do sistema jurídico-correcional. Através da família, que tinha como função especificamente o controle dos quartos, das camas, dos corpos, foi possível observar uma expansão do sistema jurídico-psiquiátrico em direção ao corpo social. Nesse contexto, o onanista aparece como um indivíduo que aparentemente não apresenta QDGD H[FHSFLRQDO 7RGDYLD ³HVVH VHJUHGR TXH DR PHVPR WHPSR WRGR R PXQGR compartilha e que ninguém comunica, é colocado em sua quase-universalidade como DUDL]SRVVtYHORXPHVPRDUDL]UHDOGHTXDVHWRGRVRVPDOHVSRVVtYHLV´ )RXFDXOW 2001, p.74). No fim das contas, não haverá na patologia de fins do século XVIII praticamente nenhuma doença que, de uma maneira ou outra, não decorra dessa etiologia, isto é, da etiologia sexual.

Nesse campo de intervenções destinadas ao controle e correção dos anormais, a noção de instinto passou a ter um lugar politicamente importante ± nos conflitos, reivindicações e distribuições de poder. Como dito anteriormente, o indivíduo anormal, objeto de instituições, discursos e saberes desde o fim do século XIX, deriva ao mesmo tempo da exceção jurídico-natural do monstro, da multidão de incorrigíveis pegos nos aparelhos de disciplinamento e do universal secreto da sexualidade infantil, e passam a ser investidos por uma tecnologia que tem no instinto seu ponto de ingerência:

O instinto será é claro o grande vetor do problema da anomalia, ou ainda o operador pelo qual a monstruosidade criminal e a simples loucura patológica vão encontrar seu princípio de coordenação. É a partir do instinto que toda a psiquiatria do século XIX vai poder trazer às pairagens da doença e da medicina mental todos os distúrbios, todas as irregularidades, todos os grandes distúrbios e todas as pequenas irregularidades de conduta que não pertencem à loucura propriamente dita. É a partir da noção de instinto que vai poder se organizar, em torno do que era outrora o problema da loucura, toda a problemática do anormal, do anormal no nível das condutas mais elementares e mais cotidianas (Foucault, 2001, p. 165).

Com a noção de instinto, a psiquiatria e o direito sobrepuseram duas realidades normativas sob a figura do anormal, a saber, a patologia da loucura e a desordem de comportamento, configurando o campo jurídico-psiquiátrico definitivamente em sua gestão das anormalidades, das imoralidades mórbidas ou das doenças da desordem.

Neste contexto, o binômio perversão-perigo foi extremamente necessário para o fortalecimento da defesa acerca da necessidade de correção, levadas a cabo pelos saberes do direito e da psiquiatria, considerados neste registro como instâncias de determinação e controle da anormalidade a partir da transversalidade entre doença e criminalidade.

O anormal do século XIX, portanto, é um descendente dessas três figuras. O indivíduo anormal do século XIX vai ficar marcado por essa espécie de monstruosidade que se tornou cada vez menos evidente, por essa incorrigibilidade retificável e cada vez mais investida por aparelhos de retificação, por essa sexualidade doentia, a ser investigada e controlada por uma engrenagem jurídico- familiar. Muito tardiamente, sua monstruosidade, sua incorrigibilidade e sua sexualidade perversa serão foco da prática médica-judiciária, cujas instituições terão como objetivos rodeá-lo, controlá-lo.

II ± Como normalizar e disciplinar anormais, perversos e perigosos? Dos exames psiquiátricos às prisões

Em sua genealogia do anormal, Foucault (2001) identifica seu aparecimento a partir da análise dos exames psiquiátricos em matéria penal destinada a cada uma dessas três figuras. O autor sustenta que seus discursos foram investidos pelo poder conferido ao sistema judiciário e passaram a apresentar o estatuto de discursos científicos, sendo capazes de determinar, direta ou indiretamente, uma decisão de justiça. Todavia, o processo histórico de constituição de tais discursos mostrou-se alheio a todas as regras de discursos científicos e também às regras do direito.

Por serem alheios a tais regras, torna-se evidente um tipo de indignidade de poder ± tal como acontecia nos procedimentos de soberania arbitrária. Noções como ³LPDWXULGDGH SVLFROyJLFD´ ³SURIXQGR GHVHTXLOtEULR DIHWLYR´ ³SHUVRQDOLGDGH SRXFR HVWUXWXUDGD´SDVVDUDPDFRQVWDUQRVGLVFXUVRV psiquiátricos em matéria penal, o que efetivamente apresenta duas funções: a primeira, repetir tautologicamente a infração para inscrevê-la e constituí-la como traço individual; e a segunda, deslocar o nível de realidade da infração, pois o que essas condutas infringem não é a lei, mas qualificações morais e regras éticas.

O exame psiquiátrico, portanto, permite um duplo psicológico-ético do delito: deslegalizar a infração tal como é formulada pelo código, para fazer aparecer por traz dela seu duplo, fazer dela uma irregularidade em relação ao certo numero de regras que podem ser fisiológicas, psicológicas, morais:

o exame psiquiátrico permite dobrar o delito, tal como é qualificado pela lei, com toda uma série de outras coisas que não são o delito mesmo, mas uma série de comportamentos, de maneiras de ser que, bem entendido, no discurso do perito psiquiatra, são apresentadas como a causa, a origem, a motivação, o ponto de partida do delito (Foucault, 2001, p.19).

A punição, desse modo, deve recair sobre a conduta e não precisamente sobre o ato. Além disso, outra função do exame seria transferir o ponto de aplicação do castigo e dobrar o autor do crime em delinquente. Assim, o delito passa a ser visto como criminalidade. O que o juiz vai julgar e o que vai punir, o ponto sobre o qual

assentará o castigo, são precisamente essas condutas irregulares, que terão sido propostas como causas, o ponto de origem, o lugar de formação do crime, e que dele não foram mais que o duplo psicológico-moral criado pelo discurso psiquiátrico. Em última instancia, o objetivo seria mostrar como o individuo já se parecia com seu crime antes mesmo de o ter cometido.

Assim, o juiz vai impor uma série de medidas corretivas, medidas de readaptação, medidas de reinserção, tendo o psiquiatra o papel de constatar se existe no individuo anomalias mentais que podem ser relacionadas com a infração em questão. Desse modo, entramos no domínio da anomalia mental, numa relação não definida com a infração, onde uma técnica e um poder de normalização emergiram em torno deste novo objeto.

O modelo de poder que se instituiu no século XVIII, diferentemente dos modelos de poder das sociedades escravocratas, das sociedades de casta e da monarquia administrativa, caracterizadas por um modelo de poder soberano, foi um poder que representa um papel efetivamente positivo, uma vez que produz ³UHDOLGDGHV´ mediante um sistema de disciplina-normalização, cujos reflexos, sustenta Foucault, podem ser sentidos até os dias atuais. Um poder que não é de superestrutura, mas que está integrado no jogo, na distribuição, na dinâmica, na estratégia, na eficácia das forças. Um poder que é inventivo, que detém em si os princípios de transformação e de inovação. Um poder que só pode funcionar graças à formação de um saber, que é para ele tanto um efeito quanto uma condição de seu exercício.

De acordo com Foucault (2001), a punição passou a contar com um conjunto de procedimentos destinados à modificação dos infratores, o que implicou uma mudança importante no alvo do poder, que passou a agir não mais somente sobre o crime, mas sobre tudo aquilo que poderia estar implicado na conjuração do infrator em criminoso: seus motivos, suas tendências, seus instintos. Desenvolveu-se toda uma técnica de controle e de transformação dos indivíduos, em um processo que se traduz por um movimento de normalização.

Nesse sentido, de acordo com Foucault (2001), a intervenção da medicina mental na instituição penal, a partir do século XIX, foi conseqüência do

funcionamento da medicina como higiene pública e do funcionamento da punição legal como técnica de modificação individual, ambas ligadas à transformação do mecanismo de poder através do qual se tentou controlar o corpo social nas sociedades de tipo industrial. As mudanças nos códigos legais refletem esse movimento de transformação do objeto de intervenção a ser investido pelo sistema jurídico e psiquiátrico.

Tomando como exemplo o contexto da França revolucionária, Foucault (2003) analisa a reelaboração do código penal que teve como base três princípios fundamentais: o crime não tem mais relação com a falta moral ou religiosa; é considerado uma ruptura com a lei; é um dano social, uma vez que a lei representa o que é útil para a sociedade. Desse modo, o criminoso passou a ser considerado um inimigo social interno e a lei penal deveria, portanto, impedir ou reparar os males cometidos contra o corpo social, aplicando um dos quatro tipos de punição: deportação, vergonha e humilhação, trabalho forçado e talião (³olho por olho, dente por dente´).

Embora os projetos e decretos tenham sido aprovados pelas Assembléias no momento da Restauração na França e da Santa Aliança na Europa, Foucault (2003) REVHUYDTXH³RVLVWHPDGHSHQDOLGDGHVDGRWDGRSHODVVRFLHGDGHVLQGXVWULDLVHPYLDV de formação, (...) foi inteiramente diferente do que tinha sido projetado alguns anos DQWHV´ S 1HVVHFRQWH[WRDOHJLVODomRSHQDOVRIUHXXPDLQIOH[mRFRPUHODomRDR que desenhava na teoria: se desviou da utilidade social e passou a se preocupar com o ajustamento do indivíduo. AUJXPHQWD)RXFDXOW  ³WRGDDSHQDOLGDGHGRVpFXOR XIX passa a ser um controle, não tanto sobre se o que fizeram os indivíduos está em conformidade ou não com a lei, mas ao nível do que podem fazer, do que são capazes GHID]HU´ S 

A partir da noção de periculosidade, a sociedade deslocou o olhar dos atos para o que representam as virtualidades dos comportamentos individuais. O controle do comportamento passou a não estar mais apenas no poder judiciário, mas em toda uma série de instituições, dentre elas, a polícia para a vigilância, as instituições psicológicas, psiquiátricas, criminológicas, médicas e pedagógicas para a correção. ³7RGD HVVD UHGH GH XP SRGHU TXH QmR p MXGLFLiULR GHYH GHVHPSHQKDU XPD GDV funções que a justiça se atribui neste momento: função não mais de punir as infrações

GRVLQGLYtGXRVPDVGHFRUULJLUVXDVYLUWXDOLGDGHV´ )RXFDXOW3, p. 86). É nesse contexto, início do século XIX, que aparece, quase sem justificação teórica, outro tipo de punição: a prisão. O modelo de isolamento, vigilância e punição concretizado na prisão passou a ser central nos modos como as sociedades passaram, a partir de então, a lidar com todos aqueles que não são bem-vindos internamente. Suas ressonâncias ainda estão presentes nos dias atuais, pois se espalharam por todas as sociedades em que o controle e o disciplinamento social se fizeram úteis ao seu funcionamento.

Foucault (1987), em análise sobre o deslocamento e o desenvolvimento de práticas punitivas e criminológicas, compreende que

a passagem de uma criminalidade de sangue para uma criminalidade de fraude faz parte de todo um mecanismo complexo, onde figuram o desenvolvimento da produção, o