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Repositório Institucional UFC: Limitação territorial da coisa julgada na ação civil pública

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

BRÁULIO GOMES MENDES DINIZ

LIMITAÇÃO TERRITORIAL DA COISA JULGADA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

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BRÁULIO GOMES MENDES DINIZ

LIMITAÇÃO TERRITORIAL DA COISA JULGADA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Sheila Pitombeira

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BRÁULIO GOMES MENDES DINIZ

LIMITAÇÃO TERRITORIAL DA COISA JULGADA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Sheila Pitombeira

Aprovada em ___/___/_____

BANCA EXAMINDORA

Profa. Mestre Sheila Cavalcante Pitombeira (Orientadora) Universidade Federal do Ceará - UFC

Prof. Marcos José Nogueira de Souza Filho Universidade Federal do Ceará - UFC

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, a Deus, por permitir uma harmonia tal, que fosse possível concluir esta monografia.

Ao Prof. Flávio Gonçalves, que, mesmo na ausência de uma cadeira de Metodologia Científica na grade curricular desta Faculdade, disponibilizou-se a, no decorrer de um semestre, ensinar-nos a fazer um Projeto de Monografia e a elaborá-la, no método por ele mesmo definido de “aprenda fazendo”.

À Profa. Sheila, por aceitar ser minha orientadora durante esta caminhada, mesmo ciente do pouco tempo de que dispúnhamos para conclusão do trabalho e da pouca estrutura da nossa Faculdade, cuja biblioteca, já deficiente, permaneceu fechada no decorrer do semestre, dificultando o acesso a fontes.

Ao Prof. Marcos José e à Bela. Ticiana Pinheiro, por aceitarem, de pronto, participar da banca examinadora.

A Flávia, pela paciência e atenção na coleta das fontes bibliográficas.

A Clícea, pelas sugestões na redação do texto e, principalmente, pela companhia.

A Paulo André, futuro acadêmico de Direito desta Faculdade, pelo tempo gasto em tentar recuperar os dados da monografia temporariamente perdidos.

A João Marcelo, pela prestatividade em traduzir o resumo desta monografia para língua estrangeira por mim não dominada.

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“De que valem as leis, onde falta nos homens o sentimento de justiça?”

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RESUMO

A intenção é mostrar a incoerência da limitação territorial da coisa julgada na ação civil pública, a partir de um estudo doutrinário do processo coletivo. Inicialmente, faz-se um histórico dos direitos coletivos, apresentando-se a influência das doutrinas norte-americana e italiana no sistema brasileiro dos direitos transindivisuais. Depois, analisa-se, brevemente a questão da jurisdição e competência, relacionando seus conceitos com a temática do processo coletivo. Por fim, mostra-se o tratamento brasileiro da coisa julgada nas ações coletivas e, mais especificamente, do problema em limitar territorialmente o comando da sentença coletiva.

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ABSTRACTS

The scope is to show the incoherence that exists on the limits set for the judged case in the public civil action, by using a doutrinary study of the collective process. At first, a detailed historical report on collective rights is made, then the influences brought by north american and italian doctrines are presented, as they can be noticed on the brazilian system, focused on (trans) individual rights. Then a brief analysis is made about the themes of jurisdiction and competence, linking their concepts with the subject of collective process. Finally, the brazilian treatment given to the judged case in the collective actions is shown and, more specifically, the problem seen on setting territorial limits for the charge of the collective sentence.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 9

2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA... 12

2.1 EVIDENCIAÇÃO DOS DIREITOS COLETIVOS... 12

2.2 INFLUÊNCIAS DAS DOUTRINAS NORTE-AMERICANA E ITALIANA... 17

2.3 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO BRASIL... 23

3 JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA... 36

3.1JURISDIÇÃO... 36

3.2 COMPETÊNCIA... 39

3.3 COMPETÊNCIA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA... 43

4 COISA JULGADA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA... 46

4.1 COISA JULGADA... 47

4.2 COISA JULGADA NO PROCESSO COLETIVO... 49

4.3 LIMITAÇÃO TERRITORIAL DA COISA JULGADA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA... 57

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 65

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1 INTRODUÇÃO

A tutela coletiva de interesses é fenômeno recente na Ciência do Direito. É peculiar a esse ramo das Ciências Humanas andar a reboque das transformações sociais, sendo impossível antevê-las e regulamentá-las de antemão. Não foi diferente em relação à disciplina dos direitos transindividuais.

Postos em relevância com o advento da Revolução Industrial, os direitos de grupo, que transcendem a esfera do indivíduo, necessitaram ser estudados e sistematizados. Depois de reconhecidos e incorporados às Cartas Constitucionais de diversos países, os direitos transindivuais precisavam, a partir de então, de instrumentos processuais para sua tutela em juízo.

Então, os doutrinadores italianos da década de 70 preocuparam-se em “inventar” um processo coletivo que se adequasse ao sistema processual individualista até então vigente e que gerasse uma melhor tutela jurídica dos interesses transindividuais. Para isso, foi necessário enfrentar uma série de dificuldades operacionais para que se instituísse a defesa judicial desses direitos, embora recentes, tão relevantes numa sociedade cujos valores pautam-se na democracia e na solidariedade.

A partir dos estudos dos italianos e de fundamentos aproveitados das class actions do direito anglo-saxão, o processo coletivo ganhava força no Brasil, embalado pelo movimento de redemocratização dos anos 80. Na reabertura política, esses novos meios de atuação coletiva em juízo na defesa de direitos indivisíveis, atinentes a toda uma comunidade, revelavam mais uma forma de participação do povo no poder.

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8.078/90), um diploma utilizando-se do outro, complementando-se reciprocamente em matéria de defesa judicial dos interesses transindividuais.

A publicação dessas duas Leis e o fortalecimento do Ministério Público, ante o advento da Constituição de 1988, contribuíram para a ação civil pública mostrar-se um dos institutos mais utilizados e mais eficazes para a tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. A Carta de 1988 mais solidificou a ação, ampliando a legitimação para propô-la.

Apesar de ganhar forças, o processo coletivo, ao influenciar nas decisões do governo e, por vezes, ao mostrar certa incompatibilidade com sistema processual individualista então vigente no Brasil, começou a sofrer constantes modificações com a finalidade de diminuir a eficácia das ações coletivas. Utilizando-se, principalmente, de medidas provisórias, o legislador-governante tentou diminuir a eficácia da coisa julgada coletiva, que, assim como os interesses defendidos, também transcendem a esfera dos participantes da relação jurídica processual, estendendo-se a uma gama indeterminada de pessoas.

Numa dessas tentativas, editou-se a Medida Provisória 1.570/97, que limitou os efeitos da coisa julgada erga omnes aos limites da competência territorial do órgão prolator da sentença. A Medida Provisória, após sucessivas reedições, foi convertida na Lei 9.494/97, que incorporou a limitação ao texto do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública.

É sobre essa limitação, suas razões e conseqüências, que se vai discorrer adiante. Porém, não se pode entrar no tema, sem antes compreender a lógica do processo coletivo, o que só é possível a partir de um estudo histórico.

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digressões sobre institutos processuais utilizados pela norma, como jurisdição, competência e coisa julgada.

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2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Antes de tratar da ação civil pública no Direito brasileiro, é necessário que se diga como surgiram as discussões a respeito dos direitos transindividuais e da tutela judicial dos mesmos.

No presente tópico, será feito um breve intróito, em que serão apresentadas essas origens. Em seguida, analisar-se-ão a normatização da ação civil pública no Brasil e, por fim, os interesses que ensejam sua propositura, aproveitando para pincelar a questão da legitimidade.

2.1 EVIDENCIAÇÃO1 DOS DIREITOS COLETIVOS

A Revolução Industrial foi um marco no estudo das ações coletivas, quando se deu o nascimento da chamada sociedade de massas. Eclodiu, portanto, um paradigma na oposição rígida entre Estado, de um lado, e indivíduo, do outro. Através da organização das classes e categorias, surgiram os chamados grupos intermediários. Com base nas transformações sociais advindas da Revolução, começou-se a criticar, por volta de 1970, a rígida distinção que se fazia entre direitos públicos e privados. Inicialmente porque, na primeira categoria (direitos públicos), estavam sendo inseridos, indevidamente, alguns direitos que nada tinham a ver com os interesses primários do Estado, como os direitos sociais, os individuais indisponíveis e os atinentes a determinado grupo; depois, porque se percebeu que, entre essas duas espécies, havia uma categoria de direitos intermediária, que não se confundiam nem com os direitos públicos - eminentemente estatais - nem com os

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direitos privados, dos indivíduos. Essa nova categoria de direitos englobaria os chamados direitos coletivos, atinentes a um grupo indeterminado de pessoas ou à sociedade como um todo – aproximando-se, neste último caso, dos direitos públicos. Foram esses os direitos que ganharam destaque com as transformações sociais promovidas pela Revolução Industrial e, por isso, precisavam ser estudados e sistematizados.

No sistema do common law, as ações em defesa dos interesses transindiviuais não são tão recentes, como assevera Hugo Mazzilli:

Não é de hoje que o Direito se tem preocupado com a solução judicial de problema de grupos, classes ou categorias de pessoas. As ações de classe do direito norte-americano (class acions) têm raízes nas cortes medievais inglesas.2

Politicamente, vários fatores também contribuíram para o florescimento do estudo dos direitos coletivos. O surgimento das modernas democracias, no sentido de governo do povo, pelo povo e para o povo, dado por Abraham Lincoln, estimulou bastante o desenvolvimento do estudo das ações coletivas. A evolução do Estado de Direito, desaguando no atual Estado Democrático de Direito, junto com o reconhecimento de direitos fundamentais de terceira geração (da solidariedade), também foi um quesito importante para o nascimento e desenvolvimento da doutrina dos direitos coletivos. O aparecimento da idéia de democracia participativa (ou semidireta), incorporando instrumentos de participação direta do povo no poder às democracias indiretas – representativas –, mostrou mais ainda a necessidade do estudo das ações coletivas, uma vez que viriam elas a ser um desses instrumentos de participação direta da sociedade no poder.

Seria equívoco dizer que a ação coletiva não é forma de participação direta do povo no governo, sob a alegação de que o legitimado não é o cidadão em si, mas sim um

2 MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor,

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grupo de pessoas ou um órgão. É pertinente, aqui, a explicação de José Afonso da Silva3, segundo o qual a idéia de participação não se restringe à individualista e isolada do eleitor, no momento da eleição, mas também àquela participação coletiva organizada. O constitucionalista arrola, dentre os instrumentos da democracia participativa brasileira, o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular e a ação popular. Ao inserir esta última no rol, não seria errado supor que o jurista também vê a ação civil pública como forma de participação, dada a semelhança entre os dois institutos quanto aos interesses tutelados.4

Ronaldo Cunha Campos5 trata bem da questão da ação civil pública como forma de participação do povo no poder, seja influindo na direção do Estado seja controlando sua atividade. O jurista vê, no instituto da participação, uma forma de superar o mecanismo da representação. A ação civil pública, contudo, só seria forma de participação se estivesse tutelando os interesses sociais, não os particulares. Por fim, adapta para o terreno da ação civil pública a lição de que a finalidade última do processo é a paz social, dizendo que “a participação, a implicar tutela de interesses da sociedade [...], apresenta esta origem, a necessidade de conciliar”.6

Não só a influência nas decisões do governo, mas também o controle da atividade administrativa revelariam o viés participativo da ação civil pública, aspecto que se mais evidencia atualmente. Não é à toa que os administrativistas brasileiros colocam a ação civil pública como um dos meios de controle judicial da Administração Pública.7

3SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 141-142.

4 Sobre a ação civil pública como forma de participação, cf. FACCHINI, Nicole Mazzoleni; SANTIN, Janaína Rigo. A democracia participativa através do Poder Judiciário: um estudo sobre ação popular e ação civil pública. Justiça do Direito, Passo Fundo, v. 18, n. 1, p. 157-179, 2004 e PINHEIRO, Joriza Magalhães. Ação civil pública como instrumento de participação. Themis: revista da ESMEC/ Escola Superior da

Magistratura do Estado do Ceará, Fortaleza, v. 4, n. 1, p. 197-205, jan./jun. 2006. 5 CAMPOS, Ronaldo Cunha. Ação Civil Pública. Rio de Janeiro: Aide, 1989. 6

Id., ibid. p. 20.

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Enfim, há de se reconhecer vários fatores sócio-políticos que contribuíram para o surgimento das ações coletivas e, mais especificamente, da ação civil pública tal qual se conhece hoje: sociologicamente, a Revolução Industrial, fazendo nascer a sociedade de massas, de grupos; juridicamente, o reconhecimento doutrinário, relativamente recente, de uma categoria intermediária de direitos - os coletivos ou sociais - colocada entre a clássica distinção de direitos públicos e privados; politicamente, em primeiro lugar, o surgimento das modernas democracias, com a necessidade de participação do povo nas decisões do governo. Conclui-se, pois, que o estudo da ação civil pública desenvolveu-se da necessidade da defesa dos direitos transindividuais em juízo e da participação do povo nos governos democráricos.

O tema dos interesses difusos no Direito Processual é ainda mais recente, sendo colocado, numa classificação metodológica, como uma das ondas renovatórias da “fase instrumentalista” pela qual passa a ciência processual atualmente.8

Embora a preocupação com esses direitos, como foi dito acima, remonte à época da Inglaterra medieval, os interesses coletivos, nos moldes em que são conhecidos hoje, começaram a ser estudados na Itália, na década de 70, por doutrinadores como Vittorio Denti, Mauro Cappelletti, Vicenzo Vigoritti, Nicolò Trocker, dentre outros. Antecipando o Congresso de Pavia, realizado em 1974, esses estudiosos já discutiam o que caracterizaria esses direitos coletivos para efeitos da sua defesa judicial.

Eduardo Grasso dizia ser o fator indivisibilidade que caracteriza o interesse coletivo. Já Denti diferenciava os interesses da sociedade, de maior abrangência, posto que diziam respeito a todo o povo do Estado, dos interesses gerais, que seriam próprios de alguns segmentos da sociedade. Carnelutti, associando interesse a necessidade, distinguia os interesses gerais dos coletivos e difusos. Os interesses gerais seriam um tanto quanto indeterminados, posto que se relacionavam com necessidades gerais, como saúde,

8 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

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alimentação, moradia etc. Já os coletivos diziam respeito a um determinado grupo de sujeitos, sendo os difusos aqueles relacionados às necessidades de grupos dificilmente identificáveis. Nota-se, na classificação de Carnelutti, um início de semelhança com a classificação brasileira dos direitos coletivos.

Vigoritti distinguia os direitos coletivos dos difusos só quanto ao grau de organização dos sujeitos, dizendo terem eles o mesmo conteúdo. Enquanto os interesses coletivos são dotados de maior organização e, por isso, mais determinável é o grupo, os difusos são totalmente carentes dessa organização. Para ele, operar-se-ia uma evolução dos interesses difusos para os coletivos à medida que o grupo fosse organizando-se socialmente. Outra espécie de direitos coletivos demonstrada pelo italiano, que são aqueles identificáveis individualmente, mas que, juntos, adquirem o status de coletivos, pela maior probabilidade de efetividade judicial, caso sejam pleiteados conjuntamente. É, claramente, a origem dos atuais direitos individuais homogêneos.

Naquele primeiro caminhar dos doutrinadores italianos, já se via certa tendência em definir os direitos coletivos como sendo aqueles de um grupo, determinado ou indeterminado, cujos componentes têm maior ou menor organização. Já se mostrava também esse grupo deveria estar ligado por algum vínculo, algo em comum.

Numa conceituação moderna, tem-se que

[...] os interesses sociais são comuns a um conjunto de pessoas, e somente a estas. Interesses espalhados e informais à tutela de necessidades coletivas, sinteticamente referíveis à qualidade de vida. Interesses de massa e que colocam em contraste grupos, categorias, classes de pessoas. Não mais se trata de um feixe de linhas paralelas, mas de um leque de linhas que convergem para um objeto comum, indivisível.9

9GRNOVER, Ada Pellegrini apud WATANABE, Kazuo et. al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor:

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No Brasil, a atual sistematização da matéria permite o reconhecimento de três categorias de direitos coletivos (lato sensu): os difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos. Serão eles estudados e diferenciados no momento oportuno.

O reconhecimento desses direitos e a sua posterior definição conduziram à natural discussão de como deveriam ser defendidos em juízo, já que não se poderia dar tratamento igual à tutela de direitos individuais. No sub-tópico seguinte, será feito um breve apanhado de como as doutrinas norte-americana e italiana trataram o problema, uma vez que influenciaram bastante o sistema brasileiro.

2.2 INFLUÊNCIAS DAS DOUTRINAS NORTE-AMERICANA E ITALIANA

Como a ação civil pública brasileira utilizou-se muito dos estudos dos italianos da década de 70, assim como do tratamento que o common law dá à tutela dos direitos coletivos, é necessário fazer uma apresentação sucinta dessas doutrinas para melhor compreensão da matéria.

São dois os problemas que surgem quando se fala em tutela judicial de direitos coletivos em oposição à defesa de direitos individuais: um a se apresentar no início da lide e outro ao final. Ou seja, os problemas da legitimidade para propositura da ação e dos efeitos da coisa julgada.

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sobre o tema da legitimidade, que serve também para distinguir a ordem jurídica norte-americana da italiana.

Por isso, Ronaldo Cunha Campos10 apresenta quatro teses que tentam solucionar diferentemente o problema da legitimação. As soluções seriam as seguintes: a) as associações civis seriam as legitimadas; b) um ou mais componentes do grupo poderiam pleitear em juízo os direitos da classe; c) a legitimidade seria exclusiva do Ministério Público e d) há indiferença legislativa quanto à tutela de interesses coletivos. A primeira solução seria a adotada na Itália. A segunda é própria do common law. A terceira seria a dos países com tendências mais fortes ao socialismo.

Posto isso, vê-se que, no Brasil, onde a legitimidade é distribuída entre associações, Ministério Público e alguns órgãos da Administração Pública, aproveitou-se muito desses sistemas alienígenas.

Mais adiante, o jurista mineiro aborda com mais vagar o sistema em que as associações são as legitimadas, categoria na qual inclui, além da Itália, países como a Holanda e a Alemanha. Depois, fala da doutrina dos países em que o indivíduo é o agente do interesse coletivo, grupo em que inclui a Inglaterra e os EUA11.

Como foi visto acima, a doutrina italiana separa os interesses coletivos dos gerais e os coletivos (stricto sensu) dos difusos.

Cappelletti levanta, em princípio, o problema da legitimidade, principalmente nos interesses difusos, em que o grupo seria bastante indeterminado. Diz ser necessária a união entre a iniciativa privada e a pública na defesa dos interesses coletivos e vê problemas em o Ministério Público ser o único legitimado. O doutrinador italiano aponta, ainda, a necessidade de o juiz ter a liberdade de decidir sobre a idoneidade, ou não, da representação do grupo. Destarte, afirma que o problema da coisa julgada está intrinsecamente ligado ao da

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legitimidade, pelo que, um grupo mal representado não pode sofrer as conseqüências de uma sentença desfavorável. Essa idéia do pluralismo na representação, defendida por Cappelletti, em que se uniriam associações civis, o Estado e o Ministério Público na defesa dos direitos coletivos, teve bastante influência no Brasil, que adotou também o sistema de legitimidade plural.

Já para Vigoritti, o problema está nos direitos coletivos, não nos difusos, mais especificamente na organização dos membros da classe. É bom lembrar que, para ele, os direitos coletivos seriam uma evolução dos direitos difusos, em que o grupo, inicialmente desorganizado, alcançou um grau tal de organização, que se permitiu ser identificado. Ressalta a necessidade de a tutela jurisdicional ser única, a fim de evitar decisões contrárias aos membros de um mesmo grupo. Se os direitos eram semelhantes, decisões contraditórias seriam um contra-senso. Quanto à legitimidade, diz ser possível uma parte do grupo representar o todo, mas seria inadmissível, como se dá nas class actions, um só indivíduo do grupo ser legitimado para pleitear em nome de toda a classe. Por fim, Vigoritti não vê o Ministério Público como órgão capaz de defender os interesses coletivos.

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Eduardo Grasso não vê a possibilidade de parte de uma classe representar o todo, posto que essa parte teria interesses próprios, individualizados, distintos dos interesses de toda a categoria. Diz o jurista que a representação teria que ser impessoal, ou seja, o ordenamento deveria criar um órgão legitimado para a defesa desses interesses, mas que não fosse titular deles. Ou seja, como o direito coletivo é um direito sem sujeito, seria o caso de entregar sua tutela a um “não sujeito”.12 Embora o doutrinador tenha feito críticas severas ao Ministério Público italiano, Ronaldo Cunha Campos acredita que foi a este órgão que Grasso confiou a defesa dos interesses coletivos.

Vistos alguns dos problemas aventados pelos italianos, que foram também discutidos no Congresso de Pavia, de 1974, convém agora apresentar a contribuição americana para a doutrina brasileira dos interesses difusos.

A grande contribuição da doutrina norte-americana dos direitos coletivos para o direito brasileiro foi a chamada class action, que atualmente tem fundamento na regra 23 das Federal Rules of Civil Procedure, de 1938, diploma equivalente ao Código de Processo Civil. Essa regra previa três tipos de class action, a depender da natureza do direito a ser tutelado. Em 1966, a Rule 23 sofreu modificações para acabar com a tripartição anterior e dar tratamento único às ações de classe norte-americanas.A reforma serviu também para melhorar a eficácia da coisa julgada erga omnes, fosse a decisão favorável ou desfavorável ao grupo, acabando com a coisa julgada secundum eventum litis. Apesar da unificação das class actions, elas continuariam a abarcar tanto a defesa dos interesses coletivos (indivisíveis), como a daqueles individuais (divisíveis), os quais os cidadãos podiam pleitear individualmente, mas que, para melhor eficácia da defesa, uniam-se em uma ação coletiva.

A definição de Ronaldo Cunha Campos dá uma idéia, ainda que genérica, do que seriam as class actions:

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Esta ação se maneja quando encontramos grande número de pessoas com igual interesse e mais, são tão numerosas que juntá-las em um só processo (ou formar infindáveis processos) é impraticável. Um, ou mais litigantes, revelando este interesse comum ao grande grupo, representará a todos no processo. Acrescente-se, e isto é relevante, que a decisão judicial obrigará a todos.13

A regra 23 das Federal Rules norte-americanas fixam quatro pré-requisitos para a admissibilidade de uma class action. A regra, embora dê tratamento único, prevê três tipos de ações de classe, tendo cada uma seu próprio requisitos. Vale lembrar que, dentre as três categorias de class actions existentes, duas delas são obrigatórias, no caso, aquelas que tratam dos interesses difusos e coletivos, por isso indivisíveis. Quando se tratar de direitos divisíveis, que possam ser tutelados individualmente, a ação coletiva não é obrigatória.

Os requisitos são os seguintes: a) classe numerosa o suficiente a ponto de impossibilitar a sua reunião; b) questões de fato ou de direito comuns à classe; c) a demanda ou a defesa do indivíduo ou grupo que representa a classe deve refletir pretensão típica da categoria representada e d) a verificação de que a classe está bem representada pelo indivíduo ou parte do grupo.

Além desses requisitos de admissibilidade, a regra 23 exige outros, relativos ao prosseguimento da ação. São três os requisitos, alternativos, a depender do tipo de interesse pleiteado: o primeiro requisito prevê a possibilidade de a tutela individual dos direitos provocar decisões contraditórias, inconsistentes, ou interferir no direito de outros membros do grupo indeterminado de pessoas; o segundo diz respeito à matéria alegada pela parte contrária, que litiga com a classe, grupo ou categoria. Se a parte adversa invoca direito aplicável a todo o grupo, a decisão aplica-se a todos. Revela-se, aqui, a disciplina dos direitos coletivos em sentido estrito, cujas pessoas do grupo são determinadas ou determináveis. O último requisito impõe que as questões comuns, de fato ou de direito, prevaleçam sobre quaisquer questões individuais e que a ação de classe seja superior, no critério eficácia, ao

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tratamento das questões individualmente. Este último requisito foi o que mais influenciou a doutrina brasileira quando possibilitou a tutela coletiva de interesses individuais homogêneos. Esses interesses, como será visto, têm natureza individual, mas sua tutela coletiva é importantíssima, dada a economia processual que proporciona e a efetividade infinitamente superior da demanda coletiva.

Cumpre observar que a presença desses três requisitos como alternativos revela a existência de três diferentes tipos de class action, apesar de a Reforma de 1966 ter tentado unificar a disciplina desse tipo de ação.

Ada Pellegrini Grinover14, uma das responsáveis pela introdução da defesa dos interesses individuais homogêneos no Direito brasileiro, analisa esses critérios da prevalência e da superioridade levando em conta as condições da ação no sistema processual brasileiro, o que será visto quando do estudo dos direitos individuais homogêneos.

Vale lembrar que o Brasil não incorporou as class actions em sua pureza. Para apontar uma só diferença, observe-se que, nos EUA, qualquer cidadão, litigando individualmente, pode requerer que a decisão seja aplicável a toda a categoria em que se encontra inserido, desde que atenda aos requisitos demonstrados acima. No Brasil, a legitimidade para propor ação civil pública está ou nas mãos de associações civis ou de órgãos estatais (União, Estados, Ministério Público etc.).

Ao lado das class actions, existem também as public interest actions. Estas últimas tutelam mais os interesses da sociedade, como um todo, do que os interesses individuais processualmente coletivizados. Segundo Ronaldo Cunha Campos, “uma rígida separação entre as duas espécies não se mostra aconselhável”.15 Diz o doutrinador que ambas as ações confundem-se, não havendo uma zona limítrofe distinta entre ambas. Prova a afirmativa com o exemplo de uma class action que fora interposta contra certa empresa de

14 MILARÉ, Edis (coord.). Ação Civil Pública: lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 30-39.

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táxis acusada de alterar os taxímetros, cobrando tarifas acima das legais. Julgando adequada a ação e procedente o pedido, o Tribunal determinou que se reduzisse o preço abaixo da tabela tarifária até que fosse compensado o período em que passou cobrando a mais. O benefício, no caso, foi de toda a sociedade, não só dos prejudicados.

Mesmo sendo contra uma diferenciação rígida entre class action e pubic interest action, o jurista mineiro vê, nessa distinção, a possibilidade de identificação dos interesses a serem tutelados16 pela ação civil pública:

A natureza do interesse pode, na “class action”, ser individual e acontecer simplesmente uma soma, e esta é que dá as dimensões indispensáveis à aceitação de pretensões sob a forma de “class action”.

Já na “public interest action”, público é o próprio interesse. Dizemos público no sentido de interesse dotado de generalidade maior [...].17

O tema das influências do common law anglo-saxão no civil law brasileiro será retomado com mais especificidade no próximo sub-tópico, quando do tratamento da ação civil pública na legislação pátria.

2.3 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO BRASIL

Se o tema das ações coletivas é novo na ordem jurídica mundial, mais recente o é no Brasil.

Antes da Lei 7.347/85, denominada Lei da Ação Civil Pública, só existia um diploma legal que tratava da defesa dos interesses coletivos em juízo: a Lei da Ação Popular

16 Vale lembrar que, embora a obra citada tenha sido publicada após a edição da Lei da Ação Civil Pública, houvera sido escrita antes. Por isso, o autor já lançava fundamentos para uma futura lei que viesse a ser elaborada.

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(Lei 4.717/85), que legitimava qualquer cidadão para anular atos lesivos ao patrimônio público.18

Em 1981, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31.08.1981), deu legitimidade ao Ministério Público para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente, sem, contudo, falar em ação civil pública (art. 14, § 1º).

O termo “ação civil pública” surgiu no Brasil, em termos de legislação, na antiga Lei Orgânica do Ministério Público (Lei Complementar 40, de 14.12.1981), ainda em tempos anteriores à atual Constituição. No entanto, o diploma nada dizia além de ser função institucional do Ministério Público promover a ação civil pública, na forma da lei (art. 3º, III).

Só com a Lei 7.347/85 foi que a ação civil pública deixou de ter apenas forma e ganhou conteúdo, podendo tornar-se uma realidade e se materializar no plano prático. No dizer de Ada Pellegrini:

Mais pragmático, o Direito Processual brasileiro partiu dos exercícios teóricos da doutrina italiana dos anos 70, para construir um sistema de tutela jurisdicional dos interesses difusos que fosse imediatamente operativo.19

Antes de continuar apresentando a evolução da ação civil pública no Brasil, é necessário que se faça um breve histórico da elaboração da Lei da Ação Civil Pública, que, ao lado do Código de Defesa do Consumidor, é o diploma mais importante para o presente estudo.

Existiam dois anteprojetos de lei que tratavam da ação civil pública. O primeiro foi elaborado pelos processualistas Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe e Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, sofrendo algumas contribuições de

18 Convém lembrar que o instituto da Ação Popular, embora ainda não existisse com esse nome, já estava previsto na Constituição de 1934.

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José Carlos Barbosa Moreira. Foi apresentado à Câmara dos Deputados por Flávio Bierrenbach, pelo que ficou conhecido como Projeto Bierrenbach.

O outro anteprojeto teve origem no Ministério Público paulista, cujos membros Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Edis Milaré e Nelson Nery Júnior uniram-se para retomar as discussões do projeto dos processualistas e fazer alguns adendos. Esse anteprojeto foi apresentado pelo Presidente da República, ficando conhecido como Projeto do Executivo. Este último, embora apresentado depois do Projeto Bierrenbach, correu com mais celeridade e foi ele que deu origem à Lei 7.347/85.

É importante lembrar que a Lei 7.347/85, originada de um Projeto do Executivo, sofreu um contraditório veto presidencial, na parte em que previa a defesa de “qualquer outro interesse difuso”. Nas razões do veto, o então presidente da república explicou que o termo criaria certa insegurança jurídica, uma vez que não havia conceito sedimentado na doutrina sobre o que seriam esses direitos. Essa expressão voltou a integrar a Lei com o advento do Código de Defesa do Consumidor, que a devolveu na seguinte redação: “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”.

Interessante a origem da Lei para que se entenda por que se resolveu denominar este tipo de ação como “ação civil pública”, expressão que atualmente se utiliza, seja na doutrina seja na praxe forense.

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Hugo Nigro Mazzilli20, por exemplo, diz que só há ação civil pública, no correto sentido da expressão, quando a ação é interposta pelo Ministério Público. Nesse sentido, seria correto utilizar a expressão, posto que ela opor-se-ia ao termo “ação penal pública”, exclusiva do Ministério Público. Tanto é assim, que ele define a ação civil pública como sendo “a ação de objeto não penal proposta pelo Ministério Público”.21 Completa dizendo que, se a ação for proposta por outro co-legitimado, que não o parquet, a demanda seria tão-só uma ação coletiva, posto que esta seria o gênero da qual a ação civil pública é espécie.

José Marcelo Menezes Vigliar22 inicia sua crítica dizendo ser um retrocesso, na Ciência do Direito Processual, o fato de adjetivar ações com o direito material que tutela, posto que, há muito tempo, já foi superada a teoria imanentista, segundo a qual a ação seria algo imanente ao direito material. Continua, dizendo que, ainda que fosse esse o objetivo da expressão “ação civil pública” – definir o direito material tutelado -, não teria conseguido tal desiderato, posto que nenhuma conclusão pode ser tirada do adjetivo “civil pública”. Indica que o fato da utilização da expressão no Direito brasileiro dá-se apenas por um fator histórico, qual seja, a utilização do termo na antiga Lei Orgânica do Ministério Público (Lei Complementar 40/81). Por fim, o jurista defende que seria mais adequada a expressão “ação coletiva”, embora ainda não fosse perfeita por apresentar resquícios da teoria imanentista. Mais na frente, quando da abordagem das normas posteriores à Lei 7.347/85 que aperfeiçoaram o instituto da ação civil pública, será visto que foi essa a expressão utilizada pelo Código de Defesa do Consumidor, uma das mais importantes contribuições legislativas para tutela dos direitos coletivos no Brasil. Vigliar, como foi dito, acha mais adequada a nomenclatura dada pelo Código Consumerista.

20 MAZZILLI, Hugo Nigro. O

p. cit., p. 69-70. 21Id., ibid., p. 69.

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Rodolfo de Camargo Mancuso23 considera imprópria a expressão “pública” a adjetivar o termo “ação”, posto que toda ação judicial é pública. Descarta também a possibilidade de o termo “pública” referir-se aos legitimados para propor a ação, uma vez que a Lei havia conferido legitimidade a entes não públicos, como as associações civis. O adjetivo também não diria respeito aos interesses tutelados pela ação, posto que não se trata de tutela de interesses públicos, em que se têm os demandantes, de um lado, e o Estado ou uma autoridade, do outro. Trata-se, sim, da tutela de direitos pertencentes a sujeitos indeterminados. Conclui dizendo que a ação é civil “pública” porque “ela apresenta um largo espectro social de atuação, permitindo o acesso à justiça de certos interesses metaindividuais que, de outra forma, permaneceriam num certo ‘limbo jurídico’”.24

Enfim, discussões doutrinárias à parte, a nomenclatura que vingou foi “ação civil pública”, hoje utilizada indistintamente para tutela de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Em relação a estes últimos, como foram disciplinados pela Lei 8.078/90, em capítulo denominado “Das Ações Coletivas para a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos”, há discussão sobre se o termo correto para sua tutela seria “ação civil pública” ou “ação coletiva”, discussão esta, irrelevante, como foi visto.

Enfim, foi necessário esse aprofundamento sobre a Lei 7.347/85 pelo fato de ela ter sido pioneira no delineamento da ação civil pública, servindo de base e fonte subsidiária para as leis posteriores que disciplinaram o tema. Contudo, a mencionada Lei só tratou dos interesses difusos e coletivos, indivisíveis por natureza. Os interesses individuais homogêneos, pertencentes a certas pessoas individualmente, e, por isso, divisíveis, ainda não eram reconhecidos no sistema jurídico brasileiro.

23 MANCUSO, Rodolfo Camargo de. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio

cultural e dos consumidores: (Lei 7.347/85 e legislação complementar). 9. ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2004.

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A primeira lei, no Brasil, que possibilitou a tutela coletiva de direitos eminentemente individuais foi a Lei 7.913, de 07.12.1989, que dispôs sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos aos investidores no mercado de valores mobiliários. Note-se que esses investidores poderiam pleitear seus direitos individualmente, posto que divisíveis, mas a Lei possibilitou sua tutela coletiva, permitindo uma maior economia processual e mais efetividade na defesa de tais interesses.

Até 1990, no entanto, ainda não havia definições precisas do que seriam os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Estes últimos nem sequer tinham sido mencionados com a expressão que ora utilizada.

Antes de analisar o Código de Defesa do Consumidor, que deu uma noção precisa do que seriam esses direitos, cumpre registrar a importante contribuição da Constituição de 1988 no que tange à tutela de direitos coletivos. Para que não se demore no assunto, diga-se que, pela primeira vez, a ação civil pública passou a integrar o texto constitucional, fato bastante importante no Direito pátrio, cuja Carta Maior classifica-se como formal. No art. 129, III, a Constituição diz ser função institucional do Ministério Público a promoção do “inquérito civil e da ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (grifamos). O parágrafo 1º do mesmo artigo disse ser possível a existência de co-legitimados para proporem a ação. Fora isso, observe-se, por exemplo, o tratamento constitucional dado à ação popular, ao mandado de segurança coletivo e à possibilidade de associações ou sindicatos defenderem os interesses da classe.

(30)

Consumidor, e o mesmo que, enquanto deputado federal, encaminhou um anteprojeto de lei que tratava da ação civil pública. Essa comissão foi composta pelos seguintes juristas: Ada Pellegrini Grinover, como coordenadora, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanabe e Zelmo Denari. O grupo contou com a ajuda de outros doutrinadores de renome no Brasil como Cândido Dinamarco e Waldemar Mariz. Importante observar a coincidência de alguns nomes nesta comissão e naquela outra apresentada mais acima.

No Título III do CDC, denominado “Da Defesa do Consumidor em Juízo”, constam as definições de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (Capítulo I). No Capítulo II, há normas processuais sobre a ação coletiva para a defesa dos interesses individuais homogêneos. Mas, neste momento do estudo, os dispositivos que merecem maior atenção são os constantes nas Disposições Finais (Título VI – arts. 109 a 117), que tratam da reciprocidade e integração entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública. Esses dispositivos não tiveram somente esse objetivo, mas também o de adaptar a Lei 7.347, de 1985, à nova disciplina da tutela dos interesses transindividuais. Então, a relação Lei da Ação Civil Pública - Código de Defesa do Consumidor é não só de lei geral e lei específica, mas também de complementaridade recíproca no que toca à tutela dos interesses transindividuais.

Veja-se, então, como a Lei 8.078/90 definiu os interesses, difusos, coletivos e individuais homogêneos, transcrevendo o art. 81, parágrafo único:

Art. 81. [...]

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

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III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Inicialmente, cumpre observar que as expressões direito e interesse são usadas como idênticas no Código.25

Essas três espécies de interesses ou direitos, como foi dito anteriormente, encontram-se entre os direitos públicos e os privados, e caracterizam os chamados direitos transindividuais. À parte da classificação legal, convém distingui-los doutrinariamente, já que a Lei 7.347/85 possibilitou à ação civil pública a defesa de quaisquer outros interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

Esses direitos podem ser divididos objetivamente, quanto à sua natureza, em divisíveis ou indivisíveis. Os direitos difusos e coletivos são de natureza eminentemente indivisível, posto que a situação de fato ou de direito causadora do dano atinge todas as pessoas do grupo indistintamente. Já os direitos individuais homogêneos são essencialmente individuais, e por isso divisíveis, mas sua tutela coletiva permite maior efetividade do processo e mais economia processual, evitando-se uma infinidade de demandas com mesmo objeto e esquivando-se do risco de decisões contrárias para casos semelhantes.

Assim, no Direito brasileiro, a tutela dos direitos difusos e coletivos dá-se, necessariamente, de forma coletiva. Já em se tratando de direitos individuais homogêneos, a ação civil pública é facultativa.

Outro critério de distinção que utilizado pelo Código, de caráter subjetivo, foi o relativo (I) ao grau de determinação dos indivíduos do grupo e (II) à relação jurídica ou de fato que os une. Nos direitos difusos, há pessoas indeterminadas ligadas por uma situação de fato, ou seja, para caracterização desta espécie de interesse, as pessoas devem ser dificilmente identificáveis e estarem ligadas entre si por mera situação de fato, como uma publicidade enganosa veiculada na imprensa ou um produto nocivo à saúde colocado no mercado. Já em

(32)

se tratando de direitos coletivos, o Código refere-se a grupo, classe ou categoria de pessoas que estejam ligadas entre si por uma relação jurídica base, o que pressupõe uma determinação maior. Portanto, vê-se que não os une uma situação de fato, mas uma relação jurídica base, que deve ser preexistente à lesão.26 Como exemplo, uma cláusula de um contrato que cause danos aos signatários do acordo.

Em relação aos direitos individuais homogêneos, ao contrário do que se dá com os difusos e os coletivos, o vínculo não preexiste à lesão. O que faz com que surja vínculo entre os indivíduos é justamente a lesão, que pode ser uma relação jurídica ou uma situação de fato, quando, por exemplo, acontece de terem comprado um modelo de aparelho celular que apresentou defeito somente em alguns lotes. A lesão foi que tornou esses indivíduos parte de um grupo. Já no caso de desativação de um lixão por prejudicar a saúde de moradores circunvizinhos, o vínculo que os une (a vizinhança) preexiste à lesão.

O Código, tratando dos direitos individuais homogêneos, para os identificar, restringiu-se a falar em homogeneidade pela origem comum. Como observa Ada Pellegrini, “a homogeneidade e a origem comum são, portanto, os requisitos para tratamento coletivo dos direitos individuais”.27

Prossegue a anteprojetista do CDC, dizendo que a origem comum pode ser de fato ou de direito, devendo-se diferenciar a origem comum próxima da remota. Quanto mais próxima for a origem comum, maior a homogeneidade, logo, quanto mais remota, menor será a natureza homogênea dos interesses. Portanto, não se deve encarar “homogeneidade, pela origem comum” como conceito único, posto que, se a origem for remota pode não ser suficiente para caracterizar a defesa coletiva dos interesses individuais.28

Mais adiante, a jurista fala da aplicação, à tutela dos interesses individuais homogêneos, dos requisitos da prevalência e da superioridade, inerentes às class acions for

26 WATANABE, Kazuo

et. al. Op. cit., p. 742-743. 27 MILARÉ, Édis (coord.). Op. cit., p. 31.

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damages norte-americanas. Importante, aqui, relembrar que a as class actions só são admitidas se a dimensão coletiva dos direitos prevalecer sobre a individual e se a tutela coletiva for superior à proliferação de demandas individuais, nos quesitos eficácia e justiça da decisão.

Esses requisitos seriam perfeitamente aplicáveis à ação civil pública brasileira, mas nos termos do sistema processual brasileiro. O critério da prevalência relacionar-se-ia com a possibilidade jurídica do pedido. Quer dizer que, caso o aspecto individual da demanda fosse mais importante do que o coletivo, o processo deveria ser extinto sem julgamento de mérito, por carência da ação (impossibilidade jurídica do pedido). Já a superioridade corresponderia ao interesse de agir (ou processual), sob os aspectos de interesse-utilidade e interesse-adequação. Por exemplo, se depois de julgada procedente a ação coletiva, fosse necessária uma liquidação de sentença que demandasse extensa produção de provas, a demanda coletiva não se mostraria útil nem adequada, em termos de eficácia da decisão. Não se teria conseguido os objetivos da tutela coletiva de direitos individuais, quais sejam, a economia e a efetividade processuais.29

Não seria errado atrelar os requisitos da prevalência e da superioridade aos princípios processuais da economia e da efetividade, respectivamente. Quando uma demanda coletiva só é admitida se proporcionar mais vantagens do que os vários litígios individuais, o que se almeja é a economia processual. Já quando se impõe que a sentença coletiva seja mais eficaz do que as várias individuais, está-se querendo mais efetividade do processo.

Destarte, nota-se que na defesa judicial dos interesses individuais homogêneos, faz-se necessário um rigor maior nos requisitos de admissibilidade da ação, ou seja, na análise das condições da ação.

(34)

O exame dos elementos da ação também é de fundamental importância para que se identifique a espécie de interesse tutelada pela ação civil pública. Segundo Kazuo Watanabe,30 os conceitos de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos são fundamentais na fixação do objeto litigioso (pedido e causa de pedir). E, por via de conseqüência, a análise do pedido da demanda será crucial para fixar sua amplitude, tema central do presente estudo.

A diferença entre direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos é fundamental para o presente estudo, uma vez que, a depender da espécie do interesse defendido, diferente será o efeito da coisa julgada (arts. 103 e 104, CDC).

Como foi dito acima, a questão da legitimidade também influenciará na abrangência da coisa julgada na ação civil pública. Apresente-se, pois, o dispositivo do Código de Defesa do Consumidor que trata da questão da legitimidade, aplicável à Lei 7.347/85 por força da reciprocidade existente entre os dois diplomas:

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público,

II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

Inicialmente, cumpre dizer que os legitimados agem por legitimação extraordinária, ou seja, defendem, em nome próprio, direitos alheios, que são os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.

(35)

Importante observar para o interesse processual de cada uma das partes legitimadas.

No caso do Ministério Público e das pessoas jurídicas de direito público interno, o interesse é presumido. Já no caso das associações civis e dos demais órgãos da administração, o interesse processual há de ser demonstrado caso a caso. Mas não se deve ter por absoluta tal presunção. Se, por exemplo, um Município do Nordeste intenta ação civil pública por danos a um grupo indeterminado de consumidores de um Município do Rio Grande do Sul, não há que se presumir o interesse processual daquele, devendo ser demonstrado no caso concreto o dano ao Município nordestino, à sua economia, por exemplo.31

Muito se discute sobre a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública para tutela de direitos individuais homogêneos, uma vez que se afastaria das funções institucionais do parquet a defesa de interesses essencialmente individuais, divisíveis e disponíveis. O entendimento que se deve ter, segundo Kazuo Watanabe,32 é que, em regra, o Ministério Público não tem legitimidade para a defesa de interesses individuais homogêneos. Contudo, se a questão apresentar o que ele chama de “relevância social”, pode-se admitir o parquet como legitimado. Fortalece o argumento com decisões dos Pretórios, que identificaram, no caso de mensalidades escolares, interesse individual homogêneo de relevante interesse social. Hugo Nigro Mazzilli, mais incisivo na defesa da tutela dos direitos individuais homogêneos por meio de ação civil pública, diz ser “inconstitucional qualquer tentativa que vise a impedir o acesso coletivo à jurisdição” 33, concluindo que, dependendo da abrangência dos interesses individuais homogêneos, o Ministério Público terá legitimidade para pleiteá-los.34

31 MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 330. 32 WATANABE, Kazuo

(36)

O tema da legitimidade será retomado no tópico referente à coisa julgada na ação civil pública, momento em que as matérias se complementam.

Superado o tratamento dado pelo Código de Defesa do Consumidor à tutela do interesses transindividuais, é mister apresentar certas tentativas do legislador – algumas com sucesso - de diminuir o poder das ações coletivas. A Lei 9.494/97, que será o objeto central do presente estudo, diminuiu a eficácia da coisa julgada nas ações civis públicas à competência territorial do órgão prolator da sentença. As Medidas Provisórias 1.984-25/00, 2.102-26/00 e 2.180-35/01 proibiram a utilização da ação civil pública para veicular matéria que envolva tributos, contribuições previdenciárias, FGTS ou outros fundos de natureza institucional, seara que o governo não tem interesse em ver resolvida. Essa vedação, vale dizer, tem afogado as Justiças Comuns Federal e Estaduais, dado o grande número de demandas com mesmo fundamento, fazendo arrancar de Mantovani Colares Cavalcante, juiz de direito do Estado do Ceará, a importante observação de que há ações no judiciário, principalmente aquelas em que o Estado é réu, em que a petição inicial é um modelo, a contestação outro, a sentença outro, e por aí vai até o recurso extraordinário da sentença nos embargos à execução (informação verbal).35 Vê-se, portanto, que essa restrição foi na contramão do processo civil moderno , que tem como princípios basilares a economia e a efetividade processuais. Chegou-se à edição da Medida Provisória 2.088-35/00, que pretendia, mas não conseguiu, responsabilizar pessoalmente os membros do Ministério Público por ações de improbidade infundadas, criando o absurdo instituto da reconvenção nesse tipo de ação.

Enfim, foi desta forma que se deu a evolução da tutela dos direitos coletivos no Brasil. O objetivo do presente trabalho é analisar a limitação imposta à coisa julgada na ação civil pública pela Lei 9.494/97. Como a referida lei impôs a limitação ao âmbito de competência do órgão jurisdicional prolator da sentença, convém estudar, preliminarmente,

(37)

como se organiza o sistema jurisdicional do Brasil e como se dá a distribuição do poder jurisdicional (competência).

3 JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA

No presente tópico, far-se-á um breve apanhado do que vem a ser a atividade jurisdicional do Estado e como se faz a distribuição de competência entre os vários órgãos jurisdicionais. O tema é importantíssimo para o presente estudo, posto que se pretende abordar a restrição da coisa julgada, na ação civil pública, à esfera da competência territorial do juiz prolator. Assim, será necessário também um breve relato sobre os critérios de fixação de competência na ação civil pública.

3.1 JURISDIÇÃO

O poder político caracteriza-se por ser uno e indivisível. A divisão que se faz, em executivo, legislativo e judiciário, segundo José Afonso da Silva, 36 fundamenta-se em dois pressupostos: especialização funcional e independência orgânica. É aquele primeiro elemento – especialização funcional – que vai interessar aqui, porque é através da especialização funcional que o poder judiciário ficou incumbido da atividade jurisdicional, isto é, de exercer a jurisdição.37

36 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 199.

(38)

Jurisdição, na definição de Cintra, Grinover e Dinamarco, “[...] é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça”.38

Desse conceito, pode-se pressupor que a jurisdição é, inicialmente, uma das funções do Estado, como foi dito mais acima. Também que a jurisdição tem caráter substitutivo, não permitindo a autotutela, salvo em raríssimos casos. A definição informa ainda uma das características da jurisdição – a imparcialidade – e a finalidade última da atividade jurisdicional: a paz social.

A jurisdição, contudo, tem tripla finalidade, uma vez que não é só função estatal, mas também poder e atividade. São finalidades políticas, jurídicas e sociais. Em primeiro lugar, a jurisdição é um poder do Estado, porque tem aptidão para decidir e impor suas decisões, revelando seu fim político. Mas é também uma atividade, posto que se realiza através de atos processuais, sob a condução de um juiz, atingindo, destarte, sua finalidade jurídica. E, por fim, é uma função, na medida em que realiza o direito posto e promove a pacificação dos conflitos, atingindo sua finalidade social.

Atualmente, atenta-se mais para as finalidades político-sociais da jurisdição do que as propriamente jurídicas, como bem dizem Cintra, Grinover e Dinamarco:

Para caracterizar a jurisdição, muitos critérios foram propostos pela doutrina tradicional, apoiada sempre em premissas exclusivamente jurídicas e despreocupada das de caráter sócio-político. Hoje a perspectiva é substancialmente outra, na medida em que a moderna processualística busca a legitimidade do seu sistema na utilidade que o processo e o exercício da jurisdição possam oferecer à nação e às suas instituições.39

A tutela dos interesses transindividuais, que se faz de forma coletiva com o escopo de proporcionar maior efetividade e economia ao processo, revela-se como uma das

38 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 131.

(39)

formas de se atingir a utilidade do processo e as finalidades sócio-políticas da jurisdição que foram expostas acima. Mas nem sempre isso é possível, dadas as limitações da jurisdição, ou seja, o fracionamento do poder jurisdicional, através da atribuição de parcelas desse poder a determinados órgãos jurisdicionais, tema atinente à competência, que será estudado mais adiante.

A partir daqui, é necessário tratar, pois, da unidade da jurisdição, do princípio da aderência ao território e da distribuição de competência, temas importantíssimos para o estudo ora proposto.

Nas palavras precisas de Cintra, Grinover e Dinamarco,

A jurisdição, como expressão do poder estatal soberano, a rigor não comporta divisões, pois falar em diversas jurisdições num mesmo Estado significaria afirmar a existência, aí, de uma pluralidade de soberanias, o que não faria sentido; a jurisdição é, em si mesma, tão una e indivisível como o próprio poder soberano.40

Deduz-se, pois, que a jurisdição é una e indivisível, uma vez que revela uma das funções do poder estatal, que, por sua vez, também é uno e indivisível. Deve-se entender, destarte, que a jurisdição, como poder do Estado de decidir e executar suas decisões, não comporta divisões.

Há vários princípios inerentes à jurisdição, como o da investidura, o da inafastabilidade (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal) e o da indelegabilidade. Dentre eles, o que mais interessa agora é o da aderência ao território. Quer ele dizer que o poder jurisdicional de um Estado restringe-se ao território a ele pertencente. Por exemplo, o Brasil, em regra, não pode julgar litígios de outros países, sob pena de se infringir a soberania nacional do país estrangeiro. Dentro do território de um mesmo país, os limites territoriais da jurisdição são delimitados pela distribuição de competência. Portanto, um juiz do Rio Grande do Norte não pode, em regra, julgar litígio cuja competência é de um juiz de Pernambuco

(40)

(competência territorial). Assim como um juiz estadual não pode julgar lide de competência da justiça federal (competência “de jurisdição”). Ou seja, a cada juiz ou tribunal, é dado o poder de exercer a atividade jurisdicional em determinado espaço territorial. Em lição pertinente de Humberto Theodoro Júnior, “se todos os juízes têm jurisdição, nem todos, porém se apresentam com competência para conhecer e julgar determinado litígio”.41

Vale dizer que o princípio da aderência ao território não mitiga a unidade da jurisdição. Como já foi dito, a função, o poder ou a atividade de um Estado em dizer qual o direito aplicável é o mesmo em todo o seu território, porque una é a soberania. O princípio em tela apenas revela a necessidade de dividir a prestação jurisdicional, para que seja mais bem prestada, e isso se dá através da distribuição de competência entre os vários juízes e tribunais existentes no país.

Costuma-se falar em “espécies” de jurisdição, o que é uma impropriedade. Isso quer dizer que não há uma jurisdição penal outra civil, uma estadual outra federal, uma inferior outra superior. Exemplo da unidade da jurisdição nesse caso, para citar só um, é a possibilidade de utilização da chamada prova emprestada, ou seja, aquela utilizada num processo servirá para outro, desde que colhida legalmente. Uma prova produzida na justiça federal servirá para a estadual, assim como uma produzida numa ação penal poderá ser usada na ação civil de reparação de danos decorrente do crime (art. 64 do Código de Processo Penal).

Portanto, quando se fala em “espécie” de jurisdição, quer-se falar em distribuição de competência, tema de que se cuidará, a partir de agora.

3.2 COMPETÊNCIA

(41)

Inicialmente, cumpre dizer que, quando se estuda de competência internacional, não se quer abordar propriamente matéria referente à competência, mas à jurisdição. Isso porque é através da competência internacional que se delimita o poder jurisdicional de um Estado, excluindo determinados litígios de sua competência. Então, antes de fixar, internamente, qual o juiz ou tribunal competente para a causa, é necessário que se diga se o litígio submete-se ou não ao poder jurisdicional soberano de um certo país. Desta forma, competência internacional não é tema atinente à competência, mas à jurisdição. Competência interna, sim, refere-se à distribuição do poder jurisdicional dentro de um Estado, entre os vários juízes e tribunais nele existentes. Esta última é a que interessa aqui.

Cintra, Grinover e Dinamarco42 apontam alguns fatores que o legislador leva em conta para fazer a distribuição interna da competência. São aspectos ora atinentes às partes e ao processo ora ao direito em litígio. Destarte, consideram-se três afirmações: a) existem órgãos judiciários diferenciados; b) é possível fazer uma triagem dos tipos de causas ou dos tipos de processo (ou procedimento), separando-os em grupos e c) a competência para a causa é atribuída ao órgão mais idôneo para julgá-la. Pela primeira afirmação, deduz-se que é necessário atribuir competência a um ou outro órgão, face à existência de inúmeros órgãos jurisdicionais no mesmo país. Através da segunda, conclui-se pela necessidade de dividir a competência conforme a natureza da causa ou do processo. Assim se faz, ao se criarem varas de falência, de família – em que os fatos e fundamentos jurídicos são específicos –, ao serem instituídos os Juizados Especiais, com rito próprio, para causas de pouca monta etc. Desta maneira, dinamiza-se o julgamento das lides através da especialização dos órgãos. E, pela última afirmação, vê-se que o órgão competente deve ser aquele que esteja mais apto para julgar a ação, observados os critérios de interesse público e da qualidade das partes. É por isso

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que se fixa o foro do alimentando como competente para ação de alimentos e o Tribunal de Justiça para julgar o prefeito pelos crimes que cometa, por exemplo.

Inicialmente, leva-se em conta que existem vários órgãos jurisdicionais no país, ou seja, justiça federal e estadual - consideradas justiças comuns -, justiça comum e justiças especializadas (do trabalho, eleitoral, militar), órgãos inferiores e superiores de jurisdição etc. Enfim, como existem várias “justiças”, primeiramente é necessário que se diga qual delas é competente para apreciar a causa. Se for matéria de interesse da União, a competência será da justiça federal (art. 109, I, da Constituição Federal). Se a lide funda-se em relação de trabalho, deverá ser submetida à justiça obreira (art. 114, I, da Carta Magna). Enfim, esse tipo de competência costuma ser chamada de competência “de jurisdição”, ou seja, cumpre saber qual a “justiça” competente, estadual ou federal, comum ou do trabalho etc.

Ainda assim, dentro de uma mesma “justiça”, existem órgãos inferiores e superiores, por isso é necessário que se diga, por exemplo, se é competente o juiz singular ou o Tribunal de Justiça, o juiz federal monocrático ou o Tribunal Regional Federal respectivo. Trata-se então, da chamada competência originária.

A fixação da chamada competência “de jurisdição” está delimitada na Constituição Federal.

(43)

Esses três tipos de competência (“de jurisdição”, originária e de juízo), ao lado da competência interna e recursal, atendem ao critério funcional de distribuição de competência, porque dizem respeito às regras que atribuem competência aos diversos órgãos e seus componentes. Nesse caso, diz-se haver competência absoluta dos órgãos, sendo insuscetível sua modificação ou prorrogação.

Além de cada órgão jurisdicional ser responsável por certa matéria, ele exerce a jurisdição em determinado território, seja na comarca ou na seção judiciária respectivas. Os Tribunais de Justiça exercem jurisdição em todo o território do Estado. Os Tribunais Regionais Federais em toda a região que abarcam, composta por vários Estados.

O critério que fixa a competência para exercer a jurisdição depende da relação jurídica, podendo ser o domicílio do réu, o local do dano sofrido, o foro onde se situe o imóvel etc., mas na grande maioria das vezes se refere a um lugar, a um território. Portanto, fixada a competência “de jurisdição”, resta saber em que lugar a demanda deve ser proposta, quer dizer, cuida-se de fixar a chamada competência territorial. Esta, diferentemente da supracitada, permite prorrogações, ou seja, possibilita que outro juiz, que não o territorialmente competente, exerça a atividade jurisdicional caso as partes não se manifestem pela incompetência. Trata-se, pois, de competência relativa. É fixada pelo Código de Processo Civil ou por leis federais específicas, que podem dispor diferentemente do que diz o Código. Mas a capacidade para legislar sobre competência territorial é privativa da União (art. 22, I, da Constituição Federal), pois trata de matéria atinente a Direito Processual.

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