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O poder político caracteriza-se por ser uno e indivisível. A divisão que se faz, em executivo, legislativo e judiciário, segundo José Afonso da Silva, 36 fundamenta-se em dois pressupostos: especialização funcional e independência orgânica. É aquele primeiro elemento – especialização funcional – que vai interessar aqui, porque é através da especialização funcional que o poder judiciário ficou incumbido da atividade jurisdicional, isto é, de exercer a jurisdição.37

36 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 199.

37 Convém lembrar que essa divisão funcional não é absoluta, haja vista que o poder judiciário também exerce funções legislativas e executivas, assim como o legislativo e o executivo exercem funções jurisdicionais. Portanto, só o critério funcional não é suficiente para caracterizar e distinguir os três poderes.

Jurisdição, na definição de Cintra, Grinover e Dinamarco, “[...] é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça”.38

Desse conceito, pode-se pressupor que a jurisdição é, inicialmente, uma das funções do Estado, como foi dito mais acima. Também que a jurisdição tem caráter substitutivo, não permitindo a autotutela, salvo em raríssimos casos. A definição informa ainda uma das características da jurisdição – a imparcialidade – e a finalidade última da atividade jurisdicional: a paz social.

A jurisdição, contudo, tem tripla finalidade, uma vez que não é só função estatal, mas também poder e atividade. São finalidades políticas, jurídicas e sociais. Em primeiro lugar, a jurisdição é um poder do Estado, porque tem aptidão para decidir e impor suas decisões, revelando seu fim político. Mas é também uma atividade, posto que se realiza através de atos processuais, sob a condução de um juiz, atingindo, destarte, sua finalidade jurídica. E, por fim, é uma função, na medida em que realiza o direito posto e promove a pacificação dos conflitos, atingindo sua finalidade social.

Atualmente, atenta-se mais para as finalidades político-sociais da jurisdição do que as propriamente jurídicas, como bem dizem Cintra, Grinover e Dinamarco:

Para caracterizar a jurisdição, muitos critérios foram propostos pela doutrina tradicional, apoiada sempre em premissas exclusivamente jurídicas e despreocupada das de caráter sócio-político. Hoje a perspectiva é substancialmente outra, na medida em que a moderna processualística busca a legitimidade do seu sistema na utilidade que o processo e o exercício da jurisdição possam oferecer à nação e às suas instituições.39

A tutela dos interesses transindividuais, que se faz de forma coletiva com o escopo de proporcionar maior efetividade e economia ao processo, revela-se como uma das

38 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 131.

39 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 131-132.

formas de se atingir a utilidade do processo e as finalidades sócio-políticas da jurisdição que foram expostas acima. Mas nem sempre isso é possível, dadas as limitações da jurisdição, ou seja, o fracionamento do poder jurisdicional, através da atribuição de parcelas desse poder a determinados órgãos jurisdicionais, tema atinente à competência, que será estudado mais adiante.

A partir daqui, é necessário tratar, pois, da unidade da jurisdição, do princípio da aderência ao território e da distribuição de competência, temas importantíssimos para o estudo ora proposto.

Nas palavras precisas de Cintra, Grinover e Dinamarco,

A jurisdição, como expressão do poder estatal soberano, a rigor não comporta divisões, pois falar em diversas jurisdições num mesmo Estado significaria afirmar a existência, aí, de uma pluralidade de soberanias, o que não faria sentido; a jurisdição é, em si mesma, tão una e indivisível como o próprio poder soberano.40

Deduz-se, pois, que a jurisdição é una e indivisível, uma vez que revela uma das funções do poder estatal, que, por sua vez, também é uno e indivisível. Deve-se entender, destarte, que a jurisdição, como poder do Estado de decidir e executar suas decisões, não comporta divisões.

Há vários princípios inerentes à jurisdição, como o da investidura, o da inafastabilidade (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal) e o da indelegabilidade. Dentre eles, o que mais interessa agora é o da aderência ao território. Quer ele dizer que o poder jurisdicional de um Estado restringe-se ao território a ele pertencente. Por exemplo, o Brasil, em regra, não pode julgar litígios de outros países, sob pena de se infringir a soberania nacional do país estrangeiro. Dentro do território de um mesmo país, os limites territoriais da jurisdição são delimitados pela distribuição de competência. Portanto, um juiz do Rio Grande do Norte não pode, em regra, julgar litígio cuja competência é de um juiz de Pernambuco

(competência territorial). Assim como um juiz estadual não pode julgar lide de competência da justiça federal (competência “de jurisdição”). Ou seja, a cada juiz ou tribunal, é dado o poder de exercer a atividade jurisdicional em determinado espaço territorial. Em lição pertinente de Humberto Theodoro Júnior, “se todos os juízes têm jurisdição, nem todos, porém se apresentam com competência para conhecer e julgar determinado litígio”.41

Vale dizer que o princípio da aderência ao território não mitiga a unidade da jurisdição. Como já foi dito, a função, o poder ou a atividade de um Estado em dizer qual o direito aplicável é o mesmo em todo o seu território, porque una é a soberania. O princípio em tela apenas revela a necessidade de dividir a prestação jurisdicional, para que seja mais bem prestada, e isso se dá através da distribuição de competência entre os vários juízes e tribunais existentes no país.

Costuma-se falar em “espécies” de jurisdição, o que é uma impropriedade. Isso quer dizer que não há uma jurisdição penal outra civil, uma estadual outra federal, uma inferior outra superior. Exemplo da unidade da jurisdição nesse caso, para citar só um, é a possibilidade de utilização da chamada prova emprestada, ou seja, aquela utilizada num processo servirá para outro, desde que colhida legalmente. Uma prova produzida na justiça federal servirá para a estadual, assim como uma produzida numa ação penal poderá ser usada na ação civil de reparação de danos decorrente do crime (art. 64 do Código de Processo Penal).

Portanto, quando se fala em “espécie” de jurisdição, quer-se falar em distribuição de competência, tema de que se cuidará, a partir de agora.

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