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DEVER DE SE APRESENTAR À INSOLVÊNCIA PESSOA SINGULAR

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Tribunal da Relação do Porto Processo nº 286/09.5TBPRD-C.P1 Relator: SÍLVIA PIRES

Sessão: 06 Outubro 2009

Número: RP20091006286/09.5TBPRD-C.P1 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA A DECISÃO.

INSOLVÊNCIA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE

INDEFERIMENTO LIMINAR

DEVER DE SE APRESENTAR À INSOLVÊNCIA PESSOA SINGULAR

Sumário

I - A qualidade de sócio de uma sociedade declarada insolvente não configura a titularidade de empresa a que aludem os n° 2, e 3, do art.° 18°, do CIRE, para que a pessoa singular tenha o dever de se apresentar à insolvência.

II - A não observância do prazo de seis meses seguintes à verificação da

situação de insolvência por pessoa singular não titular de empresa comercial, para fundamentar o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, tem que resultar clara dos autos e ser cumulativa com a evidência de que o atraso na apresentação prejudicou os interesses dos credores, sabendo o insolvente ou não podendo ignorar, sem culpa grave, que inexistia qualquer perspectiva de melhoria da sua situação económica.

Texto Integral

Proc. 286/09.5TBPRD-C.P1 do .º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes Relatora: Sílvia Pires

Adjuntos: Henrique Antunes Ana Lucinda Cabral

*

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Insolventes: B……….

C……….

*

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto

C………. e B………., em 23.1.09, requereram a sua declaração de insolvência, deduzindo o pedido de exoneração do passivo restante.

Para fundamentar este pedido alegaram, em síntese:

-> Os Requerentes têm 42 e 37 anos de idade, respectivamente, dois filhos de 16 e 9 anos, frequentando o 11º ano e 4º ano de escolaridade.

-> Vão ter de arrendar casa para viverem cuja renda não será inferior a € 450,00 mensais.

-> A Requerente aufere do seu trabalho o vencimento mensal de € 580,00, encontrando-se 1/3 do mesmo penhorado à ordem de execuções fiscais, penhora que se manterá por mais de 27 meses.

-> O Requerente tem um vencimento de € 428,00.

-> Para ser assegurado, de forma razoável, o seu sustento e do agregado familiar, necessitam de quantia não inferior a € 1000,00.

Por sentença proferida em 11.2.09, foi declarada a insolvência dos Requerentes.

Cumprido o disposto no n.º 4, do art.º 236º, do CIRE, ninguém se pro nunciou.

Com data de 2.6.09, foi proferida decisão que, invocando o disposto na al. d), do n.º 1, do art.º 238º, do CIRE, indeferiu a pretensão dos Requerentes quanto ao pedido de exoneração do passivo restante.

*

Inconformados com esta decisão dela recorreram os Insolventes, apresentando as seguintes conclusões:

1 – Inexiste qualquer prova ou facto de que a apresentação tardia, que se não aceita, provocou qualquer prejuízo a credores, pelo que o pressuposto do art.º 238º, d), do CIRE não se encontra verificado.

2 – Só um dos Requerentes do pedido de exoneração do passivo restante é que foi sócio de uma empresa declarada insolvente, pelo que não pode o Tribunal indeferir o pedido de ambos os requerentes pela verificação de uma presunção que a apenas a um dos requerentes se aplica.

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3 – O art.º 18º, n.º 3 não pode ser interpretado no sentido de que ocorrendo uma insolvência de uma sociedade tal implica que os sócios gerentes estejam igualmente insolventes e que tenham de se apresentar à insolvência.

O art.º 18º, n.º 3, do CIRE não pode ser interpretado no sentido do conhecimento da insolvência se referir aos sócios pessoalmente.

4 – Inexistem nos autos qualquer facto ou prova que indicie que os

requerentes estejam em insolvência 6 meses após a declaração de insolvência da sociedade de que um dos requerentes era sócio.

5 – Foi alegado que os sócios trabalham, trabalharam e fizeram pagamentos aos credores os durante os períodos entre ambas as insolvências.

6 – Inexiste nos autos qual o final do processo de insolvência da empresa e qual o resultado da liquidação da empresa e se foram ou não feitos

pagamentos aos credores.

7 – Inexistem nos autos o que fizeram ou que aconteceu às vidas pessoais dos requerentes.

Concluem pela procedência do recurso.

Não foi apresentada resposta.

*

1. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale ‐ gações dos recorrentes, cumpre apreciar a seguinte questão:

O pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos Insolventes não deve ser liminarmente indeferido?

*

2. Os Factos

Foram considerados provados os seguintes factos:

1 – C………. e B………., em 23.1.09, apresentaram-se à insolvência.

2 – O Requerente exerceu, como sócio-gerente, a gerência da sociedade

D………., L.da, sociedade comercial com sede na Rua ………., …, ………, ………., Paredes.

3 – Esta sociedade comercial foi declarada insolvente por decisão judicial transitada em julgado em 26 de Julho de 2007.

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4 – A mesma sociedade não comunicou a cessação da actividade para efeitos fiscais.

5 – O valor total dos créditos reclamados constante da lista provisória de credores é de € 255.428,04.

6 – Os Requerentes avalizaram dívidas a fornecedores da sociedade comercial referida em 2, bem como a instituições bancárias, e são devedores do

empréstimo celebrado com o E………. relativo à habitação onde vivem, empréstimo contraído para aquisição de habitação.

7 – Os Requerentes têm dois filhos menores, a Requerente aufere a quantia mensal de € 580,00, e o Requerido aufere a quantia mensal de € 428,00.

*

3. O Direito Aplicável

O CIRE veio introduzir uma nova medida de protecção do devedor que seja uma pessoa singular, ao permitir que, caso este não satisfaça integralmente os créditos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu

encerramento, venha a ser exonerado do pagamento desses mesmos créditos, desde que satisfaça as condições fixadas no incidente de exoneração do

passivo restante destinadas a assegurar a efectiva obtenção de rendimentos para cessão aos credores.

Este incidente é uma solução que não tem correspondência na legislação falimentar anterior e que se inspirou no chamado modelo de fresh start, nos termos do qual o devedor pessoa singular tem a possibilidade de se libertar do peso do passivo e recomeçar a sua vida económica de novo, não obstante ter sido declarado insolvente. [1]

É indiscutível que se não ocorresse a declaração de insolvência o devedor teria de pagar a totalidade das suas dívidas sem prejuízo da eventual prescrição, a qual pode atingir o prazo de 20 anos segundo a lei civil portuguesa.[2]

O procedimento em questão tem dois momentos fundamentais: o despacho inicial e o despacho de exoneração. A libertação definitiva do devedor quanto ao passivo restante não é concedida – nem podia ser – logo no início do

procedimento, quando é proferido o despacho inicial a que alude o n.º 1, do art.º 239º, do CIRE.

Neste contexto, o CIRE veio estabelecer fundamentos que justificam a não

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concessão liminar da possibilidade de exoneração do passivo restante, os quais se traduzem em comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuí ram ou a agravaram. [3]

É no momento do despacho inicial que se tem de analisar, através da

ponderação de dados objectivos, se a conduta do devedor tem a possibilidade de ser merecedora de uma nova oportunidade, configurando este despacho quando positivo, uma declaração de que a exoneração do passivo restante será concedida, se as demais condições futuras exigidas vierem a ser cumpridas.

Assim, nas diversas alíneas do nº 1, do artigo 238.º, do CIRE, o legislador tipificou várias situações que, a verificarem-se, devem conduzir desde logo ao indeferimento liminar da pretensão do insolvente de exoneração do seu

passivo restante.

Na alínea d) deste preceito estabeleceu-se que o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se o devedor tiver incumprido o dever de

apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e

sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

No decisão sob recurso, considerando-se que o Requerente marido, por ter sido titular de uma sociedade comercial que foi declarada insolvente em 2007, não estava isento do dever de se apresentar à insolvência, nos termos do

artigo 18.º, n.º 2, do CIRE, funcionando a presunção a que alude o n.º 3º, deste artigo – conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado das obrigações de algum dos tipos referidos na al. g) do n.º 1, do art.º 20º – escreveu-se:

… tendo-se apresentado à insolvência enquanto pessoas singulares apenas no ano de 2009, é forçoso concluir que a sua situação de insolvência, ligada à insolvência da própria sociedade, como os requerentes alegam, dado terem avalizado pessoalmente obrigações desta, era ou não podia deixar de ser do seu conhecimento nos 6 meses antes da sua apresentação à insolvência, com prejuízo para os credores, sabendo ou não podendo ignorar sem culpa grave que inexistia qualquer perspectiva de melhoria da sua situação económica.

Aliás, o valor global dos créditos reclamados e constantes da lista provisória de credores espelha isso mesmo, ascendendo a mais de € 255,000,00, pelo que não podiam ignorar, de facto sem culpa grave que não existia qualquer

perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

Como tal considero que os insolventes se abstiveram de se apresentarem à insolvência, pelo que, pelas razões expostas e ao abrigo do art.º 238º, n.º 1, d),

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do CIRE, decido indeferir a requerida exoneração do passivo restante.

A obrigação de apresentação à insolvência associada à existência de uma empresa, a qual radica nos interesses relacionados com o exercício do

comércio e das outras actividades económicas, encontra-se, numa palavra, no interesse público de protecção do crédito comercial e empresarial.[4]

A insolvência de um comerciante ou empresário, por força da sua inserção numa cadeia de relações de crédito, causa perturbações mais graves do que a insolvência de um cidadão comum.

Por isso, o legislador, quando constituiu o devedor titular de uma empresa comercial na obrigação de se apresentar à insolvência, pretendeu evitar a repercussão da sua crise numa crise colectiva geral, evitando a produção de danos para os interesses particular e geral.

Assim, o que a lei exige para o funcionamento dos n.º 2 e 3, do art.º 18º, do CIRE, é que o devedor no momento da declaração de insolvência seja titular de uma empresa, o que não acontece no caso em análise.

A qualidade de sócio de uma sociedade é uma realidade distinta da de pessoa singular titular de uma empresa, pelo que não estava, por esse motivo, o Requerente obrigado a requerer a sua insolvência.

Mas, mesmo quando o insolvente não está obrigado à apresentação à

insolvência, a sua pretensão de exoneração do passivo restante, deve ser-lhe indeferida liminarmente, nos termos da transcrita alínea d), do n.º 1, do art.º 238º, do CIRE, quando se constate que ele se absteve de se apresentar nos seis meses seguintes à verificação da respectiva situação.

Contudo, neste caso, não constam do processo quaisquer elementos que nos permitam concluir em que data é que se verificou a situação de insolvência dos Requerentes, pois apesar destes no seu requerimento a contextualizarem como tendo origem na insolvência duma sociedade de que o Requerente foi sócio, nada nos permite concluir que a impossibilidade de cumprimento generalizado das suas obrigações tenha ocorrido na data em que essa sociedade foi judicialmente declarada insolvente.

De qualquer modo, mesmo que se entendesse que era possível concluir que a situação de insolvência dos Requerentes havia ocorrido há mais de seis meses, considerando a data da sua apresentação, tal facto não determinaria só por si o indeferimento liminar do pedido formulado, uma vez que ainda se teria que constatar que esse atraso havia prejudicado os interesses dos credores,

nomeadamente por ter contribuído para o agravamento da sua situação de insolvência, e que os insolventes sabiam ou não podiam ignorar, sem culpa grave, que inexistia qualquer perspectiva de melhoria da sua situação

económica, uma vez que o preenchimento destes requisitos como fundamento

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do indeferimento liminar é cumulativo.

Ora, dos autos não existe qualquer elemento donde resulte a demonstração directa de qualquer um destes requisitos ou que permita a sua verificação através do funcionamento de presunções retiradas das regras da experiência.

Deste modo, não sendo possível concluir pela verificação da situação complexa descrita na alínea d), do n.º 1, do art.º 238º, do CIRE, não deveria ter sido indeferida liminarmente a pretensão deduzida pelos Insolventes.

Por estes motivos deve o recurso interposto ser julgado procedente, revo ‐ gando-se a decisão recorrida.

*

4. Sumário

Nos termos do art.º 713º, n.º 7, do C. P. C., é o seguinte o sumário do presente acórdão:

a) A qualidade de sócio de uma sociedade declarada insolvente não configura a titularidade de empresa a que aludem os n.º 2, e 3, do art.º 18º, do CIRE, para que a pessoa singular tenha o dever de se apresentar à insolvência.

b) A não observância do prazo de seis meses seguintes à verificação da

situação de insolvência por pessoa singular não titular de empresa comercial, para fundamentar o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, tem que resultar clara dos autos e ser cumulativa com a evidência de que o atraso na apresentação prejudicou os interesses dos credores, sabendo o insolvente ou não podendo ignorar, sem culpa grave, que inexistia qualquer perspectiva de melhoria da sua situação económica.

*

Decisão

Pelo exposto julga-se procedente o recurso interposto e, em consequência, revoga-se a decisão que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante deduzido pelos recorrentes.

*

Sem custas.

*

Porto, 6 de Outubro de 2009.

Sílvia Maria Pereira Pires Henrique Ataíde Rosa Antunes Ana Lucinda Mendes Cabral

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_______________________

[1] Cfr. preâmbulo do DL 53/2004, de 18 de Março.

[2] ASSUNÇÃO CRISTAS, in Exoneração do devedor pelo passivo restante, Themis – Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, Edição especial, pág.

166-167.

[3] LUÍS CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 188-190, da ed. de 2005, da Quid Júris

[4] Catarina Serra, in A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito, pág. 341, da ed. de 2009, Coimbra Editora.

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