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FABIANE APARECIDA MORENO GARCIA

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Academic year: 2019

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FABIANE APARECIDA MORENO GARCIA

O enredo do trabalho ambulante: políticas públicas e trajetórias de trabalhadores no centro de São Paulo

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

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O enredo do trabalho ambulante: políticas públicas e trajetórias de trabalhadores no centro de São Paulo

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifí-cia Universidade Católica de São Paulo, como exigênPontifí-cia parcial para obtenção de título de mestre em Serviço Soci-al sob a orientação da Profa. Dra. Mariangela Belfiore Wanderley.

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BANCA EXAMINADORA

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Garcia, Fabiane Aparecida Moreno

O enredo do trabalho ambulante: políticas públicas e trajetórias de trabalhadores no centro de São Paulo / Fabiane Aparecida Moreno Garcia; orientação Mariangela Belfiore Wanderley: s.n., 2012. 169 p.

Dissertação (Mestrado – Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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Nessa empreitada iniciada em 2010, muitas foram as pessoas que contribuíram para o meu desenvolvimento enquanto pessoa, profissional e pesquisadora. Pessoas que de perto acompanharam cada passo dessa pesquisa, ou mesmo aquelas que de longe emitiram suas energias positivas. Todas, sem exceção, foram muito importantes para o a finalização desse percurso.

À Profa. Mariangela Belfiore Wanderley por ter me acompanhado em todo esse traje-to, emitindo seus pertinentes pareceres sobre o percurso da pesquisa e direcionando-me para o melhor caminho.

À Profa. Claudine Offredi por tão afetuosa e comprometida recepção e acompanha-mento em minha estada em Grenoble - França.

Às Profas. Isaura Isoldi de Melo Castanho e Oliveira, Rosangela Dias da Paz e Luzia Fátima Baierl por serem minhas mestras e amigas queridas, numa relação de atenção e cari-nho pude aprender muito.

Ao amigo Rodrigo Diniz que, juntamente comigo iniciou e terminou esta jornada do mestrado. Pelos caminhos de companheirismo e amizade que já traçamos e ainda pelos muitos outros que iremos traçar.

De modo muito especial, ao meu marido, amigo e amante Di que, ao meu lado, acom-panhou cada letra escrita neste trabalho, deu-me força para continuar e compreendeu todas as minhas angústias, sempre com muito amor e companheirismo.

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GARCIA, Fabiane Aparecida Moreno. O enredo do trabalho ambulante: políticas públicas e trajetórias de trabalhadores no centro de São Paulo, 2012. 169f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.

Trata-se de uma investigação baseada em pesquisa qualitativa, realizada por uma assistente social que, guiada por suas inquietações, passou a investigar o trabalho dos ambulantes das vias do centro de São Paulo. Por meio de dois principais eixos, a trajetória de trabalho dos ambulantes e as políticas públicas, buscou-se desvelar o percurso de trabalho desenvolvido pelos ambulantes até a chegada ao trabalho nas ruas da cidade, bem como verificar se as ações das políticas públicas estão respondendo (ou não) à realidade desses trabalhadores. A pesquisa empírica ocorreu na região da subprefeitura da Sé, onde foram entrevistados dez ambulantes cujos depoimentos pessoais evidenciaram a falta de oportunidades como principal impulsio-nador do trabalho ambulante. Em relação às políticas públicas, de maneira geral, os entrevis-tados demonstraram preocupação, descrença ou desconhecimento dos serviços, programas e projetos advindos de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, assistência social, traba-lho e previdência. No intuito de clarificar a conexão entre o comércio ambulante e o contexto social de São Paulo, buscamos, a partir de Nicolau Sevcenko, recuperar o processo histórico de formação da cidade e sua vertiginosa metropolização, importantes ingredientes para o sur-gimento e desenvolvimento desse tipo de atividade no município. Ainda na busca de entender a cidade, recorremos aos autores Manuel Castells e Henri Lefrebvre, que contribuíram para a discussão dos conceitos de cidade e urbano, o primeiro, entendido como território de concre-tude das vivências entre as pessoas, onde circulam os sentimentos, as lutas e a história de vi-da; e o segundo como espaço abstrato, relacionado ao imaginário social, às construções liga-das ao modo de produção da sociedade. Principalmente sob os estudos de Paul Singer, Maria Cristina Cacciamali, João Batista Pamplona e Francisco de Oliveira, direcionamos a análise para o conceito de trabalho informal, este entendido como um tipo de trabalho situado à mar-gem dos direitos trabalhistas e que tem ganhado, ao longo do tempo, relevância na realidade brasileira.

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ABSTRACT

GARCIA, Fabiane Aparecida Moreno. The plot of the itinerant work: public policies and trajectories of workers in downtown São Paulo, 2012. 169f. Thesis (MA) - Program of Post-graduate Studies in Social Work, Pontifical Catholic University of São Paulo, 2012.

This investigation is based on a qualitative research that was realized by a social worker. Guided by her restlessness, the researcher investigated the itinerant workers of downtown São Paulo. It was sought to uncover the routes that were done by vendors until arrival to work on city streets, using two main axis of analysis: the trajectory to work and the public policies. Furthermore, it was tried to verify if the public policies were adherent to the workers reality. An empirical research occurred in the region of the Sé Cathedral, where ten vendors were interviewed. The testimonies highlighted the lack of opportunities as the main driver of the itinerant work. With regard to public policies, the interviewed workers expressed concern, disbelief and ignorance about services, programs and projects of public policies for health, education, welfare, labor and pension. Looking for understanding about the connection be-tween the itinerant commerce and the São Paulo’s social context, it was sought to recover the historical process of metropolitan formation, by the optics of Nicolau Sevcenko. Still trying to understand the city, it were necessary the readings of Manuel Castells and Henri Lefrebvre, and their contribution to the concept of city and urban. The city is understood as a territory of concrete living of persons, where feelings, fights and the living history dwell. The urban is an abstract space, related to the social imaginary and to the constructions associated to the socie-ty’s production mode. Primarily using the studies of Paul Singer, Maria Cristina Cacciamali, João Batista Pamplona and Francisco de Oliveira, it was possible to drive the proposed analy-sis to the concept of informal work, understood as at the edge of the labor laws, but with in-creasing relevance to the Brazilian reality.

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A dissertação aqui apresentada insere-se num processo de dupla diplomação, realizado por meio de uma convenção firmada entre a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo através do Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social e a Universitè Pierre Men-des France por meio do Master 2 Economie Internationale e Globalisation. De setembro a fevereiro de 2010 tivemos a oportunidade de participar do curso “Management des Politiques Sociales et Sanitaires”, sob orientação da Professora Claudine Offredi, pela França e a Profes-sora Mariangela Belfiore Wanderley, pelo Brasil. Através de aulas, leituras e discussões foi possível conhecermos um pouco mais sobre o contexto social francês, o funcionamento das políticas públicas e, sobretudo, o impacto dessas políticas na vida da população.

Em conjunto com os alunos franceses, participamos de um projeto em parceria com a Communauté d'agglomération Grenoble – Metropole1, o qual se denominou projeto Tutoré. O

objetivo do projeto era de construir novos indicadores de riqueza, capazes de evidenciar as riquezas sociais, humanas e culturais não expressas pelos indicadores associados aos valores monetário e econômico. Essa experiência foi de extrema importância, pois estávamos apli-cando na realidade social os conhecimentos adquiridos por meio da teoria.

As disciplinas cursadas nos deram base para o entendimento da estrutura da política social francesa, o cenário o qual elas se estabelecem, seus pontos de articulação entre as vari-adas políticas que a formam e suas intrínsecas contradições no contexto capitalista.

Por fim, é importante destacar que esta experiência de intercâmbio trouxe enriqueci-mentos de ordem intelectual, pessoal e profissional. Uma experiência para lembrar-se por toda a vida.

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INTRODUÇÃO p. 12

CAPÍTULO 1

1. O CENÁRIO p. 18

1.1 Historiando São Paulo, cultura e metropolização p. 20

1.2 Urbanização: um processo em destaque p. 25

1.2.1 A cidade e seu valor p. 30

1.3 Localizando São Paulo e o seu coração: o centro p. 37

1.3.1 Mutações centrais p. 38

1.3.2 O discurso da “revitalização” do centro p. 41

1.3.3 Os jogos de interesses p. 44

CAPÍTULO 2

2. A QUESTÃO DO TRABALHO INFORMAL p. 46

2.1 O trabalho informal no terreno árduo das definições p. 46 2.1.1 O projeto de modernidade, entre o concreto e o abstrato p. 47 2.1.2 O capital, o boom tecnológico e o trabalhador, nesta ordem... p. 51

2.2 O espaço do trabalho informal p. 53

2.2.1 Desdobramentos conceituais do setor informal p. 55

2.3 Pontos de vista p. 60

2.4 O Brasil e o trabalho informal: uma relação quase simbiótica p. 61

CAPÍTULO 3

3. OS ATORES EM QUESTÃO p. 66

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3.5 A tênue linha entre: formal–informal, legal–ilegal, lícito–ilícito p. 83

3.6 No campo das políticas públicas p. 88

3.6.1 As forças políticas em cena p. 99

3.7 O papel dos vendedores ambulantes nos processos de sociabilidade na

região central de São Paulo p. 102

3.7.1 O ambulante e o reflexo de sua imagem p. 103

CAPÍTULO 4

4. A TRAMA p. 106

4.1 O registro das informações p. 106

4.1.1 O processo de coleta de dados p. 107

4.1.2 Sistematização das informações p. 111

4.1.3 Conhecendo os sujeitos

p. 111

4.2 Desvendando as falas p. 117

4.2.1 Trajetória de trabalho p. 119

4.2.1.1 Delineando os grupos entre o passado e o presente: início e

de-senrolar da atividade ambulante p. 119

4.2.1.2 E o futuro... p. 130

4.2.1.3 Ambulante: entrelaçadas motivações no comércio de rua p. 134

4.2.1.4 O Cotidiano nas ruas p. 136

4.2.1.5 A percepção do trabalho ambulante por eles mesmos p. 137 4.2.1.6 A sociabilidade nas vias do centro: ambulantes, transeuntes e o

rapa p. 141

4.3 Políticas públicas p. 145

4.3.1 Política de saúde p. 145

4.3.2 Política de educação p. 147

4.3.3 Política de assistência social p. 148

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4.4 Apontamentos acerca da pesquisa empírica p. 153

CONSIDERAÇÕES FINAIS p. 154

REFERÊNCIAS p. 159

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Introdução

A cidade não para, a cidade só cresce. O de cima sobe, o de baixo desce. Chico Science e Nação Zumbi

Esta pesquisa nasce de um conjunto de inquietações que foram sendo forjadas no de-correr da trajetória de trabalho da autora, que por pelo menos 10 anos utilizava as ruas do cen-tro de São Paulo como caminho para a chegada ao trabalho. Nesse caminho muitas das ex-pressões da questão social eram evidenciadas: os adultos e crianças em situação de rua, os carroceiros, os desempregados, os ambulantes e tantos outros que preenchiam a paisagem paulistana. Diante de tantas possibilidades de estudo, optamos por pesquisar os vendedores ambulantes, dois principais motivos encorajaram a empreitada: primeiro, porque as incertudes presentes no comércio ambulante sujeitam esses trabalhadores a constantes processos de mo-bilidade, o que faz com que suas vidas sofram contínuas mudanças a depender da posição política adotada pela administração municipal. E, segundo, porque há restrita produção aca-dêmica em torno dessa temática, o que dá a oportunidade de contribuir a respeito desse assun-to.

Pesquisar os trabalhadores ambulantes da região central nos possibilitou adentrar nu-ma nova perspectiva de apreensão dessa realidade, suas diferentes representações e significa-dos no contexto citadino. Diante das diferentes formas de trabalho ambulante, optamos por pesquisar o ambulante com barraca, o chamado ambulante de ponto fixo com barracas remo-víveis, com ou sem licença para o exercício atividade.

Pudemos perceber o quanto o comércio ambulante é parte constituinte na vida da po-pulação paulistana e da dinâmica da cidade, principalmente, quando se trata da região central, uma grande economia é movimentada e acionada em torno desse tipo de comércio.

Verificamos que as pessoas que transitam nos lugares em que Costa (1989) caracteriza como “espaços bolhas”1 se utilizam desse comércio costumeiramente, optam por comprar na

barraca dos ambulantes, por motivos que envolvem praticidade, preço e rapidez. Além dos potenciais consumidores, a existência de ambulantes nas áreas do centro também beneficiam os grandes atacadistas da região, pois os produtos comercializados pelos ambulantes são, em grande medida, comprados desses lojistas. (GUERREIRO, 2000).

Iniciarmos o processo investigativo a partir de um levantamento bibliográfico de estu-dos e pesquisas já realizaestu-dos sobre os ambulantes, o que nos possibilitou traçar um panorama

1 Espaços bolhas para Costa (1989) são locais que possuem forte concentração de pessoas e que por esse motivo

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de pesquisas existentes. A partir de leituras teses, dissertações e artigos, foi possível reafirmar e “lapidar” o direcionamento de nossa pesquisa que teve como objetivo desvelar e compreen-der a trajetória percorrida pelos trabalhadores ambulantes até a chegada ao trabalho nas ruas do centro de São Paulo e, assim, localizar as ações das políticas públicas no atendimento a esses trabalhadores. Desse modo, esta pesquisa concentra dois principais eixos de análise: a trajetória de trabalho dos ambulantes e as políticas públicas.

No que concerne à trajetória de trabalho, o propósito foi de traçar e compreender o caminho trilhado por esses trabalhadores até a chegada ao comércio ambulante, no sentido de desvelar os motivos que levaram esses trabalhadores a tornarem-se ambulantes, bem como as motivações que os fazem permanecer.

Quanto às políticas públicas, o escopo delineia-se a partir da compreensão de que o comércio ambulante é, em grande medida, um reflexo do contexto das políticas públicas, de modo que a existência/ausência ou acesso/falta de acesso formam condicionantes importantes para o desenrolar da atividade nas ruas da cidade. Outro ponto em destaque diz respeito à competência do poder público nos processos de gestão da cidade que, além de outras coisas, cria normas e regras para o funcionamento do comércio ambulante, ou mesmo para sua proi-bição.

Desse modo, dois objetivos específicos foram perseguidos: 1) entender como esses trabalhadores sentem e encaram a ação do poder público sobre a condição de trabalho a qual estão submetidos; 2) Analisar se o Estado responde (ou não) à realidade dos trabalhadores ambulantes por meio das políticas públicas.

Ainda, na busca de melhor apreender o objeto desta pesquisa, foi essencial estudar a problemática do trabalho informal e compreender como esse tipo de trabalho engendra-se na sociedade, sendo que ele se apresenta tanto pelo viés marginal quanto funcional ao sistema capitalista. Para esse estudo, recorremos às áreas da economia, ciências sociais e políticas. Assim, pudemos verificar que o trabalho informal é um elemento intrínseco do comércio am-bulante, portanto, um componente imprescindível para nosso estudo.

Um aspecto que merece destaque para analisar o comércio ambulante diz respeito à compreensão dessa atividade como possibilidade de garantia de sobrevivência de determina-dos grupos sociais e que, ao longo do tempo, foi tomando “corpo” como uma possibilidade viável de fuga do desemprego e da miséria.

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A fim de quantificar o comércio ambulante no município, em especial da região cen-tral, direcionamos nossa busca para estatísticas e dados oficiais que pudessem desvelar a re-presentatividade da atividade em relação ao conjunto de trabalhadores no município. Entre-tanto, a escassez de informações consolidadas e apuradas advindas do poder público munici-pal tornou-se um entrave para nossa pesquisa. Assim, as informações quantitativas presentes nesta pesquisa foram colhidas em estudos e pesquisas realizadas por estudiosos do tema.

A subprefeitura da Sé (responsável pelo comércio ambulante na região central) infor-mou não possuir dados apurados sobre a situação dos ambulantes de sua região, oferecendo apenas alguns dados primários referentes ao recadastramento realizado no ano de 2009, a sa-ber: 544 ambulantes permissionários2 na região da Sé, sendo que 35 são sexagenários, 182

fisicamente capazes, 105 deficientes de capacidade reduzida e 222 deficientes de natureza grave.

Foi-nos informado também, que desde mais ou menos 1998, a subprefeitura Sé não emite novos Termos de Permissão de Uso - TPUs. Sobre os ambulantes clandestinos, a admi-nistração Sé informou que não existem estimativas oficiais a esse respeito, contudo, eles acre-ditavam em 2005 que havia cerca de 10.000 ambulantes na região da Sé.

Já o Sindicato dos Permissionários em ponto fixo nas vias e logradouros públicos do Município de São Paulo (SINPESP) informou que o número de ambulantes com TPU, em novembro de 2011, era de 580, não sabendo detalhar a quantidade por categoria.

Desse modo, pode-se verificar que as informações prestadas por essas duas instâncias são incongruentes. Todavia, ambos são enfáticos em retratar a diminuição do número de am-bulantes nos últimos oito anos. Fato que se atrela às políticas de contenção da atividade, re-presentadas principalmente pela não emissão de novos TPUs desde 1998, políticas de repres-são, e mais recentemente, à ação conjunta da polícia militar com a guarda civil metropolitana no controle do comércio ambulante clandestino por meio da chamada Operação Delegada3,

que ocasionou, dentre outras coisas, o aumento da fiscalização aos ambulantes clandestinos e, por conseguinte, a diminuição de seu número.

2 Ambulantes permissionários são aqueles que possuem permissão, através do Termo de Permissão de Usos,

para exercer o comércio de rua em determinadas regiões da cidade, conforme a lei 11.039, de 23 de agosto de 1991 que disciplina o exercício do comércio ou prestação de serviços ambulantes nas vias e logradouros públicos no município de São Paulo.

3 Trata-se de um convênio firmado entre o governo do estado e a prefeitura de São Paulo que autoriza e

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Concomitante à pesquisa bibliográfica, foi realizada pesquisa documental, procurou-se informações contidas em jornais e em documentos legais destacando-se leis, decretos e porta-rias relacionados aos ambulantes na cidade de São Paulo.

Para o estudo empírico, foi adotada a abordagem qualitativa, em que se buscou valori-zar os aspectos qualitativos dos fenômenos, dando evidência aos fatos ignorados da vida soci-al (CHIZZOTTI, 1991).

A pesquisa abrangeu a região central da cidade de São Paulo, área da subprefeitura da Sé, principalmente os distritos Sé, República e Santa Cecília (distritos onde os entrevistados exerciam atividade), envolvendo um total de 10 ambulantes.

A metodologia adotada para a escolha dos entrevistados foi a técnica do snowball que consiste em entrevistas com efeito “bola de neve”, em que um entrevistador indica o próximo. Para iniciar as entrevistas considerou-se a indicação feita pelo presidente do sindicato e a par-tir deste entrevistado foram surgindo novos entrevistados. Foi solicitada a cada entrevistado a indicação de uma pessoa. Quando o entrevistado não tinha a quem indicar, o processo se ini-ciava novamente a partir da abordagem aleatória de outro sujeito para a pesquisa.

A coleta de dados foi realizada por meio da técnica do depoimento pessoal, cuja estru-tura se baseou num roteiro de tópicos4 aplicado aos vendedores ambulantes. Nesse roteiro buscou-se contemplar três principais questões: a trajetória de trabalho, o cotidiano dos vende-dores ambulantes e as apreensões desses trabalhavende-dores a respeito das políticas de saúde, edu-cação, assistência social, trabalho e previdência social.

Após a coleta dos depoimentos dos ambulantes, sentimos a necessidade de entrevistar outro sujeito que não fosse ambulante, mas que participasse de algum modo da realidade des-ses trabalhadores. Assim, optamos por entrevistar um agente da guarda civil metropolitana atuante na região central, por compreendermos que sua função de fiscalizar o comércio ambu-lante o faz ter proximidade com a questão. Por não representar a opinião da corporação o guarda entrevistado preferiu não ser identificado, utilizando, dessa maneira, o nome fictício Marcos. A partir de um roteiro5 norteador, abordamos questões que pudessem desvelar a

per-cepção do guarda em relação aos ambulantes e, também, retratar sua opinião a respeito das políticas públicas no concernente ao atendimento às necessidades dos ambulantes. Por se tra-tar de questões de ordem singular do sujeito, a escolha do guarda se valeu de indicação pesso-al.

4 Apêndice A: Roteiro para depoimento dos ambulantes.

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Com o intuito de traçar o percurso de trabalho de ambulantes, esta pesquisa buscou a-través de quatro capítulos explicitar os condicionantes internos e externos presentes no fenô-meno do comércio ambulante na cidade de São Paulo, sendo dividida da seguinte forma:

O primeiro capítulo aborda a história da cidade de São Paulo, como ponto de partida. Tratando dos processos de urbanização adotados entre o final do século XIX e início do sécu-lo XX, em que se encontra, dentre outros elementos, a ascensão da cidade a partir da produção do café. Abrangemos também os processos de urbanização ocorridos no correr do século XX, no qual se enfatizam as migrações internas e externas como importantes propulsoras do cres-cimento vertiginoso da cidade. Foram discutidos os possíveis usos da cidade, principalmente no que se refere aos usos advindos da economia capitalista, em que vêm prevalecendo o uso da cidade como valor de troca em detrimento de seu valor de uso. E por fim, apresentamos a região central de São Paulo, nosso lócus de pesquisa, onde se localizam diversos processos de mutações, disputas de interesses e forças contrárias em constante luta para a apreensão do espaço. Para essas reflexões foram utilizadas, principalmente, as contribuições de Nicolau Sevcenko, Manuel Castells e Henri Lefebvre.

O segundo capítulo concentra-se nas questões concernentes ao trabalho informal, em que foi abordada a complexidade presente em termos de apreensão teórica e de discussão no cenário das relações de trabalho existentes na sociedade brasileira. Neste contexto insere-se a discussão do trabalho informal e suas interfaces com o processo de industrialização decorrido da Modernidade, em que se evidenciou um cenário de forte excedente de mão de obra, que impulsionou o surgindo de diversas atividades informais, em destaque às ligadas ao comércio de rua. Neste capítulo também são abordados as diversas apreensões conceituais que circun-dam o setor informal, considerado como parte constitutiva do sistema capitalista de produção, bem como sua aparente relação de conflito no que tange à sociedade salarial e ao trabalho formal. Tratamos das diversas abordagens em torno da conceituação do trabalho informal e a relação quase simbiótica da sociedade brasileira com as diversas manifestações de informali-dade. Para analisar esse contexto nos apoiamos especialmente em João Batista Pamplona, Paul Singer, Francisco de Oliveira e Maria Cristina Cacciamali.

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comércio de rua, e que se buscou alguns entendimentos entre diversos autores a respeito das nomenclaturas de ambulantes, camelôs, marreteiros e permissionários utilizadas para os traba-lhadores do comércio de rua. Outro ponto importante desta seção, diz respeito às possibilida-des de utilidade social proporcionadas pelo comércio ambulante no contexto da cidade mo-derna, de modo a evidenciar suas contradições e relações de imbricamento com a sociedade de mercado. Também, tecemos, nesse capítulo, apreensões do contexto dos ambulantes no tocante aos escusos limites entre o formal e informal, lícito e ilícito, legal e ilegal. Utilizamos como base as produções acadêmicas de Alexandre de Abreu Dallari Guerreiro, Elisabeth Goldfarb Costa, Hamilton D’Ângelo e Luciana Itikawa, bem como as produções autorais de Heitor Frúgoli Junior, Vera Telles e Pamplona.

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1. O CENÁRIO

Figura 1 – Vista da cidade de São Paulo do alto do Edifício Altino Arantes (Banespão) . Foto: Fabiane A. M. Gomes. Abril 2010.

Venha até São Paulo

(Itamar Assumpção6) Venha até são paulo

São paulo tem socorro, tem liberdade, tem bom retiro Tem esperança, tem gente e mais gente, cabe invade São paulo tem muitos santos espalhados pelo estado Tem são judas, são caetano, santo andré, tem são bernardo Tem são miguel, são vicente, do outro lado tem são carlos Tem santo

Que nem me lembro são joão clímaco, santo amaro e a capital são paulo Tem o largo de são bento no centro

E no litoral tem santos, há santas também É claro, santa efigênia, santana, santa cecília, Tem santa clara...

Venha até são paulo ver o que é bom pra tosse Venha até são paulo dance e pule o rock and rush Entre no meu carro vamos ao largo do arouche Liberdade é bairro mas como japão fosse Venha nesse embalo concrete fax telex Igreja praça da sé faça logo sua prece

Quem vem pra são paulo meu bem jamais esquece Não tem intervalo tudo depressa acontece

Não tem intervalo

6 Cantor, compositor, instrumentista, arranjador e produtor musical brasileiro destacado no cenário independente

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Vai e vem e tchan e tchum êta sobe desce Gente do nordeste, do norte aqui no sudeste

Batalhando nesse mundaréu de mundo que só cresce Só carece

Venha até são paulo relaxar ficar relax Tire um xérox, admire um triplex

Venha até são paulo viver à beira do stress Fuligem catarro assaltos no dia dez

A música de Itamar Assumpção Venha até São Paulo retrata, de maneira crítica e pro-funda, a realidade de quem vive em São Paulo. Por meio do aparente ele busca a essência da cidade, a essência de sua efervescência. No trecho: “Tem esperança, tem gente e mais gente, cabe e invade”, fica evidente a constituição de São Paulo como uma cidade símbolo de espe-rança para milhões de brasileiros, espeespe-rança de um futuro melhor, espeespe-rança de uma vida me-lhor, viabilizada pela possibilidade de trabalho na busca por uma possível ascensão social. Sentimento este que fez milhões de brasileiros se deslocarem de suas “terras” para tentar a vida na cidade de São Paulo, sem contar os tantos estrangeiros que encontraram nela a fuga das guerras, das misérias.

Itamar também retrata em seus versos os bairros da cidade que são designados por nomes de santos e santas da Igreja Católica, o que nos remete à herança deixada pelos jesuítas desde a época da fundação da Vila de São Paulo, outrora São Paulo de Piratininga, em 1554.

Seus versos falam ainda da correria que é viver na São Paulo moderna, dos compro-missos incessantes, do nível de estresse de seus habitantes, além da violência que marca a cidade. Ele traz também o grau de riqueza e modernidade da cidade, com suas paisagens de prédios e mais prédios, e o seu planejamento urbano voltado para os automóveis particulares (promotores de poluição e congestionamento) em detrimento dos transportes públicos (que atende maior quantidade de pessoas com um gasto de energia proporcionalmente menor). Uma cidade que “só cresce, só carece”, São Paulo vem demonstrando pouca eficiência no acolhimento de seus cidadãos, cresce em termos de população e carece em termos de políticas públicas.

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para a formação da cidade em seu processo de urbanização? Quais as estratégias utilizadas para o processo de sociabilidade da população paulistana? Diante de tais questões, importa recorrer às análises históricas do percurso da formação da sociedade paulistana, fazendo um retrospecto até a cidade atual, cujo embasamento se pautará, especialmente, nas reflexões de SEVCENKO (2000), sobre os primeiros espectros da metropolização da cidade.

1.1 Historiando São Paulo, cultura e metropolização.

Estrategicamente localizado num grupo de colinas cercadas pelos rios Tietê e seus afluentes, Pinheiros e o Tamanduateí, o então aldeamento de São Paulo foi instalado num ponto geográfico importante no tocante às possibilidades de defesa e comunicação dos que lá habitavam, os jesuítas. Do alto da colina era possível manter uma vigilância privilegiada, a-brangendo um amplo horizonte, necessário para a proteção dos “brancos isolados contra as hostes dos indígenas indóceis(SEVCENKO, 2000, p. 76). Outro fator preponderante era a facilidade de acesso pelo rio Tietê que possibilitava maior interação com outros pontos da cidade, bem como, com pontos direcionados para os “sertões interiores, que tanto se conecta com a rede hidrográfica em direção ao sul e à bacia do rio da Prata quanto facilita o acesso em direção ao centro do país até o Rio São Francisco, e para o oeste e norte, rumo à bacia hidro-gráfica do Amazonas” (SEVCENKO, 2000, p. 75), facilitando assim a missão dos jesuítas na catequização de povos indígenas em diversas regiões do país.

A localização de São Paulo como habitação apresentava grandes percalços, como suas

[...] colinas íngremes, cortadas por riachos e sem conexões diretas uma com as outras. Concebida como aldeamento indígena e como refúgio, a última coisa que aquela pequenina povoação poderia se tornar, em vista das péssi-mas condições topográficas, era uma aglomeração urbana. Mas o impossível e o indesejável se impuseram pelas vicissitudes aleatórias da história (SEV-CENKO, 2000, p. 76).

A falta de recursos, pobreza e más condições de vida, caracterizavam São Paulo até meados do século XIX. Diante das precárias condições de vida, restava aos homens jovens a busca de alternativas de sobrevivência fora do vilarejo, alternativas estas que se limitavam, muitas vezes, à “caça” de índios para a revenda como escravos.

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esti-mulantes de origens tropicais, uma vez que estes contribuíam para a adaptação das populações aos novos ritmos de vida que a modernidade trazia (cf. SEVCENKO, 2000).

Em meados dos anos 1870, o estado de São Paulo passou a ser uma peça importante nesse contexto industrial, justamente com o cultivo de uma planta “que se tornou indispensá-vel às condições da vida moderna” (SEVCENKO, 2000, p. 77):o café. Os grandes fazendei-ros brasileifazendei-ros, ao perceberem a demanda pelo ouro verde, localizaram no Vale do Paraíba, eixo que ligava a capital, Rio de Janeiro, a São Paulo, uma ecologia favorável ao cultivo do produto. Ao chegar em solo paulista, o cultivo do café encontrou uma terra de decomposição vulcânica especialmente favorável à produção do grão, o que acelerou o ritmo da produção, “e transformou a expansão no boom da cafeicultura” (SEVCENKO, 2000, p. 77).

Assim, São Paulo tornou-se, nos anos 1870, o reino do café, controlando 70% de todo mercado mundial. Entretanto, como nem tudo são flores, nota-se que quem administrava tal produção não eram os brasileiros, e sim os comerciantes ingleses, responsáveis por controlar os processos de produção, transporte e comercialização.

Eleita como um ponto estratégico para a geoeconomia do café, São Paulo apresentava um posicionamento tático entre os dois extremos do empreendimento: a produção no interior do estado e a exportação através do porto de Santos. Desta maneira, contribuiu para a prospe-ridade do negócio e foi por ela beneficiada.

No vilarejo de São Paulo, que até então não possuía nenhum atrativo especial, iniciou-se um acelerado processo de metropolização. O local passou a atrair imigrantes de diversas nações e pessoas de todas as regiões do país. Foi-se somando à empresa cafeeira outras for-mas de investimentos, por vezes mais rentáveis e duráveis:

Os vultosos recursos acumulados pelos negócios relacionados ao café foram se desdobrando rapidamente em variados outros investimentos comerciais, industriais, financeiros e na atividade que se revelou a mais lucrativa numa cidade em crescimento explosivo, a especulação imobiliária (SEVCENKO, 2000, p. 78).

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Tabela 1 – Crescimento demográfico da cidade de São Paulo

Ano População

1872 19.347

1890 64.934

1905 279.000

1920 579.000

1934 1.060.120

1940 1.568.045

1950 2.662.786

1960 4.739.406

1970 8.139.730

1980 8.475.380

1990 9.512.545

2000 10.426.384

2010 11.245.983

2011 11.337.021

Fonte: Tabela composta pela autora com base na Fundação Seade e Sevcenko (2000).

Como demonstrado na tabela 1, a cidade de São Paulo apresentou forte ascensão de-mográfica entre o final do século XIX até a primeira década do século XXI. No período com-preendido entre 1872 a 1890 (18 anos), apresentou crescimento de mais de 45 mil pessoas. De 1890 a 1905, intervalo de 15 anos (período inferior ao primeiro), o crescimento alcançou a marca de 215 mil pessoas, ou seja, um acréscimo de 170 mil habitantes. De 1905 a 1920 (também um intervalo de 15 anos), o crescimento expandiu em pelo menos 50 mil pessoas a mais em comparação ao período anterior, registrando 300 mil habitantes. Já no outro interva-lo, de 1920 a 1934 (14 anos) os dados saltam para de 1.060.120 habitantes, um aumento de mais de 570 mil pessoas, em relação ao período anterior, de modo que alcança nesse ano o contingente populacional necessário para ser chamada de metrópole. Entre 1934 e 1940 o crescimento permanece em grande ascensão, registrando, em seis anos, mais de 500 mil pes-soas. Já as décadas subsequentes a 1940, a contagem a cada dez anos, apresentou aumento em milhões de pessoas. Assim, de 1940 a 1950 a população cresceu mais de um milhão. De 1950 a 1960 registrou mais de dois milhões e assim ascendendo vertiginosamente até a década de 1980 em que começa a registrar um aumento mais moderado em relação às décadas anterio-res.

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proprie-tário de uma das maiores fortunas do país, detentor de grande influência e riqueza, com atua-ção no ramo cafeeiro, possuindo investimentos em indústrias, casas de exportaatua-ção, ferrovias e bancos.

No período de 1889 a 1910 Antônio Prado foi prefeito da cidade de São Paulo. Inspi-rado pelas cidades européias, em especial Paris, buscou realizar mudanças na paisagem da cidade que viriam a alterar completamente seu cenário urbano (SEVCENKO, 2000). Pode-se dizer que havia uma intenção de adaptar a cidade de São Paulo aos moldes parisienses, inclu-sive e, em especial, no que se refere ao projeto arquitetônico e cultural:

Conhecedor íntimo das grandes capitais européias, sobretudo de Paris, onde passara praticamente toda sua mocidade, [Antônio Prado] acompanhou o processo de reforma urbana do 2º Império entre 1853 e 1869 comandado pe-lo Barão Hausmann, de quem se tornou um entusiasta. Ao assumir a prefei-tura de São Paulo, procurou adaptar o mesmo projeto a uma cidade que à-quela altura, concentrava uma enorme riqueza, mas mantinha ainda as paca-tas feições da antiga aldeia do período colonial (SEVCENKO, 2000, p. 74).

Desta maneira, o prefeito contratou dois engenheiros-arquitetos com vasta experiência de trabalho na cidade luz, Bouvard e Cochet. O objetivo era transformar a antiga aldeia colo-nial numa metrópole moderna de recorte europeu, e para isso quase toda a aldeia colocolo-nial foi destruída. Construíram-se dois viadutos de ferro para ligar as duas colinas da área central, “antes separadas por declives íngremes, pântanos e o riacho Anhangabaú” (SEVCENKO, 2000, p. 79), sendo este último canalizado e “sobre ele construído um elegante parque ajardi-nado” (p. 79).

O prefeito tinha o hábito de passear pelos parques, refrescar-se nas fontes e descansar nos bancos. Juntamente com sua família, saía para os passeios na região central da cidade e por fim, fechava o programa assistindo a um concerto. Vindo da família mais rica do país, esta era uma atitude inimaginável. Além de criar um espaço agradável de sociabilidade, onde todos pudessem desfrutar da elegante paisagem, o intuito do prefeito era projetar edifícios públicos como marcos cívicos de referência. Aprovando a ideia de Antônio Prado, a popula-ção paulistana, “antes recatada e presa aos espaços domésticos, contagiou-se do entusiasmo pelos ‘salões verdes’ e saía em legiões nos fins de semana, para passeios, exercícios e ‘pic-nics’ nos parques e jardins” (SEVCENKO, 2000, p. 82).

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inspira-ção, o que contribuiu para o desenvolvimento da arte na e para a cidade São Paulo e acabou por estimular a pretendida reforma cultural.

O escritor Paul Adam, ao ilustrar suas observações sobre São Paulo, olhada pela pers-pectiva da parte de baixo das colinas, anotou: “Existe em São Paulo, nos altos e baixos de suas colinas, uma cidade luminosa, com telhados vermelhos sobrepostos, nas encostas amon-toadas ao fundo. Pelas cores do mesmo sol pelo traçado das ruas, nos vêm lembranças de Ve-rona e outras cidades italianas” (ADAM, 1914 apud SEVCENKO, 2000, p. 83). Quando o ângulo de visão era a parte superior, registrou: “O centro da cidade e suas ruas estreitas, que os bondes e automóveis atravancam, e suas pequenas casas, as lojas abertas, os claros arma-zéns, sugerem certos aspectos de Londres” (ADAM, 1914 apud SEVCENKO, 2000, p. 83). Estas duas passagens mostram bem a diversidade arquitetônica promovida em São Paulo. Quando o ângulo visão era a partir da colina a paisagem lembrava os ares londrinos, quando era inversa, na parte inferior da colina, a lembrança era das cidades italianas. Como apontado por Sevcenko, “a cidade tinha a aparência de uma colcha de retalhos cosmopolita” (2000, p. 84).

Já o poeta suíço Blaise Cendrars, trazido para São Paulo em 1923, retratou a cidade em seus poemas de maneira muito particular. De acordo com Sevcenko (2000), Cendrars teve uma empatia “imediata e completa” (p. 87) por São Paulo, saindo e voltando inúmeras vezes durante sua estadia ao longo da década de 20. Mesmo sem falar português Cendrars se dispôs a perambular pelas ruas da cidade, colher impressões e registrá-las instantaneamente. Obser-vou desde os pontos mais altos da colina, os espaços das elites, até, e especialmente, os pontos mais baixos, onde eram localizados os bairros populares, territórios esses que o poeta tinha estreita identificação pessoal. Dentre os vários poemas escritos, o que se segue recebeu o su-gestivo nome de São Paulo. Vale à pena reproduzi-lo na íntegra (BLAISE CENDRARS, 1985 apud SEVCENKO, 2000):

Adoro esta cidade

São Paulo é como o meu coração Aqui nenhuma tradição

Nenhum preconceito Nem antigo nem moderno

Só contam esse apetite furioso essa confiança absoluta esse otimismo essa audácia esse trabalho esse esforço essa especulação que fazem construir dez casas por hora de todos os estilos ridículos grotescos belos grandes pequenos norte sul egípcio ianque cubista

(26)

uma enorme imigração Todos os países

Todos os povos Eu amo isso

As duas três velhas casas portuguesas que restam são faianças azuis.

Outros artistas também compuseram a caravana artística europeia para São Paulo, tais como Lasar Segall e Gregori Warcharvchik, todos registrando suas impressões sobre o con-texto citadino paulistano. Esses diferentes artistas vinham de diferentes vertentes, contribuin-do ainda mais para o desenvolvimento estético da cena paulistana. Na contramão desse deslo-camento Europa-Brasil, mas com a mesma intenção de enriquecer o cenário cultural tupini-quim, vários artistas brasileiros dirigiram-se ao considerado principal berço da cultura euro-peia e mundial, Paris. Foram eles: o compositor Heitor Villa-Lobos, o poeta Oswald de An-drade, a pintora Tarsila do Amaral, o escultor Victor Brecheret e o cineasta Alberto Cavalcan-te. Neste período (1923-1924) Blaise Cendrars estava em Paris e pôde fazer as honras da casa, realizando encontros entre os artistas brasileiros e artistas de origens diversas, que lá também se encontravam.

O objetivo de Paulo Prado, ao incentivar a vinda de artistas estrangeiros, “era projetar São Paulo, o Estado e a capital, como os focos irradiadores dos valores da modernidade e da cultura cosmopolita, que emancipariam o Brasil da condição histórica retrógrada legada por seu passado colonial” (SEVCENKO, 2000, p. 88).

1.2 Urbanização: um processo em destaque

A cidade de São Paulo representa o principal polo de desenvolvimento econômico do país (posto que lhe é atribuído desde o século XX). Configurou-se como um dos principais destinos dos imigrantes estrangeiros, em especial europeus e asiáticos, no início do século XX, para o suprimento da necessidade de mão de obra para a indústria cafeeira. Outro grande propulsor do crescimento da cidade diz respeito às numerosas migrações populacionais ad-vindas dos quatro cantos do país, principalmente do nordeste a partir dos anos 1950, cujo es-copo se traduzia pelo desejo de melhores oportunidades de vida na “cidade que mais cresce no mundo”7. Para a análise da repercussão dos processos migratórios nas cidades, Castels (1983,

p. 62) acrescenta:

(27)

[...] o fenômeno essencial que determina o crescimento urbano é o das mi-grações. A fuga para as cidades é, em geral, considerado muito mais como o resultado de um push rural do que de um pull urbano, quer dizer, muito mais do que uma decomposição da sociedade rural do que como expressão do di-namismo da sociedade urbana. O problema é saber a razão pela qual, a partir da penetração de uma formação social por uma outra, irrompe um movimen-to migratório, quando as possibilidades de emprego urbano são muimovimen-tos infe-riores às dimensões da migração e as perspectivas de nível de vida são bem reduzidas.

Assim, podemos constatar que as ações governamentais estavam voltadas a um mode-lo de desenvolvimento nacional centrado na região Sudeste, em particular na Grande São Pau-lo com o cerne na capital paulistana. Os estímuPau-los para implantação de empresas, tecnoPau-logias, foram destinados primordialmente para essa região, que ao longo do tempo foi recebendo grande número de pessoas e adensando rapidamente seu contingente populacional. Kowarick (2009, p. 88) explicita algumas situações alavancadas por tal ação:

É importante realçar que, entre 1930 e 1980, foi massivo o deslocamento de habitantes das zonas rurais e dos pequenos aglomerados rumo às grandes metrópoles, dentre as quais destacava-se a Grande São Paulo, o que implica-va desenraizamento social e econômico [...] Nunca é demais recordar que mobilidade territorial significou muitas vezes e até em tempos atuais escapar da miserabilidade ou mesmo da violência perpetrada pelos potentados agrá-rios. Por outro lado, via de regra, ocorria no ponto de chegada, a Metrópole, inserção nas engrenagens produtivas que podia não ser o emprego regular e frequentemente era mal remunerado, porém contínuo [...].

Este adensamento populacional, em tão curto espaço de tempo, provocou na cidade situações colapsais que se traduziram em degradação dos equipamentos e serviços urbanos destinados ao uso coletivo, miséria da população, além claro, das questões referentes ao mer-cado de trabalho, em que a demanda de mão de obra cresceu exponencialmente face à oferta de postos de trabalho, provocando um arrocho nas conquistas trabalhistas e acirrando a com-petição entres os trabalhadores por uma vaga de emprego. Ou seja, o desenvolvimento da ci-dade de São Paulo não acompanhou o seu crescimento.

Num período de 50 anos (de 1930 a 1980) a população da cidade cresceu quase 7,5 milhões de pessoas (apresentando a quantia de 1.060.120 e 8.475.380, respectivamente), re-presentando uma média anual de crescimento em torno de 150 mil pessoas. Contudo, sabe-se que este crescimento não foi linear, mas sim desigual, havendo períodos que a cidade recebeu mais de 500 mil habitantes ao ano (APARECIDA DE SOUZA, 1999).

(28)

transforma-ções ocorridas nas formas de urbanização das sociedades de hoje. Numa ação que envolve o indutor e o induzido, o processo de industrialização seria o indutor, e as transformações da cidade, os problemas relativos ao seu crescimento, seu desenvolvimento etc., se configurariam como o induzido, como um produto da industrialização agindo na concretude da engrenagem social (LEFEBVRE, 1969). Entretanto, é importante destacar que o surgimento da cidade é anterior a este processo, como denota Lefebvre (1969, p. 10):

A industrialização fornece o ponto de partida da reflexão sobre nossa época. Ora a Cidade preexiste à industrialização. [...] Houve a cidade oriental (liga-da ao modo de produção asiática), a ci(liga-dade arcaica (grega ou romana, liga(liga-da à posse de escravos), depois a cidade medieval (numa situação complexa: in-serida em relações feudais, mas em luta contra a feudalidade da terra). A ci-dade oriental e arcaica foi essencialmente política: a cici-dade medieval, sem perder o caráter político, foi principalmente comercial, artesanal bancária.

O advento da industrialização submergiu muitas das cidades preexistentes a ele: as cidades pequenas foram aos poucos perdendo suas populações (camponeses sem posses ou arruinados) que migraram para as capitais industrializadas em busca de trabalho e meios de subsistência. Como exemplifica Lefebvre (1969, p. 15):

Em Veneza, a população ativa abandona a cidade pela aglomeração industri-al que, no continente, tem o dobro de seu tamanho: mestre. Esta cidade entre as cidades, um dos mais belos legados das épocas pré-industriais, está amea-çada não tanto pela deterioração material devido à ação do mar ou ao afun-damento do terreno quando pelo êxodo dos habitantes. Em Atenas, uma in-dustrialização relativamente considerável atraiu para a capital as pessoas das cidades pequenas, os camponeses. A Atenas moderna não tem mais nada em comum com a cidade arcaica, coberta, absorvida, desmesuradamente esten-dida. Os monumentos e lugares (ágora, acrópole) que permitem encontrar a Grécia antiga não representam mais do que um local de peregrinação estética e de consumo turístico.

Os processos de industrialização e urbanização, crescimento e desenvolvimento, pro-dução econômica e vida social, são aspectos inseparáveis de um mesmo processo, contudo se evidenciaram no contexto social numa relação conflitante. Na dificuldade de apreensão da complexidade apresentada pela industrialização, a realidade urbana se chocou com a realidade industrial, portanto um movimento dialético é verificado, trazendo à tona novas problemáti-cas.

(29)

não pressupõe que seus habitantes tenham o que a autora chama de urbanidade; ou seja, o “amadurecimento das relações políticas e socioculturais no urbano” (p. 131). Vive-se uma urbanização em que as pessoas não têm o pleno exercício da cidadania, compreendido em sua amplitude, considerando a qualidade nas condições de vida, acesso aos bens culturais, sociais, políticos e econômicos produzidos em uma sociedade. Segundo a mesma autora, esta popula-ção excluída de tal urbanidade, recebe deste processo de urbanizapopula-ção somente os seus resí-duos,

[...] respirando o ar poluído da metrópole, habitando (quando conseguem um abrigo) em condições precárias, sem abastecimento de água potável, sem co-leta de lixo, sem transportes coletivos suficientes e adequados, sem atendi-mento médico-hospitalar etc., sem condições de emprego que permita condi-ções mínimas de reprodução e, fundamentalmente, sem que seus desejos e aspirações sejam considerados. Sem, enfim direito à voz [...] (RODRIGUES, 1999, p. 132).

Uma cidade mosaico, este é um bom termo para identificar São Paulo. Na literatura existem muitas obras dedicadas a tratar das impressões sobre São Paulo; geógrafos, sociólo-gos, arquitetos, músicos, poetas, cada qual possui uma imagem desta cidade tão complexa e voraz. Mas muitos consensos são compartilhados por esses estudiosos, São Paulo é uma mis-tura de tudo um pouco, a começar pelo seu povo que tem um pouco de indígena, do negro, do asiático, do europeu, portanto, o povo brasileiro. E a cidade também possui um pouco de cada cultura em suas paisagens, uma mistura de arquitetura europeia, francesa, inglesa, até a arqui-tetura da subsistência revelada nas autoconstruções e nos barracos das favelas.

Na década de 1930, Claude Lévi-Strauss (1993 apud SEVCENKO, 2000, p. 84) quan-do aqui esteve, a descreveu da seguinte maneira: “era uma cidade selvagem, como o são todas as cidades americanas. (...) São Paulo era então indômita”. Mario de Andrade (1966, p. 46) também a descreveu exaustivamente em seus poemas, como em Paisagem N. 2, do livro Pau-licéia Desvairada:

[...]

São Paulo é um palco de bailados Russo.

Sarabandam a tísica, a ambição, as invejas, os crimes E também as apoteoses da ilusão...

Mas o Nijinsky sou eu!

E vem a morte, minha Karsavina!

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Kowarick (2011, p. 9), em obra recente descreve: “Cidade multifacetada, plena de contrastes, conjugando dinamismo e exclusão, coração econômico do país marcado por vastas extensões de pobreza, São Paulo tem sido objeto de muitos olhares”.

No início da década de 1990 Olievenstein e Laplantine (1993, p. 15) a descreveram como: “[...] Cidade sem forma, sem alma, sem memória, São Paulo aparentemente não foi pensada para que pensássemos nela”.

Percebe-se que não há muitas diferenciações entre as descrições feitas no primeiro quarto do século XIX, com as do início do século XXI, as descrições sobre São Paulo possu-em o mesmo tom. Um tom de melancolia unido a aspectos de contradição, onde reinam e coa-bitam o crescimento econômico, a pobreza desmesurada e as mais diversas formas de desi-gualdade social.

A cidade, em determinadas regiões, apresenta contornos diversos. Nas antigas regiões onde habitava a elite paulistana, a paisagem apresenta um “ar” francês com um toque de tra-dição inglesa em determinadas obras arquiteturais. Prédios com arquitetura importada, par-ques e jardins arborizados, desenhados por engenheiros/arquitetos franceses, são exemplos disso: o Teatro Municipal, o Vale do Anhangabaú, a Estação da Luz, o Palácio do Governo, o Parque da Independência entre outros. Numa outra região denominada quadrante Sudoeste (novo local das elites), existe uma arquitetura moderna, prédios fabulosos, ruas arborizadas (as famosas alamedas), tudo muito planificado e com muita riqueza residente. Enquanto que, em outro lado (o lado maior, diga-se de passagem) – sobretudo nas periferias –, a cidade mos-tra uma realidade obscura, casas autoconstruídas, em blocos vermelhos ou cinzas sem reboco, favelas por toda a parte, um aglomerado de pessoas sem condições básicas de sobrevivência, ruas pobres, sem verde, sem natureza. Sem falar dos diversos cortiços e amontoados residen-ciais localizados em alguns bairros centrais. Todos esses espaços configuram o que podería-mos denominar de os espaços dos renegados, onde se situam, além de outras questões, a au-sência de planejamento urbano aliado à carência de intervenções públicas.

(31)

De um lado, São Paulo mostra um cenário moderno, dispondo de recursos dos mais diversos, contemplando as tecnologias das mais avançadas, meios de comunicação e informa-ção de última gerainforma-ção, universidades de ponta, hospitais de referência, isso sem contar a eco-nomia que desponta grandiosamente em relação às diversas cidades do país, permitindo que uma gama de investimentos sejam realizados diariamente. Só para termos um parâmetro, a cidade de São Paulo apresentou em 20098, quase 36% da participação no Produto Interno

Bru-to (PIB) do Estado de São Paulo (SEADE, s.d.b). Por outro lado, também salta aos olhos um amontoado caótico de mais de 11 milhões de habitantes, um aglomerado de pessoas sem em-prego ou subempregadas, trabalhos precários, esporádicos, informais. Crianças sem escolas, sem lazer, sem saúde. Mulheres chefes de família, entre a cruz e a espada – entre cuidar dos filhos ou trabalhar fora e lhes proporcionar o mínimo para a sobrevivência. Arranjos familia-res dos mais diversos, incompreendidos e inalcançados pelas políticas públicas.

1.2.1 A cidade e seu valor

As cidades são lugares repletos de sonhos, desejos, sentimentos, lutas. São espaços que se constituem territórios de vivência, onde residem pessoas que constroem seus vínculos sociais, que constroem suas vidas. Portanto, são espaços cheios de significados e significa-ções, não podendo ser visto apenas como espaço de troca, pois muito além da troca constitu-em-se nesses espaços os usos.

[...] a cidade é obra, a ser associada mais com a obra de arte do que com o simples produto material, se há uma produção da cidade, e das relações soci-ais na cidade, é uma produção e reprodução de seres humanos por seres hu-manos, mais do que uma produção de objetos. A cidade tem uma história, ela é a obra de histórias, isto é, de pessoas e de grupos bem determinados que realizam esta obra nas condições históricas (LEFEBVRE, 1969, p. 48).

O capitalismo traz para a cidade a “orientação irreversível do dinheiro, na direção do comércio, na direção das trocas, na direção dos produtos” (LEFEBVRE, 1969, p. 10), o que vem a contrastar com a orientação da cidade como uma obra, mais assemelhada a uma obra de arte do que a uma obra material, a um produto. “Com efeito, a obra é um valor de uso e o pro-duto o valor de troca” (LEFEBVRE, 1969, p. 10).

8 Não foram encontrados dados mais recentes sobre a participação do PIB anual paulistano no PIB do estado de

(32)

Nesse sentido, dois importantes atores encenam o enredo da cidade capitalista: o Esta-do e o MercaEsta-do. Ambos têm o poder de interpenetração na cidade.

O Estado ocupa um papel de centralidade na trama da sociedade urbana, é mediador das relações entre sociedade e mercado e opera nas relações de poder, decisão e controle da vida em sociedade.

Na ideologia capitalista, a cidade é vista, primordialmente, como o espaço do consumo e do lucro. A cidade se constitui, assim, como rede de circulação e de consumo – de mercado-rias, de pessoas, de informações. Desta forma, o sistema capitalista suprime o valor de uso da cidade e no lugar institui, sobretudo, seu valor de troca, tornando a cidade um “mero” produto dentro do contexto do capital. Desse modo, as subjetivações da cidade (produzidas por seu povo) são sucumbidas, dando lugar ao consumo exacerbado, em que a alegria é encontrada nas vitrines das lojas, fenômeno chamado por Lefebvre (1969) de ideologia da felicidade, “a alegria através do urbanismo adaptado à sua missão. Este urbanismo programa uma quotidia-neidade geradora de satisfações [...]” (LEFEBVRE, 1969, p. 29). O autor, alertando sobre o futuro do consumo (hoje, presente), do consumo programado e cibernetizado, afirma que este “tornar-se-á regra e norma para a sociedade inteira” (p. 29).

Cabe aqui salientar que as expressões cidade e urbano são categorias distintas: o urba-no situa-se urba-no plaurba-no do abstrato e a cidade urba-no plaurba-no do concreto. Portanto, o primeiro é rela-cionado ao imaginário social, constituído pelo modo de produção, enquanto a cidade é o locus onde vivem as pessoas, onde são construídas as relações, onde são expostas as necessidades. Como explicita Aparecida de Souza:

O urbano é a expressão espacial do modo de produção: é mundial, abstrato. O mundo capitalista é urbano. Indo mais além: o mundo hoje é urbano. Já a cidade é o concreto, onde vivem os cidadãos: é o material, o conjunto das in-fraestruturas, dos equipamentos, enfim de toda a materialidade que permite a vida coletiva de um conjunto cada vez maior de cidadãos coabitando (1999, p. 35).

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[...] a expressão concreta de cada conjunto histórico, na qual uma sociedade se especifica [...] Isto quer dizer que não há teoria do espaço que não seja parte integrante de uma teoria social geral, mesmo implícita (p. 146).

Ao tratar do urbano, Castells (1983) propõe o termo ideologia urbana, definindo-a co-mo uma “ideologia específica que apreende os co-modos e formas de organização social” (p. 99), apreendida num dado espaço de tempo, numa dada realidade social, num dado momento his-tórico, e estritamente ligada às condições técnicas e naturais da humanidade. Ainda discorre sobre a sociedade urbana, entendida como “certo sistema de valores, normas e relações sociais possuindo uma especificidade histórica e uma lógica própria de organização e de transforma-ção” (p. 100).

Nesse sentido, essa especificidade histórica pode ser relacionada ao modo vida alavan-cado a partir do sistema capitalista, que reconhece a cidade como locus dinamizador da vida moderna, como rede de circulação e de consumo, como centro da vida social e política, como espaço onde são estabelecidas as relações econômicas. Tudo isso se contrapõe à noção da cidade como obra, que, por sua vez, seria marcada pela concretude da vivência de seus cida-dãos. Assim, é possível dizer que a cidade se insere num campo contraditório: por um lado é demonstrada pela vivência de seu povo, os percursos de vida, a história engendrada no espa-ço; por outro, é alimentada e mantida pela centralidade econômica e pela circulação de mer-cadorias. Logo, a cidade se manifesta por uma dupla morfologia, social de um lado e material de outro.

Para corroborar com a análise, Wanderley e Raichelis (2009) assinalam que

As cidades são o lócus privilegiado de convivência, harmoniosa e conflituo-sa, de pessoas, grupos, associações, movimentos, ONGs, partidos políticos, setores da sociedade civil e dos governos. Exatamente porque nelas compa-recem os convergentes e divergentes valores, objetivos, interesses, ações, dos múltiplos setores e forças sociais que constituem a sociedade contempo-rânea, a formulação de planos, planejamentos, programas, projetos de gover-no e as metas de assegurar governabilidade e governança são desafios de monta. E que variam nas distintas situações históricas vividas por cada uma das cidades, com maior cuidado para a magnitude dos problemas e exigên-cias de respostas geradas principalmente nas grandes cidades (metrópoles, megalópoles, zonas metropolitanas, etc) (p. 9).

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hiperurbaniza-ção, que significa um alto nível de urbanização em discrepância ao que seria possível alcançar em relação ao nível de industrialização, gerando situações de baixo nível de vida e altos índi-ces de desemprego, podendo configurar uma cidade parasitária em contraposição à cidade progresso da modernidade.

A hiperurbanização aparece como um obstáculo ao desenvolvimento, na medida em que ela imobiliza os recursos sob a forma de investimentos não produtivos, necessários à criação e à organização de serviços indispensáveis às grandes concentrações de populações, enquanto que estas não se justifi-cam como centros de produção [...] (CASTELLS, 1983, p. 55, grifo do au-tor).

A América Latina aparece como um exemplo claro da hiperurbanização, apresentando um alto ritmo de crescimento demográfico e uma industrialização inferior quando comparada a outras regiões também urbanizadas. Portanto, neste processo é possível localizar a cidade de São Paulo, uma vez que a industrialização não acompanhou o vertiginoso crescimento demo-gráfico, acarretando desemprego e condições de vida precárias à população. Neste contexto cabe destacar que a disparidade entre desenvolvimento industrial e crescimento demográfico denota um dos fatores mais preponderantes ao quadro de pobreza da população paulistana, mas não o único.

Um assunto que vem ganhando grande notoriedade no debate contemporâneo diz res-peito à condição ou não de cidade global apresentada por São Paulo. Já de antemão, importa dizer que esta discussão se situa num campo movediço, permeado de incompletudes e contro-vérsias, uma vez que para falar de uma cidade como São Paulo é necessário considerar o seu contexto histórico e suas peculiaridades no cenário nacional e latino-americano, bem como suas conexões no contexto mundial.

Wanderley e Raichelis afirmam que os autores que identificam São Paulo como cidade global enfatizam os seguintes indicadores: “bolsa de valores com grau de investimento, co-mércio atraente, circulação do capital financeiro, sedes de bancos e empresas internacionais, aeroporto de grande dimensão, feiras e eventos culturais mundiais, etc” (2009, p. 10).

Nesse sentido, destacam-se as abordagens que identificam São Paulo como uma cida-de cida-de serviços. Um exemplo é o cida-depoimento9 de Artur de Vasconcelos, diretor executivo da

Câmara Americana de Comércio em São Paulo, que diz: “a cidade está se transformando em um centro de negócios impressionante. É uma cidade de serviços ao mesmo estilo de Nova York” (WANDERLEY; RAICHELIS, 2009, p. 65).

9 Depoimento retirado pelos autores da revista Américaeconomia, Especial Cidade, edição Brasil, 6 a 9 de maio

(35)

Para os que negam a condição de cidade global atribuída a São Paulo, é dada relevân-cia aos indicadores sorelevân-ciais, os quais são emblemáticos as diversas formas de desigualdade social (renda, oportunidade, raça, cor, etnia, etc.), e os problemas com exclusão, violência e infraestrutura adequada. Essa situação demonstra que São Paulo está longe de preencher as condições estipuladas para se tornar uma cidade global (cf. WANDERLEY; RAICHELIS, 2009).

Diante deste quadro, Wanderley e Raichelis (2009) destacam que São Paulo, indepen-dentemente de ser ou não uma cidade global, situa-se como uma das mais importantes metró-poles do cenário nacional e latino-americano. No entanto, ressaltam com toda cautela, que São Paulo “não preenche as condições fundamentais do modelo de cidade global” (p. 11), sugerindo duas possibilidades de sua configuração: cidade global subordinada e cidade poten-cialmente global.

Os autores enfatizam que numa megacidade como São Paulo, com mais de 10 milhões de habitantes, são concentrados o que há de melhor e de pior.

Por uma parte, as funções superiores direcionais, produtivas e administrati-vas de todo o planeta; o controle da mídia; a política do poder; a capacidade simbólica de criar e difundir mensagens; por outra parte, as periferias; a po-breza urbana; os guetos de imigrantes; a criminalidade, etc (p. 54).

Então, são expostas as contradições existentes numa megacidade, por um lado, possui elementos de potencial progresso e dinamismo e por outro, contextos sociais de pobreza e desigualdade indicativos de forte atraso.

(36)

Tabela 2 – Distribuição dos ocupados por setor de atividade na Região Metropolitana de São Paulo Em % Períodos Total Indústria Comércio Serviços Construção

Civil Outros (1)

1995 100,0 24,7 17,0 45,2 5,0 8,1

1996 100,0 22,6 17,2 46,2 5,4 8,6

1997 100,0 21,0 17,0 47,4 5,6 9,0

1998 100,0 19,8 16,7 48,8 5,6 9,1

1999 100,0 19,6 16,1 49,6 5,3 9,4

2000 100,0 19,9 15,7 49,9 5,3 9,2

2001 100,0 19,9 16,2 49,6 5,3 9,0

2002 100,0 20,0 16,1 49,4 5,2 9,3

2003 100,0 19,2 16,2 50,1 5,2 9,3

2004 100,0 19,1 16,2 50,6 4,8 9,3

2005 100,0 19,5 16,1 50,5 4,9 9,0

2006 100,0 19,4 15,7 51,1 4,9 8,9

2007 100,0 18,9 16,2 51,2 5,1 8,6

2008 100,0 19,0 16,2 51,1 5,5 8,2

2009 100,0 17,9 15,7 51,8 6,2 8,4

2010 100,0 18,4 15,7 51,7 6,2 8,0

2011 100,0 18,0 15,8 52,6 6,1 7,5

Fonte: Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional. Convênio Seade – Dieese TEM/FAT. (1) Incluem serviços domésticos e outros setores de atividade.

Essas conclusões podem ser confirmadas na tabela 3, que trata da estimativa dos ocu-pados por setor.

Tabela 3 – Estimativa dos ocupados por setor na Região Metropolitana de São Paulo

Em 1000 pessoas

Períodos Total Geral (2) Indústria

Construção

civil Comércio Serviços

Total Total Total Total

1995 7.049 1.741 352 1.198 3.186

1996 7.116 1.608 384 1.224 3.288

1997 7.175 1.507 402 1.220 3.401

1998 7.126 1.411 399 1.190 3.477

1999 7.251 1.421 384 1.167 3.596

2000 7.592 1.511 402 1.192 3.788

2001 7.741 1.540 410 1.254 3.840

2002 7.787 1.557 405 1.254 3.847

2003 7.817 1.501 406 1.266 3.916

2004 8.069 1.541 387 1.307 4.083

2005 8.324 1.623 408 1.340 4.204

2006 8.464 1.642 415 1.329 4.325

2007 8.663 1.637 442 1.403 4.435

2008 9.064 1.722 499 1.468 4.632

2009 9.057 1.621 562 1.422 4.692

2010 9.427 1.735 584 1.480 4.874

(37)

Fonte: Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional. Convênio Seade – Dieese e MTE/FAT. (2) Inclui serviços domésticos e outros setores de atividade.

Pode-se supor que estas mudanças no setor industrial (concernentes ao período com-preendido entre 1995-2011) advêm de circunstâncias relacionadas à Revolução Informacio-nal10, processo que otimizou a produção, ocasionou a demissão de muitos trabalhadores, insti-tuiu novas formas de operacionalização e aproveitamento dos funcionários, e por conta da eficiência das máquinas computadorizadas, produz mais produtos em menos tempo, com a necessidade de menos mão de obra.

O efeito dessa revolução, portanto, é a concentração dos postos de trabalho no setor de serviços, representando mais da metade dos ocupados na Região Metropolitana de São Paulo. O relativo esvaziamento do setor industrial e a expansão do setor de serviços, contudo, não representaram elevação nas condições de vida dos trabalhadores, pelo contrário, ocasionaram diminuição real de seus rendimentos.

A Pesquisa do Emprego e Desemprego de Dez. de 2011 revela que dos setores de in-dústria, comércio e serviços, estes dois últimos são os que apresentam menor rendimento mé-dio real, não perdendo apenas para as ocupações sem carteira assinada. A tabela a seguir traz um consolidado dos rendimentos dos assalariados, o qual compreende o período de 1995 a 2011, sendo possível visualizar as perdas nos rendimentos e sua moderada recuperação a par-tir de 2003:

(38)

Tabela 4: Rendimento real dos assalariados dos setores de indústria, comércio e serviços, e por carteira assinada e não assinada da Região Metropolitana de São Paulo. 1995-2011.

Indústria Comércio Serviços Assinada Não Assinada

1995 1.893 2.165 1.511 1.792 2.071 1.137

1996 1.929 2.212 1.568 1.860 2.115 1.214

1997 1.964 2.267 1.563 1.925 2.166 1.245

1998 1.923 2.197 1.523 1.909 2.104 1.278

1999 1.849 2.086 1.398 1.876 2.029 1.259

2000 1.731 1.930 1.307 1.775 1.903 1.226

2001 1.611 1.811 1.248 1.631 1.780 1.110

2002 1.479 1.683 1.136 1.486 1.627 1.043

2003 1.412 1.611 1.072 1.428 1.553 980

2004 1.417 1.617 1.104 1.423 1.572 960

2005 1.436 1.680 1.114 1.424 1.575 1.016

2006 1.430 1.615 1.133 1.443 1.562 1.016

2007 1.416 1.587 1.099 1.439 1.522 1.048

2008 1.405 1.608 1.123 1.395 1.502 1.047

2009 1.403 1.590 1.144 1.398 1.488 1.043

2010 1.439 1.648 1.173 1.428 1.503 1.143

2011 1.462 1.695 1.181 1.445 1.523 1.145

Períodos Total Setor de Atividade Carteira de Trabalho

Fonte: Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional. Convênio Seade – Dieese e MTE/FAT. (2) Inclui serviços domésticos e outros setores de atividade.

Ainda assim, temos que reconhecer que nos últimos oito anos novas políticas de âmbi-to nacional se apresentaram, as quais possibilitaram a celebração de novos horizontes, inclu-sive para São Paulo, com a implantação de programas de transferência de renda, de habitação, de saneamento e outros. Nesse mesmo caminho, Maricato (2009) salienta o aumento real de 42% do salário mínimo e enfatiza que:

Esses investimentos tiveram o efeito de retirar o Brasil da lanterna da lista dos países mais desiguais do mundo. Vinte milhões de pessoas passaram das faixas de renda D e E para C. Certamente a estabilidade econômica e até o rebaixamento do preço da cesta básica contribuíram para essa mudança rela-tivamente rápida (p. 285).

1.3 Localizando São Paulo e o seu coração: o centro

Imagem

Figura 1 – Vista da cidade de São Paulo do alto do Edifício Altino Arantes (Banespão)
Tabela 1 – Crescimento demográfico da cidade de São Paulo  Ano            População  1872  19.347  1890  64.934  1905  279.000  1920  579.000  1934  1.060.120  1940  1.568.045  1950  2.662.786  1960  4.739.406  1970  8.139.730  1980  8.475.380  1990  9.512
Tabela 3 – Estimativa dos ocupados por setor na Região Metropolitana de São Paulo                                                                                                    Em 1000 pessoas
Tabela 4: Rendimento real dos assalariados dos setores de indústria, comércio e serviços, e por carteira  assinada e não assinada da Região Metropolitana de São Paulo
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