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XVII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (XVII ENANCIB) GT 10 Informação e Memória

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XVII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (XVII ENANCIB) GT 10 – Informação e Memória

A JUREMA SAGRADA: DESCORTINANDO MISTÉRIOS, REVERENCIANDO MEMÓRIAS

THE SACRED JUREMA: UNVEILING MYSTERIES, REVERING MEMORIES

Maria Nilza Barbosa Rosas1, Bernardina Maria Juvenal Freire de Oliveira2

Modalidade da apresentação: Comunicação Oral

Resumo: Neste trabalho o objetivo é refletir e problematizar sobre a Jurema, tomando como foco processos religiosos e históricos. Apresentamos neste texto discussões prévias de pesquisa nos em andamento cujo objetivo é compreender a tradição do culto da Jurema na Paraíba e sua importância informacional na perspectiva da memória. Nosso principal interesse é penetrar no modo de ser dessa religiosidade buscando, principalmente, os aspectos ligados ao fenômeno das crenças populares, posto que, estas pertencem a um olhar temporal de longa duração e se reproduzem com alterações, transformações e adendos ao longo da história. Partindo do modo como esse debate tem tido lugar nos estudos sobre a religiosidade juremeira são utilizados dados bibliográficos e etnográficos, por meio de um compartilhamento das memórias, com atenção preferencial em relação a tópicos como o ritual e a possessão nos terreiros, para melhor compreensão do significado dos ritos. Considerando a informação como fator preponderante nas manifestações religiosas culturais, entendemos que o espaço dedicado à prática da Jurema pode revelar a dimensão da produção social de informação e

1 Doutora em Letras pela UFPB e pós-doutoranda pelo PPGCI /UFPB

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conhecimento. Salientamos que a Jurema é uma manifestação religiosa mediúnica,

tipicamente nordestina e de inclusão espiritual, conduzida para a prática da caridade, por meio dos espíritos que incorporam terreiros.

Palavras-chave: Jurema. Religiosidade. Crença Popular. Memória.

Abstract: This study reflects and debates about the Jurema, focusing on historical and religious processes. In this text, we present previous ongoing research discussions, which objective is to understand the tradition of Jurema’s cult in Paraíba and its informational importance to the memory perspective. Our main interest is to penetrate into the way of life of this religiosity seeking for, mainly, the aspects related to the phenomenon of popular beliefs, considering that these belong to a temporal look of long duration and that they reproduce themselves with alterations, transformations and addendums along history. From how this debate has been taking place in the studies about the juremeira religiosity, ethnographic and bibliographic data are used, through a memory sharing, with special attention to some topics as the ritual and the possession in the terreiros, in order to understand better the meaning of the religious rites. Considering the information as a preponderant factor in the cultural religious manifestations, we understand that the space dedicated to the Jurema practice can reveal the dimension of the social production of information and knowledge. We stress that the Jurema is a mediumistic religious manifestation, typical from the northeast region, of spiritual inclusion, conducted to the practice of charity, through spirits that

incorporate terreiros.

Keywords: Jurema’s cult. Religiosity. Memory. 1 INTRODUÇÃO

Não é a morfologia social que domina e explica a religião, como queria Durkheim, mas ao contrário é o aspecto místico que domina o social. (BASTIDE, 1971, p. 45).

Religião e religiosidade são produções humanas situadas na esfera da cultura. A religião sempre foi parte integrante da vida do homem, como fenômeno cultural, que ocorre no tempo e no espaço. A temática da religião vem, no Brasil, apresentando interesse cada vez mais intenso entre os pesquisadores, que reconhecem a importância do sagrado na vida das pessoas. Essa preocupação com a experiência religiosa de indivíduos e grupos sociais representa tema central em várias ciências dedicadas ao estudo do homem, dentre os quais citamos a

psicologia da religião, tanto na abordagem freudiana, em que se considera o caráter ilusório da religião quanto na junguiana, na qual se valorizam os sonhos, mitos e seus símbolos. Desponta também, na sociologia, através do pensamento de Durkheim (2009) e Weber (1974). Na antropologia, a temática surge nas teorias da religião dominadas pela vontade de explicar a origem das religiões. Na perspectiva humanista é defendida a dimensão subjetiva e a

experiência vivida pelo indivíduo e os grupos sociais. Nas diversas direções de análise se incluem a diversidade dos fenômenos religiosos e as inúmeras suposições para explicar a expansão e/ou retração de diferentes religiões.

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temporal de longa duração e se reproduzem com alterações, transformações e adendos ao longo da história.

A Jurema é tradicionalmente usada para fins rituais e medicinais. Seus efeitos alucinógenos e curativos já foram relatados por muitos que a consumiram, no entanto, há carência de material científico dedicado a uma explicação ou comprovação desses efeitos. Como destaca Grünewald (1995), outros elementos são misturados ou usados

concomitantemente à Jurema nos rituais indígenas, por exemplo, o manacá, o maracujá silvestre, entre outros. Neste trabalho focalizamos a Jurema sob o aspecto ritual, de onde surgem manifestações diversas de práticas religiosas que fundamentam fenômenos como os de construção de identidade social e memória coletiva. Deixamos claro que a Jurema faz parte não apenas de ritos indígenas, mas sua utilização ritual acha-se também difundida entre diversos sistemas de cultos, tais como catimbós, candomblés etc.

Neste estudo a informação é considerada fator preponderante nas manifestações religiosas culturais. Entendemos que o espaço dedicado ao culto da Jurema pode revelar a dimensão da produção social de informação e conhecimento, uma vez que essa prática não se restringe a uma posição receptora de informações, mas abarca múltiplas possibilidades de interação decorrentes dos processos informacionais nesse espaço (MARTELETO, 2003).

Na esteira do pensamento de Marteleto (2003), podemos dizer que esse é um

posicionamento que leva os indivíduos do simples papel de receptores e espectadores para o de sujeitos produtores da informação e do conhecimento, pois os sujeitos agem nesse espaço, denominado sagrado, ajudando a melhorar e a transformar a realidade desse ambiente.

Apresentamos neste texto discussões prévias de pesquisa em andamento cujo objetivo é compreender a tradição do culto da Jurema na Paraíba e sua importância informacional na perspectiva da memória. Partindo do modo como esse debate tem tido lugar nos estudos sobre as práticas religiosas dos nativos, bem como as religiões de matriz africana, são utilizados dados bibliográficos, com atenção preferencial em relação a tópicos como crenças, ritos e símbolos.

O percurso da pesquisa - a tradição do culto da Jurema na Paraíba e sua importância informacional na perspectiva da memória - envolve o universo das subjetividades e suas construções históricas, que estão inseridas em contextos culturais, sociais, políticos e econômicos. O marco temporal abrange as memórias coletivas e as manifestações da

religiosidade juremeira no presente, embora reconheçamos que a memória coletiva retém do passado aquilo que ainda é capaz de viver na consciência do grupo que a mantém. Nessa perspectiva, os saberes e as práticas da jurema vão se reconstruindo por meio de práticas sociais e fluxo de representações desse social.

Esclarecemos que esta investigação não se propõe a uma recuperação da memória, posto que, não concebemos a memória como algo uniforme e estático. Nesse entendimento nos propusemos a pesquisar situações em que a memória é construída e reconstruída dentro do espaço na qual se insere, assim adotamos procedimentos flexíveis de pesquisa, os quais sugerem um conjunto de técnicas interpretativas que visam a descrever os componentes de um sistema de significados (BECKER, 1999). O trabalho de descrição tem caráter relevante em um estudo qualitativo, pois é por meio dele que os dados são coletados (MINAYO, 1992).

Na fase preliminar da pesquisa foi realizado um trabalho de mapeamento das fontes que compõem os centros juremeiros na cidade de João Pessoa.

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influência na discussão dos debates acerca da mediação da informação. Nessa fase tomamos conhecimento da incorporação do culto do Catimbó Jurema dentro da Umbanda, com a utilização de plantas nos seus rituais, com seus banhos, suas ervas, seus chás, sendo uma característica importante para os processos ritualísticos.

Em uma terceira etapa (em andamento), iniciamos com pesquisa de campo em alguns centros na cidade de João Pessoa, por meio da técnica da visitação e observação em campos de reconhecimento, para depois nos aprofundarmos na religião juremeira e umbandista.

Em João Pessoa, três são as denominações principais da religiosidade: Catimbó-Jurema, Umbanda e Candomblé. De acordo com Gonçalves (2013), os registros iniciais do Catimbó apontam fins da década de 1950. Nele, predominaram as mesas do Catimbó-Jurema,marcadas pela influência kardecista e do catolicismo popular. A partir de 1960, é o período de chegada e expansão da Umbanda, quando ela passa a incorporar o Catimbó-Jurema e surgem as

federações do culto. E por último, o período que se estende da segunda metade da década de 80 aos dias atuais, marcado pelo surgimento dos primeiros terreiros de Candomblé e sua expansão facilitado pelo pluralismo religioso e pela liberdade de culto. Gonçalves (2013) ressalta que, com o passar do tempo, devido às práticas dos rituais de Catimbó, acontece o processo de ressignificação do Catimbó-Jurema para a Umbanda.

Segundo preceitua Fernandes (1938), o Catimbó, além da enfatizada herança indígena, traz elementos negros de longas datas. Bastide (1971) concebe o Catimbó como uma religião já organizada quando o negro chegou à região. Para Bastide, o Catimbó teria se desagregado na magia negra e no espiritismo.

Como esclarece Gonçalves (2013), a chegada da Umbanda em João Pessoa ocorreu na década de 1960, com a liberação do culto por Lei Estadual, surgimento da primeira Federação dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba (FECAB), primeiros registro oficiais de terreiros, reconhecimento de pais de santo, uso de tambores nos rituais e eventos de divulgação da religião por meio de Mostras de Umbanda e festas de Iemanjá nas praias, entre outros. A Umbanda incorporou as formas locais de expressão da religiosidade afro-brasileira, o Catimbó-Jurema, e a partir da década de 1980, tornou-se interlocutora principal do recém-chegado Candomblé.

Segundo apresenta Gonçalves (2013), em 1966 ocorreu a promulgação da Lei Estadual 3.443 de 6 de novembro que tornou “livre o exercício dos cultos africanos em todo o território do Estado da Paraíba, observadas as disposições constantes desta lei”, ano em que surgiu a FECAB, a primeira do gênero no Estado. Gonçalves (2013) esclarece que a consolidação das religiões afro-brasileiras em João Pessoa está ligada às formas locais do Catimbó-Jurema e às influências provenientes de Recife, da Bahia e do Rio de Janeiro, além de algumas

manifestações isoladas do Tambor de Mina Maranhense.

Conforme mapeamento oficial, sob a coordenação da Casa de Cultura (ONG), na Grande João Pessoa foram identificados 111 terreiros das religiões de matriz africana, Umbanda e Jurema, do município de João Pessoa. Atualmente há na cidade seis federações além da representação do Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira

(INTECAB).Interessante destacar que a pesquisa identificou um percentual de 54% dos terreiros são dirigidos por homens e 46% são dirigidos por mulheres. Como destaca

Gonçalves (2013), por essa época os terreiros passaram a ser reconhecidos como templos e, aos poucos, os cultos foram ganhando estatuto de religião, deixando a esfera genérica da cultura, da magia ou do folclore. Nesse ínterim, surge um instrumento legal de garantias (Lei Estadual 3.433), bem como a primeira Federação dos Cultos e as primeiras lojas de produtos religiosos destinados à prática religiosa afro-brasileira (GONÇALVES, 2013).

Assim, podemos dizer que a Jurema se firma no cerne do livre fluxo de informação e da relação informação e conhecimento. Na esteira do pensamento de Barreto (1998, não

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A estrutura da relação entre o fluxo de informação e o público a quem o conhecimento é dirigido vem se modificando com o tempo, como uma função das diferentes técnicas que operam na transferência da informação do gerador ao receptor. O fluxo em si, [é] uma sucessão de eventos, de um processo de mediação entre a geração da informação por uma fonte emissora e a aceitação da informação pela entidade receptora [...].

Ainda seguindo as proposições de Barreto, a respeito do fluxo de informação:

O fluxo de informação que, através de processos de comunicação, realiza a intencionalidade do fenômeno da informação não almeja somente uma passagem. Ao atingir o público a que se destina deve promover uma alteração; aqueles que recebem e podem elaborar a informação estão expostos a um processo de desenvolvimento, que permite acessar um estágio qualitativamente superior nas diversas e diferentes gradações da condição humana. E esse desenvolvimento é repassado ao seu mundo de convivência (BARRETO, 1998, não paginado).

Estudar os processos informacionais a partir do que acontece nos cultos da Jurema, os seus ritos e suas crenças é uma forma de desvendarmos o contexto social e espiritual, além de percebermos as conexões e interações daí decorrentes. É justamente sobre o posicionamento da Jurema no sistema social de populações indígenas cujos rituais passaram por um processo sincrético que este trabalho se debruça.

Esta breve contextualização tem o propósito de levar à compreensão sobre a

religiosidade juremeira em João Pessoa, uma religiosidade que contribui para sanar os anseios dos fiéis através do culto à natureza, da utilização de plantas nos seus rituais, do chá

miraculoso, do transe mediúnico. Para Grünewald (1995), todos esses elementos são de expressiva simbologia e revelam uma significativa incorporação do culto do Catimbó-Jurema dentro da Umbanda. Assim, a questão do processo informacional e comunicacional é

apresentada tendo o espaço da Jurema como atividade prática, a partir das relações tecidas entre os juremeiros e frequentadores, de seus processos e produções simbólicas e materiais.

Como preceitua Marteleto (2007, p. 13), “cada vez que realinhamos o cabedal de conceitos, questões, abordagens e métodos para pensar sobre a informação, as lentes

empregadas para olhar, ver e enxergar abre novos feixes e ângulos de leitura sobre a realidade informacional”. Sob esse aspecto, nos situamos na interface cultura, informação e memória. “Informação é artefato material e simbólico de produção de sentidos, fenômeno da ordem do conhecimento e da cultura. Por conta desse ordenamento gera memória” (MARTELETO, 2007, p.14).

Portanto, este trabalho se orienta pelos caminhos dos sentidos e das práticas culturais em ambientes juremeiros, daí a centralidade da memória nesse campo. O reconhecimento sobre a mediação da informação, que tem origem nas interações sociais e nas mediações simbólicas, foi suficiente para embasamento do processo informacional. Como diria Marteleto (2007), processo que consiste em uma ação ligada à vida e ao modo de construção de

sentidos.

2 RELIGIÃO E RELIGIOSIDADE: elos de interpretações

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A religião e religiosidade expressam, mais que as crenças ou práticas, a cultura contemporânea, isto é, um conjunto de significados simbólicos que permitem entender o pensamento e a mentalidade das pessoas, as relações sociais, as instituições políticas.

As práticas da religiosidade são manifestações não institucionalizadas da religiosidade e, por isso, são sincréticas, livres de ortodoxias dominantes. A religiosidade, como destaca Ramos (2010), revela aquilo que é próprio do ser humano, a busca pelo sagrado, tanto como fuga ou explicação para o real vivido, ou ainda para negociações e entendimentos com as divindades na procura de soluções de problemas.

A história das religiões indígenas e afro-brasileiras (o Catimbó-Jurema, a Umbanda, o Candomblé) é, em geral, narrada por meio de um procedimento recursivo que situa essas religiões numa história que lhes é exterior para, em seguida, reduzir o seu estudo ao esclarecimento do seu verdadeiro lugar nessa história previamente fixada (GOLDMAN, 2009). Como esclarece Goldman (2009), fins do século XIX e pouco mais da metade do século XX alguns pesquisadores, preocupados em detectar sobrevivências africanas, enfatizavam o sistema de culto, os objetos rituais, os símbolos e os mitos. Para Goldman (2009), a partir dos anos 70 do século XX, esses ritos, mitos e símbolos passaram a ser analisados como a expressão de relações sociais concretas contemporâneas, e não como sobrevivências de um passado.

Os primeiros estudos da cultura negra no Brasil são de Nina Rodrigues e Homero Pires. Ambos demonstravam em seus escritos extremo preconceito em relação a essa cultura. Nina Rodrigues, por exemplo, via as manifestações religiosas como histeria. Outro autor a se destacar é Manuel Querino. Ele foi o primeiro, no início do século XX, a valorizar a

contribuição da cultura africana na formação da civilização brasileira. Bastide (1971), entre os anos 40 e 70 no século XX, por sua vez, se utiliza das obras desses autores, mas de forma crítica (SILVA, 2002).

Conforme relata Silva (2002), Nina Rodrigues em 1900, com seu texto sobre os rituais fetichistas dos negros baianos inaugura uma linha de pesquisa antropológica, uma forma de narrar sobre o fenômeno religioso marcado pela preocupação em explicitar uma minuciosa e severa documentação daquilo que foi observado em campo.

Preocupado em saber se os africanos no Brasil estariam aptos, para a integração na sociedade brasileira, Bastide (1971) explora a questão do que pode ocorrer com um sistema de crenças e valores quando perde o seu enraizamento social em sentido estrito. Na expressão de Goldman (2009, p.103), Bastide acreditava ser a diáspora africana no Brasil, “uma espécie de laboratório propício para uma experiência em torno dos desajustes e reajustes, entre uma superestrutura que perdeu a sua base, e uma infraestrutura que é trabalhada por forças que escapam ao controle dos agentes e que atuam sobre o conjunto, modificando-o

continuamente”. Diante dessa realidade, expressa Goldman (2009, p.103):

A ênfase parece ter sido desviada de preocupações com o detalhe sobre os cultos para os aspectos sociológicos e, mais especificamente, sociopolíticos aparentemente mais amplos. Além disso, uma atenção preferencial em relação a tópicos como o ritual, a mitologia, a possessão foi cedendo espaço a um interesse crescente pelas formas de interação e convivência com a chamada sociedade abrangente. Também pode ser observado certo deslocamento do objeto empírico de formas tidas, por vezes, como mais "puras": o candomblé baiano fornecendo o paradigma para esse tipo de análise, para aquelas mais "sincréticas" como a umbanda.

Para Goldman (2009), o problema consistia em tentar desvendar o mistério,

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uma espécie de inércia própria das instituições culturais, a permanência das crenças e costumes ameríndios e africanos desde o período da colonização. Durante a constituição colonial, a miscigenação cultural criou no Brasil um conjunto de elementos religiosos, informando sobre vários sentidos e revelando o sistema econômico, o social, o étnico; um sistema cultural que mostra a capacidade adaptativa do povo brasileiro em absorver

características externas e transformá-las. Por essa época, como preceitua Goldman (2009), o Brasil esteve inserido no ideal de cruzada presente em Portugal. Os portugueses buscavam cristãos e especiarias, pretendendo encontrar riquezas que pudessem ser comercializadas e cristianizar o mundo.

Ramos (2010) esclarece que a origem desse processo de ocupação territorial serviu de certa forma, às intenções da igreja católica. O catolicismo serviu como insígnia do poder da coroa e a não aceitação da fé em cristo, que foi considerada como contestação do poder do rei e afronta direta a todo português, uma contestação que motivou o extermínio dos indígenas, vistos como pagãos e infiéis. “Os verdadeiros donos da Terra foram hostilizados, ao contrário do que levaria supor o estereótipo do bom selvagem em voga ainda hoje, e que tantas vezes falseou a retratação dos ameríndios quinhentistas” (RAMOS, 2010, p. 2).

Dentro deste contexto, ressaltamos que a alternativa dos indígenas foi partir rumo ao interior, pois as suas manifestações culturais, entre elas o politeísmo, não agradavam em nada aos missionários cristãos. Os africanos, por sua vez, eram vigiados de perto por seus senhores e fiscalizados pelos eclesiásticos católicos. Na qualidade de escravos, foram obrigados a aceitar a fé em cristo como símbolo da submissão aos europeus e à coroa portuguesa.

Grünewald (1995) esclarece que numa primeira fase da colonização, a resistência dos povos indígenas no Nordeste não permitiu que a Jurema fosse conhecida, em seus usos e significados, como árvore sagrada, não sendo assim documentada pelos colonizadores e cronistas à época. No entanto, como reforça o autor, o Catimbó-Jurema aparece em

documentos escritos por viajantes e missionários europeus que visitaram a região por volta do século XVI. Poderíamos citar o nome de alguns missionários que estiveram no Brasil, mas destacamos Jean de Léry, que esteve no Brasil por volta de 1557 e relata um ritual onde os maracás ou chocalhos, elementos utilizados até hoje nas sessões do Catimbó, são

reverenciados como deuses: “[...] caraíbas vão de aldeia em aldeia e enfeitam seus maracás com as mais bonitas penas; em seguida, ordenam que lhes sejam dados comida e bebida” (LÉRY, 1980, p.210). O que Léry descreveu foi provavelmente um ritual do Catimbó-Jurema.

Souza e Andrade Júnior (2013) explicam que com o passar do tempo, acontece o processo de ressignificação do Catimbó-Jurema para a Umbanda e apontam a Umbanda como uma religião constituída pelas matrizes africana, indígena, católica popular e kardecista e chegou ao Nordeste na década de 1960. Para os autores, é provavelmente neste momento que o Catimbó estabelece contato com a Umbanda, passando a adotar alguns aspectos da doutrina. Relatam Souza e Andrade Júnior (2013, p.05), que “em algumas regiões do Nordeste, as práticas da Jurema coexistem harmoniosamente no mesmo espaço onde se cultua a

Umbanda”. O Catimbó parece ter percebido na Umbanda uma oportunidade de se legitimar como religião, tendo em vista que esta, já se encontrava representada institucionalmente. (SOUZA; ANDRADE JÚNIOR, 2013). Sendo assim,

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expansão do culto umbandista para o interior do Nordeste (SOUSA; ANDRADE JÚNIOR, 2013, p.05).

Como ressaltam Sousa e Andrade Júnior (2013), essas religiões contribuíram para a formação do sincretismo religioso brasileiro e sua simbologia polissêmica colaborou para formar a cultura brasileira que, com sua capacidade adaptativa, é tributária do pensamento e da prática religiosas colonial, abarcando em seu interior elementos que ajudaram a modelar o sincretismo contemporâneo polissêmico típico da mentalidade brasileira. Como afiançam os autores, a expansão territorial portuguesa, durante o período colonial, foi acompanhada pela rubrica do catolicismo, símbolo da submissão dos indígenas e, posteriormente, dos escravos africanos ao poder da coroa portuguesa. Sendo a fé em cristo imposta, indígenas iniciaram uma fuga em busca de espaços aonde pudessem praticar seus credos sem a punição dos missionários cristãos (SOUSA; ANDRADE JÚNIOR, 2013). Os autores entendem que não foi tarefa fácil para os missionários incutir nos nativos a crença em um só Deus e fazer um processo de ressignificação dos rituais por eles praticados. Muitos se tornavam cristãos batizados, porém mantinham seus rituais e costumes, alimentado assim, o sincretismo religioso.

Luiz Assunção, antropólogo, estudioso há décadas dos elementos simbólicos das tradições indígenas e do universo afro-brasileiro do sertão nordestino, discorre sobre o que ocorreu entre as matrizes religiosas. Ele explica que nos dias de hoje o culto da Jurema está presente tanto no litoral como no interior nordestino. Nesse sentido, ele esclarece que:

No decorrer do tempo ocorreram alterações na constituição desse culto, [Catimbó-Jurema] advindas de diversas influências do universo afro-brasileiro. São essas influências que vão dar forma à jurema praticada atualmente no contexto dos terreiros de umbanda. É, portanto, a mistura de elementos oriundos do candomblé, do espiritismo kardecista, do catolicismo popular e principalmente, da umbanda, que ao serem reelaborados, dão origem a um processo de criação de uma nova prática da jurema, onde os elementos religiosos de outros cultos coexistem de forma dinâmica,

reformulando o espaço religioso tradicional, assimilando-o e transformando-o em uma ntransformando-ova prática (ASSUNÇÃO, 2006, p.182).

O Catimbó estava próximo aos símbolos indígenas e aos símbolos católicos, não demonstrando a existência de símbolos africanos. Também a presença de sacrifícios de animais, rituais de iniciação, ligação com orixás, culto a exus e pombagira não estão presentes na Jurema praticada hoje. Porém, como preceitua Vandezande (apud GONÇALVES, 2013, não paginado), “o Catimbó já se diversificava e se adaptava à emergência de novas demandas apresentadas pela Federação dos Cultos Africanos e cuja mostra disso, poderia ser sentida nas práticas recentes das mesas brancas e dos Catimbós umbandistas”. Atualmente, Catimbó é uma palavra usada com teor depreciativo, mas o Catimbó mudou de nome, se renovou e incorporou novos elementos, e com nova aparência oficializou-se como religião, diluído na Umbanda, explica Gonçalves (2013).

Gonçalves (2013) esclarece que a partir da segunda metade da década de 80, outros terreiros foram surgindo na Paraíba. O Candomblé passa a concorrer com a Umbanda e, neste confronto, vários adeptos da Umbanda mudam para o Candomblé. Seguindo ainda o

entendimento de Gonçalves (2013), sobre o Candomblé e a Umbanda, destacamos que muitos dos convertidos não abandonam completamente a Umbanda, e a Jurema vai sendo

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Assunção (2006) explica que os Caboclos, Mestres e Reis da Jurema coexistem nos terreiros com Pretos Velhos, Exus e Pombagira, entidades originalmente cultuadas na Umbanda, mas que logo foram adicionadas ao Catimbó. Além dos Pretos Velhos, outras vertentes se juntaram ao Catimbó, a Encantaria, por exemplo, que está presente em parte dos cultos afro-luso-indígenas no Nordeste. Como preceitua Assunção (2006), os Encantados são entidades que, segundo a tradição, não morreram, mas antes, se transformaram noutra forma de vida, material ou espiritual. Eles simbolizam e contribuem para a legitimação de uma identidade, tendo em vista que boa parte da Encantaria está intimamente ligada ao ambiente no qual se manifesta.

Na Jurema, muitos rituais foram reelaborados e a partir das adaptações feitas por seus discípulos, o Catimbó ganhou novo significado. As aproximações de uma religião para com outra ajudaram a fortalecer e reafirmar a eficácia de um culto aumentando sua capacidade religiosa. Há nisso, portanto,

Uma ressignificação no cenário religioso, tendo em vista que o contexto moderno permite essas “bricolagens” religiosas. E mesmo que se tenha preservado ou tentasse manter a fidelidade a sua estrutura primária, não podemos esquecer de que estamos diante de cultos extremamente híbridos, dinâmicos, e a qualquer momento podem incorporar um novo elemento em sua composição para atender a demanda cada vez maior de pessoas que buscam nas religiões mediúnicas uma solução prática para resolverem seus problemas (SOUZA; ANDRADE JÚNIOR, 2013).

A busca por novas formas de religiosidade e deslocamentos vêm ocorrendo em várias dimensões da construção do cotidiano. É dentro de uma perspectiva mais ampla de

compreensão de religiosidade em relação ao conceito de religião que podemos entender porque a religiosidade parece estar sendo considerada como a procura por valores que

transcendam a materialidade. É uma postura de vida que busca sentido para estar no mundo e as relações entre as diversas esferas da vida racional, afetiva e social. Isso se dá em uma dimensão mais ligada a significados típicos das novas religiosidades, como auto

aperfeiçoamento e auto crescimento, consequentemente, valores ligados a uma postura humanista diante do mundo (GOLDMAN, 2009).

O pensamento religioso do homem e sua situação num mundo carregado de valores religiosos permitem que o homem identifique alguns espaços qualitativamente diferentes de outros. Segundo afiança Goldman (2009), a estrutura do espaço denominado sagrado implica a ideia da repetição da hierofania, ou seja, um espaço ritualmente construído, consagrado e singularizado. Podemos dizer que se trata de conjuntos mitológicos de revelação do sagrado, que direcionam o comportamento religioso dos indivíduos e permitem manter a santidade no mundo. Esse conjunto mitológico é a própria memória da religião, feita de tradições que remontam a acontecimentos distantes e que ocorreram em lugares determinados. Conforme preceitua Halbwachs (1985), seria difícil evocar o acontecimento se não houvesse o lugar do ocorrido, cuja existência é garantida por testemunhos. Ainda no que concerne a memória, Le Goff (2003, p.423) ressalta que ela “representa a conservação de informações individuais ou coletivas de determinados fatos, acontecimentos, situações, reelaborados constantemente”.

Pensar o culto da Jurema como espaço informacional e comunicacional, como “emissor de informação, constitui-se em um fato científico que o assenta como território a ser

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informação e memória podem ser visualizas e refletidas neste estudo, levando em consideração o campo informacional onde são estabelecidas as interações sociais.

Ainda no que tange ao conceito de memória, Diehl (2002) considera que ela está ligada à cultura, podendo relacionar-se com um momento particular, no caso a memória individual ou memória coletiva no espaço e no tempo. Apesar de a religião brasileira ser composta de vários elementos, existe uma lógica interna desse sistema religioso, uma crença organizada, não apenas uma mistura de crenças e ritos sem sentido. Religião entendida aqui como “comunidade política” (WEBER, 1974). Um exemplo da origem de uma área da vida social que cria uma ordem de preocupações, especializações e sistema de concorrências para impor uma visão legítima da religião.

A partir dessa digressão, podemos inferir que a religiosidade é um sentimento interior e inato a todos os seres humanos, da existência de uma Força Maior. A religiosidade é considerada, expressão da vida e da moral privadas e, portanto, parte da dimensão da subjetividade, como escolha pessoal, a fé. A religião por sua vez, é a determinação de um padrão de manifestação da religiosidade, e cada religioso, manifesta sua religiosidade

conforme os preceitos dessa religião. Utilizando a expressão de Marteleto, ressaltamos que “É esse conhecimento que fornece aos atores consciência sobre a ação” (MARTELETO, 2003, p.02). As palavras da autora, mesmo que de maneira tácita, revelam que as implicações desse entendimento para ação social estão na compreensão dos processos de produção, organização, uso e apropriação dos conhecimentos na sociedade, tornando mais amenos os caminhos para sistematizar e gerir o saber social, aquele ligado às práticas e experiências do dia a dia. Segundo preceitua Marteleto (2003, p.02),

A primeira refere-se ao que realmente acontece no mundo vivido dos sujeitos sociais como o trabalho, o lazer, a interação. A segunda, a experiência, é a maneira como os atores vivem a ação, aprendem dela e com ela, o que pode levá-los a elaborar e compartilhar vivências.

A valorização da prática da Jurema para os adeptos está inserida no imaginário social, que por sua vez são recuperados nas representações sociais e que, por conseguinte,

relacionados à identidade cultural. Os símbolos comumente utilizados nos rituais religiosos da Jurema apresentam-se entrelaçados com a cultura do grupo social envolvido, esclarecem Souza e Andrade Júnior (2013). Seguindo a linha de pensamento dos autores, destacamos as várias maneiras de valorizar a prática da Jurema: a primeira, pela dimensão de símbolos que emanam através da comunicação, essa forma de gestos e símbolos da nossa cultura afirma o valor de cada manifestação. A segunda refere-se à questão da rivalidade entre as

manifestações, a disputa acelera a competição incentivando a criatividade. A terceira é afetividade, pois o afeto faz da manifestação uma divindade (SOUZA; ANDRADE JÚNIOR, 2013).

O fundamental nesse entendimento é que a Jurema se origina no imaginário religioso coletivo, revelando um simbolismo que ultrapassa qualquer concepção tradicional. A

participação de indivíduos e grupos nos espaços sagrados da Jurema é bastante acentuada e o predomínio da fé, nesse espaço, revela um caráter eminentemente social e popular; um espaço capaz de revelar a força do paradigma da conservação cultural e da apropriação cultural. Sob esses aspectos os cultos juremeiros vão sendo tecidos como um ambiente informacional, responsável pela preservação de um espaço religioso, de apropriação da informação e da geração de sentidos; pelos modos de produção e práticas que envolvem formas de lembrar e esquecer, maneiras de contar, de fazer e registrar histórias nesse campo.

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O sagrado se define por criação pura e não repetição. Situa-se no domínio do imaginário e não da memória, e mesmo assim podemos extrair deles tudo aquilo que podemos chamar de pedagogia da selvageria (BASTIDE, 1971).

Em seus estudos antropológicos, Bastide (1971) deixa claro que o sagrado se define por criação pura e não repetição e situa-se no domínio do imaginário e não da memória, mesmo extraindo deles tudo aquilo que podemos chamar de pedagogia da selvageria. A selvageria consiste na independência de qualquer lei; a disciplina submete o homem às leis da humanidade e começa a fazê-lo sentir a força das próprias leis.

É possível reconhecer o sagrado como elemento do campo religioso. Suas formas de organização econômica e social, a distribuição de autoridades, crenças e valores são

construções idealizadas por uma sociedade. Como preceitua Oliveira (1985), por sua vez o fenômeno da religiosidade popular é um sistema simbólico resultante do trabalho anônimo e coletivo de agentes sociais, no qual o povo, como participante, produz e reproduz um espaço religioso, onde os símbolos se recobrem com os nomes do sagrado.

No domínio da Ciência da Informação, podemos dizer que a Jurema constitui-se um espaço que tem como objeto as práticas sociais de informação, ou a metainformação e suas relações com a informação. Ou seja, um conjunto de regras e relações tecidas entre os adeptos, revelando os processos e produções simbólicas e materiais no espaço sagrado. Diríamos, na esteira do pensamento de Marteleto (2003), que a Jurema é apresentada como atividade prática, a partir de seu conjunto de regras e relações tecidas entre seus componentes, de seus processos e produções simbólicas e materiais.

No culto da Jurema as posições dos chefes se definem evocadas de uma autoridade e de um prestígio. A iniciação aparece por efeito de polarização que permite organizar um vasto campo semântico, aonde outros elementos vão se inserindo. Essa passagem reconduz a

oposição entre o dom e a iniciação para o ambiente das relações complementares. Não se trata de processos indiferentes, mas de contextos onde “os meios de comunicação desempenham um papel fundamental, não só na transmissão do saber informacional ou da imagem do poder, mas também pode ser instrumento tanto de consolidação das relações de poder quanto da desmistificação do poder” (ALMINO, 1986).

Como expressa Almino (1986), a informação, pensada no contexto social, é

essencialmente relacional e, portanto, organizativa e organizadora. Sua mensagem ou sentido dependem da modalidade de interação entre os indivíduos, os quais podem ser denominados emissor e receptor. É a intenção do emissor e a compreensão do receptor que podem atribuir significado, qualidade, valor ou alcance à informação. No espaço religioso da Jurema não é diferente. Por isso, vale levantar alguns dados sobre a Jurema, entre seus adeptos em João Pessoa.

A visita ao espaço sagrado da Jurema é, antes de tudo, uma vivência afetiva, que nos aproxima do domínio do sagrado. Pelo simbolismo religioso que possuem os espaços religiosos e pelo caráter sagrado a eles atribuído, são chamados de “centros de convergência de fiéis” (GONÇALVES, 2013), que com suas práticas e crenças materializam uma

organização funcional e social do espaço. Os fatores invisíveis presentes nas práticas

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Nas palavras de Gonçalves (2013), na Paraíba o espaço religioso se expande com a abertura de novos terreiros, facilitado pelo pluralismo religioso e pela liberdade de culto. Em João Pessoa, a sua formação apresenta características peculiares comparando-se a Recife e Salvador, onde o negro teve papel fundamental.

Segundo Fernandes (1938, p.30), na Paraíba não existiram terreiros tradicionais de religiões de matriz africana, contudo, vemos emergirem discursos de afirmação da identidade negra, em que o Candomblé figura como forma pura de manifestação religiosa africana, ideal difundido e defendido pelos movimentos negros. Gonçalves (2013) esclarece que os rituais dedicados à Jurema são realizados em momentos separados dos rituais dedicados aos orixás, que são considerados energias cósmicas e não espíritos que incorporam. Há uma preocupação entre os adeptos em não misturar diretamente os orixás com a Jurema. Mas, conforme

apresenta Gonçalves (2009, não paginado), notam-se algumas exceções:

Em gira de orixá, não se louva e não “baixam” entidades da Jurema. Da mesma forma, nos rituais de Jurema, os orixás não “arreiam” diretamente, apesar de serem louvados, especialmente Oxóssi, conhecido como o patrono da Jurema devido a sua relação com as matas. Para os adeptos, o culto aos orixás é limpo, ao passo que na Jurema predominam a cachaça e a fumaça.

O aparato de uma mesa de Catimbó, como descrevem Souza e Andrade Júnior (2013, p.5),

Consiste na mesa estreita, forrada ou não, onde se misturam garrafadas de Jurema, cachimbos, imagens de santos, principalmente um crucifixo, amarrado de cordões e fitas, pequenos alguidares, maracás, bonecas de pano, cururus secos, fumo de rolo, entre outros. Muitos usam o alguidar sobre brasas ao pé da mesa, fervendo raízes ou ervas. A sessão tem início com a abertura da mesa feita em invocações cantadas e velas acessas. Distribuem entre os presentes, a Jurema. O ritual varia com o fim desejado. Começam a invocação aos Mestres (há vários mestres) com toadas cantadas em coro.

Observamos em alguns dos centros visitados que os trabalhos da mesa do mestre se dão em volta de uma mesa, comandada por um mestre, que começa com rezas católicas oferecidas aos mestres da Jurema, Nossa Senhora da Conceição e às cinco chagas de Jesus Cristo. Cantando, o mestre abre a mesa. Em seguida defuma o ambiente e os presentes com o cachimbo. Em alguns deles é oferecida aos presentes a bebida feita com partes da árvore de nome Jurema. Autores como Gonçalves (2013), Souza e Andrade Júnior (2013) e Grünewald (2009) revelam que não basta fazer uso da Jurema para se ter a experiência espiritual, ou seja, a comunicação com os espíritos, os encantados, é necessário o desenvolvimento de uma sensibilidade para que essa bebida promova o acontecimento.Também em nossas

observações, percebemos que o mestre de mesa começa a cantar e os mestres da Jurema vão incorporando, além de algumas pessoas presentes ao culto, denominadas médiuns, também incorporarem. Em relação à incorporação de espíritos, Bastide (1971, p.32) adverte: “o espírito não pode viver fora da matéria, se essa lhe falta, ele faz uma nova”.

A prática ritualística acontece entre os participantes, os que recebem os espíritos (os encantados) e aqueles que comungam da Jurema. Segundo esclarece Gonçalves (2013), a bebida por eles ingerida pode provocar leve alucinação, o que proporciona uma experiência direta com o plano espiritual, já que seu uso fundamenta esse caráter de extraordinário. Realiza-se então um ritual de toré, como trabalho oculto. O conteúdo de tais cerimônias se assemelha ao do Catimbó, tal como descrito por Cascudo em 1979. Segundo afiança

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indianidade dos mesmos. O toré pode religar o caboclo à sua origem indígena e reconstituir sua ligação com a ancestralidade.

Vandezande (apud GONÇALVES, 2013, não paginado) identifica no Catimbó de Alhandra algumas variantes e funções: a mesa do mestre; a mesa do discípulo; toré [gira] de mestre; toré [gira] de caboclo, mesa branca e o Catimbó umbandista. Destas, a que lhe

representa o núcleo do Catimbó é a primeira, as demais seriam práticas recentes, resultado de incorporações de elementos ou funções externas ao próprio culto aos mestres, por força das prescrições da FECAB.

Vale ressaltar que esses rituais estão ligados a algo mais amplo que constitui os saberes sagrados, misteriosos, que fundamentam todas as práticas rituais. De acordo com Gonçalves (2013), cada população indígena costuma diferenciar o toré e seus trabalhos espirituais dos de outros grupos indígenas ou de rituais não indígenas. Em alguns grupos estão presentes em seus trabalhos os encantos das matas e o uso da Jurema preta, enquanto que em outros há mais proeminência dos encantos das águas com uso da jurema branca.

A Jurema em todo seu contexto desperta consciência e transporta memória. A memória marca a permanência dessa tradição, dos seus costumes. A lembrança proporcionada pela memória permite aos indivíduos e grupos juremeiros reencontrarem as imagens de seu passado, prolongando-o no presente. Quando esta memória enfraquece, entra em cena a história, sendo então necessário institucionalizá-la, daí os “lugares de memória”

(HALBWACHS, 1985). A memória é sempre plural e parcial, enquanto a memória busca identidades, durações e origens, a história sempre se ocupa do novo, da ruptura e da descontinuidade, dessacralizando o passado. A Jurema retorna, mas se revela como uma espécie de poesia imanente ao imaginário nordestino.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da pesquisa bibliográfica e da observação de campo, procuramos refletir sobre o modo de ser da Jurema sagrada, buscando principalmente os aspectos ligados aos processos informacionais e aos fenômenos das crenças populares.

Os dados coletados revelaram possibilidades de construção compartilhada do

conhecimento a partir da sincronização entre diferentes, uma vez que no espaço da Jurema não cabe a divulgação dos paradigmas de uma religião oficial, muito menos a transmissão unidirecional de informação através da comunicação entre o espaço sagrado e os praticantes dessa religiosidade.

A Jurema faz parte de uma religiosidade tipicamente nordestina e de inclusão

espiritual, conduzida para a prática da caridade, por intermédio dos espíritos que incorporam nos terreiros. Trata-se de um movimento de inclusão espiritual que dissemina verdades universais, sem se importar com a filiação dos que a procuram em busca de soluções para os seus problemas no dia a, ou por simples identificação com os preceitos dessa religiosidade.

Procuramos neste trabalho fortalecer a temática, além de esclarecer alguns conceitos a ela relacionados. São assuntos que tratam da finalidade e a utilização da planta denominada Jurema, das energias cósmicas, das formas de apresentação dos espíritos, da magia e os mistérios no mundo espiritual, da ritualística nos terreiros.

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entre outros. Nos espaços da Jurema são energizados tanto os objetos como as pessoas. Também se deixam ali os pedidos e as oferendas.

As mesas de Jurema estão desaparecendo, restando sua reminiscência na chamada Jurema de chão. A bebida da Jurema vai se tornando cada vez mais simbólica.

A religiosidade está sendo ressignificada e reapropriada na atualidade, fornecendo, sobretudo, atribuição de sentido. Vale destacar que a religiosidade pode funcionar como mecanismo de controle social, exploração, expropriação, podendo também, ser

instrumentalizada pelos grupos dirigentes de uma sociedade, em seu momento histórico. Hoje, crenças, valores, conceitos, práticas religiosas estão sendo ressignificados, tanto em termos de atribuição de sentido quanto em termos de controle.

Imprimimos neste trabalho o esforço em perceber as manifestações culturais populares e suas religiosidades; as memórias coletivas constituídas em torno de recortes do passado, bem como a conformação da Jurema na atualidade. Entendemos que a memória coletiva é um fenômeno social o qual se coloca em relação não apenas ao passado, mas, ao contexto atual mediado por representações coletivas de praticantes do culto da Jurema.

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