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As agências transnacionais e a circulação de notícias no território brasileiro 1

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As agências transnacionais e a circulação de

notícias no território brasileiro

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André Pasti

IG/Unicamp

andre@pasti.art.br

Introdução

Quais são as transformações e permanências na circulação de notícias no território brasileiro em função da globalização da informação? O presente trabalho parte dessa questão para investigar agentes que comandam os círculos de informações dominantes no território nacional: as agências transnacionais de notícias. Essas agências são “atacadistas” globais de informações noticiosas que possuem redes próprias de jornalistas, coletam informações de lugares espalhados pelo mundo e vendem notícias às principais empresas de mídia, a governos e a outros agentes.

As primeiras agências surgiram na Europa, no século XIX, em função da demanda por informações atualizadas de outros lugares – especialmente sobre os mercados e as bolsas de valores – e pela dificuldade e custo dos órgãos de mídia locais de manterem redes próprias de jornalistas no mundo e de utilizarem as redes telegráficas para enviar mensagens semelhantes (MONTÁLBAN, 1979; AGUIAR, 2009; READ, 1999). Entre as principais agências, destacam-se atualmente a britânica Thomson Reuters, a francesa Agence France-Presse (AFP), e a

norte-americana Associated Press (AP).

Desde o início de sua atuação, as grandes agências exercem um papel de comando na circulação de notícias, dividindo o mundo em áreas de interesse e

1 Resultados de pesquisa de mestrado em andamento desde 2011 no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Unicamp, sob orientação da Profa. Dra. Adriana Maria Bernardes da Silva e financiamento da CAPES.

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cooperando entre si, de forma a garantir e ampliar seus monopólios (RANGEL, 1967; BOYD-BARRETT, 1980; MATTELART, 1994; READ, 1999; SHRIVASTAVA, 2007; AGUIAR, 2009). No caso brasileiro, o jornalismo nasceu, como em outros países, voltado “para fora” (AGUIAR, 2008). Outrossim, a relevância e o poder das agências transnacionais são bastante destacados desde então. O fato de esse comando se exercer a partir das sedes dessas empresas, todas em países centrais do capitalismo global também permite diversas problematizações, sobretudo aos países subdesenvolvidos, sobre os conteúdos e intencionalidades que acompanham esses fluxos informacionais2.

Depois do pós-guerra, com a revolução informacional (LOJKINE, 2002), a informação passa a ocupar um papel ainda mais importante nas transformações da sociedade e do território usado. As novas redes globais de informação se impõem a partir da década de 1970 no mundo e da década de 1990 no território brasileiro. Com essas transformações, surgem novas pautas no que se refere ao debate político da informação, seja em sua economia política, seja em sua geografia.

Nesse contexto, o debate sobre as agências de notícias e a produção centralizada de informações perdeu força nas análises críticas, em detrimento do debate da democratização possível a partir da internet. Dessa forma, cabe questionar: qual é o comando ainda exercido por essas agências nos círculos de notícias do território brasileiro? Quais foram as transformações nesse comando no período atual? Esboçamos brevemente a seguir algumas reflexões nesse sentido que, longe de esgotar o tema, pretendem trazer alguns caminhos possíveis para a investigação.

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Globalização da informação e circulação de notícias no

território brasileiro

As novas tecnologias da informação e o desenvolvimento das redes informacionais globais, que são parte da base técnica do processo de globalização, reorganizaram os círculos globais de notícias e levaram as agências globais de notícias a modificar sua forma de atuação. Segundo Shrivastava (2007, p. 135), com o advento da internet e a expansão das redes informacionais globais, houve um temor das agências globais de notícias quanto à pertinência de seus serviços. Todavia, o que ocorreu foi uma acentuação dos fluxos globais de informação, e a adaptação e o fortalecimento das agências nesse novo contexto (SHRIVASTAVA, 2007, p. 147). Dessa forma, elas ampliaram sua influência e atuação pelo mundo, fornecendo notícias aos principais círculos de informações nacionais. Isso se acentuou devido à economia trazida às redações de jornais e redes de TV com a utilização massiva dessas fontes, acompanhada, por vezes, pela diminuição no número de trabalhadores desses locais, segundo entrevistas com jornalistas.

Na América Latina, o processo mais recente de globalização dos círculos de informações noticiosas ocorre sobretudo a partir da década de 1990 (FONSECA, 2008, p. 195). Diversas medidas são tomadas nos países do continente, envolvendo privatização e liberalização das comunicações ao investimento estrangeiro, intensificando a concentração da propriedade desses meios (CANO, 2009, p. 131). Esse processo não se dá, é claro, sem resistência – Quinteros (2010, p. 3-10), entre outros, narra a trajetória das lutas para a democratização da comunicação na América Latina nas últimas décadas. O território brasileiro intensificou sua inserção passiva (CANO, 2007, p. 18) no processo de globalização sobretudo a partir desse período, quando observa-se uma internacionalização dos grupos de mídia brasileiros (FADUL, 1998), acompanhada por um processo ainda maior de concentração do setor, historicamente concentrado (LIMA, 2011).

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comunicacional3; de outro, uma ascensão da importância de poucas agências

transnacionais nos círculos de informações noticiosas, aumentando, assim, a concentração da produção de informações e a densidade informacional dos lugares.

Assim, no que diz respeito às agências de notícias, há dois aspectos que merecem destaque: de um lado, o comando em si dos círculos de notícias, exercido na rede urbana brasileira por meio de seus escritórios localizados nos centros de gestão do território4 (CORRÊA, 1996): São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, sempre

obedecendo as ordens externas, das sedes nos países centrais; de outro lado, a influência sobre a técnica jornalística. Desde o início de sua atuação, essas agências influenciaram a técnica jornalística. A instabilidade das redes de telégrafos e a possibilidade de perda de informação durante o envio, especialmente nas décadas de 1840 e 1850, induziram à estruturação dos textos noticiosos das agências em ordem decrescente de relevância – método conhecido como “pirâmide invertida”, presente até hoje na produção de notícias (AGUIAR, 2009).

No que se refere às técnicas da produção nacional de notícias, também observa-se uma grande influência das agências transnacionais. Conforme Lage (2005, p. 57) e Fonseca (2005), a globalização acompanha uma padronização mundial da técnica jornalística, inclusive no Brasil, inspirada nessas grandes agências globais. Trata-se, na verdade, da consequência ao jornalismo da unicidade

técnica, uma das unicidades definidoras da globalização (SANTOS, 2000). A partir

da década de 1970 uniformizam-se as normas de redação baseadas no estilo das agências globais de notícias entre os principais jornais brasileiros (LAGE, 2005, p. 69). A padronização dos noticiários nos aponta um grande número de questões, como o caráter cada vez mais ideológico que possuem essas informações, a relação

3 Santos (2006 [1996], p. 257-258) discute as diferentes cargas de conteúdo informacional e comunicacional que os espaços apresentam no período atual: as densidades informacional e comunicacional. A densidade informacional nos indicaria o grau de exterioridade do lugar, já que a informação introduz uma intervenção vertical no espaço, que geralmente ignora seu entorno. Já a densidade comunicacional resulta do tempo plural do cotidiano partilhado, estando ligada às dinâmicas do lugar.

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“carnal” entre a produção de notícias e a publicidade e a facilidade da produção de falsidades, fábulas e mitos a partir da distorção dos fatos pelos poucos agentes controladores da informação noticiosa (SANTOS, 2000, p. 40).

As agências e os círculos dominantes de notícias no território

brasileiro

Avançando no entendimento desses círculos de informações, torna-se necessária uma distinção entre os círculos (ou circuitos) informacionais ascendentes e

descendentes (SILVA, 2010). Os circuitos descendentes são aqueles baseados na

informação que atinge verticalmente os lugares, enquanto os circuitos informacionais ascendentes referem-se aos “dinamismos mais arraigados ao lugar, ao dilema da sobrevivência, da resistência e da reprodução” (SILVA, 2010, p. 2). Esses círculos ascendentes e descendentes coexistem no espaço geográfico, que se apresenta como um campo de conflitos entre forças descendentes – verticalidades – e ascendentes – horizontalidades.

Entre as principais características da circulação de informações noticiosas no território brasileiro, despontam: o mercado extremamente concentrado; a predominância do setor privado; a ausência de regulamentação; e, em relação às notícias, uma situação incomum: as agências transnacionais de notícia prestam serviço, também, com conteúdo relativo ao próprio país (AGUIAR, 2010, p. 6), ao invés de apenas tratar de notícias internacionais. Isso indica que os círculos de notícias do território brasileiro são mais dependentes das informações dessas agências.

Para compreender a circulação de notícias do território brasileiro e os atuais limites aos círculos de informações noticiosas ascendentes, propomos o entendimento de que há círculos dominantes em alcance territorial. Esses círculos seriam aqueles cujas redes atingem mais lugares e pessoas e cujas informações são mais consumidas. Partimos do alcance territorial não apenas do ponto de vista do alcance técnico potencial, mas também seu alcance real, efetivado no território, contemplando a “audiência”.

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principais redes que os compõem, de forma a dimensionar e hierarquizar suas funções na circulação de informações. Em primeiro lugar, destacamos a televisão aberta, que possui um papel importantíssimo nesses círculos no Brasil. Segundo dados do Latinobarômetro (2011), considerando os anos entre 2003 e 2009, em média 51,1% dos brasileiros declararam acompanhar o noticiário na TV entre 5 e 7 dias por semana, e apenas 18% nunca acompanham. Em estudo realizado em 2003 pelo mesmo instituto, a fonte de informação considerada mais confiável para os brasileiros é também a televisão (57,6%), seguida de longe por amigos e família (15,4%), rádio (10,4%) e jornais impressos (9,4%). Além disso, 95% dos domicílios brasileiros possuem televisão (TELECO, 2011; GRUPO DE MÍDIA SÃO PAULO, 2011), e quase um terço de toda a programação das emissoras abertas é jornalística (FGV, 2011).

Em relação às notícias dos jornais impressos, 62% da população declara nunca lê-los (LATINOBARÔMETRO, 2011). Todavia, consideramos que alguns jornais impressos – assim como algumas revistas semanais – têm importante papel nos círculos dominantes de informação, em função da retroalimentação desse circuito: denúncias e temas são abordados e mantidos em pauta através da repercussão5 seletiva de matérias desses meios, especialmente pelas redes de TV.

Além disso, a citada concentração da mídia brasileira levou à propriedade cruzada dos diferentes meios, o que facilita a configuração dos círculos dominantes.

Pensando nessa composição dos círculos dominantes no Brasil, é importante considerar que as quatro principais redes de TV privadas brasileiras possuem cerca de 850 veículos de comunicação, incluindo, além de emissoras de TV aberta e a cabo, emissoras de rádio, jornais impressos e revistas semanais, entre outros meios (DONOS DA MÍDIA, 2011). Essas empresas compõem esses circuitos no território brasileiro, e todas são consumidoras de informações das agências globais de notícias – o que demonstra, mais uma vez, a importância de tais agentes para a circulação de notícias no território brasileiro. Formam-se, desse modo,

círculos de cooperação (SANTOS, 2008 [1994], p. 121) na produção de informações

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jornalísticas, com as empresas consumidoras e redistribuidoras da informação das agências transnacionais de notícias.

Considerações finais

A análise das transformações e permanências dos círculos de informações noticiosas nos territórios latino-americanos a partir do processo de globalização indica, em primeiro lugar, a permanência das agências transnacionais enquanto agentes centrais à produção de informações. As notícias que partem das agências transnacionais, e que estão presentes nos círculos de notícias dominantes, configuram, portanto, circuitos informacionais descendentes (SILVA, 2010), atingindo verticalmente os territórios.

Nas condições atuais da vida econômica e social, a informação constitui um dado essencial e indispensável (SANTOS, 2000, p. 39). Assim, o controle dos círculos de informação por poucos agentes torna-se ainda mais relevante para a compreensão das relações de dependência e alienação entre os lugares. Conforme Raffestin (1993, p. 219), devemos, também, considerar a possibilidade daqueles que controlam a produção de informações de criar reflexos condicionados e esquemas de comportamento.

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Referências

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