A GÊNESE DO CURSO DE PEDAGOGIA E RELAÇÕES COM O ESTÁGIO
CURRICULAR SUPERVISIONADO
1DALLA CORTE, Marilene Gabriel2 1
Trabalho de Pesquisa Doutorado_PUCRS.
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Doutora em Educação. Professora do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. Santa Maria/RS. E-mail: marilene@unifra.br
RESUMO
Este ensaio tem por finalidade discutir a gênese do curso de Pedagogia no Brasil, com base em marcos regulatórios da educação nacional e suas relações com o estágio curricular supervisionado. Nesta perspectiva, realizou-se um estudo bibliográfico e documental para desvelar principais aspectos da trajetória histórica do curso de Pedagogia, bem como identificar fatores que interferem nos processos formativos do pedagogo. Verificou-se que, ao longo de sua gênese, o curso de Pedagogia se constituiu a partir de diferentes estruturas, todas elas para contemplar as políticas públicas para a educação superior e educação básica. Atualmente, se requer novas abordagens teóricas e práticas na Pedagogia, principalmente quando se trata da construção de um estatuto epistemológico próprio ao curso.
Palavras-chave: Pedagogia; Estágio Curricular Supervisionado; Formação de Professores.
1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa objetivou realizar um estudo acerca da gênese do curso de Pedagogia
no Brasil, tendo por base marcos regulatórios da educação nacional e suas relações com o
estágio curricular supervisionado.
Como metodologia da pesquisa, realizou-se um estudo bibliográfico e documental
para estudar a trajetória histórica do curso de Pedagogia, no sentido de identificar principais
fatores que interferem nos processos formativos do pedagogo. Este processo foi realizado,
justamente, para a elaboração do referencial teórico da tese de doutorado que tem por
temática norteadora a qualidade do estágio curricular supervisionado do curso de
Pedagogia.
De maneira geral, apresenta-se discussões acerca da gênese do curso de Pedagogia
em suas diferentes estruturas e correlações com as políticas públicas para a educação
superior no que diz respeito a organização e realização do estágio curricular, bem como
suas facetas quanto a construção de um estatuto epistemológico próprio ao curso.
2 O CURSO DE PEDAGOGIA E O ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO
Sabe-se que o curso de Pedagogia apareceu no cenário da educação brasileira,
juntamente com as licenciaturas, na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do
Brasil, tendo por base o Decreto-Lei nº. 1190 de 1939. A Faculdade Nacional de Filosofia
tinha por finalidade a formação de licenciados e bacharéis em diversas áreas, incluindo a
pedagógica; essa formação estava ancorada em disciplinas pedagógicas (duração de um
ano) e em disciplinas de conteúdo (duração de três anos), formatando, então, o esquema
“3+1” no ensino superior brasileiro (BRZEZINSKI, 1996).
Conforme o Parecer CFE nº 251/62 (BRASIL, 1962), o currículo mínimo do curso
tinha a abrangência de sete disciplinas, sendo cinco obrigatórias e duas opcionais. Junto à
lista de disciplinas obrigatórias deveriam ser acrescentadas a Didática e a Prática de Ensino
para os alunos interessados na Licenciatura, o que, certamente, entre outros aspectos
voltados para as atividades do ensino, corresponde aos processos formativos alusivos ao
estágio curricular.
Foram criadas, então, as “habilitações” para cumprir a determinação da Lei nº.
5540/68 e do Parecer 252/69, atendendo a reforma universitária de 1968, ou seja,
supervalorizando a dimensão técnica e científica. A dicotomia e a desarticulação anterior
continuou em vigência e o curso continuou dividido em dois grandes tempos distintos,
consequentemente, fragmentados, com as disciplinas que articulavam os “fundamentos da
educação” e as disciplinas que diziam respeito às “habilitações específicas” (ARANHA,
2006).
No Parecer CFE nº. 252/69 (BRASIL, 1969a), unificado à Resolução CFE nº. 2/69
(BRASIL, 1969b), encontra-se que tratava dos conteúdos e duração do curso de Pedagogia.
Esse parecer ancorou-se na proposição de diferentes habilitações e, portanto, o curso
deveria ter por base disciplinas essenciais (núcleo básico) e disciplinas específicas (parte
diversificada) para atender a demanda das diferentes habilitações. O estágio era organizado
no final do curso, tendo como foco a docência no primário e no ensino Normal; também,
aluno ao escolher qualquer uma das habilitações, era obrigado a cumprir o estágio
supervisionado na área escolhida.
Com relação à Resolução CFE nº 2/69 (BRASIL, 1969b), cabe pontuar que o curso
de Pedagogia passou, em seu currículo, ofertar uma parte comum a todas as modalidades
de habilitações específicas: Magistério; Orientação Educacional; Administração Escolar;
Supervisão Escolar; Inspeção Escolar.
Essas questões, e outras indicações elaboradas pelo CFE, formatam a identidade do
pedagogo no Brasil, pressupondo que, nas décadas seguintes o debate em torno da
formação desse profissional se aprofundou, principalmente, no que tange ao que realmente
comporta a bagagem de saberes à constituição da tarefa educativa.
Silva (2003) destaca quatro períodos que julga formadores da gênese do curso de
Pedagogia, os quais são indispensáveis ao entendimento da identidade do pedagogo. A
gênese apresentada pela autora dimensiona historicamente os processos presentes na
trajetória formativa dessa profissão.
O período de identidade questionada, de 1939 a 1972, demarcado por três
regulamentações para a Pedagogia, apresentou-se com poucas condições de delimitação
da profissão. Foi um período de muitas fragmentações, insatisfações na organização
curricular do curso e insuficiência técnica as exigências do mercado de trabalho, em que a
legislação vigente, nessa época, referente ao estágio curricular supervisionado, atribui um
caráter prático à formação do pedagogo. Aborda o Parecer 349/72 (BRASIL, 1972): “A
prática de ensino deverá ser realizada nas próprias escolas da comunidade, sob a forma de
estágio supervisionado”, em que a concepção fragmentada da formação pelo estágio, como
sendo o local de observação e aplicação de técnicas e atividades relacionadas à futura
profissão foi resultante da noção de prática como imitação de modelos prontos e acabados
ou, também, a partir da concepção de prática concebida como treinamento.
O período da identidade projetada, de 1973 a 1978, momento que desencadeia um
movimento social de deixa para o futuro a projeção da identidade do pedagogo. Esse fato é
decorrente de algumas indicações feitas por Valmir Chagas, que se referiam à extinção do
curso de Pedagogia e pressupunham formar o pedagogo em cursos de pós-graduação.
Indiscutivelmente, isso culmina num pensar e projetar a identidade ainda não delimitada do
pedagogo. A concepção de estágio, nesse período, ainda permaneceu resultante da idéia
de prática como treinamento e instrumentalização técnica, marcada pelo modelo dominante
de racionalidade técnica introjetado pela visão instrumental de Didática.
O período da identidade em discussão, de 1979 a 1998, é o mais moroso de todos.
Silva (2003) diz que esse período é demarcado pelo movimento em favor da formação de
educadores no Brasil, olhado de perto pelo MEC e, principalmente, conduzido por
associações de docentes e discentes universitários. O estágio curricular, nesse período,
esteve conectado ao decreto Lei nº. 87.497/82 sendo entendido como a parte prática
instrumental dos cursos de formação de professores, principalmente quando se visualizava
que a “parte prática” era bem inferior a “parte teórica” e o aluno se submetia a desenvolver
habilidades que priorizavam o “como fazer” sem refletir sobre o “saber fazer” ancorado no
“saber”.
Apesar de haver esforço e intenso debate acerca da indissociabilidade teoria e
prática, houveram mais esforços crítico-reprodutivistas do que propriamente mudanças nas
ações desenvolvidas em estágio. Foi um momento na história da educação em que várias
discussões surgem em virtude da base da formação da identidade profissional para a
docência, nesse período de 1979 a 1998, e a idéia da Pedagogia como curso se fortaleceu
como movimento, porém, as divergências continuaram acerca de questões antigas
referentes ao alicerce da formação profissional, a estrutura do curso, ao mercado de
trabalho e as atividades profissionais do pedagogo.
Com a LDB 9.394/96 (BRASIL, 1996), são introduzidos alguns indicadores para a
formação no curso de Pedagogia, entre elas que a elaboração de suas propostas fica a
cargo das universidades ancoradas em interpretações da LDB. Então, verifica-se que o
processo se perde um pouco porque a tão almejada identidade do curso se diversifica em
virtude da “autonomia” dada às IES que, por sua vez, apontam caminhos diferenciados e
mais específicos à formação desses profissionais da educação. Nesse ideário surgem
cursos de Pedagogia Magistério focados na formação para os anos iniciais do ensino
fundamental e/ou educação infantil, entre outras opções, porém com as mais diversas
organizações curriculares.
Segundo Silva (2003), surgem desse período de amplos debates algumas
proposições que contribuem para a definição da identidade do pedagogo, entre elas que é
necessária a inter-relação entre teoria e a prática do processo educativo e que a função do
curso é de formar professores para educação infantil, anos iniciais, escola normal, espaços
sociais, para a comunicação e tecnologias, entre outras áreas de atuação. Nesse
movimento, um dos pontos pacíficos entre as diferenciadas entidades educacionais é a
questão da superação da fragmentação disciplinar, no sentido de alicerçar o curso em
produção do conhecimento na área de educação com base em reflexões sobre as teorias
focadas na e sobre a prática pedagógica em âmbito escolar e não-escolar.
O estágio curricular nos anos 90, influenciado pela era da globalização e pelo
paradigma da sociedade do conhecimento, passa a ser repensado. É nesse contexto que as
orientações oficiais apontam para que as instituições formadoras reinventem seus currículos
e seus processos formativos de maneira que os futuros professores se constituam
profissionais mais reflexivos e que, sobretudo, compreendam a prática como ponto de
partida e de chegada.
O estágio passa ser repensado e [re]significado e, para tanto, surge o enfoque das
competências profissionais, o qual está presente das Diretrizes Curriculares para Formação
de Professores, em que os conteúdos centrais dos cursos de formação de professores
precisam desenvolver competências necessárias ao exercício da profissão professor. O
estágio, entendido como espaço interdisciplinar de formação tem o desafio de contribuir
para “[...] o processo de estudo, análise, problematização, teorização, reflexão, proposição
de alternativas, intervenção e redimensionamento da ação” (CAIMI, 2004, p. 95).
No período de identidade outorgada (final dos anos 90), a Comissão de Especialistas
de Ensino de Pedagogia (CEEP), com base na análise de propostas de formação
professores, oriundas de mais de 500 instituições de ensino superior e das contribuições
das diversas entidades entre elas Anped, Anfope, Anpae, Fórum dos Diretores de
Faculdades de Educação, aceitou e apresentou uma proposta de diretrizes curriculares ao
Conselho Nacional de Educação (SILVA, 2003).
Nessa proposição os campos de atuação do pedagogo foram [re]definidos. O
pedagogo egresso desta proposta poderá atuar na docência (educação infantil, anos iniciais
do ensino fundamental e nas disciplinas de formação pedagógica do nível médio); na
organização de sistemas, unidades, projetos e experiências educacionais (escolares e
não-escolares); na produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico do campo
educacional; nas áreas emergentes do campo educacional.
O entendimento dessa posição da proposta encaminhada ao CNE buscou romper
com o paradigma tecnicista que preconizava a fragmentação entre a teoria e a prática e,
consequentemente, entre o saber e o fazer. Essa proposta foi estruturada contemplando
conteúdos básicos e uma parte diversificada ou de aprofundamento, sendo que a prática
pedagógica, nesse enfoque, configura-se tendo por base a coletividade do trabalho
institucional, o que pressupõe que todos os professores formadores do pedagogo deverão
investir na formação teórico-prática (MELO, 2006).
Então, a relação teoria e prática, na proposição enviada ao CNE, foi considerada
como eixo articulador de produção do conhecimento na estrutura e dinâmica curricular do
curso de pedagogia, em que a prática pedagógica deveria expressar-se ancorada em três
especificidades:
A primeira entendendo a prática pedagógica como elemento articulador de
integração do aluno com a realidade social, econômica e do trabalho de seu curso; a
segunda especificidade da prática pedagógica, entendida como elo de ligação entre ensino
e pesquisa, numa verdadeira modalidade de iniciação científica de articulação teoria-prática;
se à iniciação profissional em instituições educacionais, aproximando o futuro pedagogo do
saber fazer, com a proposição de que acontecesse ao longo do curso.
Para se chegar às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia
aconteceram muitas discussões e proposições formalizadas ao longo de aproximadamente
duas décadas, tendo por base a conjuntura educacional brasileira com foco na formação e
atuação de professores, em especial os que atuam na Educação Infantil e nos anos iniciais
do Ensino Fundamental.
Quanto ao estágio o Parecer 9/2001 CNE/MEC (BRASIL, 2001a) sinaliza que esse
momento do e no curso é indispensável à formação dos futuros professores, porém acaba
sendo prejudicado uma vez que, geralmente, na organização e dinamização do currículo do
curso, não existem espaços e tempos apropriados os quais possibilitem e potencializem
planejamento participativo e coletivo entre os profissionais que atuam nos cursos de
formação de professores e profissionais que atuam nas escolas de educação básica que
recebem os estagiários.
O Parecer nº. 21/2001 (BRASIL, 2001b), do Conselho Nacional de Educação,
também, faz destaques em defesa do significado de prática de ensino e de sua relação com
o estágio curricular, sinalizando que a relação teoria e prática é dinâmica, processual,
contínua e que, eminentemente potencializa o ir e vir entre os saberes e os fazeres
co-relacionados aos significados próprios da profissão docente, em especial no ambiente
escolar.
Conforme o Parecer 21/2001, para que os processos formativos dos futuros
professores aconteçam com qualidade, é preciso considerar estágio supervisionado como
sendo uma atividade intrinsecamente articulada com a prática de ensino e com as atividades
de trabalho acadêmico; de aprendizagens teórico-práticas; que oportuniza o exercício de
uma profissão ou ofício in lócus; que pressupõe relação pedagógica entre profissional,
ambiente institucional de trabalho e o aluno estagiário; de formação profissional para
professor formador, futuro professor e professor em serviço.
A Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002 (BRASIL, 2002a), em seu
artigo 3º, prevê princípios norteadores para a formação de professores: a competência como
concepção nuclear na orientação do curso; a coerência entre a formação oferecida e a
prática esperada do futuro professor. Também, no Artigo 12 da Resolução do CNE consta
que os cursos de formação de professores em nível superior terão a sua duração definida
pelo Conselho Pleno, em parecer e resolução específica sobre sua carga horária; a prática,
na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um espaço isolado, que a restrinja ao
do curso e permear toda a formação do professor. No Artigo 13, da Resolução do CNE, fica
definido o lugar que o estágio deve ocupar na matriz curricular dos cursos de formação de
professores, observando-se, também, o enfoque interdisciplinar as estratégias formativas.
Com a Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de 2002 (BRASIL, 2002b), a
prática de ensino, efetivamente, passou a ser regulamentada como componente curricular
nos cursos de Licenciaturas, propondo o desenvolvimento de atividades práticas voltadas às
bases teórico-metodológicas da docência. A Resolução, sobretudo, regulamentou o que o
Parecer 21/2001 já vinha sinalizando a carga horária dos cursos de Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação
plena, será efetivada mediante a integralização de, no mínimo, 2800 (duas mil e oitocentas)
horas, nas quais a articulação teoria-prática garantisse: 400 (quatrocentas) horas de prática
como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso; 400 (quatrocentas) horas de
estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda metade do curso; 1800 (mil e
oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza científicocultural; 200
(duzentas) horas para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais.
Nesse sentido, os projetos pedagógicos dos cursos de Licenciaturas tiveram que se
adaptar as normativas da Resolução, desconstruindo a lógica que se vinha trilhando quanto
as aproximações que eram concretizadas com relação à teoria e à prática. As disciplinas
que compõem o currículo dos cursos de Licenciaturas passaram a ter como referência
reserva de créditos para questões teóricas e práticas e o objetivo maior, com as normativas
da Resolução, foi a mediação conteúdo-expressão escolar que requer ser planejada
conjuntamente pelos docentes responsáveis pelo desenvolvimento das disciplinas e o
entrelaçamento nos contextos de atuação docente.
As atividades formativas, que contribuem para a construção epistemológica da
prática docente, teriam que dar sentido unitário ao processo ensino-aprendizagem e serem
planejadas, coletivamente, a cada semestre letivo. O planejamento e o desenvolvimento
deste componente curricular ocorreu, portanto, com a intencionalidade de, primeiramente,
potencializar aos professores formadores, o exame das especificidades e possibilidades
concretas de mediação conteúdo-expressão escolar das disciplinas de graduação na
formação e atuação do futuro professor.
A prática de ensino desenvolvida ao longo do curso, objetivando a sistematização da
relação teoria-prática com vistas à atividade profissional do futuro professor, passou a
caracterizar-se como meio e suporte para aproximações entre conteúdo e método,
professores, IES e contextos de atuação dos licenciandos, bem como para focar o conjunto
Em 15 de maio de 2006, é promulgada a Resolução CNE/CP nº. 1 (BRASIL, 2006)
que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em
Pedagogia, na modalidade licenciatura. De acordo com essa legislação educacional:
Art. 4º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. (BRASIL, 2006, p. 2):