CRISES FOCAIS D E S E N C A D E A D A S POR M O V I M E N T O
E M P A C I E N T E COM H I P E R G L I C E M I A N Ã O CETÓTICA
J. ADAMO Jr.* — F. FORTI **
R E S U M O — A p r e s e n t a ç ã o d e caso d e p a c i e n t e d i a b é t i c o d e l o n g a data, c o m crises parciais m o t o r a s desencadeadas p o r movimentação' p a s s i v a do m e m b r o superior d i r e i t o . E s t e é o o b j e -t i v o d o rela-to, p o i s -tra-ta-se d e -t i p o r a r o d e crise, quando c o m p a r a d o à s crises parciais espon-tâneas em pacientes d i a b é t i c o s . F r e q ü e n t e m e n t e , crises parciais são m a n i f e s t a ç ã o inicial de diabetes m e l l i t u s ( c e r c a de 19% dos casos r e g i s t r a d o s ) . N e s t e caso, c o m o nos da literatura, o controle das crises foi o b t i d o c o m a n o r m a l i z a ç ã o dos n í v e i s séricos de g l i c o s e . São discuti-dos aspectos da p r o v á v e l f i s i o p a t o g e n i a .
Focal crisis originating from movement in a hyperglycemic nonketotic patient.
S U M M A R Y — Case r e p o r t of a l o n g t e r m diabetic patient w i t h partial m o t o r crises o r i g i n a -t i n g f r o m passive m o v e m e n -t o f -the r i g h -t arm. T h i s i s a r a r e -t y p e o f crisis w h e n c o m p a r e d to spontaneous partial c r i s i s in d i a b e t i c patients. P a r t i a l crises are often the initial m a n i f e s -tation of diabetes m e l l i t u s ( a b o u t 19% of the cases r e p o r t e d ) . As in those cases r e g i s t e r e d in the literature, c r i s i s c o n t r o l in this case w a s obtained by n o r m a l i z a t i o n of g l y c o s e serum levels. P o s s i b l e mechanisms i n v o l v e d i n t h e p a t h o g e n e s i s a r e discussed.
Focal crisis originating from movement in a hyperglycemic nonketotic patient.
S U M M A R Y — Case r e p o r t of a l o n g t e r m diabetic patient w i t h partial m o t o r crises o r i g i n a -t i n g f r o m passive m o v e m e n -t o f -the r i g h -t arm. T h i s i s a r a r e -t y p e o f crisis w h e n c o m p a r e d to spontaneous partial c r i s i s in d i a b e t i c patients. P a r t i a l crises are often the initial m a n i f e s -tation of diabetes m e l l i t u s ( a b o u t 19% of the cases r e p o r t e d ) . As in those cases r e g i s t e r e d in the literature, c r i s i s c o n t r o l in this case w a s obtained by n o r m a l i z a t i o n of g l y c o s e serum levels. P o s s i b l e mechanisms i n v o l v e d i n t h e p a t h o g e n e s i s a r e discussed.
A epilepsia parcial contínua é complicação bem aceita de hiperglicemia não
cetótica, ocorrendo em cerca de 19% dos casos descritos em levantamentos de
lite-r a t u lite-r a
2^ . A incidência de crises induzidas por movimento (epilepsia r e f l e x a ) parece
sei muito mais rara i»2. Neste registro é analisado um destes casos.
O B S E R V A Ç Ã O
M E S , p a c i e n t e do s e x o masculino, c o m 65 anos de i d a d e . H i s t ó r i a de há 9 anos apresen-tar crises c o n v u l s i v a s p a r c i a i s m o t o r a s à d i r e i t a ( D ) , t i p o tônicas, à s v e z e s c o m g e n e r a l i z a ç ã o , com 2 a 3 minutos de duração, s e g u i d a s p o r p e r í o d o de d é f i c i t m o t o r à D e disfiasia de e x -pressão. Os e x a m e s s u b s i d i á r i o s m o s t r a r a m g l i c e m i a s elevadas, sendo f e i t o o d i a g n ó s t i c o de diabetes m e l l i t u s ; t o m o g r a f i a c o m p u t a d o r i z a d a d e crânio ( T C C ) , l í q u i d o c e f a l o r r a q u i a n o e angiografita c e r e b r a l f o r a m n o r m a i s ; o e l e t r o e n c e f a l o g r a m a ( E E G ) não m o s t r o u a n o r m a l i d a d e s . M e d i c a d o com f e n o b a r b i t a l 100 m g / d i a , e v o l u i u c o m v á r i a s crises parciais m o t o r a s à D, de d i f í c i l controle, r e c e b e n d o a l t a c o m essa m e d i c a ç ã o e insulina N P H ( 3 5 U ) , c o m g l i c e m i a controlada e sem crises. N o s e g u i m e n t o d e a m b u l a t ó r i o a p r e s e n t a v a p e r í o d o s c o m crises c o n v u l -sivas e p e r í o d o s nos quais a p r e s e n t a v a a p a r e n t e c o n t r o l e delas p e l o f e n o b a r b i t a l . Em outubro-1989, f o i i n t e r n a d o no S e r v i ç o de U r o l o g i a do H S P M , p o r a p r e s e n t a r o b s t r u ç ã o uretral e, d e v i d o a esta, f o i feita cistostomia ( j á hiavia sido p r o s t a t e c t o m i z a d o p o r adenoma em 1986).
A p ó s a c i r u r g i a passou a a p r e s e n t a r h i p e r g l i c e m i a e t e v e c r i s e c o n v u l s i v a d e s c r i t a como tônico-elônica g e n e r a l i z a d a , sendo então s o l i c i t a d o p a r e c e r da N e u r o l o g i a . O p a c i e n t e apresen-tava disfasia de e x p r e s s ã o e h e m i p a r e s i a D1; durante o examei notou-se que, q u a n d o era f e i t a
m o v i m e n t a ç ã o piassiva d e seu m e m b r o s u p e r i o r D , a p r e s e n t a v a crise parcial tônica, c o m m i
Clínica N e u r o l ó g i c a , H o s p i t a l d o S e r v i d o r P u b l i c o M u n i c i p a l ( H S P M ) , São P a u l o : * M é -dico A s s i s t e n t e ; ** M é d i c o C h e f e .
dríase e taquicardia, com períodos de latência p a r a recuperação do déficit e ocorrência de nova crise, que variava de alguns minutos até 30 minutos. A glicemia de j e j u m era de 172 m g / d L , com glicosúria ( + + ) e semi cetonúria; osmoliaridade plasmática d e 314 m O s m / L ( T a -bela 1 ) ; nova T C C mostrou-se normal; os E E G são apresentados na T a b e l a 2. A p e s a r do uso de anticonvulsivantes, tendo sido associado carbamazepina ao fenobarbital (1200 e 100 m g / d i a , respectivamente), as crises somente foram controladas após a normalização da glicemia. Teve alta sem anticonvulsivantes e com exame neurológico normal. A glicemia por ocasião da alta ena de 91 m g / d L , fazendo uso de hipoglicemiante oral e 10^ de ifisulina de atuação lenta. Foi então firmado o diagnóstico de convulsões desencadeadas por movimento em pa-ciente com hiperglicemia não cetótica.
C O M E N T Á R I O S
As crises parciais induzidas por movimento descritas na literatura são seme-lhantes às deste caso, ou seja, a um movimento aparece a crise. Esta, na maior parte dos casos, tem caráter tônico. T o d o s os pacientes descritos em levantamento eram diabéticos, tinham mais de trinta anos e não apresentavam cetose 6. A hiper-glicemia usualmente era menor que 6 0 0 m g / d L e não havia hiperosmolaridade plasmá-tica severa. As crises não respondiam aos anticonvulsivantes 5 e, sim, ao controle do diabetes. Os pacientes apresentavam déficit motor transitório após a crise.
Sabe-se que, em estados hiperglicêmicos, o ciclo de K r e b s está inibido e as necessidades cerebrais de energia podem, em parte, ser supridas pelo aumento do
metabolismo da G A B A , diminuindo assim o limiar c o n v u l s í g e n o2
. Quais vias neuro-nais estão envolvidas e como elas são ativadas na gênese da epilepsia reflexa, não
são aspectos conhecidos até o momento 2
. Muitos acreditam que essas crises decorram da ativação de pequenos focos de isquemia cerebral pela hiperglicemia e pela hiperos-molaridade 3,4,6; outros acreditam tratar-se de trombose venosa cortical focal induzida pela hiperosmolaridade, hiperglicemia, desidratação, ou por combinação desses fatores 6. Observações clínicas e experimentais sugerem que a hiperglicemia e a hiperosmolari-dade séricas, levando a perda de á g u a do tecido cerebral, seriam explicação suficiente
p a r a a ocorrência de convulsões em pacientes com hiperglicemia não cetótica4
.
movimentação passiva de determinado segmento corpóreo desencadeia a crise, pois somente o controle do diabetes leva a que estes pacintes não apresentem mais crises. O paciente cujo caso é relatado retornou recentemente ao ambulatório sem crises convulsivas, com exame neurológico normal e sem estar utilizando medicação anticon-vulsivante.
R E F E R Ê N C I A S
1 . A q u i n o A , G a b o r A J . M o v e m e n t induced seizures i n n o n k e t o t i c h y p e r g l y c e m i a . N e u r o l o g y 1980, 30:600-604.
2 . B r i c k J F , G u t r e c h t J A , R i n g e l R A . R e f l e x e p i l e p s y and n o n k e t o t i c h y p e r g l y c e m i a i n the e l d e r l y : a specific n e u r o e n d o c r i n e s y n d r o m e . N e u r o l o g y 1989, 39:394-399.
3 . D u c r o w R B , B e a r d D C , B r e n n a n R W . R e g i o n a l c e r e b r a l b l o o d f l o w decreases d u r i n g h y -p e r g l y c e m i a . A n n N e u r o l 1985, 17 : 267-272.
4 . S i n g h B M , Gupta D R , S t r o b o s R J . N o n k e t o t i c h y p e r g l y s e m i a and e p i l e p s i a p a r t i a l i s con-tinua. A r c h N e u r o l 1973, 29:187-190,
5 . S i n g h B M , S t r o b o s R . E p i l e p s i a p a r t i a l i s continua associated w i t h n o n k e t o t i c h y p e r g l y c e -m i a : clinical and b i o c h e -m i c a l p r o f i l e of 21 patients. A n n N e u r o l 1980, 8 :155-160.