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A DISCUSSÃO DE ESTRATÉGIAS DE CÁLCULO MENTAL E O DESENVOLVIMENTO DO SENTIDO DE MULTIPLICAÇÃO DE NÚMEROS RACIONAIS 2

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Academic year: 2021

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A DISCUSSÃO DE ESTRATÉGIAS DE CÁLCULO MENTAL E O

DESENVOLVIMENTO DO SENTIDO DE MULTIPLICAÇÃO DE

NÚMEROS RACIONAIS

2

Renata Carvalho

Unidade de Investigação do Instituto de Educação, Universidade de Lisboa renatacarvalho@sapo.pt

João Pedro da Ponte

Instituto de Educação, Universidade de Lisboa jpponte@ie.ul.pt

Resumo

Analisamos as estratégias de cálculo mental dos alunos na multiplicação e divisão de números racionais na representação decimal, dada a sua importância na promoção de aprendizagens e na perceção de lacunas na aprendizagem dos números racionais. A discussão de estratégias de cálculo mental dos alunos e as suas explicações mostram que o seu sentido de multiplicação de números racionais não estava devidamente desenvolvido e que a interação entre eles contribuiu para o seu aprofundamento. As explicações dos alunos mostram terem desenvolvido flexibilidade na escolha de estratégias de cálculo mental com números racionais, com destaque para a mudança de representação.

Palavras-chave: Cálculo mental, números racionais, estratégias, multiplicação de numerais decimais.

Introdução

No 1.º ciclo do ensino básico os alunos aprendem as operações com números naturais e, posteriormente, com números racionais. No trabalho com estes números, devem relacionar as representações fracionária e decimal, desenvolvendo as suas estratégias de cálculo mental e escrito, incluindo a realização de algoritmos. No 2.ºciclo, de um modo geral, os alunos ainda possuem uma visão limitada das operações multiplicação e divisão. Para Lamon (2006), a aprendizagem dos números racionais traz novos desafios pois, enquanto no trabalho com números naturais as quantidades estavam associadas a contagens ou medições, na multiplicação e divisão de números racionais estas operações produzem novas quantidades relacionadas com as quantidades operadas.

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Trabalho financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do Projeto Práticas Profissionais dos Professores de Matemática (contrato PTDC/CPE-CED/0989311/2008) e da bolsa com a referência SFRH/BD/69413/2010.

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O desenvolvimento de estratégias de cálculo mental com números racionais, no 2.º ciclo, é uma oportunidade de continuar a desenvolver o sentido de número e de operação. O trabalho apresentado neste artigo insere-se numa experiência de ensino realizada no 6.º ano, centrada em tarefas de cálculo mental com números racionais envolvendo as quatro operações e na discussão das estratégias dos alunos. O seu objetivo principal é perceber as estratégias de cálculo mental com números racionais usadas pelos alunos bem como os erros e dificuldades que manifestam quando calculam mentalmente. Nesta comunicação, analisamos as estratégias de cálculo mental dos alunos na multiplicação e divisão de números racionais, na representação decimal, e a forma como a discussão contribuiu para abordar o sentido de multiplicação de numerais decimais.

Multiplicação e divisão de números racionais na representação decimal e cálculo mental

A multiplicação e divisão de números racionais na representação decimal (numerais decimais) são operações difíceis para os alunos. Para Galen, Feijs, Figueiredo, Gravemeijer, Herpen e Keijzer (2008), a compreensão das operações multiplicação e divisão com números naturais pode ser uma mais-valia no cálculo com numerais decimais. Estes autores referem três situações na divisão de decimais onde o conhecimento de divisão com números naturais pode ser usado, realçando que associar um contexto às operações com numerais decimais facilita a sua compreensão:

- em contextos de medida (como dividir 2m de tecido em pedaços de 0,25m), não é estranho que o resultado seja superior ao dividendo, embora o mesmo não aconteça quando se trabalha apenas com números naturais;

- considerar a multiplicação como a operação inversa da divisão ajuda a pensar no problema anterior como sendo …x 0,25=2 ou como uma medição realizada em vários passos em que a unidade de medida é 0,25;

- a busca de números mais fáceis de operar através da divisão ou multiplicação de ambos os números pela mesma quantidade pode contribuir para o sucesso da operação a efetuar.

Muitas crianças têm dificuldade em perceber que a multiplicação no conjunto dos números racionais pode originar resultados menores que um dos fatores. Por exemplo, é mais fácil perceberem que 6x0,21 é menor que 6 pois podem resolvê-la através de

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adições sucessivas, do que 0,21x6 apesar de ambas as expressões representarem o mesmo produto. A propriedade que “multiplicar aumenta” e “dividir diminui” deixa de se verificar no conjunto dos números racionais. Esta é uma mudança na aprendizagem das operações, que acrescenta novas dificuldades aos alunos.

Rathouz (2011) valoriza o papel dos contextos e considera que só é possível os alunos desenvolverem um profundo conhecimento dos números racionais e suas operações na representação decimal, se na aprendizagem forem introduzidas referências que lhes permitam fazerem conexões entre múltiplas representações, tais como a notação decimal (0,356), o dinheiro (quase 36 cêntimos), sistema métrico (0,356 metros ou 356 milímetros) ou a representação em fração (um pouco mais do que 1/3). Acrescenta ainda que a discussão acerca das diferentes interpretações da multiplicação, associada a contextos como os de área, permite aos alunos construírem significados acerca da multiplicação de numerais decimais e frações e, simultaneamente, melhorarem o seu raciocínio multiplicativo e a compreensão de temas como geometria e medida.

Calcular mentalmente envolve a mobilização de estratégias que permitam um cálculo rápido e eficiente. Heirdsfield (2011) apresenta quatro elementos fundamentais que estão na base do desenvolvimento de estratégias de cálculo mental pelos alunos:(i) conhecer a numeração e compreender a grandeza e valor dos números, (ii) o efeito das operações sobre os números, (iii) ter capacidade para fazer estimativas para verificar a razoabilidade do resultado, e (iv) conhecer um conjunto de factos numéricos que lhes permita calcular rapidamente e com precisão.

No âmbito dos números racionais, Caney e Watson (2003) realçam a importância de perceber a relação entre diferentes representações de um número racional para desenvolver o cálculo mental com estes números. Num estudo realizado com alunos do 3.º ao 10.ºano, identificaram onze estratégias usadas pelos alunos. Numa primeira fase, estes começam por usar formas mentais de algoritmos escritos e imagens mentais pictóricas, passando depois para estratégias relacionadas com conhecimentos que já possuem do trabalho com números naturais (como o trabalho da esquerda para a direita ou com partes de um segundo número), estabelecem ligações, recorrem a adições e a multiplicações sucessivas e utilizam factos conhecidos e regras memorizadas. As estratégias dos alunos no cálculo com números naturais são uma referência importante para o desenvolvimento de novas estratégias com números racionais. Numa fase mais avançada as estratégias dos alunos envolvem o sentido de

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número e de operação, potenciando a utilização de representações equivalentes, o uso de diferentes representações de um número racional e a transição entre operações inversas. As autoras caracterizam as estratégias dos alunos de instrumentais, se estes aplicam factos e regras memorizadas, ou conceptuais, se usam o conhecimento dos números e das operações.

Relativamente às estratégias de cálculo mental, Empson, Levi e Carpenter (2010) consideram que existe um conjunto de estratégias que as crianças usam no trabalho com números racionais, principalmente na representação fracionária e que se baseiam em relações matemáticas importantes para a compreensão da Álgebra, nomeadamente o pensamento relacional. Cada estratégia surge em função da compreensão da criança dos números e operações e das relações numéricas que lhe são familiares e que usa para estabelecer novas relações e efetuar o cálculo. Esta é uma perspetiva que reforça a importância de calcular mentalmente usando diferentes representações de um número racional.

Metodologia de investigação

Este estudo segue uma abordagem qualitativa (Bogdan & Biklen, 1994) com design de experiência de ensino (Cobb, Confrey, diSessa, Lehere & Schauble, 2003). Participam uma professora, uma turma do 6.º ano que já trabalhou os números racionais em várias representações (decimal, fração, percentagem) e a primeira autora no papel de investigadora. A recolha de dados decorreu no 2.º e 3.º período em 2011/12, através de observação direta das aulas com tarefas de cálculo mental.

A experiência de ensino foi elaborada pela investigadora e discutida com a professora da turma. A condução da aula, incluindo os momentos de discussão, é da responsabilidade da professora, intervindo a investigadora pontualmente para esclarecer aspetos relacionados com a comunicação de estratégias dos alunos. As aulas são áudio e vídeo-gravadas para posterior análise e reflexão acerca dos momentos de discussão coletiva. Para a análise de dados são visionados os episódios da aula para identificar as estratégias de cálculo mental que os alunos referem nos momentos de discussão, os erros que cometem e como evoluem ao longo da experiência de ensino. As categorias de análise são baseadas no estudo deCaneye Watson (2003), tendo presente a perspetiva de autores como Galen et al. (2008) e Lamon (2006).

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A experiência de ensino é composta por dez tarefas de cálculo mental em contextos matemáticos e de resolução de problemas, projetadas na sala de aula, semanalmente, usando um Powerpoint temporizado. Cada tarefa é constituída por duas partes e tem uma duração prevista de 15 minutos. Os alunos têm 15 segundos para resolver cada exercício e 20 segundos para resolver cada problema individualmente e anotar o resultado numa folha de papel, seguindo-se um momento de discussão.

As tarefas permitem não só rever e consolidar o trabalho com números racionais de referência, mas também ampliar estratégias de cálculo mental e conduzir à redução dos erros dos alunos. Em cada aula, a representação do número racional usada está de acordo com o tópico que a professora está a trabalhar (e.g., nos volumes usa-se mais a representação decimal e nas relações e regularidades a representação em fração). As várias representações vão surgindo repetidamente e, por vezes, em simultâneo ao longo da experiência.

Esta comunicação analisa em pormenor a primeira parte da quinta tarefa de cálculo mental da experiência de ensino uma vez que da discussão coletiva de estratégias dos alunos emergiu a necessidade de abordar o sentido de operação multiplicação de números racionais na representação decimal. Trata-se de uma tarefa em contexto matemático com multiplicação e divisão de numerais decimais, que foi realizada no momento em que os alunos estavam a abordar o tópico volumes. Esta foi a primeira tarefa que os alunos realizaram envolvendo multiplicação e divisão de números racionais usando apenas a representação decimal. Nas tarefas anteriores, foram desafiados a adicionar e a subtrair mentalmente números racionais representados por frações, multiplicar e dividir frações, efetuar cálculo mental com as quatro operações usando frações e numerais decimais em simultâneo, tanto em contexto matemático como na resolução de problemas, e adicionar e subtrair numerais decimais.

Nesta tarefa (Figura 1), a primeira parte contém cinco exercícios de cálculo mental com números racionais na representação decimal, tendo os alunos que calcular o valor de cada expressão, seguindo-se um momento de discussão das suas estratégias, erros e dificuldades. Os momentos de discussão são preparados previamente pela professora em conjunto com a investigadora que, em função da tarefa, preveem as possíveis respostas e estratégias dos alunos, erros, dificuldades e possíveis questões a colocar, tais como: Como pensaste? O que pensam da estratégia do colega? Em que aspeto é que a tua estratégia é diferente da do teu colega? Estas questões têm o objetivo de ajudar o aluno

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a explicar e clarificar como pensou e a ser crítico face às explicações dos colegas, gerando-se um ambiente de partilha onde se vai construindo um reportório de estratégias e se validam as respostas dos alunos, através da interação entre eles.

Figura 1. Primeira parte da tarefa de cálculo mental.

A construção da tarefa teve em conta os níveis de desenvolvimento de cálculo mental de Callingham e Watson (2004).Foram usados numerais decimais equivalentes a representações de referência, como 1/2, 1/4 e 1/5; multiplicação de dois decimais; divisões por 0,5 e divisão de numerais decimais quando os dígitos são múltiplos.

Assim, em a) privilegiámos a multiplicação de um numeral decimal por um número inteiro com o objetivo de obter a unidade; em b) a divisão por 0,5 para potenciar a relação entre a divisão por 0,5 e a multiplicação por 2; em c) a multiplicação de dois numerais decimais com diferentes casas decimais para evidenciar a importância do valor posicional; em d) a divisão de números múltiplos um do outro; e em e) a multiplicação por 0,2 para potenciar a multiplicação por 10, seguida do cálculo de dobros e divisão por 10 ou a relação entre a multiplicação por 0,2 e a divisão por 5.

Exploração da tarefa na sala de aula

Na preparação da tarefa, professora e investigadora esperavam que os alunos, tendo em conta as discussões ocorridas na sala de aula nas tarefas anteriores e o facto dos numerais decimais serem alvo de algum trabalho no 1.ºciclo, tivessem estratégias baseadas em regras memorizadas como a multiplicação por potências de 10, o uso de factos conhecidos para a reconstrução da unidade (e.g., 0,25x4=1), a mudança de representação de decimal para fração, o uso de equivalências, a decomposição, a compensação e as propriedades das operações. Da discussão coletiva destacam-se três aspetos: as estratégias de cálculo mental mais usadas pelos alunos; a estratégia de Pedro3 usando pensamento relacional e a discussão do sentido de multiplicação de numerais decimais.

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Estratégias de cálculo mental dos alunos

Na discussão coletiva, as estratégias apresentadas pelos alunos centraram-se na mudança de representação de decimal para fração ou de decimal para números naturais referentes a 10/100; na utilização de factos conhecidos; na mudança de operação e no uso das propriedades das operações. Para calcular 0,25x4, Bruno refere que: “sabia que 25+25+25+25 dava o mesmo que 0,25+0,25+ … 4x0,25 dá 1”. Na sua estratégia usa a mudança de representação e considera 0,25 como sendo 25, relaciona o produto com a adição sucessiva, estabelece paralelismo entre o produto de 4x25 com o de 4x0,25 e usa a propriedade comutativa certamente porque, para Bruno, tem mais sentido pensar no 0,25 que se repete 4 vezes do que no 4 que se repete 0,25 vezes tal como referem Galen et al. (2008). Marta usa a mudança de representação de decimal para fração: “transformei as 25 centésimas em um quarto e depois fiz vezes 4. Deu-me 4/4 e depois transformei em 1” e Pedro usa factos conhecidos referindo que ”eu já sabia automaticamente que 0,25x3 era 0,75, depois somei só 25 [0,25] ”.Curiosamente, Pedro usa como referência 0,75 e a expressão que lhe dá origem, mas não o facto de 0,25x4 formar a unidade.

Para calcular 12,2:0,5 Marta usa a mudança de operação. A sua explicação revela o conhecimento de uma relação numérica que memorizou - dividir por 0,5 é o mesmo que multiplicar por 2: “eu sabia que… transformei logo o 0,5 em 1/2 e depois como sabia que sempre que dividir por 1/2 era sempre vezes 2, então fiz assim”. Questionada acerca da necessidade de usar a representação 1/2 em vez de 0,5, explica: “eu achava que com a outra [1/2] era mais fácil”.

O pensamento relacional de Pedro

Apesar de ter calculado erradamente o valor de4,2x0,2no tempo que tinha disponível (15 segundos), Pedro partilha uma estratégia complexa no momento de discussão coletiva, que envolve pensamento relacional (Empsonet al., 2010).Usa a mudança de representação e de operação e a propriedade distributiva da adição em relação à divisão. Assim, explica: “eu sei que 0,2 é equivalente a 1/5, se for vezes 1/5 [substitui 4,2x0,2 por 4,2x1/5] é a dividir por 5. Dá … 8,4”. Questionado acerca da forma como divide 4,2 por 5, Pedro acrescenta que “fiz 8x5. O 2 tenho que somar… Tenho que acrescentar casas decimais (…) até encontrar um número que multiplicado por 5 dá 2… é o 20…Dá 0,4”. Apesar da dificuldade em expor verbalmente a sua estratégia é possível perceber que perante um número não divisível por 5, Pedro mudou de representação, usou 42 em

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vez de 4,2, o decompôs em 40+2 numa primeira fase e em vez de calcular 40:5, usou a operação inversa pensando num número que multiplicado por 5 desse 40 obtendo o 8.Posteriormente o 2 continuava a não ser divisível por 5, então multiplicou-o por 10 e pensou novamente num número que multiplicado por 5 desse 20 e obteve o 4 que o dividiu por 10 para obter 0,4, uma vez que já tinha multiplicado por 10. O raciocínio de Pedro pode ser ilustrado pela expressão: 4,2x0,2=4,2x1/5=42/10:5= (40/10+2/10):5 =(40/10:5)+(2/10:5)=(40/10:5x10)+(2/10x10:5). A estratégia de Pedro evidencia a forma como usou, com alguma flexibilidade, a mudança de representação em função dos cálculos que precisava de efetuar bem como a propriedade distributiva da adição em relação à divisão, que embora não seja uma propriedade da divisão pode ser aplicada à situação em causa.

O sentido de multiplicação com números racionais na representação decimal A propósito da resolução de 0,6x0,30 emergiu uma discussão interessante acerca do sentido de multiplicação de números racionais na representação decimal, que pensávamos estar compreendido. Quando questionados acerca do resultado da expressão, Lídia responde 1,8 e João 0,18. Lídia explica que “eu fiz logo 6 vezes 3 que dá 18, então juntei o zero e depois pus a virgula” e João diz “deu-me zero vírgula 18. Eu vi que 6x3 ia dar 18 e então na lógica ia dar 1,8, mas como numa conta de multiplicar tem de se somar as vírgulas [ao calcular 6x3 multiplicou 0,6 e 0,3 por 10 e no final dividiu por 100] para ver onde se põe a vírgula, deu-me 0,18”.

Perante estes resultados, a professora questiona a turma: “Quem está de acordo com a Lídia? E com o João?” A maioria está de acordo com Lídia, mas João mantem a sua posição e repete a sua explicação. Ana contrapõe:“o João disse que era 18 centésimas. Se... é uma conta de vezes portanto o número [resultado] vai ser maior do que os que estão ali. Se 30 centésimas e 60 centésimas são maiores que 18 centésimas não pode ser”. A explicação de Ana mostra que para os alunos multiplicar é uma operação que produz um resultado maior do que qualquer um dos fatores, pois os restantes alunos concordaram com o resultado de Lídia (1,8). Mas João não desiste de apresentar as suas justificações: “Não dá. Quando se multiplica por um número decimal tem que dar um número mais pequeno, por isso o 1,8 já nunca dá (…) Professora um número a multiplicar por um decimal dá sempre um número mais pequeno”. Procurando clarificar a explicação de João, a investigadora pede-lhe um exemplo e este responde:

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Uma vez estávamos a fazer um exercício [cálculo da área da porta] com a porta e vimos que a porta media por volta de um metro e setenta então tínhamos de ver quanto é que era a largura e tínhamos de multiplicar por... Um número decimal que foi dar um número mais pequeno.

Esta explicação realça a importância do uso de referências no desenvolvimento do sentido de multiplicação de numerais decimais como referido por Galen et al. (2008) e Rathouz (2011), para que mais tarde os alunos possam trabalhar em contextos matemáticos e ser críticos perante os resultados que obtêm. O contexto de medida em que João trabalhou com a representação decimal marcou-o e fê-lo compreender que no conjunto dos números racionais multiplicar não é sinónimo de obter um resultado maior. Mas a explicação de João ainda não estava clara, pois podemos operar com dois decimais menores que 1, com um decimal e um inteiro, ou com decimais maiores que 1. Perante o questionamento da professora, da investigadora e dos colegas, João sentiu necessidade de dar mais alguns exemplos para fazer vingar as suas ideias:

0,5x2 dá 1 e o 1, essa conta já todos temos a certeza que está certa, e 1 é mais pequeno do que o 2 (…) Por exemplo 1/2x1/2 dá um número inferior a 1/2 (…) dá vinte cinco centésimas. Quando se faz um número inteiro por um número decimal (...) a multiplicar (…) dá um número mais pequeno do que o número inteiro e maior do que o mais pequeno. Fica entre os dois. Numa conta de vezes em que está um número inteiro vezes um decimal dá um número entre os dois, quando são dois números inteiros dá um número maior do que os dois, então quando são dois decimais dá um número mais pequeno do que os dois. Está ali um exemplo no quadro [aponta para 0,24x4].

A explicação de João convenceu os colegas. A discussão que desencadeou na sala de aula a propósito da sua estratégia contribuiu para a melhoria da aprendizagem do sentido de multiplicação de números racionais dos restantes alunos da turma, uma vez que usou nos seus exemplos frações e numerais decimais e que em tarefas seguintes as suas justificações foram relembradas em situações de cálculo semelhantes.

Conclusão

Nesta aula identificamos diversas estratégias usadas pelos alunos na multiplicação e divisão de números racionais na representação decimal, também registadas por Caneye Watson (2003); como a mudança de representação de decimal para fração ou de decimal para números naturais referentes a 10/100,a utilização de factos conhecidos, a mudança de operação e o uso das propriedades das operações. Outro aspeto que se salienta é a importância da discussão não só como forma de promover aprendizagens mas também como forma de detetar lacunas na aprendizagem e modos de pensar não usuais dos

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alunos. Assim, foi possível perceber que os números que se consideram como referência (Galenet al., 2008; Rathouz, 2011) não são os mesmos para todos e que, por vezes, o uso de uma ou outra representação pode fazer a diferença, como vimos no caso de Marta e Pedro, o que reforça a importância das referências no cálculo mental com números racionais. O uso de diferentes representações dos números racionais confere aos alunos maior flexibilidade no cálculo, permitindo-lhes usar a representação que lhes faz mais sentido, como no caso de Pedro, bem como o uso de pensamento relacional (Empson et al., 2010). O trabalho anterior com frações e numerais decimais em simultâneo pode ter influenciado positivamente as estratégias dos alunos na tarefa, dado que a mudança de representação é uma estratégia que aparece com frequência.

O confronto de estratégias de cálculo mental dos alunos permitiu perceber que estes possuíam, na sua maioria, um sentido incorreto de multiplicação de números racionais. Para a maioria dos alunos, multiplicar dois números racionais produz um resultado maior do que qualquer um dos fatores. A interação entre os alunos, mediante questionamento do professor e, principalmente, a argumentação de João contribuiu para reforçar o sentido da multiplicação de números racionais. O presente estudo mostra que o uso de cálculo mental na sala de aula de modo sistemáticointegrando momentos de discussão coletiva, é uma forma produtiva de trabalhar o cálculo mental na aula de Matemática, promovendo o desenvolvimento do sentido de número e de operação.

Referências

Bogdan, R., & Biklen, S. K. (1994). Investigação qualitativa em educação: Uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora.

Callingham, R., & Watson, J. M. (2004).A developmental scale of mental computation with part-whole numbers.Mathematics Education Research Journal, 16(2), 69-86.

Caney, A., & Watson, J. M. (2003).Mental computation strategies for part-whole numbers.AARE 2003 Conference papers, International Education Research. (retirado de http://www.aare.edu.au/03pap/can03399.pdf em15/05/2010).

Cobb, P., Confrey, J., diSessa, A., Lehere, R., &Schauble, L. (2003). Design experiments in education research. Educational Researcher, 32(1), 9–13.

Empson, S., Levi, L., & Carpenter, T. (2010). The algebraic nature of fraction: Developing relational thinking in elementary school. In J. Cai & E. Knuth (Eds.), Early algebraization: A global dialogue from multiple perspectives (pp. 409-428). Heidelberg: Springer.

Galen, F., Feijs, E., Figueiredo, N., Gravemeijer, K., Herpen, E., & Keijzer, R. (2008). Fractions, percentages, decimals and proportions: A learning-teaching trajectory for grade 4, 5 and 6. Rotterdam: Sense.

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Heirdsfield, A. (2011). Teaching mental computation strategies in early mathematics. Young Children, 66(2), 96-102.

Lamon, S. (2006).Teaching fractions and ratios for understanding: Essential content and instructional strategies for teaching (2nded.). Mahwah, NJ: Erlbaum.

Rathouz, M., M. (2011). Making sense of decimal multiplication. Mathematics Teaching in the Middle School,16(7), 430-437.

Referências

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