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Seis mulheres e o único desejo: um futuro diferente Entrevistadas denunciam desigualdade velada

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Terça-feira, 11 de março de 2014

Seis mulheres e o único desejo: um futuro diferente

Entrevistadas denunciam desigualdade velada

Nádia Junqueira

Goiânia - Dalila tem 15 anos, estuda o 2º ano no Colégio Estadual Irmã Gabriela e é artista de

circo. Luzia Lucena tem 82 anos, só sabe escrever o nome (e ainda escreve errado, brinca) e trabalha na portaria do forró para terceira idade aos domingos na Serrinha. Nora Leide tem 55 anos, é casada, mãe de três filhos e professora da rede municipal aposentada. Tatiza tem 25, não é casada, nem tem filhos. Divide a casa e as contas com a mãe e se formou, recentemente, em engenharia-agrônoma.

Eugênia Fraietta, de 43 anos, é mãe de Lucca, de 11, professora de literatura em colégios privados e vive (muito bem, obrigada) sem a companhia de outro homem. Delaíde Arantes é mãe de duas filhas, casada, foi empregada doméstica e hoje, aos 61, representa todas elas (e outros tantos trabalhadores) no Tribunal Superior do Trabalho como Ministra.

Em comum todas elas têm uma remuneração própria e responsabilidade por atividades de casa. Têm o sonho de um futuro com mais justiça para as mulheres e vivem um presente de preconceito velado e de constante superação de uma desigualdade entre homens e mulheres. A Redação procurou saber dessas mulheres como vivem, como vêem o mundo e o que desejam.

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As duras estatísticas divulgadas pelo Instituto Perseu Abramo indicam que cinco mulheres são espancadas a cada dois minutos no Brasil. Nossas entrevistadas não fazem parte desses números, mas já sentiram na pele o preconceito por ser mulher em algum momento da vida.

Carreira

Nora Leide conta que, por ser professora concursada, não assistiu em seu ambiente de trabalho a problemas que considera comuns, como diferença salarial entre homem e mulher. No entanto, quando teve de enfrentar a sala de aula do Ensino Médio, o preconceito bateu em sua porta. “Os alunos preferiam a presença masculina”. E ela reconhece que nos ambientes de trabalho privado a realidade é ainda mais desigual.

Eugênia, professora de escolas privadas comprova a opinião de Nora. “No meio em que trabalho, mulher para estar no mercado tem que se desdobrar”. Ela explica que homens não apresentam limitações: podem trabalhar qualquer horário, como aos fins de semana e domingos. “Isso é um diferencial. Mas por trás há uma esposa que assume estar com os filhos, cuidar da casa enquanto eles podem topar qualquer parada”, justifica.

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Tatiza acabou de ingressar no mercado de trabalho caracterizado como “agressivo” por Eugênia. Ela se formou em Engenharia Agrônoma e realizou alguns testes para ser trainée de grandes empresas. Em um deles, os finalistas eram 50. Desses, apenas sete mulheres. Tatiza foi bem na entrevista, mas ao fim, declararam: “Temos preferência pela figura masculina. Sabe como é, precisamos de disponibilidade e que encare o trabalho no campo”.

Tatiza e Eugênia ainda relatam outros incômodos pelos quais passam por ser mulher. “A gente tem que ouvir comentários sobre conduta feminina que não me insultam pessoalmente, mas me incomodam como parte desse grupo que se chama mulher. Comentários generalistas e aquela coisa ‘ela pediu, ela mereceu’”, comenta a professora de literatura.

A engenheira complementa: “Não posso sair na rua de short curto num dia de sol que vou ser incomodada. Não quero ninguém mexendo comigo.”

Constante provação

Em sua carreira, a professora Eugênia afirma já ter negado muito trabalhos por não admitir estar ausente da vida do filho. O resultado dessa escolha: “Tive que ser muito mais eficiente e capaz para ter a opção de negar”.

A ministra Delaíde afirma que para fazer parte de espaços de poder, não é diferente. “A gente tem que se esforçar mais”. Ela lembra que muitas mulheres ingressam em carreiras públicas por concursos, que garantem salários iguais. Mas na hora de assumir chefias... “são os homens quem ocupam os cargos”, afirma.

A esperança reside em espaços como aquele que a adolescente Dalila convive: o Circo Lahetô, em Goiânia. Ela diz que alguns exercícios são considerados por aí como “de meninos”. Mas, lá, é coisa para menina também. “No início tive medo e isso me limitava, mas depois encarei. A gente busca quebrar essa ideia de que menina não pode”, explica.

Conquistas

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oito décadas de experiência, passam por dois vieses: a realização profissional (ou independência financeira) e familiar.

Dalila, de 15 anos, diz que era muito chata mais nova e que hoje convive bem com a família, o que é razão de satisfação. A jovem Tatiza também se orgulha de sua maturidade em lidar com o ambiente familiar. Eugênia se sente realizada pela relação que tem construído com seu filho e, Nora, pela harmonia familiar que tem em casa.

A aposentada Luzia está satisfeita de ter criado os cinco filhos e não ter nenhum bandido ou drogado na família. “Só tomam uma cervejinha”, brinca ela. Delaíde se orgulha de ter conseguido conciliar o trabalho com o cuidado com a família e amigos.

Mas elas também se realizam fora de casa. Dalila, ainda tão jovem, se orgulha de suas técnicas de circo. Tatiza, de sua graduação. Eugênia de sua independência financeira e de sua autonomia. “Que é estar bem comigo mesma, desmistificando a necessidade de ter um par”, explica.

Nora se orgulha de ter sido feliz e realizada durante os anos que deu aula. Delaíde, de ter escolhido a carreira jurídica e de não ter se voltado para seu crescimento individual somente. “Vivemos muita desigualdade. Sempre trabalhei para termos uma sociedade melhor”. Já Luzia, simples e sábia, se realiza por ter arroz , feijão e um teto. “Cheguei aqui da Paraíba sem nada. Minha casa é uma mansão para mim. Todo mês compro cinco quilos de arroz. Eu subi na vida”.

Vida prática

Nossas entrevistadas são donas de sua própria remuneração. Até Dalila, que recebe pelas apresentações do Circo, destina seu recurso para despesas pessoais (como crédito para celular e roupas) e para uma poupança. “Para comprar um carro ou pagar a faculdade, no futuro”, diz a garota que já sabe o que quer: estudar circo no Rio de Janeiro e voltar para tocar a escola do pai e da mãe, o Circo Lahetô.

Com exceção de Dalila, a remuneração de todas elas tem como destino o pagamento das despesas domésticas integralmente ou compartilhando com parceiros ou mãe. Todas elas também colocam a mão na massa para cuidar da casa. Tatiza e Eugênia contam com ajuda somente de uma faxineira, o resto é com elas.

Luzia, com mais de 80 anos, faz tudo sozinha. Por ela, pelo parceiro de 83 e pelo neto de 22 anos. “Um folgado (risos). Diz que cuida de mim, mas eu quem cuido dele. Não faz nada. Tô dizendo pra você, mulher tem muito mais responsabilidade que homem”, reclama. Delaíde, Dalila e Nora contam com ajuda de empregada doméstica em casa. Mas, quando chegam o fim de semana e as férias, os serviços são compartilhados. Delaíde e Nora compartilham com marido. Dalila, com a mãe.

Nora reconhece que os filhos tiveram dificuldade em assumir as atividades domésticas e que é ela a cabeça da casa. “O homem tem dependência. A gente que tem que tomar as decisões. Os filhos não tinham essa responsabilidade, mas só a de estudar”. Agora que saíram de casa, ela diz que dois dos três já sabem cuidar dos serviços da casa.

Já Eugênia cuida para que seu filho Lucca, desde pequeno, seja responsável pelas demandas domésticas. “Tenho me esforçado para partilhar com ele o que é possível. Ele não é hóspede. Vejo o que ele consegue fazer e peço, sem alguma valoração do trabalho doméstico. Isso dá ganho de autonomia para ele”, explica a professora.

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Donas de suas próprias remunerações e de muitas responsabilidades, elas ainda conseguem achar um tempo livre. Os hobbies passam longe do salão de beleza e dos centros de compras. Estar com amigos e família, viajar, fazer atividade física, ler e ir ao cinema são as atividades favoritas da maior parte delas. Dalila não dispensa o facebook e animes. Na outra ponta da vida, Luzia não abre mão do tricô e do forró. “Faço isso para não estar esquecida do mundo. Temos que lutar com a vida para ir para frente”.

O futuro

Ao olhar adiante, nossas mulheres desejam um futuro diferente. Dos olhos jovens de Dalila aos mais experientes de Luzia, elas aspiram por um destino mais justo às mulheres. Tão jovem, Dalila já assiste na escola a uma realidade que não deseja às suas filhas (caso as tenha). “Queria que tivesse menos violência. Menos bullying, que é uma forma de violência. Os meninos da escola fazem piadas com as meninas mais magras, que ainda não têm corpo desenvolvido”, denuncia. Delaíde, que já tem netas, deseja que elas não enfrentem uma dupla jornada: dar conta do serviço sozinha dentro e fora de casa. “É um fardo muito pesado que a mulher deve carregar e que pode ser amenizado com a divisão do trabalho. Se ela assumir toda a tarefa, é difícil se profissionalizar”, defende.

A preocupação de Eugênia vai além. “Tenho mil preocupações, mas tem me assustado a violência física contra a mulher. Os números são assustadores”.

Mas a maior parte teve uma única resposta: desejo de que as oportunidades sejam iguais. “Desejaria que a mulher fosse reconhecida por sua competência e não por seu gênero”, defendeu Tatiza.

Luzia, que tem netas, justifica seu desejo. “Eu não sei escrever uma letra e não subi na vida foi por conta disso. Não quero que elas sejam assim também. Não dá para querer casar sem estudar. A mulher não pode confiar em homem. Não dá para contar com eles. Tem que ser independente”. Sábio conselho de avó.

Referências

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