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Anatomia e botânica: reflexões subjacentesem arte contemporânea

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE ARTES E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS. Alessandra da Silva. ANATOMIA E BOTÂNICA: REFLEXÕES SUBJACENTES EM ARTE CONTEMPORÂNEA. Santa Maria, RS 2019.

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(3) Alessandra da Silva. ANATOMIA E BOTÂNICA: REFLEXÕES SUBJACENTES EM ARTE CONTEMPORÂNEA. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Artes Visuais /PPGART da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais. Orientador: Prof. Dr. Paulo César Ribeiro Gomes. Santa Maria, RS 2019.

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(5) Alessandra da Silva. ANATOMIA E BOTÂNICA: REFLEXÕES SUBJACENTESEM ARTE CONTEMPORÂNEA. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Artes Visuais /PPGART da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais. Aprovado em 08 de março de 2019:. _________________________________ Paulo César Ribeiro Gomes, Dr. (UFSM) (Presidente/Orientador) __________________________________ Altamir Moreira, Dr. (UFSM) __________________________________ Lilian Maus Junqueira, Dr.ª (UFRGS). Santa Maria, RS 2019.

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(7) DEDICATÓRIA. Essa dissertação é dedicada a você, familiar ou amigo, que acreditou no meu potencial, incentivou e compreendeu minhas ausências nessa trajetória. Especialmente meus pais Hildo e Maria Geci, meus primeiros professores, os quais me ensinaram as lições mais valiosas, aquelas que não se aprendem nos livros, nem nas cadeiras acadêmicas, sem as quais jamais atingiria esse objetivo tão almejado..

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(9) AGRADECIMENTOS. Agradeço a todos que, de alguma forma, contribuíram com o desenvolvimento dessa pesquisa. Muitas foram as pessoas que compartilharam conhecimento, dedicaram seu tempo, somaram esforços e apontaram caminhos para a concretização deste trabalho. Desta forma, expresso minha gratidão: Ao meu orientador Paulo Gomes, por ter me aceito como orientanda, pela confiança depositada em mim, toda sua disponibilidade, paciência e ensinamentos. Aos professores da banca Altamir Moreira, Lilian Maus Junqueira e Reinilda de Fátima Berguenmayer Minuzzi pelas contribuições e apontamentos na minha pesquisa. Ao PPGART/UFSM pela oportunidade que me foi dada através do ingresso nesse curso, e o apoio institucional em todos os momentos necessários. Aos ex professores da Graduação e Pós-Graduação da Unochapecó, especialmente o professor Ricardo de Pellegrin, pelo apoio e encorajamento..

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(11) RESUMO. ANATOMIA E BOTÂNICA: REFLEXÕES SUBJACENTES EM ARTE CONTEMPORÂNEA. AUTORA: Alessandra da Silva ORIENTADOR: Paulo César Ribeiro Gomes. A presente investigação em Poéticas Visuais, desenvolvida na Linha de Pesquisa Arte e Visualidade, tem como objetivo explorar as potencialidades poéticas do desenho de Anatomia e Botânica na arte contemporânea. Nesse contexto é feito um panorama histórico da representação naturalista, suas relações com a Anatomia e Botânica e suas contribuições para as poéticas visuais. Considerando que a produção em arte contemporânea está vinculada a uma prática teórico-reflexiva, essa abordagem se dá através de uma aproximação de questões históricas que dialogam com a produção. Durante o processo são analisadas obras de artistas contemporâneos que estabelecem relação com Anatomia e Botânica, alguns por apresentar esses elementos de forma isolada e outros por mesclar as duas abordagens. Utilizando a poiética na busca de construção dos significados da obra em seu processo, através da ação – reflexão – ação, os resultados apresentam um hibridismo entre anatomia humana e vegetal. Através de analogias das formas do corpo e determinadas espécies vegetais, essa visualidade das formas, que se materializa através do desenho, permite estabelecer reflexões sobre o conhecimento popular e o uso de plantas para as curas do corpo.. Palavras-chave: Arte Contemporânea. Arte e Visualidade. Poéticas. Anatomia e Botânica. Desenho..

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(13) ABSTRACT. ANATOMY AND BOTANY: FUNDAMENTAL REFLECTIONS IN CONTEMPORARY ART. AUTHOR: Alessandra da Silva ADVISOR: Paulo César Ribeiro Gomes The present study in Visual Poetics, developed in the Line of Research Art and Visuality, aims to explore the poetic potentialities of Anatomy and Botany design in contemporary art. First, by the context, an overview is made of the trajectory of naturalistic representation, its relations with Anatomy and Botany and its contributions to visual poetics. In view of the production in contemporary art is entailed to a theoretical-reflexive practice, this approach comes through an approximation of historical issues that discourse with production. During the process are analyzed works of contemporary artists that establish relations with Anatomy and Botany, some to present these elements in isolation and others to mix the two approaches. Using poietics in the search for creation of the meanings of the work in its process, through “action - reflection – action”, the results present a hybridism between human and vegetal anatomy. Through analogies of body shapes and certain plant species, this visuality of shapes, which materializes through drawing, allows us to establish reflections on popular knowledge and the use of plants for the cure of the body.. Keywords: Contemporary Art. Art and Visuality. Poetic. Anatomy and Botany. Drawing..

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(15) LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Pesquisa de cores/pigmentos naturais por meio de fricção, 2011 ........ 24 FIGURA 2 – Natureza, cores, formas e texturas, Fotografia, 2014 ........................... 25 FIGURA 3 – Estudo de pitanga, aquarela sobre papel Canson, 2016 ...................... 26 FIGURA 4 – O que eu vejo, aquarela sobre papel Canson, 2016 ............................. 27 FIGURA 5 – O que trago em mim, aquarela sobre papel Canson, 2016 .................. 28 FIGURA 6 – Autorretrato I, aquarela sobre papel Canson, 2015 .............................. 29 FIGURA 7 – Giuseppe Arcimboldo, Vertumnus, 1590 .............................................. 30 FIGURA 8 – Autorretrato II, aquarela sobre papel Canson, 2016 ............................. 31 FIGURA 9 – Página em pergaminho do Aniciai Julianae Codex, 40 d.C .................. 34 FIGURA 10 – Parte do afresco de Acrotili, séc. 16 a.C ............................................. 35 FIGURA 11 – Detalhe - representação de pombas e flor de pêra ............................. 36 FIGURA 12 – Leonardo da Vinci, Lírio Branco, 1472 ................................................ 38 FIGURA 13 – Albrecht Dürer, Nossa Senhora com a Íris .......................................... 39 FIGURA 14 – Albrecht Dürer, Tufo de ervas ............................................................. 39 FIGURA 15 – Registros Expedição Botânica Real para o Novo Reino de Granada . 41 FIGURA 16 – Frans Post, Paisagem Brasileira, Museu do Louvre ........................... 43 FIGURA 17 – Albert Eckhout, Natureza Morta .......................................................... 43 FIGURA 18 – Nicolas Antoine Taunay, Cascatinha da Tijuca. 1816-1821 ................ 45 FIGURA 19 – Jean–Baptiste Debret, Femme Camacan Mongoy ............................. 46 FIGURA 20 – Plantas do Brasil, (Emissão 1834 - 1839) ........................................... 46 FIGURA 21 – Jean - Baptiste Debret, Retorno dos escravos de um naturalista, 1826 .................................................................................................... 47 FIGURA 22 – Moritz Rugendas, O desmatamento, 1835 ......................................... 48 FIGURA 23 – Friedrich Georg Weitsch, Retrato de Alexander Von Humboldt, 1826 .................................................................................................... 50 FIGURA 24 – Alexander Von Humboldt e Aimé Bonpland,Plantae Aequinoctiales, 1805 .................................................................................................... 51 FIGURA 25 – Herman Rudolph Wendroth, Prancha Botânica, 1852 ........................ 52 FIGURA 26 – Manuel de Araújo Porto Alegre, Floresta brasileira, 1856 ................... 53 FIGURA 27 – Miscelânea médica, Iluminura Anatômica de Veias, Inglaterra XIII .... 55 FIGURA 28 – Leonardo Da Vinci, Músculos do ombro, braço e ossos do pé. Desenho,1510 -1511 .......................................................................... 57 FIGURA 29 – Andreas Vesalius, De humanicorporis fabrica libriseptum,1543 ......... 58 FIGURA 30 – Daniel Rabel, Gravura de Narcisos, Página do Theatrum Florae ....... 64 FIGURA 31 – Leonardo da Vinci, Demonstração conjugada do sistema respiratório, vascular, e genito-urinário do corpo feminino, Desenho, 1510 ........... 65 FIGURA 32 – Leonardo da Vinci, Crânio humano seccionado, Windsor, Desenho, 1489 .................................................................................................... 67 FIGURA 33 – Diana Carneiro, Sophronitis coccínea, 1998 ....................................... 68 FIGURA 34 – Rembrandt, A Lição de Anatomia do Dr. Tulp, 1632........................... 71 FIGURA 35 – Aula pública de anatomia ICBS- UFRGS, 22 de maio de 2018 .......... 72 FIGURA 36 – Caderno de estudos, Desenho, 2018 ................................................. 73 FIGURA 37 – Juan Valverde de Amusco, Ilustração do livro - A história da composição do corpo humano. Roma, 1560 ...................................... 75 FIGURA 38 – Gunther Von Hagens, Corpo plastinado. 1994 ................................... 75 FIGURA 39 – Margaret Mee, “Clusiagrandiflora” ...................................................... 77 FIGURA 40 – Margaret Mee, “Strophocactuswittii” ................................................... 77 FIGURA 41 – Estudos de plantas, Aquarela sobre papel Canson, 2017 .................. 78.

(16) 38. FIGURA 42 – Herman de Vries, Juniperus comunnis, 2014 ..................................... 82 FIGURA 43 – Mark Dion, Herbarium, 2012 .............................................................. 83 FIGURA 44 – Nunzio Paci, O crescimento lento da carne, Pintura, 2015 ................ 85 FIGURA 45 – Sérgio Allevato, Heliconia musculus, 2006 ........................................ 86 FIGURA 46 – Sérgio Allevato, Flora Carioca, 2011 .................................................. 86 FIGURA 47 – Walmor Corrêa, Série Super Heróis, 2005 ......................................... 87 FIGURA 48 – Juan Gatti, Colagens da série La piel que habito, 2011 ..................... 88 FIGURA 49 – Marco Mazzon, Hibiscus, Lápis de cor sobre papel, 2010 ................. 90 FIGURA 50 – Guto Nobrega, Ephemera, Vídeo e projeção, 2008 ........................... 91 FIGURA 51 – Yui Ishibashi, Kemono, Escultura, 59 x 42 x 38 cm ............................ 92 FIGURA 52 – Michael Reedy, Malum A, Técnica mista sobre papel ........................ 93 FIGURA 53 – A flor da pele, Aquarela sobre papel Canson, 2017 ........................... 97 FIGURA 54 – Aflorar, Aquarela sobre papel Canson, 2017...................................... 99 FIGURA 55 – Exemplo citado por Philip Hallawel .................................................. 100 FIGURA 56 – Estudos de composição, aquarela sobre papel Canson, 2017......... 101 FIGURA 57 – Livros de família ............................................................................... 103 FIGURA 58 – Caderno de Colagens, 2017............................................................. 104 FIGURA 59 – Desenhos com Colagens de Plantas, 2017...................................... 105 FIGURA 60 – Revigorar, Aquarela sobre papel Canson, 2018 ............................... 107 FIGURA 61 – Renascer,Aquarela sobre papel Canson2018 .................................. 108 FIGURA 62 – Desenvolvimento das obras Renascer e Revigorar, 2018 ............... 109 FIGURA 63 – Detalhes no desenvolvimento das obras, 2018 ................................ 110 FIGURA 64 – Fecundar, Desenho sobre papel Canson, 2018 ............................... 111 FIGURA 65 – Purificar, Desenho sobre papel Canson, 2018 ................................. 112 FIGURA 66 – Exposição Interações Arte e Ciência, Sala Cláudio Carriconde – Centro de Artes e Letras/UFSM, Santa Maria/RS, 2018 .................. 113 FIGURA 67 – Intervenção na Praça Emílio Zandavalli, Chapecó/SC, 2018 ........... 116 FIGURA 68 – Relógio do corpo humano, Atividade com alunos, 2016 .................. 117 FIGURA 69 – Pessoas observando a Intervenção, Chapecó/SC, 2018 ................. 118 FIGURA 70 – Escolha dos locais e inserção das placas, Chapecó/SC, 2018 ........ 119 FIGURA 71 – Envelopes com sementes, 2018 ...................................................... 119.

(17) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 21 1. CONFLUÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE ARTE E CIÊNCIA ..................... 23. 1.1 PERCURSO POÉTICO ....................................................................................... 23 1.2 NATURALISMO CIENTÍFICO E ILUSTRAÇÃO BOTÂNICA NO CONTEXTO DOS ARTISTAS VIAJANTES .............................................................................. 32 1.3 OS ARTISTAS E A ANATOMIA: PROCESSOS CRIATIVOS ENTRE ARTE E A CIÊNCIA .............................................................................................................. 55 2. ENTRE A TÉCNICA, A ESTÉTICA E A PRODUÇÃO DE SENTIDO ................. 61. 2.1 A ARTE DAS IMAGENS NAS CIÊNCIAS NATURAIS ........................................ 61 2.2 REFLEXÕES ENTRE A TÉCNICA E A ESTÉTICA ............................................ 69 2.3 ARTE CONTEMPORÂNEA: CONFLUÊNCIAS COM O NATURALISMO CIENTÍFICO........................................................................................................ 79 3. ANATOMIA E BOTÂNICA: UMA POÉTICA EM PROCESSO ........................... 95. 3.1 A VIAGEM DA ARTISTA PELA FLORA INTERIOR ............................................ 95 3.2 O CORPO QUE HABITO .................................................................................. 114 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 121 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 123. 000 0.

(18) 40.

(19) 21. INTRODUÇÃO. A pesquisa tem como tema explorar através de técnicas do desenho, as possibilidades poéticas do naturalismo científico, a partir do hibridismo entre o corpo e as plantas. Essa investigação parte de duas motivações que me acompanham há algum tempo, seja no cotidiano ou nas investigações acadêmicas. Por um lado, o interesse por técnicas de desenho as quais me dedico aprender e aprimorar no decorrer dos anos, e por outro lado, uma preocupação em pensar as relações entre arte, ciência e a produção de sentido através de representações do corpo em interação com elementos da natureza. Nesse contexto surge o questionamento: como potencializar as questões estéticas envolvendo o desenho científico como elemento na produção em arte contemporânea? A partir dessa indagação estabeleço como objetivo explorar através da expressão gráfica – desenho - as potencialidades poéticas nas fronteiras e nas pontes entre a arte e ciência. A temática é abordada do ponto de vista do artista, consistindo na investigação da poética visual, a partir da produção artística e seu processo, assim como das trajetórias pessoais, contextualização histórica e reflexão crítica. Considerando que boa parte da produção em arte contemporânea está vinculada a uma prática teóricoreflexiva que serve de suporte e apoio, fornecendo embasamento aos processos dos artistas. O ponto de partida dessa investigação é a hipótese que, as relações entre arte e ciência atravessam continentes e tempos, chegando até a contemporaneidade, onde se fazem presentes na produção artística atual. Como suporte teórico, utilizo a pesquisa bibliográfica e análise de imagens. A revisão bibliográfica tem como base publicações, na área das artes visuais e autores que referem sobre as origens do naturalismo científico e o legado dos artistas naturalistas tais como: Gombrich (1995), Kemp (2005), Capra (2011), Zubaran (2003); bem como, biografias que abordam questões técnicas inerentes à ilustração científica citando os autores: Rix (2014), Carneiro (2011), Correia (2009). Tais referências permitem estabelecer um percurso das relações entre arte e ciência, tendo como elemento em comum a representação naturalista. No Capítulo I, apresento um levantamento de trabalhos fundamentais na minha trajetória artística que levaram a essa investigação, posteriormente ingresso no contexto históricodo naturalismo científico e das relações entre arte e ciência. Nesse.

(20) 22. percurso o desenho naturalista se destaca como elemento comum entre Anatomia e Botânica, sendo fundamental para a documentação de espécies vegetais, para estudos de anatomia humana, deixando importantes contribuições na história da arte. No Capítulo II faço uma análise sobre as questões estéticas e técnicas envolvendo o desenho de uso científico e como essa produção de imagem se relaciona com as produções em arte contemporânea. Nesse texto discorro sobre as principais técnicas, relacionados à ilustração de plantas, sendo que dentre elas se destacam elementos como composição, enquadramento, harmonia, proporção, equilíbrio garantindo um caráter estético que alia rigor e beleza para a motivação de sentidos no observador. Alguns artistas contemporâneos trazem esses elementos no desenvolvimento de suas poéticas. Dentre eles destacam-se: Herman de Vries (Alkmaar – Holanda,1931), Mark Dion (Massachusetts – EUA, 1961), NunzioPaci (Bologna –Itália, 1977), Sergio Alevatto (Rio de Janeiro –Brasil, 1971), Walmor Correa (Florianópolis – Brasil, 1962), Juan Gatti (Argentina, 1950), Marco Mazzoni (Milão, 1982), Guto Nóbrega (Brasil, 1965), YuiIshibashi (Japão, 1985), Michael Reedy (Estados Unidos, S/D). O Capítulo III apresenta as fronteiras e [entre]cruzamentos da Anatomia e Botânica a partir das reflexões sobre o processo poiético. Essas reflexões perpassam questões simbólicas e propriedades curativas das plantas exploradas pelo homem. Inicialmente as plantas aparecem nos desenhos em uma relação externa, constituindo um emaranhado que envolve os corpos. No decorrer do processo as obras passam a estabelecer analogia entre as similaridades formais da anatomia vegetal e humana. Considerando que a arte contemporânea possibilita uma mescla entre o antigo e o novo,as obras resultantes desses processos, integram produção artística e reflexão teórica, carregando em si discursos e apontando questões relevantes, diálogos e confrontos entre o “eu” e o mundo. Esses diálogos que a arte contemporânea proporciona nos fazem refletir sobre as mudanças sociais e culturais vivenciadas nos últimos séculos, onde torna-se cada vez mais comum a dilatação de fronteiras e pontes entre as diversas áreas de conhecimento..

(21) 23. 1 CONFLUÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE ARTE E CIÊNCIA. 1.1 PERCURSO POÉTICO Para dar clareza na construção do processo artístico, retomo algumas lembranças pessoais que tiveram importância no desenvolvimento dessa pesquisa. Dentre as questões que são fundamentais na trajetória artística originando essa investigação, são relevantes as relações com plantas e com o desenho. Durante minha infância acompanhava meus pais nos trabalhos da agricultura onde costumava muitas vezes, como uma brincadeira, embrenhar-me nas matas coletando plantas, que por vezes guardava no meio dos cadernos, outras macerava e utilizava em desenhos como tentativa de representação da cor. As plantas sempre me atraiam por suas formas, cores, texturas e aromas. O desenho sempre foi muito presente através da observação da forma e da tentativa de representação realista, por hora frustrada por falta de conhecimento técnico, contudo, o exercício contínuo me levou ao desenvolvimento de alguma habilidade. Meu primeiro contato com o desenho científico se deu na adolescência quando fui incentivada por minha irmã que me apresentou livros de ciências ricamente ilustrados. Essas imagens me chamaram muito atenção, desde então, passei a auxiliá-la reproduzindo os desenhos dos livros em maior escala para uso didático nas suas aulas. O gosto e o contato com o desenho foram aumentando com o passar dos anos me levando a cursar desenho na escola de artes e mais tarde a ingressar o Curso de Artes Visuais Bacharelado na Unochapecó. Outro momento importante foi o meu contato com a ilustração botânica, no ano de 2010, ao comercializar algumas telas com representações de orquídeas conheci, uma agrônoma a qual me apresentou os trabalhos de Margaret Mee (1909-1988) e Dulce Nascimento (1958), através de uma série de revistas ricamente ilustradas, desde então, passei a pesquisar sobre ilustradores e sobre ilustração botânica. Foi um momento em que muitas coisas as quais já me relacionava começaram a fazer sentido: o gosto pelo desenho, a arte de ilustrar a ciência, as minhas relações com as plantas, com as cores e formas da natureza. Durante a complementação do curso de Licenciatura em Artes Visuais pela UNIASSELVI no ano de 2011, escolhi como tema de estágio A expressividade da arte.

(22) 24. através das cores produzidas a partir de pigmentos naturais: pesquisa e experimentação (Figura 1), visando promover uma reflexão sobre a presença das cores a partir dos elementos da natureza. No desenvolvimento das aulas, foram realizadas experimentação e descoberta de coresatravés de plantas, por meio de fricção, produção de aquarelas com pigmentos naturais, para através destas, ilustrar a natureza. Foi um trabalho muito gratificante, porém senti algumas lacunas nas pesquisas referentes às relações entre arte, ciência e ilustração botânica. Figura 1 – Pesquisa de cores/pigmentos naturais por meio de fricção, 2011.. Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2011).. Ao. ingressar na. Contemporâneas. na. Pós-Graduação em Ensino de. Unochapecó. em. 2015,. nas. aulas. Arte: de. Perspectivas Desenho. na. Contemporaneidade, comecei a pesquisar artistas contemporâneos que trabalham com desenho. Desde então os elementos de Anatomia e Botânica passaram a ser tema de uma proposta poética, pautada em princípios naturalistas e sustentada pela ressignificação de elementos da natureza..

(23) 25. A compreensão da representação de fragmentos da natureza como elementos na produção poética inicialmente se deu a partir de um trabalho da disciplina de Fotografia, onde retratei cores, formas e texturas a partir de elementos da natureza (Figura 2). Figura 2 – Natureza, cores, formas e texturas, Fotografia, 2014.. Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2014).. Após o desenvolvimento das fotografias, passei a estudar algumas dessas formas através de técnicas de desenho em aquarela. A abordagem desses elementos configura-se a partir de reflexões, sobre as relações que as pessoas estabeleceram com as plantas no passado e como isso ocorre atualmente. Na correria da vida moderna a maioria das pessoasnão contempla pequenos espetáculos da natureza que ocorrem diariamente, através desse trabalho busco despertar olhares, sensações, sentimentos e emoções que os elementos da natureza nos causam através da poesia escondida em cada um. A percepção da natureza enquanto recurso infinitamente explorável exige uma retomada de valores, atitudes e.

(24) 26. novos conhecimentos. É preciso enfrentar a incerteza que vivemos para repensarmos as relações entre o homem e a natureza. Ao analisar esses fragmentos, primeiramente foram feitos estudos, em formatos de ilustrações botânicas (Figura 3), de plantas que possuem relações com vivências e experiências. Esses estudos formam uma espécie de resgate de memórias. Algumas me agradam pela forma outras pelas cores, cheiros e sabores. Na produção dos desenhos, foi explorada a técnica de aquarela, muito comum na ilustração botânica, por possibilitar a representação de detalhes através da transparência e da sobreposição de camadas. Figura 3 – Estudo de pitanga, aquarela sobre papel Canson, 15 x 21 cm, 2016.. Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2016).. A partir desses elementos se deram as composições de autorretratos. Desde a pré-história quando o homem deixou marcado nas paredes das cavernas suas mãos em negativo, há uma busca pela auto representação, seja pelas formas tradicionais da arte clássica, ou pela busca de novas mesclas e hibridizações, o artista imprime seus anseios daquele momento, sem preocupar-se em agradar mais alguém, senão.

(25) 27. a si mesmo. O autorretrato funciona como uma autobiografia uma visão do artista sobre si próprio. O primeiro trabalho da série de retratos intitulado O que eu vejo (2016) (Figura 4), apresenta meu olhar para esse mundo de cores e formas da natureza. Figura 4 – O que eu vejo.Aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2016.. Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2016).. A percepção aguçada para cada detalhe está intrinsecamente relacionada ao olhar, olhar atento me acompanha desde a infância. Pequenos detalhes e fragmentos despertam minha atenção, revelam formas, texturas e cores variadas. Para Leonardo da Vinci “O olho, do qual se diz a janela da alma”1 (in. Kemp, 2005, p. 50), reflete o que está lá fora, mas se constitui no interior, ou seja, é uma fusão das visões interiores e exteriores. Nesse sentido ver e olhar caminham paralelamente, embora o ato de ver esteja relacionado ao sentido físico da visão, algo. 1. Leonardo Da Vinci - Nascido no vilarejo de Vinci, na região de Florença, Itália, em 15 de abril de 1452, foi pintor, desenhista, escultor, arquiteto, astrônomo, além de engenheiro de guerra e engenheiro hidráulico entre outros ofícios..

(26) 28. mais imediato, enquanto que, o ato de olhar é algo mais contemplativo, demorado, suscita pensar, relacionar conhecimento, razão e a emoção. O segundo trabalho da série de retratos se chama O que trago em mim (2016) (Figura 5) trata-se de um retrato de minhas mãos, carregadas de plantas e uma borboleta. Figura 5 – O que trago em mim. Aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2016.. Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2016).. Esse trabalho traz a dualidade entre a exuberância e a decomposição, entre o que se toca e o que se desfaz, abordando implicitamente o papel do naturalista como um coletor que busca na natureza seus elementos de estudo. Na arte, as mãos aparecem presentes como elemento simbólico desde a arte primitiva, passando pela arte clássica chegando à arte contemporânea aonde ainda levanta. questionamentos. Trabalhar o aspecto poético das mãos aborda. implicitamente as sensibilidades táteis do ‘eu’ como sujeito do corpo e as impressões sensíveis do contato com as coisas materiais..

(27) 29. Em Autorretrato I (2016) (Figura 6) o rosto é representado sendo tomado por um emaranhado de plantas, no qual ora prevalece o escuro do esfumado, ora prevalece o colorido da aquarela. Figura 6 – Autorretrato I. Aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2015.. Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2015).. Na história da arte, a produção de autorretratos segue o desenvolvimento do gênero retrato destacando-se na arte europeia, acompanhando os anseios da corte e da burguesia de projetar suas imagens através dos retratos realizados sob encomenda, assim, o retrato atravessou diferentes escolas, estilos e técnicas. Ao buscar um recorte do gênero retrato em sua extensa produção na história da arte, tomo como referência o trabalho representativo do artista Giuseppe Arcimboldo2. A cidade de Milão, na Itália onde o artista viveu foi considerada o berço. 2. A data do nascimento de Giuseppe Arcimboldo não é conhecida e muito pouco se sabe sobre sua infância também. No entanto, existem certas evidências da história, que sugerem que ele nasceu no ano de 1527 em Milão, na Itália..

(28) 30. do naturalismo, um modo de expressão artística baseada na observação direta da natureza. Figura 7– Giuseppe Arcimboldo, Vertumnus, retrata o Imperador Rudolfo II, Óleo sobre madeira, 70,5 x 57,5 cm, Skoklosters Slott, Balsta, Suécia, 1590.. Fonte: (Site Vírus da Arte & Cia3).. No gênero retrato constitui os rostos a partir de elementos da fauna e da flora, como podemos observar na obra Vertumnus (Figura 7) (1590). Suas pinturas não demonstram apenas uma fusão de arte e ciência, mas também proporcionam uma enciclopédia de plantas e animais. Arcimboldo foi o artista da corte do imperador Maximiliano II, em uma época de forte interesse pela exploração e estudos da natureza, o imperador transformou sua corte num centro de estudo científico, reunindo cientistas e filósofos de toda a Europa, criando um jardim botânico e um parque zoológico. Ele teve acesso a essas vastas coleções sobre fauna e flora, suas obras estão relacionadas a temas da natureza e mostraram sua habilidade e precisão como ilustrador e seu conhecimento como naturalista.. 3. Disponível em: <http://virusdaarte.net/giuseppe-arcimboldo-vertumnus/> Acesso em: 22 de dez. 2018..

(29) 31. Em Autorretrato II (2016) (Figura 8), as plantas prevalecem compondo totalmente o retrato, representando, de modo simbólico, um pensamento que é invadido por completo por esse desejo do olhar e do representar. Figura 8 – Autorretrato II. Aquarela sobre papel Canson, 42 x 60 cm, 2016.. Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2016).. As memórias se evidenciam através dos fragmentos de plantas, cheios de detalhes que compõem a visualidade dos retratos. As imagens resultantes desse processo apresentam características distintas iniciando com estudos de elementos botânicos isolados, posteriormente a sobreposição desses elementos sobre partes do rosto e mão, finalizando com a estruturação do rosto com as plantas. Os desenhos carregam em cada elemento detalhes que afloram das minhas percepções e relações a Anatomia e Botânica..

(30) 32. 1.2 NATURALISMO CIENTÍFICO E ILUSTRAÇÃO BOTÂNICA NO CONTEXTO DOS ARTISTAS VIAJANTES. Ao propor uma reflexão sobre as fronteiras e pontes entre: arte, ciência e as complexidades que as norteiam, parto do princípio de que o desejo de representação de elementos da natureza acompanhou o homem no decorrer da história com funções diferenciadas, mas em linha cronológica, observa-se um percurso evolutivo que originou o que conhecemos hoje como Ilustração Científica. O desenho é um das formas de expressão mais antiga que acompanha o homem no decorrer da história, desde as suas primeiras manifestações na arte rupestre, demonstra um forte potencial comunicativo. A partir da pré-história podemos observar imagens de representações naturalistas, embora nesse período tais imagens ainda não se configurem como algo científico. Segundo a ilustradora botânica e pesquisadora Diana Carneiro (2011), entende-se por arte naturalista a representação dos elementos da natureza de maneira que possam ser facilmente reconhecíveis, segundo ela o desenho naturalista se manifesta com mais vigor em algumas épocas do que em outras, se fazendo presente na arte rupestre e posteriormente entre egípcios, gregos e romanos. Têm-se representações naturalistas na pré-história – como a arte rupestre – entre os egípcios e gregos, na antiguidade, poucas manifestações no período medieval e um afloramento no Renascimento, com a incorporação dos princípios estéticos desta escola. As marcas renascentistas da arte naturalista determinam outros movimentos subsequentes. (CARNEIRO, 2011, p. 27). Ao analisarmos as relações entre arte e ciência percebemos em comum o emprego de recursos das artes visuais na documentação e estudos de espécies vegetais, animais ou a paisagem, assim como no campo das artes, artistas em diferentes épocas e com diferentes olhares utilizaram-se de conhecimentos científicos como base para em seus processos criativos. Diana Carneiro (2011) aponta a ilustração botânica, como um dos segmentos da vasta área de abrangência da Ilustração Científica dentro do contexto das Ciências Naturais..

(31) 33. A ilustração botânica é apenas um dos segmentos da ilustração biológica, ao lado da ilustração zoológica, paleontológica e demais áreas de estudo das chamadas ciências naturais. Fazem parte ainda dessa área as ilustrações histológicas, moleculares, as descrições de ambientes, nichos ecológicos e comportamento animal. A ilustração médica se constitui área à parte, assim como as elaboradas para as Ciências da Terra (Geologia, Geografia, Cartografia) Astronomia e Antropologia. Todas elas juntas formam o que se denomina Ilustração Científica. (CARNEIRO, 2011, p.24). A ilustração botânica se desenvolveu ao longo dos tempos, acompanhando a evolução das civilizações. Tais representações relacionam-se ao uso de plantas em diferentes culturas no decorrer da história. Ao buscarmos referências na história sobre as relações entre a utilização de plantas pelas civilizações humanas supõe-se que plantas tenham sido utilizadas desde os primórdios, essas atribuições têm como base o conhecimento de tribos indígenas isoladas que ainda preservam a tradição e o uso de princípios ativos de plantas. Os primeiros textos médicos de que se tem conhecimento remetem ao Egito Antigo, é possível que os egípcios utilizassem plantas na arte de embalsamar os corpos, foram encontradas escritas em papiro com receitas de drogas à base de plantas utilizadas na cura de enfermidades. Segundo Osmar Alves Lameira e José Eduardo Brasil Pereira Pinto (2008) um desses papiros ficou conhecido como Papiro de Ebers4 do egiptólogo alemão Georg Ebers, adquiro em 1827 de um cidadão árabe que diz tê-lo achado na necrópole próxima e Tebas. Este é um dos tratados médicos mais antigos e importantes que se conhece. Foi escrito no Antigo Egito e datado de aproximadamente 1550 a.C. Acredita-se que o referido papiro, contendo cerca de 800 receitas e referência a mais de 700 drogas, incluído absinto, hortelã, mirra e mandrágora, tenha sido escrito no Século XVI a.C. No Antigo Egito e em Roma, plantas aparecem representadas em murais com finalidade decorativa e ornamental. As erupções vulcânicas e terremotos que destruíram a civilização minóica na cidade de Creta, Acrotíri e Pompéia, preservaram pinturas em afresco que nos permitem identificar plantas como o açafrão, usado como aromatizante e corante, bem como: rosas, lírios, papoulas dentre outras. Martyn Rix (2014) destaca que na China, existem vários registros de ervas medicinais usadas há cerca de 4.500 anos. Lameira e Pinto (2008) afirmam que existem registros de que no. 4. Atualmente o Papiro de Ebers está exposto na biblioteca da Universidade de Leipzig na Alemanha. Fonte: Santillana Richmond Disponível em: <http://www2.richmond.com.br>Acesso em: 16 de Nov. 2018..

(32) 34. ano de 1500 a. C., os chineses já possuíam listagem de drogas medicinais, o imperador Cho-Chin-Kei, possuía a obra mais destacada da farmacologia da China Antiga. Esses conhecimentos não se espalharam pelo oeste, fato que veio a desenvolver estudos nessa área bem mais tarde. Obras datadas do século I a.C. permitem cogitar que as origens do desenvolvimento de estudos detalhados sobre as propriedades medicinais, com desenhos e descrições, foram produzidas na Grécia, na Ásia Menor e na Babilônia, resultando nos primeiros livros dessa área. De acordo com Rix (2014) os primeiros livros de ilustração botânica retratavam plantas medicinais, visando ajudar o leitor a identificá-las e a usá-las. O nome de um dos mais famosos botânicos do século I a.C foi Cratevus, cujo trabalho foi base para o livro Aniciai Julianae Codex (Figura 9). Figura 9 – Página em pergaminho do Aniciai Juliana e Codex Escrito por Dioscórides em Anazarbo, atual Cesareia, Turquia, por volta de 40 d.C.. Fonte: (RIX, 2014, p. 15)..

(33) 35. Escrito por Dioscórides que nasceu em Anazarbo, atual Cesareia, na Turquia, por volta de 40 d.C. Esse livro foi copiado inúmeras vezes. Sua versão mais conhecida é a de Anicia Juliana, filha do imperador romano Olíbrio. No Antigo Egito e em Roma, plantas aparecem representadas em murais com finalidade decorativa. Como descreve Rix: A representação das flores na arte tem uma longa história. A pintura das flores foi originalmente feita por dois motivos principais: decoração ou como um meio de identificação de plantas medicinais. As primeiras representações remanescentes de flores datam do final do período minóico, em Creta e na parte oriental do Mediterrâneo, por volta de 1700 anos atrás. E eram o produto de uma rica cultura de ricos palácios com lírios, açafrão e outras flores usadas para decorar vasos, caçarolas e maravilhosas paredes de quartos. (RIX, 2012, p. 10). A mais espetacular de todas as pinturas de plantas está localizada no Museu Nacional de Atena (Figura 10). Trata-se da parede de uma sala inteira com uma única cena: grandes moitas de lírios com flores vermelhas emergem de uma rocha, em uma paisagem desgastada pelo calcário e andorinhas dando mergulhos no ar. Figura 10 – Parte do afresco que decora uma sala descoberta da Era do Bronze, Acrotili Ilha Grega de Santorini, séc. 16 a.C.. Fonte: (RIX, 2014, p.12)..

(34) 36. No oriente é possível encontrarmos ilustrações de plantas produzidas no século XIII, geralmente elaboradas sobre pergaminhos com temática de frutas, flores e pássaros (Figura 11). Na China podemos destacar a existência de vários registros de ervas medicinais usadas a cerca de 4.500 anos. Jà na europa, no século XV, a ilustração de plantas faz-se presente em pinturas religiosas, sendo usado como elementos decorativos e ou simbólicos. Figura 11 – Detalhe - representação de pombas e flor de pera, tinta e lavagem de cor no papel, produzido na dinastia Yuan por Quian Xuan.. Fonte: (RIX, 2014, p. 10).. Por conseguinte, esses desenhos continuaram servindo como modelo durante a Idade Média, período em que a ilustração botânica não demonstra evolução significativa, sendo reproduzidos para a transmissão dos saberes nos mosteiros, perdendo qualidade por falta de conhecimento e domínio técnico. Mas foi nos séculos XVI e XVII que ocorreu um novo olhar para as relações entre a arte e a ciência, marcando uma retomada nos estudos de observação da natureza. De acordo com os estudos de Rix:.

(35) 37. No início do século 16 e 17 o interesse se voltou para os livros sobre o crescimento das flores de decoração, conhecidos como florilégios. Imagens dos primeiros jardins de flores europeus também podem ser vistas em pinturas do século 15, mas normalmente carregam significado religioso: lírios, rosas, ísis e cravos são comumente mostrados. (RIX, 2012, p. 11). Os fundamentos estéticos que norteiam a arte botânica estão embasados em princípios do naturalismo científico, corrente surgida no Renascimento, tendo como base o trabalho desenvolvido pelos artistas Leonardo da Vinci e Albrecht Dürer. Como em inúmeros campos, Leonardo da Vinci (1452-1519) dedicou-se a estudos científicos demonstrando conhecimento intelectual em muitas áreas. Segundo Fritjof Capra (2011) o instrumento principal para a representação e análise das formas da natureza era sua extraordinária facilidade para desenhar, que quase se igualava a agudeza de sua visão. Observação e documentação se fundiam em um único ato. Nesse contexto realizou inúmeros estudos de observação de rochas, movimentos da água, crescimento de plantas, anatomia e movimentos do corpo. Capra (2011) afirma que “o mundo representado por Leonardo, seja na sua arte, seja na sua ciência é um mundo que evolui e flui” essa afirmação é baseada em análises de anotações deixadas pelo artista. Sobre uma folha de desenho anatômico ele anotou que as veias do corpo humano se comportam como laranjas, as quais engrossam a casca e diminuem o miolo conforme envelhecem, essas comparações entre formas orgânicas de espécies diferentes não são simples analogias, mas demonstram que Leonardo Da Vinci foi um precursor dos estudos sobre tecidos vivos que mais tarde puderam ser estudadas microscopicamente por outros cientistas para a compreensão das estruturas celulares. Essa dupla função dos desenhos de Leonardo, como arte e como instrumento de análise científica, nos fazem pensar que sua arte não pode ser compreendida sem sua ciência, nem sua ciência sem sua arte. Na botânica, Leonardo da Vinci realizou inúmeros estudos através da observação sistemática de plantas, inicialmente realizava estudos de vegetação como processo para a pintura, estando no âmbito das investigações visuais de forma, cor e luz, porém tais experimentos adquirem mais tarde o rigor científico da ilustração botânica. Os manuscritos botânicos foram produzidos por Leonardo da Vinci a partir de 1500, quando ele tinha 50 anos, conforme expõe Capra: A sua habilidade nos desenhos botânicos atingiu o ápice em torno de 150810, e só depois de 1510, com Leonardo já sexagenário, foi que seus.

(36) 38. experimentos botânicos se tornaram pesquisas puramente científicas distintas das pinturas. (CAPRA, 2011, p. 19). O estudo Lírio Branco (1472) (Figura 12) de Leonardo da Vinci é considerado uma obra prima para a botânica, com a representação precisa dos seis estames do lírio, o invólucro floral dividido em seis pétalas e a disposição das folhas no caule. Os conhecimentos científicos de Leonardo não foram divulgados na sua época, seus contemporâneos o consideravam um indivíduo estranho. Figura 12 – Leonardo da Vinci, Lírio Branco, 1472, desenho, coleção Windsor, dimensões desconhecidas.. Fonte: (CAPRA, 2011, p. 67).. Segundo Gombrich os processos científicos desenvolvidos por Leonardo, serviam como um meio de adquirir conhecimento necessário para sua arte. Sobretudo é provável que o próprio Leonardo não alimentasse a ambição de ser considerado um cientista. A exploração da natureza era para ele, em primeiro lugar e acima de tudo, um meio de adquirir conhecimento sobre o.

(37) 39. mundo visível – conhecimento de que necessitaria para a sua arte. (GOMBRICH, 1999, p. 294). A obra científica de Leonardo permaneceu desconhecida ao longo de sua vida e nos duzentos anos subsequentes à sua morte, suas descobertas pioneiras não influenciaram diretamente a pesquisa científica dos próximos anos seguintes. Contemporâneo de Da Vinci, Albrecht Dürer5 (1471-1528) foi outro artista de grande destaque no campo da ilustração de plantas, ganhando notoriedade pelo alto grau de fidelidade com que captou meticulosamente os detalhes de seus temas vegetais. Dessa forma conferindo aos seus desenhos, pinturas e gravuras uma sofisticada e mimética representação da realidade. Figura 13 – Albrecht Dürer. Nossa Senhora com a Íris (1505) têmpera sobre painel, dimensões desconhecidas. Figura 14 – Albrecht Dürer. Tufo de ervas, 1503, Guache e aquarela sobre papel, 41,0 x 31,5 cm.. Fonte: (RIX, 2014, p. 22). (BÖING; RIBEIRO, 2014, p. XXII).. 5. Nascido em Nuremberg, na Alemanha em 21 de maio de 1471, foi matemático, físico, botânico, zoólogo, desenhista e pintor..

(38) 40. Assim como Leonardo, seus estudos minuciosos das plantas serviram de base para sua pintura. Comparando duas obras do artista Albrecht Dürer é possível perceber como os estudos dos elementos da natureza influenciaram sua pintura. Nas obras Nossa Senhora com a Íris (Figura 13) (1505), podemos identificar com precisão detalhes de videiras, flores e ervas variada, semelhante as plantas representadas em Tufo de Ervas (1503) (Figura 14) de Albrecht Dürer. Os temas naturalistas despertaram-lhe tanto interesse que ele esforçou-se ao máximo na execução de estudos de animais e plantas, sua grande maioria em aquarelas, esses desenhos serviam de base para toda sua arte. Nesse sentido Gombrich evidência que: Dürer esforçou-se em atingir a perfeição em imitar a natureza, não só como um objetivo em si, mas como uma melhor maneira de apresentar uma visão convincente das histórias sagradas, as quais iriam ilustrar em suas pinturas, estampas e xilogravuras. (GOMBRICH, 1999, p. 345). Embora inicialmente a representação de plantas apresente funções decorativas e simbólicas, impulsionada pelo forte desejo de conhecimento científico em um cenário de novas descobertas da biologia, da ciência e do domínio de técnicas de impressão. A ilustração científica e botânica tomou um rumo próprio distanciando-se da mera função decorativa. Entre os séculos XVIII e XIX ocorre o período conhecido como “Era de ouro da arte botânica”, quando artistas habilidosos cruzaram continentes, desenvolveram belíssimos estudos de plantas. Em um momento em que a produção científica voltava olhares para áreas da medicina e da agronomia, o trabalho de campo envolvendo descrição anatômica e fisiológica desempenhava importante papel, muitas espécies eram coletadas em organizadas nos jardins botânicos, transformando-se em importantes materiais de pesquisa e experimentos. Assim os jardins botânicos transformaram-se em locais para instruções de boticários, de médicos, de cirurgiões, de agricultores e grupos de amadores interessados em desenvolver estudos de História Natural. O contexto latino americano despertava o interesse dos artistas da época pelo cenário exótico tropical. Catlin, em um dos capítulos do livro Arte na América Latina nos aponta as relações entre a arte, a ciência e a documentação de espécies do continente europeu..

(39) 41. A realidade de um mundo que estava além dos horizontes europeus conhecidos foi gradativamente despertando a atenção das principais nações navegadoras e, depois no século XVIII, começou-se a buscar seriamente informações que fossem confiáveis, capazes de proporcionar a posse e o comércio das riquezas americanas. Aproveitando de maneira pragmática as oportunidades que agora entreviam, essas nações passaram a enviar expedições marítimas que combinavam a exploração geográfica com um trabalho cuidadosamente planejado por artistas a fim de que, com objetividade fossem registradas formas desconhecidas da vida vegetal, animal e humana. (CATLIN apud. ADES, 1997, p. 42 - 43). No que se refere aos artistas viajantes e à ilustração botânica na América Latina, Catlin (1997, p.43) destaca a Expedição Botânica Real para o Novo Reino de Granada, dirigida pelo médico e botânico José Celestino Mutis, a expedição durou 33 anos e produziu mais de 5.330 estudos sobre espécies da flora do planalto colombiano, como podemos observar na (Figura 15). Figura 15 – Registros Expedição Botânica Real para o Novo Reino de Granada. Acervo Jardim Botânico Real de Madrid.. Fonte: (MUTIS, José Celestino, 1783/1791).. Foi a mais longa expedição dos organizados pela Coroa Espanhola durante os séculos XVIII e XIX e veio fortalecer o desenvolvimento de uma geração de naturalistas e botânicos. A expedição teve dois locais: entre 1783 e 1791 a base foi localizada em Mariquita, perto de Real de Minas de Santa Ana, até que em 1792 mudou-se para Santa Fé, onde a morte de seu diretor em 1808. O trabalho.

(40) 42. expedicionário continuou até 1816 e no ano seguinte os materiais da expedição foram transferidos para a Espanha onde fazem parte do acervo do Jardim Botânico Real de Madrid. No Brasil várias expedições, realizaram registros e coletaram materiais que foram à Europa para estudo, no entanto não houve uma preocupação inicial em formar ilustradores brasileiros. Carneiro (2011), ao descrever a história da ilustração botânica brasileira, pontua várias expedições realizadas na extensão territorial desde a época da colonização até hoje, todas atraídas pela diversidade de seus inúmeros ecossistemas. Essas descrições datam os primeiros registros produzidos ainda no século XVI como a famosa Carta do Descobrimento, os relatos de padres jesuítas e todas as obras seguintes, das inúmeras expedições europeias na saga da exploração. Constam ainda obras pontuais, minuciosamente ilustradas ao longo de anos, tais como História dos animais e árvores do Maranhão, que reúne os relatos do naturalista Frei Cristóvão de Lisboa, o Libri Principis de autoria desconhecida e Desenhos de história natural: zoologia e botânica do Brasil de Magalhães Bastos. A atividade de registro iconográfico no Brasil tomou grande impulso e se solidificou durante o governo do holandês Maurício de Nassau em meados do século XVII. Segundo CARNEIRO (2011) o conde Nassau chegou ao Recife em 1637 e atraiu para sua corte vários cientistas, em sua comitiva vieram também os pintores holandeses Frans Post (1612-1680) (Figura 16) e Albert Eckhout (1610-1666) (Figura 17), dentre os empreendimentos de Nassau destacam-se a construção de dois jardins um zoológico e um botânico, na realização desses projetos, foram realizadas inúmeras excursões pelo estado para a coleta de diferentes espécimes..

(41) 43. Figura 16 – Frans Post, Paisagem Brasileira, data e dimensões desconhecidas, Museu do Louvre. Figura 17 – Albert Eckhout, Natureza Morta, óleo sobre tela 90X90 cm, s.d. Acervo National Musset Dinamarca.. Fonte: (PATERNOSTRO6, 2017); (RIBEIRO, 2014, p. XXV).. No século XVIII o trabalho de exploração do continente americano se intensificou e várias comitivas de especialistas europeus percorreram as colônias registrando aspectos da geografia, da cartografia e da história natural. No Brasil podemos destacar como mais importante desse período o brasileiro Frei Vellozo7 nascido na Província de Minas Gerais passando a residir no Rio de Janeiro, foi responsável pelo minucioso levantamento dos recursos naturais que resultou na obra Flora Fluminense, publicada primeiramente em Portugal depois no Brasil. Impulsionados pelo desenvolvimento do sistema de classificação binária construída por Carlos Lineu8 no século XVIII. As normas de classificação estabelecidas por Lineu estimulou a pesquisa e a classificação de espécies durante os séculos seguintes.. 6. Disponível em:<http://abca.art.br/httpdocs/frans-post-animais-do-brasil-reune-desenhos-ineditoszuzana-paternostro/>Acesso em: 12 de nov. 2018. 7 Frei José Mariano da Conceição Vellozo (1741 – 1811) franciscano naturalista, considerado o Pai da Botânica Brasileira. (CARNEIRO, 2011, p. 39) 8 Carl Von Linné (1707-1778), médico e botânico sueco conhecido como o “Pai” da botânica moderna..

(42) 44. No final do século XVIII, cerca de vinte expedições foram despachadas pelas potências europeias rivais que, em nome do interesse nacional, haviam começado a encontrar na natureza -diretamente pesquisada- uma fonte de informações séria e, na modernização da produção e do comércio, o caminho mais seguro para o progresso material. (CATLIN apud. ADES, 1997, 45). O século XIX é marcado por um espaço maior para as “nações amigas” e o Rio de Janeiro torna-se rota de passagem de naturalistas, artistas e intelectuais. Nesse cenário destacam-se três fatores importantes. O primeiro deles é a vinda da corte portuguesa para o Brasil em 1808, abrindo espaço para a urbanização, modernização das cidades e o crescimento cultural. O segundo fator importante é a chegada da Missão Artística Francesa como ficou conhecido o grupo de artistas franceses chefiados por Joaquim Lebreton que chegou ao Rio de Janeiro em 1816, visando à documentação da paisagem do contexto brasileiro, vindo a influenciar e estabelecer o ensino das artes plásticas no Brasil, pautado em padrões acadêmicos europeus. Os pintores que integravam a Missão Artística Francesa tinham como objetivo a representação fiel da realidade. Dentre eles destacam-se Jean Baptiste Debret (1768 -1848) e Nicolas Antoine Taunay (17551830). O terceiro fator importante foi o casamento de Dom Pedro I com Maria Leopoldina de Habsburgo, a austríaca chegou ao Brasil em 1817 e com ela cientistas, botânicos e pintores, dentre eles destacam-se o pintor austríaco Thomas Ender (17931875) e o alemão Philipp Von Martius (1794-1868). Nesse cenário de descobertas podemos destacar o artista Nicolas Antoine Taunay (1755-1830), que em sua obra Cascatinha da Tijuca (1818) (Figura 18), retrata-se diante de um cavalete pintando a palmeira que está a sua frente. Essa obra nos faz pensar, no processo de estudo que o artista, precisa para desfragmentar os elementos da natureza para sua compreensão como um todo..

(43) 45. Figura 18 – Nicolas Antoine Taunay, Cascatinha da Tijuca, 1818. Óleo sobre tela, 51,5 x 36 cm Coleção Museu do I Reinado – Solar da Marquesa de Santos, Rio de Janeiro (RJ), Brasil.. Fonte: (MARTINS, 2009, p. 138).. Outro artista que nos faz pensar fortemente as relações entre a arte e a ciência é Jean Baptiste Debret (1768-1848), o artista da corte portuguesa que mais se dedicou a pinturas de temas históricos, além de inúmeras representações da paisagem e plantas brasileiras, foi fundador da Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de Janeiro. Como podemos observar nas imagens Femme Camacan Mongoy e Plantas do Brasil (Figuras 19 e 20), Debret usa elementos da ilustração botânica para representar os rostos das etnias locais. Após viver durante 15 anos no Brasil, desenvolveu uma intensa relação pessoal e emocional com o território brasileiro. Seu trabalho é considerado de grande importância para o Brasil na medida em que se dedicou a retratar o cotidiano e a sociedade do século XIX, especialmente no Rio de Janeiro..

(44) 46. Figura 19 – Jean – Baptiste Debret, Femme Camacan Mongoy, Impressão (Emissão 1834 - 1839). Figura 20 – Jean – Baptiste Debret, Plantas do Brasil, Impressão (Emissão 1834 1839).. Fonte: (Brasiliana Iconográfica9).. Entre muitos temas tratados pelos artistas cronistas viajantes, durante o meio século de atividade, de 1810 e 1860, em todas as partes da América Latina, “pelo menos quatro categoria principais podem ser distinguidas: científica, ecológica, topológica e social.” (CATLIN, 1997, p. 48) Em sua obra intitulada Retorno dos escravos de um naturalista (1826) (Figura 21), Debret, além de retratar a figura do negro, deixa registrado de forma simbólica, a participação de gente da terra no trabalho de campo desenvolvido por naturalistas estrangeiros, e as valiosas contribuições de índios, escravos e outros residentes na busca de espécies da fauna e da flora.. 9. Disponível em: <https://www.brasilianaiconografica.art.br/obras/rel_content_id/16705/p/10> Acesso em 20 de jan. 2019..

(45) 47. Figura 21 – Jean – Baptiste Debret, Retorno dos escravos de um naturalista, 1826. Aquarela sobre papel, prancha 19 de a Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil.. Fonte: (MARTINS, 2009, p.16).. Johann Motriz Rugendas (1802-1858), provavelmente, de todos, é o que melhor exemplifica a tradição do cronista viajante nas partes da América Latina de fala portuguesa e espanhola, durante a era pós-independência. Rugendas viajou mais longe e por mais tempo do que qualquer um de seus contemporâneos. Em sua primeira viagem ao Brasil que ocorreu de 1822 a 1825, Rugendas produziu obras especialmente detalhistas e representativas, teve sua trajetória artística marcada pela dicotomia entre as exigências de exatidão da ilustração técnica e o gênio criativo do artista. Seus desenhos e pinturas posteriormente foram publicados no álbum, Viagem pitoresca ao Brasil, em 1835.. Como era de se esperar no início o repertório dos trabalhos desses artistas itinerantes, cujo propósito era documentar os fenômenos naturais, tanto na prática como na teoria, foi construída por obras que seguiam padrões predominantes nas academias de belas-artes europeias (...) as academias europeias não treinavam seus artistas para trabalhar com modelos vivos, para descobrir-lhes as características intrínsecas, mas com vistas a destilar.

(46) 48. e purificar-lhes as formas em busca de um ideal. (CATLIN apud. ADES, 1997, p.47). No entanto ao entrar em contato com o novo cenário de exploração os artistas viajantes não se ativeram apenas às representações descritivas, acabando por envolver-se profundamente por questões de grandeza maior, passando a expressar em suas obras questões e valores culturais e sociais até então desconhecido da sociedade europeia. Os artistas acostumados com os padrões acadêmicos da arte europeia, tiveram dificuldade em representar a paisagem brasileira. A multiplicidade de elementos dispares, árvores próximas e distantes, com diferentes tamanhos, impedem muitas vezes, uma representação fiel. Figura 22 – Johann Moritz Rugendas, O desmatamento, 1835. Litografia, 28,5cm x 21,5cm.. Fonte: (MARTINS, 2009, p.137).. Possivelmente a solução encontrada foi a representação de clareiras como se pode observar na obra O desmatamento (1835) (Figura 22) de Johan Moritz.

(47) 49. Rugendas.. Tais imagens buscam valorizar os detalhes, representando melhor. homens, animais e plantas. Essas representações registram uma natureza que atualmente já não pode mais ser vislumbrada, adquirindo o caráter de documento. Ferrari ao pensar a trajetória dos artistas viajantes, destaca as contradições as quais Rugendas teve que enfrentar:. Artistas viajantes que vieram para o Brasil, como integrantes de missões científicas tiveram a experiência de olhar para as belezas naturais e pessoas que aqui viviam. Johann Moritz Rugendas (1802 -1858), por exemplo, enfrentou conflitos ente o registro fiel exigido pelo caráter da missão científica do barão de Langsdorff e seu desejo de criar as próprias interpretações a respeito daquilo que via. Rugendas esteve principalmente na região litorânea do Brasil e registrou uma Mata Atlântica que quase não existe mais. Suas imagens são percepções de um mundo quase desaparecido. (FERRARI, 2012, p. 143). Ao retornar para a Europa, Rugendas entrou em contato com novas produções artísticas, avaliou seus trabalhos produzidos e passou a explorar novos olhares voltados para a parte social e cultural.. Rugendas abandona a descrição precisa de espécimes tipológicas (embora sempre no contexto natural deles) como as que fizera no Brasil, deixa os grandiosos e luxuriantes aspectos da natureza, para ir ao encontro dos costumes e da gente nos assentamento humanos, mostrada contra um fundo mais generalizado da natural grandeza onde o humano era mais enfatizado que o monumental. (CATLIN apud. ADES, 1997, p. 50). Ao analisarmos a trajetória dos artistas viajantes na Américado Sul é importante ressaltar as contribuições de Alexander Von Humboldt (1769-1859) (Figura 23) um artista, geógrafo,naturalista e explorador alemão oriundo de família nobre foi considerado o naturalista de seu tempo, por apresentar uma nova visão da botânica no início do século XIX, desenvolveu importantes estudos que influenciaram outros autores e naturalistas. Entre seus interesses, destacam-se os rios, montanhas, vulcões, vegetação, coleta de espécies e dados sobre a atmosfera, correntes oceânicas e a avaliação das condições gerais da sociedade. Os artistas que o sucederam passaram a representar uma natureza em transformação..

(48) 50. Humboldt deixou importantes contribuições para a geografia moderna, desenvolvendo estudos sobre o clima, relevo entre outros. E em sua viagem à América do Sul entre 1799 e 1804, juntamente com médico e botânico francês Aimé Bonpland (1773-1858), foi o primeiro artista a visitar Cuba, atravessar o centro e o norte dos Andes e, em seguida, o México no intuito de estudar os aspectos físicos da terra. Figura 23 – Friedrich Georg Weitsch, Retrato de Alexander Von Humboldt,1806, Óleo s. tela, 126 x 92,5 cm.. Fonte: (BÖING, 2014, p. XXVII).. O francês Aimé Bonpland, reconhecido por seus escritos e descrições de plantas classificadas como “úteis”, dando ênfase as suas finalidades. Enquanto os demais coletavam elementos que eram estudados posteriormente na Europa, Bonpland se diferencia ao realizar estudos, enquanto residente estabelece viagens por um longo período, observando mais detalhadamente, principalmente plantas e suas utilidades, sendo responsável pela catalogação de diferentes espécies de ervamate, araucárias e plantas medicinais (Figura 24)..

(49) 51. Figura 24 – Alexander Von Humboldt e Aimé Bonpland – Plantae Aequinoctiales, 1805, Placas gravadas, Paris.. Fonte: (Site TheSaleroom10) .. A. convivência. com. colonizadores. imigrantes. e. índios. favorecia. o. desenvolvimento de seus estudos, através da troca de informações com as pessoas da região sobre as plantas. Mesmo que, ocupando-se com a comercialização, Bonpland dedicava boa parte do seu tempo a estudos detalhados de espécies de plantas e animais. Em Porto Alegre Bonpland permaneceu três meses e quatro dias, como ele anotou em seu diário. Ao longo desse tempo ele visitou todo esse tipo de empreendimento, anotando detalhadamente os procedimentos envolvidos na fabricação de velas, de sabão, de queijos dos Alpes e, também, de cápsulas de copaíbas, cal, vinagre de vinho, lixívia, sabão medicinal etc. (AMARAL, 2003, p. 279). 10. Disponível em: <https://www.the-saleroom.com/en-us/auction-catalogues/bloomsburyauctions/catalogue-id-blooms10056/lot-810d2c0f-fe4c-4a2b-bf55-a4aa01151718>Acesso em: 28 de jan. 2018..

(50) 52. No Rio Grande do Sul, um artista de deixou registrado seus estudos de botânica foi Herman Rudolph Wendroth, um soldado mercenário alemão e artista-viajante amador que registrou entre os anos de 1851 e 1852 cenários do Rio Grande do Sul, mas não se tem registro sobre sua data de nascimento e morte. A obra de Rudolph Wendroth permanece ignorada nos livros sobre a arte e a pintura brasileira no século XIX, embora constitua uma coleção iconográfica de raro valor cultural e documental sobre a paisagem natural e urbana e sobre os usos e costumes dos rio-grandenses no século XIX, e sobretudo porque constitui-se num dos raros registros visuais do Rio Grande do Sul da segunda metade do século XIX. (ZUBARAN, 2003, p. 2) A pesquisadora Maria Angélica Zuraban (2003) tem analisado os trabalhos de Wendroth. Segundo ela: As representações de Wendroth sobre a flora Riograndense, frutas e flores, revelam-se claramente influenciados pela taxonomia do naturalista Lineu, onde cada planta é representada buscando a máxima fidelidade, como espécies vegetais produzidas para um catálogo científico. (ZUBARAN, 2003, p. 55). Figura 25 – Herman Rudolph Wendroth, Prancha Botânica, 1852. Desenho. Dimensões desconhecidas.. Fonte: (ZUBARAN, 2003)..

(51) 53. Zubaran cita ainda uma prancha botânica (1852) (Figura 25) produzida por Wendroth, chegando a compará-lo aos princípios científicos e aos sistemas de classificação de espécies desenvolvidos por Lineu, com estudos detalhados das partes da planta caracterizando um estudo científico. A primeira expedição científica brasileira foi realizada em 1859, denominada Comissão Científica Exploratória das Províncias do Norte11. A expedição foi patrocinada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ficando a ilustração científica e paisagística a cargo de José dos Reis Carvalho (1800-1872) um cearense, pintor, desenhista, aluno de Debret; e Francisco Freire Alemão (1797-1874), médico naturalista e botânico brasileiro que dedicou sua vida ao estudo da história natural no Brasil e atuou como um precursor da ecologia. Figura 26 – Manuel de Araújo Porto Alegre, Floresta brasileira, 1856, Sépia sobre papel, 54,5 x 82 cm.. Fonte: (MARTINS, 2009, p. 43).. 11. Disponível em: <http://www.crb8.org.br/as-aquarelas-botanicas-da-primeira-expedicao-cientificabrasileira/> Acesso em: 28 de jan. 2018..

(52) 54. No que se refere à formação de artistas brasileiros se deu através da fundação da Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de Janeiro em 1826. Dentre estes podemos destacar o artista Manuel de Araújo Porto Alegre (1806-1879), um dos primeiros alunos de Debret, dentre seus temas se destaca a paisagem como podemos observar em Floresta brasileira (1856) (Figura 26). Entre suas diversas atividades desempenhou um papel fundamental como professor e intelectual, na mobilização das artes plásticas no Brasil do século XIX. Essas representações a princípio marcadas pelo olhar europeu, contribuíram para a difusão da imagem do continente americano. Os formatos portáteis dos estudos permitiam que esses fossem deslocados, difundindo o conhecimento, construindo e estabelecendo um elo visual entre o novo e o velho mundo. Catlin, em seus ensaios nos faz pensar na forte influência que os princípios e valores da arte europeia tiveram sobre o trabalho dos artistas viajantes que vieram para a América Latina. Através dessas obras, podemos pontuar relações entre a arte e a ciência e investigar, como se constroem o olhar científico do naturalista e o olhar artístico sobre a paisagem e a cultura. Esse legado vai além dos conhecimentos científicos, pois tomados de encantamento, os artistas envolveram-se tanto na catalogação e divulgação de espécies, quanto na documentação de uma iconografia de caráter histórico. O uso da arte como meio facilitador das percepções do mundo visível e da compreensão dos fenômenos da natureza desencadeou uma incessante busca por informações específicas sobre as formas vistas na natureza das novas terras descobertas. Essas representações entre outras, contribuem para afirmação cultural, enfatizando além da riqueza da fauna e da flora já extinta, revelando costumes e culturas. Essa rica produção dos artistas viajantes possui além deseu valor artístico, elementos descritivos que desperta a atenção de analistas de diversas áreas: geógrafos, antropólogos, historiadores da arte e da cultura tornando-se importante fonte de pesquisa documental. De acordo com os essa análise evidenciamos que os viajantes naturalistas tomados de encantamento pelo exótico, pela exuberância das formas e das cores desenvolveram trabalhos diferenciados que deixaram evidente o verdadeiro fascínio que o desconhecido exercia sobre eles. A arte, nesse sentido, encontra-se como um.

Referências

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