• Nenhum resultado encontrado

3 ANATOMIA E BOTÂNICA: UMA POÉTICA EM PROCESSO

3.2 O CORPO QUE HABITO

Atualmente a arte se faz cada vez mais presente, tanto nas ruas como nos museus, ocupando um importante papel de ligação entre o artista e o público. A obra enquanto um corpo pode habitar diferentes espaços, como dispositivo que carrega em si signos e significados.

Há alguns anos as cidades estão tendo seus espaços públicos ocupados por trabalhos artísticos. Com isso novas paisagens começam a aparecer no contexto social, inventando sentidos e visões de mundo que são partilhados junto à comunidade. A ideia de explorar o espaço público da cidade, surge do desejo dos artistas em ampliar o acesso a arte, questionar os espaços normativos e diversificar as possibilidades de leitura, extrapolando os espaços institucionais.

Pensar uma arte mais próxima do público foi a proposição desenvolvida pelo Pretexto Poético do Sesc de Chapecó, sobre orientação de Diane Sbardelotto, o qual participei durante os meses de outubro e novembro de 2018.

Na exposição intitulada Distopia: o presente queima, as obras dos artistas se

deslocaram pela cidade, a partir de um mapeamento de diversos pontos. As proposições poéticas culminaram em um caminho/roteiro de inauguração em trânsito que aconteceu no dia 17 de novembro de 2018.

Segundo organizadora Diane Sbardeloto (2018) o termo distopia é “além de

uma ficção pessimista sobre o futuro, distopia: dis (dificuldade, dor) – topos (lugar,

cidade) é um termo médico que indica localização anômala de um órgão. Dessa forma as proposições apresentadas podem ser entendidas como órgãos deslocados no corpo da cidade, disseminados por uma urbe tomada pelos artistas como espaço e objeto de arte. Os artistas cartografam os modos como suas proposições poéticas se alastram e se perpetram de processos [...] sem nenhum domínio de como suas ideias podem se propagar ou desaparecer: são ideias implantadas no circuito vivo da cidade, como anticorpos, corpos estranhos, como oxigênio ou fumaça.

Durante os encontros foram trabalhados textos e filmes, visando estabelecer conexões entre os trabalhos e temática da exposição. Após cada artista apresentar as temáticas desenvolvidas, foram traçadas estratégias para a exposição.

Minha proposição consistiuiu-se em uma intervenção nos canteiros da Praça Emílio Zandavalli em Chapecó/SC. A escolha da praça foi pensada por ser um local de refúgio no meio urbano. No cotidiano agitado das grandes cidades, as praças são

pequenos locais de lazer, onde as pessoas podem apreciar um pouco de natureza em meio ao caos urbano.

Segundo dados do IBGE, o município de Chapecó conta com uma população aproximada de 216. 654 habitantes. Para atender a demanda de lazer da população, o município conta com seis parques e quinze praças que contemplam diversas regiões. Nesses espaços existem diversas plantas, algumas nativas outras inseridas pela intervenção humana. O município conta ainda com um Horto Botânico Municipal que é responsável pela produção das mudas de flores de estação, plantas ornamentais e árvores nativas que são introduzidas nos espaços públicos da cidade.

As praças e parques são considerados espaços onde, além de melhorar a qualidade do meio ambiente, revelam-se cada vez mais importantes pela melhoria na qualidade de vida, promovendo contatos sociais e o bem - estar da população. A praça é conhecida como um lugar de passagem, circulação.

As intervenções urbanas podem ser consideradas, manifestações organizadas com algum propósito, seja ele, transmitir uma mensagem, questionar as formas de vida cotidiana ou criticar. Esse procedimento ocorrer através da intervenção na visualidade do lugar, fazendo com que as pessoas parem alguns minutos para observar.

Considerando que as manifestações artísticas, com imagens de corpo humano em seu estado visceral, comumente é interpretada como metáforas da vida e da morte, associadas à simbologia da fragilidade do corpo e da transitoriedade da vida. Como uma relação visceral entre homem e a natureza, matéria que o nutre.

O trabalho desenvolvido propõe-se a criar uma espécie de jogo de sobreposição, através da inserção de placas confeccionadas com impressões dos desenhos realizados anteriormente. O conjunto de desenhos revela detalhes contidos no interior dos corpos, através do hibridismo da anatomia com a botânica, referenciando o desenho científico e os princípios da estética das imagens das ciências naturais, adentrando na riqueza das relações das plantas com o corpo humano.

Figura 67 – Intervenção na Praça Emílio Zandavalli, Chapecó, 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

As referências visuais para a intervenção urbana surgem de algumas vivências anteriores. No momento em que escrevi o projeto para o mestrado, estava trabalhando

na Escola Estadual de Ensino Fundamental João Cipriano da Rocha Loires, localizada no interior do Município de Rio dos Índios RS. Nesse ano, desenvolvemos um projeto

interdisciplinar de construção de um Horto Medicinal40 (Figura 68), conhecido como

Relógio do Corpo Humano, no centro do canteiro foi inserida uma placa com uma ilustração do corpo humano.

Figura 68 – Relógio do corpo humano, atividade desenvolvida com alunos, 2016.

Fonte: (Adriana Capellari, 2016)

No processo de intervenção, priorizou-se trazer órgãos do corpo humano, para habitar o espaço público da praça, criando uma sobreposição das plantas estudadas para elaboração dos desenhos, com as plantas do ambiente. As imagens se camuflam com a ideia de paisagismo organizado e planejado, como placas de identificação de espécies, algumas vezes passam despercebidas outras chamam atenção.

40 Uma construção em formato circular que une vários conhecimentos sobre as plantas medicinais, aromáticas e condimentares da medicina tradicional Chinesa. No canteiro em forma de relógio, cada hora representa um órgão do corpo humano, e na parte correspondente são cultivadas as plantas medicinais de uso referenciado pelo conhecimento popular e pela ciência, que auxiliam nos transtornos de saúde do órgão representado.

A observação minuciosa da obra (Figura 69) pelas pessoas que ocupam o espaço, salienta a ideia de que a natureza e as intervenções humanas coexistem, sendo uma parte do outra em uma mútua relação.

Figura 69 – Pessoas observando a Intervenção nos canteiros. Chapecó, 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

Tal proposição contou ainda com momentos de ação, através da distribuição de envelopes com imagens e sementes (Figuras 70 e 71) para que pessoas pudessem levar e cultivar nos seus espaços de vivencia, ou simplesmente dispersar para nascer pelos caminhos e trajetos. Como uma plantação intencional, porém os envelopes não possuem qualquer descrição ou identificação, causando uma semeadura inesperada.

Figura 70 – Escolha dos locais e inserção das placas. Chapecó, 2018.

Fonte: (SILVA, Alessandra da, 2018).

Figura 71 – Envelopes com sementes, 2018.

Compartilhar sementes e saberes significa habitar espaços inesperados. O saber do corpo em sua relação com a natureza e as curas naturais fez mulheres consideradas bruxas serem queimadas para que o desenvolvimento do capitalismo se desse por controle da saúde, por controle na doença. Expor uma pesquisa da anatomia dos corpos e ilustração botânica em terrenos públicos pode ser perigoso do ponto de vista do conhecimento que elucida, do desenho de observação apurado e realista que traz, ao mesmo tempo, o inapreensível sentido de uma semeadura de arte.