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A função materna no autismo

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

JULIANA FALIGURSKI AIRES

A FUNÇÃO MATERNA NO AUTISMO

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

A FUNÇÃO MATERNA NO AUTISMO

JULIANA FALIGURSKI AIRES

ORIENTADORA: SONIA APARECIDA DA COSTA FENGLER

Trabalho de pesquisa supervisionado apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de formação de Psicólogo.

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JULIANA FALIGURSKI AIRES

A FUNÇÃO MATERNA NO AUTISMO

Trabalho de Pesquisa Supervisionado, apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de formação de Psicólogo, pela Universidade Regional do

Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

Data Aprovação:____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________ Orientadora: Sonia Aparecida da Costa Fengler

_________________________________________ Prof.ª: Ângela Drüg

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AGRADECIMENTOS

Neste primeiro momento quero agradecer a Deus, por seus cuidados e luz que me guiaram neste percurso para realizar este trabalho com dedicação e sabedoria.

Agradeço também à minha família, meus pais e minha irmã que sempre me apoiaram na escolha de minha profissão e nas escolhas do meu futuro, e, ainda, obrigada a vocês que me ensinaram a ser esta pessoa que sou hoje, obrigada pelo amor e pelo conjunto de qualidades que me fizeram ser capaz de hoje ter realizado este trabalho.

Obrigada aos meus amigos e meu namorado, que me acompanharam sempre nesta trajetória de estudo e trabalho, por me ouvirem, apoiarem, escutarem minhas angústias, medos, pelo ombro amigo e pela fantástica amizade.

Agradeço aos colegas que dividiram comigo grandes momentos, as dúvidas, as angústias, as alegrias e até mesmo os momentos difíceis, momentos e amizades estas que já deixam muitas saudades.

Obrigada à professora Sonia Aparecida da Costa Fengler, minha orientadora, pelo esforço e dedicação para com o meu trabalho, obrigada pela paciência e pela confiança em mim, fatores fundamentais para que a construção deste trabalho fosse possível.

Em especial, agradeço a todos os professores, que me ensinaram o “fazer” do psicólogo. Tenho certeza que cada um de vocês, cada qual à sua maneira, contribuiu para que esse “saber” fosse possível.

Agradeço a todas as pessoas que fazem parte da minha vida, da minha história, que estiveram ao meu lado neste momento de preparação para uma grande mudança. Obrigada a vocês que acreditaram em mim e que permitiram que essa vitória fosse “nossa”.

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RESUMO

A FUNÇÃO MATERNA NO AUTISMO JULIANA FALIGURSKI AIRES

SONIA DA COSTA FENGLER

O tema desta pesquisa é “A Função Materna no Autismo”. Para compreender melhor esta temática, foi necessário rever a história do autismo até chegar à nomenclatura atual, bem como, analisar a Função Materna como uma das possíveis causas do autismo. A pesquisa foi elaborada em dois capítulos. O primeiro descreve o percurso histórico do autismo, suas possíveis causas e a atual denominação desta síndrome. Já o segundo capítulo faz uma leitura psicanalítica, trazendo questões da função materna e sua relação com o autismo, bem como sua importância na relação mãe-bebê. Ao final da pesquisa, constatou-se que, por ser um conceito amplo e, possivelmente, ter várias causas, não é possível obter um resultado, ou seja, uma conclusão sobre as causas desta síndrome, e, também de uma possível cura, mas é preciso avançar nas pesquisas a partir do que já se tem conhecimento para responder às questões, bem como outras que continuam a surgir.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 6

1 BREVE PERCURSO HISTÓRICO NA CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE AUTISMO ... 8

1.1 Construção do conceito ... 8

1.2Caracterização do autismo ... 21

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O AUTISMO SOB UM OLHAR PSICANALÍTICO ... 24

2.1 A função materna na relação mãe-bebê: constituinte de um sujeito psíquico ... 25

2.2 Considerações acerca da função materna no autismo a partir de Azevedo ... 29

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 37

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INTRODUÇÃO

Partindo de questões que surgiram no percurso acadêmico sobre a constituição do sujeito psíquico é que surge o interesse em abordar o tema “A função materna no autismo”. Partindo do fato de que a relação entre a criança e a função materna é a fundante da constituição de um sujeito, surgiram questões a respeito das patologias desencadeantes das dificuldades relacionadas à construção de um vínculo psíquico entre a mãe e bebê, portanto, o autismo despertou interesse, por revelar uma grande fragilidade e não ter ainda uma causa definida. Essas questões, portanto, abriram possibilidades para pesquisar a relação existente entre o desejo e o olhar operante da função materna e o aparecimento do autismo.

A pretensão desta pesquisa não é encontrar respostas sobre o tema, menos ainda encontrar a teoria “certa”, que defina esta patologia, mas sim, entender o que acontece com esse sujeito “incomunicável”, que, à sua maneira, consegue “viver”.

Assim, apresenta-se o trabalho em dois capítulos. O primeiro traça o percurso histórico do autismo, buscando fragmentos da história que orientem a uma visão contemporânea da patologia. Conhecendo a história, se pode aprofundar o assunto e avançar no conhecimento e tratamento de indivíduos que apresentam este problema, pois, comumente, gera um certo “tumulto emocional” nas pessoas, sentindo-se impotentes diante de indivíduos considerados pela cultura como “enigmáticos”.

O segundo capítulo aborda um referencial psicanalítico, relacionando a função materna com o autismo e os possíveis efeitos psíquicos produzidos nesta criança a partir desta relação.

A questão problematizadora que permeia a pesquisa é: “Há uma falha da função materna na constituição subjetiva da criança autista?”.

A partir desta questão, algumas considerações são feitas com base em duas possíveis causas trabalhadas por Azevedo (2009), que traz relevantes

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apontamentos sobre a função materna no autismo, a partir das teorias de Sigmund Freud e Jaques Lacan.

Importante, por fim, salientar que não se desprezam outras possíveis causas (orgânicas, neurológicas, psiquiátricas etc.) para a patologia, porém se dá grande ênfase às psíquicas por ser a proposta da pesquisa. Dessa forma, a pesquisa se organiza com suporte psicanalítico, busca investigar esta síndrome que aparece na infância e tem sido uma preocupação da sociedade pelo aumento gradativo de indivíduos com a patologia. No decorrer do processo de subjetivação, tanto as mães quanto as crianças apresentam dificuldades. Estas e outras questões serão apresentadas na pesquisa.

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1 BREVE PERCURSO NA CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE AUTISMO

Cabe neste primeiro momento, traçar um percurso histórico sobre o autismo, transtorno que passou por diversas denominações que representam a complexidade de seus “sintomas e etiologia”. Embora este assunto seja muito interessante, há certas dificuldades em tratá-lo, em função de sua complexidade, de sua amplitude e da diversidade teórica existente.

Desde muito tempo, o autismo vem sendo estudado por diversos pesquisadores que, por várias vezes, tiveram que rever seus conceitos, reelaborar suas teorias, devido às controvérsias e posições diferentes que surgiam. O conhecimento que se tem sobre o autismo tem por base fatores orgânicos, neurológicos e psicológicos. Essa divisão confunde as pessoas, deixando-as em dúvida sobre o que fazer.

1.1 Construção do conceito

Em 1911 foi introduzido, pela primeira vez, o termo autismo - palavra de origem grega “autós” com o significado de “si mesmo” – pelo psiquiatra alemão Eugen Bleuler, para designar a perda do contato com a realidade. Bleuler comparava o autismo como um dos sintomas da esquizofrenia. Definiu o autismo como um “investimento em si mesmo”, o que equivale ao autoerotismo, mas sem que fosse da ordem da sexualidade ou da libido (CAVALCANTI; ROCHA, 2007, p. 41-42).

Bleuler definiu a “barreira” autística como um interesse acentuado na vida interior em detrimento do mundo exterior, o que poderia resultar, segundo ele, na criação de um mundo próprio, fechado, inacessível, impenetrável. (CAVALCANTI; ROCHA, 2007, p. 42).

Conforme as palavras de Bleuler e com base na leitura do livro “Autismo: construções e desconstruções”, observa-se que ele, que tratava de pacientes esquizofrênicos, defende a ideia de que as capacidades afetivas e cognitivas desses pacientes podem reaparecer intactas, desde que esta “barreira” autística seja criada por eles (CAVALCANTI; ROCHA, 2007, p. 42). Diferentemente de muitos autores,

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parece que, desde o início da construção do conceito de autismo, Bleuler colocou a possibilidade de comunicação e linguagem desses pacientes, supondo assim, que existe um ser humano ali, enquanto sujeito.

A posteriori, até mesmo o autor fala de dois mundos criados pelo sintoma autístico, entre os quais defende a possibilidade de comunicação. O autista cria seu próprio mundo para tentar se defender dos sofrimentos psíquicos. Portanto, há um mundo “real” e o mundo “do autista”, que se fecha para o estabelecimento de relações sociais, comunicação etc. Para os autistas, esses dois mundos são reais. (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

Antes receber a denominação de autismo, a patologia passou por diversas denominações, sendo até mesmo confundida e comparada com outras patologias, como a esquizofrenia, a psicose, entre outras. Atualmente, o conceito ainda provoca interesse de diversas áreas, tornando-se, por esta razão, objeto de investigação da educação, psiquiatria, psicologia, psicanálise, neurociência etc.

Na década de 40, Léo Kanner, psiquiatra austríaco, que residia nos Estados Unidos, retoma o conceito utilizado por Bleuler trinta anos antes, e, a partir disso, é considerado um dos “pioneiros” a publicar escritos clínicos sobre o autismo. A partir desses estudos, o autismo recebe o nome de “Síndrome de Kanner”, e, durante algum tempo, fica sendo assim denominado. Minuciosamente, o autor descreve sua primeira investigação sobre a doença, relatando o caso de onze crianças que estava pesquisando, com um vasto conjunto de características comuns de um quadro de autismo extremo (ORRÚ, 2009).

Apesar de estar alienado em relação ao mundo e de estar rigidamente isolado deste, o autista, conforme afirma Kanner (apud ORRÚ, 2009, p. 20), apresenta uma aparência inteligente e habilidades especiais. A partir desses estudos, ele passou a chamar esta patologia de “Autismo Infantil Precoce”.

Ainda na década de 40, continuando a usar o termo “autismo”, Kanner reelaborou esses conceitos e introduziu suas pesquisas, constatando, portanto, que, apesar de sintomas semelhantes, a esquizofrenia e o autismo apresentam

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importantes distinções em seu quadro e características clínicas. Somente em 1945, o autismo é separado da esquizofrenia e passa a ser reconhecido, também, como uma “questão psicológica”, ampliando assim, a necessidade de estudos para compreender este “fenômeno” em seus aspectos orgânicos, psicológicos e sociais (ORRÚ, 2009).

Kanner salienta a importância de mais pesquisas, por se tratarem de crianças com características em comum. Portanto,

Em 1948, Kanner escreveu em seu manual de psiquiatria infantil que a maioria das crianças que chegavam até ele com essas características tinham algumas coisas em comum, os pais ou avós eram, na maioria das vezes, médicos, escritores, jornalistas, cientistas e estudiosos que apresentavam uma inteligência acima da média e que também apresentavam certa obsessão no ambiente familiar. (ORRÚ, 2009, p. 19).

Essa constatação levou, mais tarde, Kanner a considerar como principal fator desencadeante da síndrome nas crianças o comportamento dos pais em relação a elas, ainda em sua vida intrauterina (ORRÚ, 2009). Foi ele, então, que levantou a primeira hipótese de que “a causa” do autismo estaria relacionada à estrutura familiar, principalmente à relação estabelecida entre mãe e bebê.

A partir de suas observações e estudos, o autor considera o autismo como uma patologia da linha das psicoses, caracterizada, principalmente, pelos rituais do tipo obsessivo com tendência à mesmice e movimentos estereotipados. Nessa direção, aponta para outras possibilidades:

[...] Na revisão de seus primeiros casos, ocorridos há 30 anos, propôs que novas expectativas fossem estudadas por meio da bioquímica, afirmando, em 1973, a pertinência da síndrome como parte do quadro das psicoses. (ORRÚ, 2009, p. 20).

Nesse sentido, Cavalcanti e Rocha (2007) questionam sobre o pensamento de Kanner e sobre as contradições de seu artigo, escrito em 1943, não terem sido enunciadas ou comentadas por nenhum autor, dentre os mais de mil trabalhos publicados até 1978, sobre o autismo. Somente após os anos 80 essas contradições foram questionadas. Por esta razão, as autoras salientam que as construções teóricas foram surgindo conforme foram sendo entendidas, a partir das marcas

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deixadas pelo texto de Kanner, cada qual à sua maneira e de acordo com o seu momento.

Kanner estudava os primórdios da vida psíquica, com um pensamento da época e “respaldada” por alguns psicanalistas, portanto, como a constituição do psiquismo era uma algo novo na época, foi despertando o interesse de diversos pesquisadores e profissionais, que, por sua vez, foram tomando como referência o pensamento dele (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

Ainda, segundo as autoras, por mais que Kanner tenha despertado interesse ou tido influência de outros autores, suas ideias eram bem contraditórias. Naquela época, induzia a acreditar que as crianças e/ou pessoas autistas eram incapazes e impotentes inatas de se comunicarem e obterem linguagem, o que hoje, no entanto, se sabe que não é assim. Mas, em 1946, Kanner retoma a questão e diz que não é possível afirmar que uma criança com essa síndrome não seja capaz de adquirir linguagem e aprender a se comunicar (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

Cavalcanti e Rocha (2007) salientam que essa nova constatação não estava bem clara para o autor, pois ele mesmo se surpreendia com os resultados e evoluções que as crianças apresentavam, contradizendo sua teoria.

Com relação à primeira posição de Kanner, as autoras apontam as consequências de seus apontamentos para essas crianças, pois, inconscientemente, os pais podem não “permitir” que elas realmente falem e se comuniquem, ou seja, os pais podem acreditar que seus filhos não tenham capacidade para se comunicar e não trabalhar para que isso aconteça, colocando o filho nessa posição, qual seja, a de um ser “incapaz”. (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

Quando Kanner refere a possibilidade dos pais ou, mais especificamente a mãe, contribuir com o estado da criança autista, quis dizer que o autismo era adquirido e que os pais eram os causadores da síndrome, mas, certamente, não conseguiu sustentar esse argumento. Assim, para retirar dos pais o sentimento de

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culpa, toma outra posição e aponta a incapacidade inata dessas crianças de linguagem e comunicação (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

Assim como Kanner, outros pesquisadores estudaram o assunto e deixaram suas contribuições, dentre estes, pesquisadores também da área da Psicologia e da Psicanálise.

Hans Asperger trabalhava, desde 1943, com jovens de inteligência e linguagem preservadas. Em 1944, publica sua tese de doutorado intitulada “Psicopatia Autista”, a qual ficou indisponível por quarenta anos até ser traduzida para o inglês, por Uta Frith, em 1991. A partir daí, seu trabalho foi reconhecido, pois Asperger fala da possibilidade de um autismo “sem retardo e com fala”, ampliando assim os critérios para denominar uma pessoa autista1.

Ao realizar o acompanhamento em torno da construção do conceito de autismo, um fato que parece pertinente constar no relato sobre a história do autismo, é o de que diversas metáforas foram criadas, por diversos autores, para tentar explicar esse conceito. Esta constatação surge a partir da leitura do texto de Cavalcanti e Rocha (2007), que indagam sobre as metáforas.

A primeira metáfora - “Tomada Desligada” – foi criada por Kanner. Num primeiro momento, este termo usado por ele para relatar o autismo remete a várias suposições, mas o que, de fato, Kanner quis dizer é de uma falta no autismo, tanto em relação ao mundo externo quanto ao mundo interno; externo, no sentido da ausência de contato afetivo; e interno, no sentido da falta consigo mesmo, falta de um mundo psíquico. Esse conceito teve fortes influências na Psicanálise (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

No início da década de 50, surgem mais metáforas sobre o autismo, mas, influenciadas por essa primeira ideia de Kanner. Nessa década, destaca-se Frances Tustin, uma psicanalista inglesa que trabalhou vinte anos com crianças autistas em

1 Informação verbal. Dados fornecidos pelo vídeo: “Uma Breve História do Autismo”, com informações

copiladas por Alexandre Costa e Silva, Psicólogo e Diretor técnico da Fundação Casa da Esperança, do Ceará.

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sua clínica. Começou seu trabalho e teve importante reconhecimento pela análise do caso de John, muito comentado em seus escritos. Esse foi um fator fundamental para compreender seu pensamento sobre o autismo (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

A psicanalista foi considerada uma das autoras que mais contribuiu com a Psicanálise em relação ao autismo e também uma das pioneiras a enfatizar a importância de uma abordagem educativa para os autistas. Tustin é de formação kleiniana e seus escritos despertaram muito em outros autores. Cavalcanti e Rocha (2007, p. 69) salientam fatores bem relevantes sobre a trajetória de Tustin em seus estudos sobre o autismo. As autoras referem que em todo esse percurso Tustin procurava rever seus conceitos e reconhecer seus erros. Exemplo disso foi ter reconhecido, mesmo que no final de sua vida, que a metáfora do “buraco negro”, usada por ela, foi um erro.

Para Cavalcanti e Rocha (2007, p. 69),

Ela é um testemunho vivo de produção no lugar de tensão, uma vez que, durante toda a vida, não cessou de buscar alternativas, sempre que percebia que aquelas de que dispunha, não davam conta do que vivia na clínica com pacientes autistas.

Já na década de 40, Tustin foi uma das primeiras a obter formação em Psicanálise de crianças e, no início dos anos 50, acompanha seu marido, que foi para Boston fazer um curso. Lá, a autora começa a trabalhar no Centro Putman como membro honorário, centro criado para acolher e tratar as crianças autistas, onde a autora trabalhou apoiando as mães dessas crianças. Esse trabalho ajudou compreender melhor a relação dessas mães com seus filhos (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

Retornando a Londres, trabalhou em um hospital, onde iniciou uma importante relação profissional com uma psiquiatra reconhecida por seus diagnósticos sobre o autismo: Mildrek Creak. Em 1984, Tustin foi nomeada membro filiado honorário pela Sociedade Britânica de Psicanálise, sendo assim reconhecida a importância de seus escritos e sua importância na Psicanálise (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

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Tustin usava o termo “crianças encapsuladas”, considerando que, ainda em um estágio prematuro, a criança, ao separar seu corpo do corpo da mãe, sofre um trauma; é tomada de pânico de tal forma que seu desenvolvimento psíquico paralisa. Dessa forma, o autismo foi reconhecido como uma patologia precoce.

[...] reconhecia uma fase autista normal no desenvolvimento infantil, sendo a diferença entre esta e o autismo patológico, uma questão de grau. Para ela, o autismo seria uma reação traumática à experiência de separação materna, que envolveria o predomínio de sensações desorganizadas, levando a um colapso depressivo. (BOSA; CALLIAS, 2000, p. 4).

Segundo a autora, o autismo era uma condição normal da humanidade antes da aquisição de meios para obter a linguagem. Acreditava ser o afeto materno a ponte entre o autismo normal e a vida social normal, portanto, se esse afeto fosse “defeituoso” a criança cairia no “autismo patológico”2

.

A partir dos conceitos de Tustin, citados por Bosa e Callias (2000), compreende-se que a “retirada” do bebê para um mundo próprio seria uma consequência da falha na modulação das pulsões instintivas, na organização das suas reações formativas e defesas, o que impediria o desenvolvimento de uma verdadeira relação objetal. Porém, antes de seu falecimento, no decorrer dos anos 90, Tustin nega essa ideia3.

Donald Meltzer foi quem supervisionou Tustin em um de seus casos e, mais tarde, supervisionou as análises de oito a dez crianças autistas, até o final da década de 70, fatos estes que o levaram a trabalhar suas ideias sobre o autismo. Influenciado por Bruno Bettelheim, ele partiu da ideia que existem dois estados de autismo que se apresentam em uma mesma criança, sem que estabeleçam qualquer relação um com o outro: o autismo propriamente dito e o estado pós-autístico. O primeiro, segundo ele, se dá pela suspensão da atenção, produzindo como consequência a suspenção da vida mental; e o segundo, seria uma sequela

2 Informação verbal. Dados fornecidos pelo vídeo: “Uma Breve História do Autismo”, com informações

copiladas por Alexandre Costa e Silva, Psicólogo e Diretor Técnico da Fundação Casa da Esperança, do Ceará.

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resultante desse primeiro estado (CAVALCANTI; ROCHA, 2007). Para descrever este estado e radicalizar esta ideia, Meltzer usa a metáfora de uma “folha de papel”, onde objetos sem interioridade, sob uma coisa plana e sem profundidade, não estabelecem qualquer tipo de relação e, consequentemente, sentido algum de continuidade, tornando impossível o acontecimento tornar-se uma experiência, devido à ausência de linguagem, interação e comunicação. Ele utiliza essa imagem da “folha de papel” justamente para falar de um funcionamento psíquico sem profundidade (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

Bruno Bettelheim, psicólogo austríaco, com grande ênfase nos estudos sobre crianças com doenças mentais, principalmente autistas, afirma que o único recurso encontrado pelo autista para “sobreviver” em um meio externo é o isolamento de si mesmo. Na década de 50, vivendo ainda consequências e horrores da 2ª Guerra Mundial, onde foi prisioneiro em um campo de concentração, escreve o livro: “A Fortaleza Vazia”, no qual relata o depoimento de alguns de seus ex-pacientes. Um momento relatado por Bettelheim, do qual tenha sido uma experiência decisiva para a sua conclusão sobre o autismo, foi o de sua permanência, naquele campo de concentração Nazista, observando, que mesmo em ambiente de “horrores”, não havia crianças com esta síndrome. Constatou, então, que esta patologia se desenvolve na presença dos pais (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

Para afirmar sua teoria, Bettelheim se apoia nas pesquisas que demonstravam a importância da relação mãe-bebê, para a constituição do psiquismo, especialmente as de René Spitz, psicanalista norte-americano. Constatava que a etiologia do autismo se dava devido à incapacidade de as mães responderem às demandas de seus filhos, privando-os assim, de sua presença, indispensável para a constituição do Eu. Ele julgava também a presença dos pais como determinante para formação desta patologia, passando a defender a ideia de retirar as crianças do convívio dos pais e estabelecê-las em um ambiente mais favorável. Por isso, fundou a Escola Ortogenética de Chicago, onde as crianças eram acolhidas, mas privadas da presença dos pais (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

Bettelheim (1967 apud BOSA; CALLIAS, 2000, p. 4) compreendia o autismo como “[...] uma reação autônoma da criança à ‘rejeição materna’ cuja raiva leva a

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interpretação do mundo à imagem da sua cólera e à reação de desesperança”. Essas ideias, aparentemente radicais, marcaram a cultura, criando dificuldades, tanto para os pais quanto para os próprios profissionais da área, em desvendar a etiologia e a causa desta patologia. Os pais, por se sentirem culpados em relação aos seus filhos e ficarem resistentes quanto ao tratamento, e os profissionais, por terem que fazer com que os pais e familiares não deixassem de cuidar dessas crianças e nem começassem a tratá-las como “doentes” (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

Melanie Klein foi uma das primeiras a reconhecer e falar do tratamento da psicose em crianças. “Apesar de não fazer a separação entre quadros autistas da esquizofrenia infantil, a autora, reconheceu a existência de características diferentes da psicose infantil” (KLEIN, 1965 apud BOSA; CALIAS, 2000, p. 4).

[...] o autismo era explicado em termos de inibição do desenvolvimento, cuja angústia decorria do intenso conflito entre instinto de vida e de morte. Supunha, tal como Kanner (1943), que tal inibição seria de origem constitucional a qual, em combinação com as defesas primitivas e excessivas do ego, resultaria no quadro autista. O bloqueio da relação com a realidade e do desenvolvimento da fantasia, que culminaria com um deficit na capacidade de simbolizar, seria então, central à síndrome. (BOSA; CALLIAS, 2000, p. 4).

Margaret Mahler, psicanalista de origem judaica, “por sua vez, identificou diferentes fases no processo do desenvolvimento psicológico do bebê” (BOSA; CALLIAS, 2000, p. 4). Num primeiro momento, a fase “autistica normal”, a do narcisismo primário, que ocorre nas primeiras semanas de vida da criança. Ela se caracteriza por um estado de desorientação alucinatória primitiva (narcisismo primário absoluto), onde ocorre uma falta de consciência da mãe do bebê. Já num segundo momento, a fase do narcisismo primário (onipotência alucinatória condicional), em que há uma consciência de que a satisfação das necessidades viria de algum lugar externo ao eu. A partir do segundo mês de vida, essa consciência, inicialmente “confusa”, se torna compreensível, marcando um primeiro momento onde o bebê funciona como se ele e sua mãe fossem uma unidade dual. É nesse processo de total dependência psicológica e sociobiológica da mãe que o ego rudimentar do bebê começa um processo de diferenciação. Por volta dos seis meses

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de idade, tem início a fase de separação-individuação, que leva à organização do indivíduo (BOSA; CALLIAS, 2000).

Mahler (1968) desenvolveu suas ideias sobre os autismos infantis a partir de sua teoria evolutiva, explicando o autismo como sendo um subgrupo das psicoses infantis e uma regressão ou fixação a uma fase inicial do desenvolvimento de não-diferenciação perceptiva, na qual os sintomas que mais se destacam são as dificuldades em integrar sensações vindas do mundo externo e interno, e em perceber a mãe na qualidade de representante do mundo exterior. (BOSA; CALLIAS, 2000, p. 4).

Mahler interessou-se pela Psicanálise em 1913, ao chegar em Budapeste, mas só começou sua formação psicanalítica muito mais tarde quando já era médica pediatra. O fator mais preponderante para sua escolha pela psicanálise se deu em Viena, entre 1922 e 1923, a partir de um trabalho, no momento em que discussões sobre a relação mãe-bebê estavam em alta. Devido sua condição judaica, foi obrigada a viver em vários lugares, mas foi em 1938, ao chegar em Nova York, deu continuidade às suas pesquisas sobre perturbações psíquicas graves e o desenvolvimento normal na primeira infância. Por volta de 1940, a continuidade de suas pesquisas sobre questões psíquicas da criança levaram Mahler a elaborar algumas considerações sobre as psicoses na infância (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

A partir da publicação do trabalho “Estudos Clínicos em casos de psicose infantil benigna e maligna”, Mahler teve apoio e incentivo de Kanner e ainda, o reconhecimento de pessoas resistentes quanto a aceitar que crianças tão pequenas pudessem apresentar doença tão grave.

Entre 1965 e 1969, Mahler fez sua produção sobre o autismo infantil patológico. Ela dividiu em três fases distintas o desenvolvimento normal da criança: a primeira, o autismo primário normal; a segunda, a simbiose; e a terceira, a separação/individuação. Para descrever a primeira fase, ela usa a metáfora do “ovo

de pássaro” utilizada por Freud, fase esta que iniciaria no nascimento e iria até os

três meses de vida do bebê. Esta metáfora fora relacionada com um tipo de funcionamento psíquico do bebê, onde como o embrião das aves, ele satisfaz suas necessidades sem levar em conta a existência de uma realidade externa e vai

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vivendo de forma autossuficiente. Naquela época, o pensamento de Mahler foi muito valorizado pelos psicanalistas (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

Conforme Cavalcantti; Rocha (2007, p. 78), “[...] o autismo foi descrito à luz da metáfora do ovo como um estado de fechamento, indiferenciação, auto-suficiência, sem objeto, sem linguagem e impermeável a qualquer contato com o mundo externo”.

Em 1966, na Inglaterra, em uma Conferência realizada em uma sociedade para crianças autistas, Winnicott manifestou sua posição quanto à noção de autismo, que somente em 1996 foi publicada, surpreendendo diversas pessoas. Ele diz que o conceito de autismo é uma invenção que, de certa forma, induziu para que teorias fossem criadas, impedindo assim, a construção de novos pensamentos sobre um sujeito, que prematuramente, teve que enfrentar grande sofrimento psíquico e encontrar particularmente soluções para sobreviver a isso (CAVALCANTI; ROCHA, 2007).

Outras referências que contribuíram para a construção do histórico do autismo são os Manuais de Psiquiatria. Na primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disordes – DSM), em 1952, nada foi publicado sobre a recente descoberta do “Distúrbio Autista do Contato Afetivo”. Já na segunda edição, em 1968, foi publicada “Esquizofrenia Infantil”, categoria esta que abrangia muitos pacientes, inclusive muitos deles com parâmetros descritos por Kanner (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2011).

Ainda, segundo informações da Associação Americana de Psiquiatria (2011), o DSM teve edições publicadas várias vezes, devido vários aspectos considerados falhos, entre eles, a falta de critérios mais específicos sobre a síndrome.

Em 1980, o DSM teve sua terceira edição publicada, e, em 1987, o DSM III - R foi novamente revisado, mudando o nome do transtorno de “Autismo Infantil” para “Transtorno Autista”, justamente para enfatizar que não era um transtorno que

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acometia somente crianças, mas que, se estivesse em condições crônicas, persistiria por toda a vida.

Em 1994, a Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association – APA) publicou a quarta edição do DSM, mudando o termo “global” por “invasivo”, e incluiu nela o “Transtorno Autista ou Síndrome de Kanner” e o “Transtorno de Asperger”.

Antes de o autismo ser classificado como um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, era chamado de Transtorno Global do Desenvolvimento. De acordo com Belisário Júnior (2010), embasado nas informações contidas no Manual de Diagnóstico de Transtornos Mentais, o DSM IV, foi no final dos anos sessenta que surgiu o conceito de Transtornos Globais do Desenvolvimento, conhecido especialmente pelos trabalhos de M. Rutter e D. Cohen. O fator que permitiu a explicação de o autismo não ser mais classificado como uma psicose infantil foi a construção deste conceito que descreve o autismo como um conjunto de transtornos, envolvendo funções no desenvolvimento.

O autor refere que esses transtornos, que não se remetem somente ao autismo, têm algumas características em comum, sendo a mais evidente a de as funções do desenvolvimento ser afetadas qualitativamente. Dentro desta classificação de transtornos, encontram-se outras, como: Autismo, Síndrome de Rett, Transtorno ou Síndrome de Asperger, Transtorno Desintegrativo da Infância e Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra especificação.

Para que se possa fazer uma comparação entre as características desses transtornos, é importante que se conheça a principal característica de cada um deles, das quais Belisário Júnior (2010) expõe com base no DSM IV:

AUTISMO – Desenvolvimento de múltiplos déficits específicos após um período de funcionamento normal nos primeiros meses de vida; desaceleração do crescimento do perímetro cefálico; perda das habilidades voluntárias das mãos adquiridas anteriormente, e posterior desenvolvimento de movimentos estereotipados semelhantes a lavar ou torcer as mãos; o interesse social diminui

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após os primeiros anos de manifestação do quadro, embora possa se desenvolver mais tarde; prejuízo severo do desenvolvimento da linguagem expressiva ou receptiva; as primeiras manifestações se dão após os primeiros seis a doze meses de vida; os prejuízos funcionais do desenvolvimento se dão dos seis meses aos primeiros anos de vida; a presença de crises convulsivas e a desaceleração do crescimento do perímetro cefálico são importantes características para o diagnóstico diferencial deste transtorno.

SÍNDROME DE RETT – Prejuízo no desenvolvimento da interação social e da comunicação. Pode haver atraso ou ausência do desenvolvimento da linguagem. Naqueles que a possuem, pode haver uso estereotipado e repetitivo ou uma linguagem idiossincrática; repertório restrito de interesses e atividades; interesse por rotina e rituais não funcionais; a idade de manifestação é antes dos três anos de idade; diagnóstico diferencial: prejuízo no funcionamento ou atraso em, pelo menos, uma das três áreas: interação social, linguagem para comunicação social e jogos simbólicos ou imaginativos.

TRANSTORNO OU SÍNDROME DE ASPERGER – Prejuízo persistente na interação social; desenvolvimento de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades. Este transtorno tem um início mais tardio do que o autismo ou é percebido mais tarde (entre 3 e 5 anos). Atrasos motores ou falta de destreza motora podem ser percebidos antes dos seis anos. Diagnóstico diferencial: diferentemente do Autismo, podem não existir atrasos clinicamente significativos no desenvolvimento cognitivo, na linguagem, nas habilidades de autoajuda apropriadas à idade, no comportamento adaptativo, à exceção da interação social, e na curiosidade pelo ambiente na infância.

TRANSTORNO DESINTEGRATIVO DA INFÂNCIA – Regressão pronunciada em múltiplas áreas do funcionamento, após um desenvolvimento normal constituído de comunicação verbal e não verbal, relacionamentos sociais, jogos e comportamento adaptativo apropriado para a idade. As perdas clinicamente significativas das habilidades já adquiridas em pelo menos duas áreas: linguagem expressiva ou receptiva, habilidades sociais ou comportamento adaptativo, controle intestinal ou vesical, jogos ou habilidades motoras. Apresentam déficits sociais e comunicativos e aspectos comportamentais geralmente observados no autismo. A idade de manifestação começa após os dois anos e antes dos dez anos de idade. Diagnóstico diferencial: o transtorno não é melhor explicado pelo autismo ou

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esquizofrenia. Excluídos transtornos metabólicos e condições neurológicas. Muito raro e muito menos comum que o Autismo.

TRANSTORNO GLOBAL DO DESENVOLVIMENTO SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO – Existe prejuízo severo no desenvolvimento da interação social recíproca ou de habilidades de comunicação verbal e não-verbal ou comportamentos, interesses e atividades estereotipados. Diagnóstico diferencial: quando tais características estão presentes, mas não são satisfeitos os critérios diagnósticos para um Transtorno Global do Desenvolvimento ou para outros quadros diagnósticos como Esquizofrenia, Transtorno da Personalidade Esquizotípica ou Transtorno da Personalidade Esquiva.

O conceito de ESPECTRO AUTISTA teve sua origem em 1979, segundo estudos de Wing e Gould, referente às dificuldades de reciprocidade social. Os autores observaram que crianças que apresentavam estas dificuldades tinham também os principais sintomas do autismo. Portanto, constatou-se que o Espectro Autista não é uma categoria única e, assim como os Transtornos Globais do Desenvolvimento e outros, não pode ser considerado como autismo, mesmo que apresentem características no desenvolvimento semelhantes a algumas presentes no autismo (BELISÁRIO JÚNIOR, 2010).

1.2 Caracterização do autismo

Como já mencionado, antes de ser caracterizado como autismo, a patologia teve diversas etiologias. A partir de pesquisas e estudos, este conceito é revisado e reorganizado, porém, sua causa ainda não foi determinada.

O autismo é uma patologia encontrada em todo o mundo, que se desenvolve na infância, não podendo ser diagnosticada antes dos três anos de idade e persiste durante a vida adulta. É caracterizada, principalmente, pela dificuldade de estabelecer laços sociais e pela incapacidade de “olhar no olho” das pessoas. O comportamento é organizado por rituais e rotinas. Por esta razão, a resistência às mudanças. Há um interesse por objetos estranhos e movimentos repetitivos e o brincar se dão de forma estereotipada. A inteligência é variável entre subnormal, normal ou acima, porém, há “resistência” quanto à aprendizagem, bem como, o

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contato físico e a interação com outras crianças. O interesse pelas coisas e por atividades acontece sempre de modo restrito e o comportamento, em alguns casos, é autoagressivo. Apresenta dificuldades de comunicação verbal e não verbal e se mostra indiferente quanto às emoções, dores e perigos.

Atualmente, o autismo é considerado um quadro psicopatológico ou uma síndrome neurológica, mas sua conceituação ainda continua sendo estudada pelos manuais de psiquiatria. No CID - 10 (Classificação Internacional de Doenças), o autismo é classificado como F84-0,

Um transtorno invasivo do desenvolvimento, definido pela presença de desenvolvimento anormal e/ou comprometimento que se manifesta antes da idade de três anos e pelo tipo característico de funcionamento anormal em todas as três áreas: de interação social, comunicação e comportamento restrito repetitivo. O transtorno ocorre três a quatro vezes mais frequente em meninos do que em meninas. (CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS, 1993)

De acordo com a CID -10 (1993), o autismo é caracterizado da seguinte maneira:

a) Lesão marcante na interação social recíproca, manifestada por, pelo menos, três dos cinco itens:

- dificuldades de usar adequadamente o contato ocular, expressão facial, gestos e postura para lidar com integração social;

- dificuldades no desenvolvimento de relações e companheirismo;

- raramente procura conforto ou afeição em outras pessoas em tempo de tensão e ansiedade, e/ou oferece conforto e afeição a outras pessoas que apresentem ansiedade ou infelicidade;

- a ausência de compartilhamento de satisfação com relação a ter prazer com a felicidade de outras pessoas e/ou de procura espontânea em compartilhar suas próprias satisfações através do envolvimento com outras pessoas;

- falta de reciprocidade social e emocional. b) Marcante lesão na comunicação:

- ausência de uso social de quaisquer habilidades existentes; - diminuição de ações imaginativas e de imitação social;

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- ausência de resposta emocional a ações verbais e não verbais de outras pessoas;

- ausência de gestos para enfatizar ou facilitar a compreensão na comunicação oral.

c) Padrões restritos, repetitivos e estereotipados do comportamento, interesses e atividades, manifestados por, pelo menos, dois dos quatro itens:

- obsessões por padrões estereotipados e restritos de interesse;

- fidelidade aparentemente compulsiva a rotinas ou rituais não funcionais específicos;

- obsessão por elementos não funcionais ou objetos parciais do material de recreação;

- ansiedade com relação a mudanças em pequenos detalhes não funcionais do ambiente.

d) Anormalidades de desenvolvimento devem ter sido notadas nos primeiros três anos para que o diagnóstico seja feito.

Segundo a Associação Americana de Psiquiatria – APA (2011), em maio de 2013, durante o Encontro Anual da APA, em San Francisco, na Califórnia, será lançado o DSM V. Nesta edição, será abolida a Categoria dos “Transtornos Invasivos do Desenvolvimento” e, em seu lugar, será definido um grupo dos “Transtornos do Espectro Autista”.

No contexto histórico, diante de tantos conceitos, teorias e opiniões, obviamente surgiram as controvérsias entre os fatores orgânicos e os fatores psíquicos. A maioria dos médicos defendia o orgânico. Já a Psicanálise, o psíquico. Não cabe nesse momento da pesquisa uma tomada de posição sobre os fatores apresentados, somente escolher, a partir desse percurso, um caminho para se aprofundar, que se apresenta no segundo capítulo desta pesquisa.

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2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O AUTISMO SOB UM OLHAR PSICANALÍTICO

Tratar sobre o autismo não é tarefa fácil, sendo que até mesmo os profissionais percorrem direções confusas e contraditórias para dar conta desta questão. Acredita-se que o mais trabalhoso é pensar que, diante de tantas interrogações a respeito do tema, se é “obrigado” a aceitar respostas não exatas ou até mesmo resposta alguma.

Considerando que a diversidade da etiologia do autismo leva a transitar por diversas áreas e cada qual com suas considerações sobre as possíveis causas, pensou-se que esta escrita dificultaria um entendimento mais apropriado do assunto proposto: “A Função Materna no Autismo”.

Para possibilitar a especificação do tema, conforme mencionado no capítulo anterior, este capítulo parte de um viés psicanalítico, com ênfase na função materna da relação mãe-bebê, que é constituinte do sujeito psíquico e “responsável”, ou não, pelas possíveis consequências psíquicas deste sujeito que se constitui a partir daí.

A proposta de escrever este capítulo partiu de questões que surgiram durante o estágio clínico, onde se observa que as patologias, em sua maioria, acontecem desde a constituição psíquica do sujeito, devido à falhas das funções parentais ou conflitos na estrutura familiar. Mas, pode também haver outros fatores que desencadeiam as patologias. Para a compreensão destes fatores, enfatizamos esta temática sob o viés psicanalítico, tendo em vista que a Psicologia e a Psicanálise podem contribuir muito com o trabalho dos profissionais da área.

Num primeiro momento, se faz algumas considerações sobre a constituição psíquica do sujeito, como esta acontece, a partir de quem ou de que fatores. Após, se estabelece uma relação entre o autismo e este processo de constituição que se dá a partir do Outro4 Primordial (a mãe). Neste sentido, algumas questões são

4 Na leitura lacaniana, “O Outro (com “O” maiúsculo) é introduzido para identificar o lugar a partir do

qual, na relação linguageira, se constitui o sujeito, e que o introduz na ordem do simbólico” (LACAN, 1995)

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levantadas a respeito da hipótese de que há uma falha “inconsciente” na função materna e que esta possível falha é o “não olhar” desta mãe. Por fim, a partir de Azevedo (2009), evidenciam-se duas possíveis causas relacionadas à função materna, citadas no decorrer do texto, e uma relação com a multi-causalidade do autismo.

2.1 A função materna na relação mãe-bebê: constituinte de um sujeito psíquico

Antes do nascimento, a criança é antecipada pela mãe, pois ela já a idealiza, já a deseja. Ao nascer, a criança é marcada por uma “prematuração”, é um corpo que ainda não fora constituído subjetivamente. Por esse motivo, encontra-se em total dependência do Outro. Neste momento, em que ainda não dispõe de condições necessárias para sobreviver, ela vive um estado de desamparo e precisa de um Outro que sirva de auxílio, no caso, geralmente, é a mãe que assume este papel. Neste encontro com a mãe que lhe faz função, que lhe olha e lhe fala, a criança vive a primeira experiência de satisfação, portanto, se estas condições não lhe forem permitidas, a criança não conseguirá constituir-se enquanto sujeito.

Comumente refere-se à mãe enquanto aquela que faz a função, mas sabe-se que não necessariamente ela precisa fazer. Pode ser uma tia, avó, enfim, mas o importante é que esta pessoa auxilie a criança a se inscrever no imaginário, pois se ela não fizer no momento de maior importância para a constituição da criança - o estádio do espelho5 – não se organizará adequadamente, e esta criança não “existirá” psiquicamente.

O desenvolvimento da criança dar-se-á a partir do desejo desta mãe, através da linguagem, marcando o corpo da criança enquanto um sujeito desejante, pois é este Outro que permitirá conhecer a realidade. Esta identificação primordial que a criança faz dela mesma com esta imagem que este Outro (mãe) lhe apresentou, vai promover a estruturação do Eu, dando fim àquele corpo fragmentado.

5 “É o momento em que a criança reconhece sua própria imagem. [...] Ele ilustra o caráter de conflito

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Supor um sujeito no bebê quando ele não está de fato constituído, é uma das operações fundamentais sustentadas pelo Outro encarnado, que implica, nos termos de Winnicott, uma “loucura necessária” das mães. Quando esta operação não se sustenta com um bebê, seja porque suas produções caem ao não serem atreladas a uma rede simbólica, seja porque são lidas sempre como signos estranhos relativos a patologia, sua constituição como sujeito fica em risco (JERUSALINSKI, 2002, p. 133).

O olhar de amor do Outro marcado pela falta, busca na criança aquilo que espera completá-lo. Na ação de doação (a função materna), vai dar o que não tem, por isso deseja, portanto, é neste movimento que se dará a possibilidade da criança simbolizar o seu corpo. Além da Imagem Especular, através da qual a criança pode se reconhecer enquanto Eu, esta imagem traz o caráter de Imagem Ideal, onde, frente a ela, o Eu está sempre fragmentado, prematuro.

Assim, é função da mãe, de certa forma, “emprestar o seu corpo” ao bebê, temporariamente, pelo “encaixe” dos corpos de ambos, o que se traduz na forma de quando a mãe o segura no colo, embala-o, faz a sua higiene, etc. (ZIMERMAN, 1999, p. 105).

Ao olhar, balançar, tocar o filho, a mãe faz com que apareça a noção de presenças e ausências e, a partir desta demanda de amor do Outro, o corpo da criança é pulsionado. Através da linguagem, a criança se identifica com aquele que demanda, ou seja, o Outro, e a partir da estrutura deste, o sujeito se constitui. Porém, não basta que essa mãe “empreste o seu corpo” conforme aduz Zimerman. Ela precisa significar ou então decifrar a linguagem corporal do bebê, supor alguma necessidade ali, atender aos apelos do bebê para que justamente estes efeitos marquem o corpo de um sujeito desejante, como também constituam um corpo, um Eu.

Ao fazer isso, a mãe não só estabelece a demanda do bebê, ela produz outro movimento fundamental: após formular uma resposta a demanda do bebê, ela se certifica de que a significação que atribuiu a tal demanda tenha sido acertada. Neste movimento, ela supõe sujeito no bebê, supõe nele um desejo que não necessariamente coincidiria com o dela. (JERUSALISKI, 2002, p. 137).

É através da linguagem, por meio deste Outro, que se dará início a constituição da subjetividade da criança, ou seja, a mãe precisa estar disponível a acolher as necessidades e demandas da criança, dar um sentido, um significado e,

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então, devolver para o filho a compreensão destas angústias, necessidades, para que este possa desejar.

Conforme Zimerman (1999, p. 104), “essa condição de maternagem requer uma série de atributos e funções da mãe”, portanto, desta função pode depender a normalidade ou a patologia da criança.

Nas literaturas psicanalíticas é enfatizada a importância do discurso da mãe, pois o significado que ela dá às necessidades da criança são fundantes de seus valores. Deste modo, algumas considerações acerca da constituição psíquica foram feitas na presente pesquisa, devido o autismo exigir um estudo mais detalhado sobre esta temática, justamente pela importância que os diversos fatores provenientes da relação mãe-bebê exercem no desenvolvimento do ser humano.

Não se pode se deter somente à função materna como estruturante do psiquismo, como também responsabilizar a mãe por todos os efeitos negativos da constituição subjetiva da criança. Segundo Zimerman (1999, p. 106), “uma adequada maternagem, deve [...] abrir um caminho para a entrada em cena de um

pai, respeitado e valorizado”. Este pai precisa entrar em cena para que faça um

corte nesta relação mãe-bebê, ou seja, é necessária a entrada deste terceiro (o pai) para que se faça a Lei, justamente, para que esta mãe, inconscientemente, não “devore” seu filho, não o impeça de subjetivar-se.

Dentre as funções fundamentais que devem ser observadas e, por sua vez, exercidas pelo pai, Zimerman (1999, p. 107) destaca:

A segurança e a estabilidade que ele dá ou não dá, à mãe, na tarefa, por vezes árdua e extenuante, de bem educar e promover o crescimento do filho. [...] e também, qual o “lugar” que o pai ocupa no desejo e na representação que a esposa tem dele.

Através da presença da função paterna, a criança consegue desfazer-se dessa relação “unificada” com a mãe e assegurar-se mais de sua identidade. Neste sentido, ela vai poder renunciar seu interesse único pela mãe e permitir-se socializar com outras pessoas (pai, irmãos, amigos etc.). Por este motivo, pode-se dizer que

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não há função materna sem função paterna. Se não acontecer a função paterna de limitar o desejo da mãe, ou então, limitar essa relação entre mãe e filho, a criança pode se tornar um prolongamento da mãe.

Deste modo, embora o autismo tenha um conceito bastante complexo e ainda “inacabado”, através da Psicanálise alguns sinais no seu diagnóstico, provenientes da conflitante constituição da criança, podem ser observados, entre eles, a falta do “olhar” da mãe, ou seja, a falta da função materna responsável pela formação do sujeito, bem como, de possíveis patologias.

A falta do olhar da mãe para com seu filho pode fazer com que não se constitua ali um sujeito subjetivo, um sujeito desejante. Portanto, é neste momento que a falha inconsciente desta mãe em relação a seu filho pode incidir, pois o fato de a mãe não poder dar-se conta desse não olhar, constitui uma das principais possibilidades de se pensar no autismo.

A partir do jogo de espelhos que o sujeito constituirá a imagem de seu corpo e a funções imaginárias do “eu”. Os pais, quando começam a observar imitações de seu filho em relação a eles mesmos, sentem-se “reconhecidos” e fazem uma ressignificação do próprio espelho no corpo do filho. Portanto, Levin (1999) diz que “a criança funciona como espelho para a mãe; e porque a mãe se reconhece na criança, esta poderá reconhecer-se e apropriar-se de seu corpo através dela”.

Levin (1999) ainda afirma que se estas cenas não forem organizadas desta maneira, a criança poderá ficar presa no espaço real, tendo o corpo sempre à margem e situado antes do espelho. Esta é a estrutura do autista.

Embora a função materna seja mencionada com grande relevância, destaca-se que a constituição subjetiva da criança também depende da função paterna, bem como, a função paterna é responsável para que a relação mãe/bebê não se dê de forma conflitante.

No caso do autismo o pai não exerce sua função terceira, de fazer o corte, dar o limite da relação mãe e filho, deixando os dois nessa relação unificada. A

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criança fica, então, sem um ponto de referência, o Outro sem um lugar e, consequentemente, a criança também, pois este lugar do qual a criança precisa está no agente materno, que, por sua vez, está sem lugar, ou seja, sem referência simbólica.

O conceito de constituição psíquica do sujeito remete a ideia de complexidade, e de fato o é. Porém, a pretensão deste trabalho não é de se ater a isso, mas foi necessário entrar nesta temática por este viés justamente para poder falar do autismo, que se desencadeia a partir da relação mãe-bebê no processo de constituição.

Partindo então deste enunciado, se estabelece uma relação entre a constituição subjetiva da criança a partir da função materna, e a “subjetividade” - se é que se pode dizer de uma subjetividade - da síndrome do autismo, para entender o que a Psicanálise tem a dizer sobre esta patologia estudada e questionada pelas mais diferentes teorias.

2.2 Considerações acerca da função materna no autismo a partir de Azevedo

A partir do conceito de autismo, foram criadas teorias, levantadas hipóteses, dadas muitas opiniões e feitas conclusões sobre causa, o comportamento, os possíveis tratamentos etc. Entre os autores mais destacados por suas abordagens, destacam-se: Margaret Mahler, Bruno Bettelheim e Frances Tustin, citados no primeiro capítulo desta pesquisa. Eles definem a constituição psíquica sob uma ótica desenvolvimentista. Em suas teorias, expressam seus entendimentos sobre o autismo, mas, curiosamente, assim como destacou Azevedo (2009), o conceito do inconsciente fora deixado de lado por eles, pois se referem a uma equivalência entre o eu e consciência, sendo que Freud (2006) afirma ter no eu algo inconsciente. Neste caso, é necessário que se fale em inconsciente justamente porque não se pode falar de uma “falha” da função materna sem supor que esta seja inconsciente, bem como, não se podemos falar do sujeito psíquico sem se referir a esta parte do psíquico (o inconsciente).

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Conforme Freud (2006, p. 27), “A divisão do psíquico em o que é consciente e o que é inconsciente constitui a premissa fundamental da psicanálise, e somente ela torna possível a esta compreender os processos patológicos da vida mental”. O inconsciente mostra justamente aquilo que escapa ao saber do Ego6, do qual a consciência se acha ligada.

Azevedo (2009) enfatiza o histórico das teorias dos autores citados sem desfazer suas proposições, pelo contrário, para mostrar o quanto elas contribuíram para que outros autores pudessem falar do autismo na Psicanálise, porém, ela induz a questionar sobre estas teorias que deixaram de lado importantes teorias articuladas.

Neste sentido, fazem-se algumas considerações sobre o autismo a partir das ideias de Azevedo (2009), que, por sua vez, retoma as referências desses autores, mas articulando às teorias de Sigmund Freud e Jacques Lacan.

Através dos estudos selecionados para realizar a presente pesquisa, pode-se observar a multifatorialidade do autismo. Assim como comprometimentos psíquicos, o autista possui comprometimentos neurológicos, cognitivos, motores, enfim, são diversidades que não podem deixar de ser consideradas. Mas, como a proposta não é a de se deter a esta multifatorialidade, destacam-se questionamentos referentes à duas possíveis causas psíquicas do autismo, trabalhadas por Azevedo (2009): a ausência da função e olhar materno; e o excesso da função materna, ou seja, o excesso do Outro. Estas afirmações confirmam a hipótese de haver uma falha inconsciente da função materna na estruturação da criança autista.

Em relação à primeira possível causa do autismo mencionada pela autora, “a ausência da função materna”, entende-se que para o Eu se constituir são necessárias referências simbólicas e estas por sua vez, são inscritas pela linguagem, mais especificamente através do grande Outro (a mãe). No caso do

6 Conceito descrito por Freud (2006, p. 30, grifo do autor): “[...] em cada indivíduo existe uma

organização coerente de processos mentais e chamamos a isso o seu ego [...]. Ele é a instância mental que supervisiona todos os seus próprios processos constituintes”.

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autismo, essas referências simbólicas não são assumidas, ou seja, o Outro permanece para o autista no Real. Ele não simboliza a fala, a linguagem.

[...] o não reconhecimento da imagem especular é determinado pela ausência do reconhecimento do Outro. O Outro, no caso, está ausente como testemunho, como terceiro que vem com um sorriso, por exemplo, ratificar a imagem especular da criança. (AZEVEDO, 2009, p. 71).

Este reconhecimento do Outro é concebido pela linguagem, por meio da palavra, daquela que nomeia a criança enquanto sujeito, fato que no autismo falta, pois, “não há dimensão simbólica que venha regular e estruturar o imaginário” (AZEVEDO, 2009, p. 71).

O inconsciente é o discurso do Outro. No autismo, como há uma ausência de simbolização, o sujeito do inconsciente não aparece. Como no autismo a primeira simbolização não acontece, não há queda de objeto e o Outro não é barrado. Este objeto do qual se fala é o “corpo”. É necessário que se caia a ideia de um corpo (pura carne), para que aconteça a falta, a simbolização se faça e o Outro seja barrado, justamente para que não impeça a subjetivação da criança de forma a sufocá-la.

O Eu se constituiu a partir do outro, mas no autismo é justamente o Eu que não se constitui por falta do Ideal de Eu7, este do qual vai regular o imaginário, por sua vez, essencial também para esta constituição. Este Ideal de Eu não se funda no autismo, justamente porque o reconhecimento do Outro falta.

Em relação à segunda possível causa, Azevedo (2009) questiona-se se realmente há um Outro no autismo, justamente porque esse Outro é simbólico e no autista a simbolização não acontece, ou seja, todos os seus significantes ficam no Real. Porém, este questionamento é respondido ao longo do tempo, quando a autora constata que, devido o autista não fazer a simbolização dos significantes, estes se tornam tão potentes de tal forma que as palavras são colocadas

7 Em “Sobre o narcisismo: uma introdução”, Freud (2005) fala pela primeira vez em Ideal de Eu, onde

relata que esta é uma nova forma de ideal, já atravessada pelos valores culturais, morais e críticos, forma através da qual o sujeito procura recuperar a perfeição narcísica de que teria outrora desfrutado.

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bruscamente enquanto “coisa”, enquanto tal, invadindo este sujeito de modo que o angustie e que não lhe deixe saída á não ser querer ver-se longe do Outro. Portanto, assim como na Psicose, o Outro se constitui como invasor, só que no autismo de forma mais radical. É a ausência de simbolização dos significantes colocados pelo Outro, que faz com que os significantes sejam tão invasores do sujeito.

De acordo com Azevedo (2009, p. 113), “[...] para que o sujeito ocupe o lugar de objeto causa de desejo é necessário que o Outro seja barrado”. Assim, a possibilidade da ausência é fundamental para que uma presença se afirme.

É na ausência do Outro que o simbólico, a primeira simbolização, pode se constituir. No caso do autismo, como o Outro não é barrado e como não tem a queda de objeto, a simbolização não se constitui. Entende-se que é necessário haver uma falta, mas, como no autismo ela não existe, supõe-se que não havendo falta, há presença o tempo todo. Isso explica a segunda hipótese da autora de haver excesso de Outro no autista.

Para que o sujeito se constitua, é necessário que o objeto de amor caia do Outro, justamente para que este seja barrado e haja a falta. Quanto ao autista, ele se esforça para manter afastada a invasão do Outro nesta realidade que ele constrói (AZEVEDO, 2009).

Azevedo (2009, p. 17) fala da realidade criada pelo autista, enfatizando que “não existe uma perda total da realidade, pois o sujeito se encontra em dois mundos, o mundo autista e o mundo de relações com os outros serem humanos”. Portanto, o que ocorre no autismo é que há uma máxima prevalência de outra realidade, ou seja, uma está muito mais acentuada que a outra.

É a partir desta outra realidade que o autista consegue se defender e enfrentar intensos sofrimentos psíquicos, tomando-a como uma solução particular para sobreviver frente a esses conflitos. A falta desse “olhar” e reconhecimento materno, a invasão, o sufocamento que este Outro causa ao sujeito, são fatores angustiantes que abrem possibilidades de um autismo desencadear-se, ou seja,

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uma defesa contra esta pesada realidade que lhe aparece, sem que, de alguma forma, possa ser simbolizada.

Partindo dos pressupostos estudados até aqui, equivale supor que há uma falha da mãe em sustentar esta função de Outro Primordial, de simbolizar a criança, mas não significa dizer de modo simplificado que esta mãe falhe simplesmente “por querer”, por “não querer” bem seu(a) filho(a) ou então por ser “má”. Muitas vezes ou, na maioria delas, não consegue sustentar esse lugar.

Por ser da mãe a função de Outro Primordial, ela precisa lançar seu olhar desejante para a criança, supondo na mesma um sujeito. A criança só se reconhece à medida que tenha alguém para lhe dar este suporte. Quando isso falta, ou seja, quando a mãe não consegue servir-lhe como espelho, a criança não consegue desenvolver o seu próprio “eu”, abrindo assim, espaço para o surgimento das patologias.

A falta do olhar desejante da mãe, ou o excesso dele, pode fazer com que a própria criança se isole, queira se defender de modo à criar sua própria realidade, seu próprio mundo, justamente para “fugir” desse excesso que, por sua vez, também não permite a criança desenvolver o seu próprio “eu”.

Supõe-se, que quando há falta desse olhar, em terapia é necessário que o psicólogo(a) exerça a função de Outro Primordial, ou seja, acolha a criança, suponha nela um sujeito, dê sentidos e possibilidades ao que ela trouxer, e ainda, suporte este lugar do qual precisa exercer.

Assim, surgem diversos questionamentos, como: “Mas e quando há excesso desse olhar, o pai precisa entrar “em cena” e fazer um corte? Neste momento em que a criança se encontra, ainda é possível barrar esta mãe?” Neste sentido, a criança foge angustiadamente deste olhar que lhe sufoca, que não deixa saída a não ser criar a sua própria realidade. Este ponto responde uma questão feita anteriormente neste capítulo: “Pode-se falar em uma subjetividade do autista?”. Pode-se dizer que sim, embora ele não se comunique, mantenha-se mudo, não estabeleça contato com as pessoas, ele consegue ser subjetivo na medida em que

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cria essa outra realidade para sobreviver psiquicamente. Ele é tomado de tamanho sofrimento e angustia, mas é capaz de desenvolver um próprio “mundo” como defesa.

Mediante esses episódios, verifica-se o quão necessário se faz a presença da função do Outro Primordial e, ao mesmo tempo, o quanto recai sobre as mães a “culpa” por esta patologia. Com certeza, as causas não são somente psíquicas, mas, se tratando destas, as mães “são as principais suspeitas”. Porém, sabe-se que não se trata de uma culpa ou de uma intencionalidade, mas de uma mãe fragmentada psiquicamente, que não consegue dar conta desse lugar de Outro Primordial ou, também, de uma mãe que, inconscientemente, não consegue deixar que seu filho se subjetive ou, ainda, não consegue permanecer e, ao mesmo tempo, sair deste lugar que ocupa.

Ressalta-se mais uma vez que através do percurso feito até aqui, entende-se que o autista age de tal maneira de modo a defender-se, tanto da falta do “olhar” materno quanto da invasão do Outro. Ele defende-se através do isolamento, de modo que a sua relação com as pessoas e com o mundo não se estabeleça adequadamente, inviabilizando sua própria constituição, incapacitando-se de ter sua identidade, sua subjetividade.

Além de seu conjunto de teorias, com suas respectivas técnicas e normas, a Psicanálise se atém a enfoques mais contemporâneos. A procura por tratamentos analíticos para pacientes autistas é uma consequência disto. Esta patologia desperta interesse nos profissionais pela necessidade que os pacientes têm de outra abordagem técnica para serem “acordados” deste estado de alienação, deste vazio. Já para a sociedade, principalmente para a mídia e os familiares, o interesse parte por ser uma patologia que não tem cura e por ter características marcantes.

O nascimento de uma criança, ao mesmo tempo em que pode ser muito esperado e sonhado pelos pais, pode ser uma experiência angustiante, pois o que se espera é um bebê saudável e sem qualquer dificuldade, necessidade ou deficiência. Quando este ideal não se realiza, quando nasce um filho com algum tipo de deficiência, os pais se impossibilitam de projetar os sonhos nele, pois esta

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criança que nasceu está ocupando o lugar do filho ideal, que não nasceu. Por esse motivo, a criança que está no lugar do filho ideal, muitas vezes não é olhada, não é simbolizada e muito menos estimulada pelos pais, para que mudanças significativas possam ocorrer na estruturação psíquica e no desenvolvimento dela.

O autismo é uma patologia que mobiliza mais o ser humano justamente por acometer uma criança “aparentemente bonita”, sem sinais óbvios de algum problema ou de alguma deficiência. Do mesmo modo em que alguns pais não conseguem projetar os sonhos nesta criança, outros, por sua vez, ficam na esperança de que um dia “tudo isso vai passar, que é uma questão de tempo”, justamente porque veem uma criança aparentemente saudável.

Segundo Gauderer (1993, p. 21), “os pais vivenciam estes filhos não só como tragédia, mas como se o filho fosse um objeto, sem calor humano. ‘Não me quer, não me procura’, dizem os pais”. Esta patologia gera vários conflitos e causa perplexidade não somente aos pais e familiares, bem como, aos profissionais e à própria sociedade que estigmatiza o “anormal”. Isso dificulta ainda mais que esta criança se estruture, apareça enquanto sujeito, ou melhor, adquira uma identidade.

Conforme a Psicanálise, inúmeras metáforas insignificantes ativeram-se ao imaginário dos profissionais, dos pais, enfim, da sociedade, para denominar pessoas com autismo, por exemplo, a do “buraco negro”. Tomados pelas crenças e metáforas, marcados pelo discurso dos médicos e especialistas nestes casos, em sua maioria, os pais não investem em seus filhos. Não acreditam em suas capacidades e se acomodam com o diagnóstico. Acomodação que, por vezes substitui a culpa, a falha sentida por eles. Inconscientemente, transmitem isso aos seus filhos.

Assim como o fato de as metáforas terem sido criadas, também muitos autores, ao teorizarem sobre o autismo, acabaram reduzindo-o a uma “indiferença ou culpa” dos pais, sem considerarem o sujeito inconsciente. Um dos exemplos que demonstra esse fato é a metáfora das “mães geladeiras” criada por Bruno Bethlhein.

Referências

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