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Porto Nacional, patrimônio do Brasil: histórias e memórias

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Academic year: 2021

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patrimônio do Brasil

histórias e memórias

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Porto Nacional,

patrimônio do Brasil

histórias e memórias

r

osane

B

alsan (Organizadoras)

Palmas-TO

2015

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Vice-reitora

Isabel Cristina Auler Pereira

Pró-reitor de Pesquisa e pós-graduação

Waldecy Rodrigues

Diretora de Divulgação Científica

Michelle Araújo Luz Cilli

Dernival Venâncio Ramos Junior Etiene Fabbrin Pires Gessiel Newton Scheidt João Batista de Jesus Felix Jocyleia Santana dos Santos

Salmo Moreira Sidel Temis Gomes Parente

Projeto Gráfico, Revisão de Texto & Impressão

ICQ Editora Gráfica e Pré-Impressão Ltda.

Designer Responsável

Gisele Skroch

Foto da capa

Maria Zoreide Britto Maia

Impresso no Brasil Printed in Brazil

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Tocantins – SISBIB

Copyright © 2015 por Janira Iolanda Lopes da Rosa, Mariela Cristina Ayres de Oliveira e Rosane Balsan (organizadoras) TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – A reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio deste documento é autorizado

desde que citada a fonte. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

P853 Porto Nacional, patrimônio do Brasil: histórias e memórias / Organizadoras:

Janira Iolanda Lopes da Rosa, Mariela Cristina Ayres de Oliveira, Rosane Balsan – Palmas, TO: Universidade Federal do Tocantins / EDUFT, 2015.

151 p.:il.

ISBN: 978-85-63526-75-5

1. Porto Nacional (TO) - História. 2. Porto Nacional (TO) – Patrimônio Histórico. 3. Porto Nacional (TO) - Memória. I. Título. II. Oliveira, Mariela Cristina Ayres. III. Balsan, Rosane. IV. Rosa, Janira Iolanda Lopes da.

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INTRODUÇÃO ... 7

1. A formação católica da juventude masculina de Porto Nacional ..

Benvinda Barros Dourado

9 2. Fontes de pesquisa de Porto Nacional: considerações e

in-dagações ... Ariel Elias do Nascimento

Juliana Ricarte Ferraro

35

3. Memórias urbanas: um percurso museológico pela literatura específica ...

Napoleão Araujo de Aquino 47

4. Na pia batismal: relações de compadrio escravo na Paróquia de Nossa Senhora das Mercês ... Geraldo Silva Filho

Maiara Muniz

63

5. Os planos e políticas urbanas e suas aplicações na gestão de cidades ...

João Aparecido Bazolli 87

6. Reconstituindo a história através da preservação de docu-mentos: relatos de uma experiência realizada em Porto Na-cional, Tocantins ... Janira Iolanda Lopes da Rosa

Mariela C. A. de Oliveira Rosane Balsan

Nayara Maria Ayres de Oliveira

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7. Nas trilhas da memória - “Estórias do cotidiano – verdades e mentiras” ...

Olívia Aparecida Silva 123

8. Memórias e histórias de Porto Nacional: considerações a partir de um projeto de extensão ... Carolina Machado Rocha Busch Pereira

Rosane Balsan

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O Núcleo de Estudos Urbanos e das Cidades (NEUCIDA-DES) é cadastrado como Grupo de Pesquisa no CNPq e, origina-riamente, restrito ao Curso de História do Campus de Porto Na-cional, passando a contar, posteriormente, com participantes de outros Cursos/Áreas, dos Campi de Porto Nacional e de Palmas e de outras instituições de ensino superior. Teve origem no antigo Projeto Cidades – Conhecendo a História do Tocantins pelos seus Núcleos Urbanos, que fora cadastrado na Congregação do Curso de História no ano de 1999, permanecendo com este nome até o ano de 2002, quando, iniciado o processo de federalização da Universidade, tornou-se multidisciplinar, recebendo o nome atual, sendo institucionalizado em 2008.

Os integrantes sempre em consonância com a divulgação do conhecimento nas áreas de ensino, pesquisa e extensão, são contemplados com editais Regionais e Nacionais quer de pesqui-sa ou de extensão. As atividades desenvolvidas pelo Núcleo têm proporcionado aos docentes e estagiários a importante experiên-cia no aspecto da extensão, bem como na pesquisa e no ensino, resultando em produção científica: trabalhos sendo aprovados em eventos científicos, locais, regionais, nacionais e internacionais. O Núcleo apoia grupos de pesquisa formados por professores da UFT e de outras instituições, com grupos de estudo, discussão, pu-blicação e suporte financeiro à execução de projetos de pesquisas científicas e extensão nas áreas de urbanismo, desenvolvimento social, cidadania, meio ambiente, planejamento e gestão, e outras,

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voltadas ao desenvolvimento regional das cidades que integram o Estado do Tocantins.

Para melhor divulgar a produção científica de seus colabo-radores, a equipe organizou uma coletânea de artigos elaborados por colaboradores e participantes do NEUCIDADES. Dentro da grande área de concentração Sociedade, cultura e meio ambiente adotada pelo Núcleo, as pesquisas e programas de extensão se-guem as seguintes linhas: Cidade, cultura e meio ambiente; Memó-ria, linguagens e representações; Planejamento e gestão urbana e turismo; Cidade, educação e movimentos.

Foram selecionados oito artigos que contemplam essas áreas, sendo assim: três na área de Cidade, cultura e meio ambien-te; dois na área de Memória, linguagens e representações; um na área de Planejamento e gestão urbana e turismo; e dois na área de Cidade, educação e movimentos.

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A formação católica da juventude

masculina de Porto Nacional

Benvinda Barros Dourado

Porto Nacional1, localizada na antiga região norte de

Goiás (hoje, Tocantins), desde os seus primórdios, conserva estrei-ta relação com a Igreja Católica que marcou presença na história local, afirmando o campo religioso como elemento simbólico im-portante para o desenvolvimento sociocultural e educacional da sociedade portuense.

Os padres que serviam a Porto Nacional, a princípio, re-sidiam em Bom Jesus do Pontal e Carmo e vinham a Porto, quase que exclusivamente, durante as grandes festas religiosas.

Ao lado da pujança material, Carmo foi palco e cenário de intensa vida espiritual, fecunda semente que vicejou na alma religiosa do povo desse extraordinário município portuense que hoje se orgulha de suas tradições. As bases da cultura espiritual de Porto foram assim consti-tuídas no venerável arraial do Carmo (GODI-NHO, 1988, p. 54).

1 Embora, no período de 1833 a 1890, Porto Nacional fosse denominada de Porto Imperial, neste texto usaremos a nomenclatura de Porto Nacional.

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Com base na lei provincial nº. 14, de 23 de julho de 1835, a freguesia de Porto foi desmembrada da freguesia do Car-mo e elevada a freguesia de natureza coletiva2. A divisão

eclesiás-tica recebeu o nome de Capela Curada de Nossa Senhora das Mercês de Porto Nacional. Nesse período, ficou suprimida a Paró-quia de Santana do Pontal e seu território fora incorporado à nova Paróquia de Porto Nacional.

Em 1861, no mesmo ano em que Porto Nacional rece-beu o título de cidade, o Bispado de Goiás foi dividido em cinco Câmaras Eclesiásticas ou Vigárias Gerais. Porto Nacional compu-nha a quarta Vigária Geral de Natividade, que compreendia, ainda, as paróquias dos municípios de Natividade, Palma, Conceição e Boa Vista.

A partir de 1886, com a chegada da Ordem de São Do-mingos em Porto Nacional, a Igreja Católica dessa cidade passou a ser representada por essa Ordem Religiosa. Eram frades forma-dos, na sua maioria, em Saint Maximin, cujo convento pertencia à Província Religiosa de Toulouse (Tolosa) e que teve a sua missão intitulada de “São Tomás de Aquino”.

Conforme Dallabrida (2005), no processo de romaniza-ção do catolicismo no Brasil, foram poucas as congregações ca-tólicas, masculinas e femininas, que não se envolveram com insti-tuições educativas. Porto Nacional, nesse campo de instituciona-lização político-religiosa do poder, pelas instâncias educacionais e culturais, se configura como amostra desse processo de fusão.

Assim, este artigo tem como objetivo tratar do proces-so concernente a educação dispensada, principalmente, ao sexo masculino no nível de instrução secundária no município de Porto Nacional, no norte de Goiás - Tocantins, sob a égide da Igreja Católica, representada pela Ordem Dominicana, nas primeiras dé-cadas da República.

2 Como hoje os municípios são precedidos pela fase chamada de “distrito”, no Império eram chamados de “freguesia”, um misto de organização religiosa e política, que perdu-rou até 1890, quando o Estado e a Igreja se separaram.

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1. Estado, Igreja católica e educação em Porto

Nacional: uma trilha socioeducativa

No Brasil, logo após a Proclamação da República, em

1890, por meio do Decreto Federal 119, de 7 de janeiro des-se mesmo ano, o Estado des-separou-des-se da Igreja, institucionalizou o casamento civil, secularizou os cemitérios e decretou o ensino leigo nas escolas públicas. Vaz (1997, p. 125) destaca que, com a Constituição Brasileira de 1891, criou-se no Brasil um Estado liberal republicano:

Criou no Brasil um Estado liberal republicano. Surgiu, como conseqüência, um Estado e uma sociedade liberal e secular, que têm para com a religião as seguintes diferenças: origem pu-ramente humana, convencional, da sociedade e da autoridade – ou seja a sociedade e o Es-tado não têm origem em Deus; a religião não é mais o fator determinante na formação do país, pois a unidade política se fundamenta na identidade de interesses políticos; a liberdade de consciência substitui o conceito de religião do Estado, que impunha a prática de uma re-ligião; as leis civis não são mais determinadas pelo direito canônico, introduzindo-se o casa-mento civil, o divórcio, e a liberdade de im-prensa; atividades antes exercidas pela igreja, como o registro de casamento, a administra-ção dos cemitérios, de asilos e de hospitais passam, mediante a previdência e a segurida-de social, para as mãos do Estado; fim segurida-de imu-nidades especiais, como o foro eclesiástico, todos passam a ser iguais perante a lei.

Esses acontecimentos, embora não tenham se apresenta-do de forma tão enfática na educação, se fizeram sentir por meio de alguns atos governamentais, principalmente no que diz respeito

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ao Ensino Religioso, oferecido nas instituições de ensino público. Seguindo as normas nacionais, o governo goiano proibiu o ensino do catecismo nas escolas públicas, a partir do mês de fevereiro de 18903. Esse ato, a princípio, refletiu-se em Porto Nacional, em

especial, se considerarmos que a ordem dominicana tinha insta-lado, há pouco tempo, o seu convento naquela cidade (1887). Assim, por meio do Ofício Circular n. 44, de 19 de fevereiro de 1890, o governador de Goiás solicitou a todas as escolas públi-cas e, consequentemente, ao Inspetor de ensino do município de Porto Nacional, que cessasse as “práticas abusivas” dos frades nas escolas, com a finalidade de ministrar aos alunos o ensino religio-so. Conforme a mensagem do governador, deveria ser pregada a mais completa liberdade de culto e o Ensino Religioso deveria estar a cargo dos professores de cada escola pública. Com essa orien-tação, percebe-se que o Ensino Religioso deveria sair das mãos da Igreja, na modalidade de catequese, mas não exatamente, do currículo escolar goiano.

Diante de todo esse contexto de complexidade que se-dimentavam as bases sociais e educativas de Porto Nacional, em resposta ao ofício do governador supracitado, o Inspetor de en-sino, por Ofício de 2 de abril de 1890, afirmou que os frades do convento da cidade não estavam intervindo no Ensino Religioso das escolas locais.

Todavia, no mapa de frequência do 4º trimestre da Escola Primária do sexo masculino, nesse mesmo ano, ou seja, 1890, para justificar as faltas dos alunos consta a observação de que al-guns alunos dessa escola havia se retirado para a escola dos pa-dres. Neste período, não havia, oficialmente, uma escola dos do-minicanos, porém, essa informação traz um alerta para o que viria acontecer em 1893. Conforme Ofício de 06 de abril deste ano, o Inspetor de ensino deixou transparecer que o conflito entre o pro-fessor do ensino primário e os frades dominicanos poderia estar dirimindo os esforços em se reunir o mesmo número de alunos matriculados em períodos anteriores. Esses episódios demonstram que os frades continuaram com o seu trabalho de catequizar as 3 O ensino do catecismo nas escolas de Goiás, por meio dos dominicanos, iniciou-se em 1885.

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crianças, não necessariamente nas escolas oficiais, mas em outros espaços de ensino criados por eles.

Alves (2007) ressalta, ainda, que a legislação goiana do ensino primário de 1893 e 1898 não davam a sustentação precisa para o princípio da laicização. Conforme essa autora, a única refe-rência à educação religiosa que se encontrava no regulamento de 1893, disposta no seu Artigo 1º, era que o Ensino Primário seria “gratuito e leigo”.

Nesse contexto de discussão da laicidade do ensino pú-blico, outro dado marcante é que chegaram a Porto Nacional as freiras dominicanas (1904) e, por consequência, assumiram a es-colarização das meninas (pública e particular) e dos meninos (par-ticular). De certa forma, entende-se que as freiras dominicanas assumiram o Ensino Religioso, que deveria ser ministrado pelo professor, não em forma de catequese na escola, mas conforme orientação governamental. Do mesmo modo, o ensino secundário público, a partir de 1904, passou também para as mãos dos freis dominicanos, contrariando, dessa forma, as expectativas da políti-ca de laicidade do ensino público em Porto Nacional.

Esse período, de certa forma, de acordo com Vaz (1997), coincide com o governo do presidente de Goiás, Xavier de Almei-da (1901-1905), e com o seu rompimento com os Bulhões (1904) e, por outro lado, também com a aliança feita com os Fleury, do Partido Católico Goiano, e com os Caiado e os Abrantes. A partir dessa ocasião, o governo estadual passou a subsidiar os Colégios Católicos de Santana (Cidade de Goiás) e de Santa Catarina (Bela Vista). E é, exatamente nesse período, sob a direção do bispo de Goiás, D. Eduardo (1891-1907), na época com sede em Uberaba - MG, que foi criado o Colégio Sagrado Coração de Jesus, uma referência da educação professada em Porto Nacional.

A criação do Colégio Sagrado Coração de Jesus pode ser contextualizada dentro da política de estadualização do poder eclesiástico, que previa a execução de um projeto-padrão de inves-timentos. Nesse projeto, segundo Vaz (1997), dentre outras ações, os bispos deveriam proceder à construção de um palácio episcopal ou reformar a catedral, criar um seminário diocesano, fomentar a

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criação de jornais e estabelecimentos de ensino 4. Somado a isso, Dallabrida (2005) explica que com a “supressão” do ensino religio-so nas escolas públicas, a Igreja Católica articulou-se para formar e consolidar uma rede de escolas católicas, como parte integrante de seu processo de reestruturação institucional.

Conciliado ao exposto, é importante pontuar que a igre-ja católica em Porto Nacional vivia um momento em que eram seguidas as orientações da Santa Sé, nas quais cada estado de-veria ter, no mínimo, uma diocese, com o objetivo de centralizar e animar as ações pastorais em consonância com as determina-ções da Cúria Romana e do episcopado brasileiro. Seguindo essa orientação, D. Prudêncio Gomes da Silva, bispo de Goiás, obteve junto ao papa Bento XV (1914-1922) um decreto que instituiu a criação da Diocese de Porto Nacional, em 20 de dezembro de 1915. Para a efetivação desse projeto, o bispo contou com o apoio de uma comissão presidida pelo frei Reginaldo Tournier, superior do convento dominicano (1912-1917), e pelo vice-pre-sidente dessa comissão, o deputado federal médico Francisco Ayres da Silva. O bispo de Goiás, D. Prudêncio Gomes da Silva, contou, portanto, com a soma de uma força religiosa com a força política do município para a efetivação desse projeto. O domini-cano francês Dom Domingos Carrerot (1920-1933) tornou-se, em 1920, o primeiro prelado de Porto Nacional. Assim, embora essa Diocese tenha sido criada em 1915, ela só foi efetivada com a posse desse bispo.

Então, após a criação da diocese, a próxima etapa de efeti-vação do projeto da Igreja Católica em Porto Nacional foi a criação do Seminário Diocesano. A proposta de criação de um seminário, por diocese, estava alicerçada no objetivo de proporcionar aos futu-ros padres, melhor educação intelectual e sacerdotal. Esses seminá-rios visavam, conforme explica Vaz (1997), justamente, enquadrar os religiosos em uma moral mais rígida, transformar os sacerdotes em um clero melhor qualificado. Assim, em 1922, D. Domingos 4 O termo “estadualização”, criado por Sergio Miceli, refere-se, segundo Vaz (1997), à

“políti-ca implementada pelos bispos, durante a Repúbli“políti-ca Velha, nas dioceses. Apresenta como uma das suas características situar-se entre os interesses da Santa Sé, de um lado, e os das oligarquias dominantes em cada estado, de outro.

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Carrerot concluiu a fundação do Seminário São José, proveniente do Convento Santa Rosa de Lima. Nesse mesmo ano, no auditório do Seminário, foi instalada a Escola São Thomaz de Aquino.

Assim, em Porto Nacional, até o final da Primeira Re-pública, grande parte do projeto da política de estadualização do poder eclesiástico estava objetivamente cumprida, uma vez que já havia sido construída a Catedral Nossa Senhora das Mercês, o Palácio Episcopal/Seminário Diocesano São José, o Colégio Sa-grado Coração de Jesus e estava ocorrendo a participação efetiva de dominicanos na edição de jornais do município.

Vale destacar, ainda, a criação da “União dos Moços Ca-tólicos de Porto Nacional”, também denominado de Grupo Cathó-lico Portuense, agremiação criada no dia 12 de outubro de 1921 com a finalidade de “reunir a mocidade catholica e para orientá-la nos princípios christãos e sociaes e encaminha-los na estrada do verdadeiro civismo” [sic] (UNIÃO DOS MOÇOS CATÓLICOS DE PORTO NACONAL, 1923). Essa agremiação tinha como caráter a “União íntima e forte da Fé e do Patriotismo”, ou seja, “viver unido sobre a cruz de Christo e sob a mesma bandeira” [sic].

Á essa agremiação foram filiados a maioria dos alunos da Escola Avulsa Secundária de Porto Nacional e os seminaristas do Seminário São José, dentre esses, no período histórico em tela, destacam-se: Dídimo Maia Leite, Achilles José de Oliveira, José de Sousa, José Thomaz Cantuária, Domingos Negry, Odilon Ayres da Silva, Oswaldo Ayres da Silva, José de Oliveira Negry, Niobey Ayres da Silva, Newton Ayres da Silva, Oscar Ayres, Raymundo Ayres da Silva. Percebe-se a grande influência da Igreja na forma-ção espiritual, intelectual e moral da juventude portuense, juventu-de essa que tem seu nome marcado no comando político-adminis-trativo do município, em anos posteriores.

Sobre a influência da ordem dominicana no desenvolvi-mento da educação associada à cultura, em Porto Nacional, Mo-reira Filho, prefaciando Rodrigues (2007, p. 13), registra que “os padres dominicanos semearam uma educação humanizadora e com sustentação, sobretudo na religião, na filosofia, no teatro, na música, nos esportes, nas artes plásticas em geral e nas línguas do velho mundo”.

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Maya (2003) pontua, também, a criação de várias institui-ções culturais e educacionais por meio da conjugação do trabalho dos dominicanos. Essas instituições dão a dimensão ao desenvol-vimento social de uma comunidade. Das instituições educacionais e culturais, citadas para além das instituições escolares, encontra-vam-se a Lira Santa Tereza, a Banda de Música Santa Cecília, o Coral da Catedral, o Teatro São José e destaca-se, ainda, a colabo-ração dos padres na produção de jornais. Portanto, infere-se que essas instituições vieram a impulsionar, em razão da necessidade, o surgimento de especialistas em Porto Nacional, tais como teólo-gos, antropóloteólo-gos, indigenistas, músicos, compositores, maestros, oradores sacros, escritores, cronistas, poetas, jornalistas, arquite-tos, dentre outros.

Percebe-se, também, a influência da Igreja na composi-ção estrutural do capital cultural, objetivado em Porto Nacional. Pode-se destacar, como frutos desse empreendimento, a Catedral Nossa Senhora das Mercês, o prédio do Seminário São José e os dois prédios do Colégio Sagrado Coração de Jesus.

Além desses elementos já destacados sobre a trilha so-cioeducativa da Ordem Dominicana em Porto Nacional, é percep-tível que embora a classe popular desse Município não tivesse fácil acesso à instituição escolar das frentes dominicanas, a influência cultural das freiras e frades sobre essa população se dava, também, por meio de outras formas de relacionamentos, como a catequese e a formação das professoras das escolas públicas, o que é coadu-nante com a visão de Audrin (1947, p. 216), quando diz que “toda a juventude era ‘beneficiada’ pela visão das dominicanas e dos pa-dres dominicanos”. A educação católica, portanto, foi bem aceita pela família portuense e a Igreja aproveitou-se dessa adesão para atingir o propósito de transformar espiritual e culturalmente a po-pulação dessa região, situada no antigo norte de Goiás - Tocantins.

Embora se apresentem como cordiais as relações tra-çadas entre as instituições família, igreja e estado, em torno da educação da juventude portuense, não se pode perder de vista as relações de poder travadas entre essas instâncias educativas, o que Foucault (1979) denomina como “a microfísica do poder”. Ilustração precisa sobre esta conjectura pode ser apresentada com

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a tensão gerada entre o fiscal do Governo junto à Escola Normal do Colégio Sagrado Coração de Jesus e a diretora dessa institui-ção, em torno de qual “autoridade” presidiria a seção de colação de grau das normalistas em 1926. Por meio de correspondência ao fiscal da Escola Normal, a senhora diretora, em meio às suas justificativas em função do seu direito de ser a presidente da seção, destaca que, como diretora, ela é responsável pelo bom renome do estabelecimento, da formação moral, literária e científica das alunas. Portanto, segundo ela:

que difficuldade ha em que uma Dona de casa receba os convidados, que presida na sala de visita ou na mesa. [...]. Ora, não estou aqui na minha casa? Quando é que se via uma Dona de casa offerecer a outra o primeiro lugar que lhe cabe a Ella? [sic].

Ainda segundo a diretora do Colégio, o governo não dava direito ao fiscal de “presidir na casa alheia”. E acrescenta que o papel do fiscal era vigiar a regularidade do ensino, assistir aos exames para poder garantir que o grau de ensino se fez de acordo com o programa do Governo (PORTO NACIONAL, 1920). Nesse contexto, ainda é pertinente destacar que o fiscal, além de repre-sentante do Governo junto ao Colégio, era deputado estadual e, sobretudo, era pai de uma das formandas do Curso Normal do Colégio, especificamente naquele ano.

A celebração da nova aliança entre Igreja e Estado, median-te um pacto constitucional, deu-se com um modelo de Estado essen-cialmente autoritário e conservador, criado por Vargas no pós 1930. Conforme Cury (1986), a Revolução de 1930 transformou a Igreja em uma força social indispensável ao processo político. Revertendo a tendência à laicização do ensino, preconizada na primeira república, o governo Vargas estabeleceu, por meio de decreto, o ensino religio-so nas escolas públicas, tendo-se como marco inicial de ação o ano de 1931. Vaz (1997), por sua vez, considera que a nova união entre a Igreja e o Estado só foi consolidada pela Constituição de 1934,

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dando início a Neocristandade5.Essa Constituição ratificou o decreto

de 1931 sobre o ensino religioso nas escolas públicas e, além disso, o seu Art. 153 assegurava a subvenção do Estado às escolas católicas.

Como diz Rodrigues (2005, p. 114), destacando o pen-samento de Velloso (1978), “a relação da igreja com o governo Vargas não foi de submissão passiva, mas sim, de uma troca de favores”. Nesse contexto político, em 1933, o Estado de Goiás destinou aproximadamente quarenta contos para as instituições de ensino da Igreja. Ao Seminário São José/Escola São Thomaz de Aquino, localizado em Porto Nacional, foi destinado 3:600$000 (CANEZIN; LOUREIRO, 1994).

Foi nesse cenário que, em Porto Nacional, a Igreja Católi-ca começou a colher os frutos do seu trabalho no que diz respeito, principalmente, à formação de uma “elite dirigente”, apresentan-do, para tanto, a figura do padre Dídimo Maya Leite6. Observa-se,

nesse caso, que o padre Dídimo Maya é representante efetivo dos princípios de formação de lideranças empreendidos pela Igreja, durante a Primeira República, em Porto Nacional. Portanto, ao ser ordenado padre em 1929, na cidade de Porto Nacional, esse esta-va apto a exercer a função para a qual foi formado, representando tanto a Igreja como a oligarquia portuense.

Nesses termos, em ofício ao Excelentíssimo Interventor Federal, Pedro Ludovico Teixeira, em 24 de novembro de 1930, o padre Dídimo Maya comunicou que havia prestado compromisso, entrando em exercício nos cargos de fiscal do Colégio Sagrado Coração de Jesus e de suplente do Juiz Municipal. Sendo assim, como demonstração do prestígio deste padre, fica claro que ele as-5 A neocristandade é um conceito para “explicar essa nova tentativa de aliança entre a Igre-ja e o Estado brasileiro. O termo significa modelo de influência resultante da relação de autonomia muito mais íntima com o Estado” (BRUENAU, apud VAZ, 1997, p. 144). 6 Dídimo Maya Leite (11-09-1905 a 26-03-1998) - filho de Custódia Leite Ribeiro Maya,

neto de Luís Leite Ribeiro - foi aluno da Escola pública primária de Porto Nacional, do Seminário São José e, posteriormente, do Seminário Santa Cruz, em Goiás, e do Seminá-rio de Diamantina, onde foi ordenado diácono (1928). Recebeu o sacramento da ordem no grau de presbítero das mãos de D. Domingos Carrerot, em Porto Nacional (1929). Em 1936, ingressou na Ordem Dominicana, logo depois foi enviado à França para comple-tar os estudos teológicos, na Província Dominicana de Toulouse. Estudou na Faculdade de Teologia de Saint Maxim. Em 16 de julho de 1940, fez a profissão em Toulouse, retor-nou ao Brasil em 1941. Foi o primeiro portuense a se tornar dominicano, denominado de Frei Domingos Maya Leite.

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sumiu dois cargos distintos dentro do quadro de funcionalismo pú-blico do Estado, além da função de Reitor do Seminário São José. Mostrando seu apoio ao governo, o padre Dídimo Maya dispôs ao Governo de Goiás a sua “inteira solidariedade”. Em fase desses acontecimentos, depreende-se que este padre era o articulador dos cargos públicos daquele município nessa nova fase política pela qual estava se passando o País, o Estado e, particularmente, o município de Porto Nacional, numa evidente relação do binômio Igreja-Estado.

2. O seminário São José e/ou o Externato São

Thomaz de Aquino: a mão da Igreja Católica na

formação masculina da sociedade portuense

A partir da conjugação escola-seminário, em 1922, D. Do-mingos Carrerot, bispo de Porto Nacional (1920-1933), concluiu a fundação do Seminário São José e neste mesmo ano, no auditório do Seminário, instalou o Externato São Thomaz de Aquino7.

O Seminário São José/Externato São Thomaz de Aqui-no, em sua história, era visualizado como uma instituição com longa existência, que ofereceu os cursos primário, complementar e secundário para alunos internos e externos ao seminário. Con-forme relatório do fiscal do governo junto a essa instituição, Joa-quim da Silva Braga, no ano de 1929, o curso secundário seguia o programa do Liceu de Goiás e, mais ou menos, o do Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro.

Então, nessa instituição de ensino, as principais discipli-nas oferecidas eram Português, Latim, Francês, Grego, Geogra-fia, Aritmética, Geometria, Álgebra, Cosmografia e Desenho. Por meio do relatório do fiscal do governo nesta instituição, é possível ter uma amostra da dinâmica curricular ali efetivada no 4º ano.

7 São variadas as nomenclaturas encontradas com referência a essa instituição escolar. To-mando por base a nomenclatura encontrada no Diário Oficial de 29 de janeiro de 1946, usa-se “Externato São Thomaz de Aquino”.

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Portuguez: revisão da grammatica, noções de história da formação da Língua e noções de Litteratura portuguesa (suprimiu a leitura), composição (geralmente uma por semana), exercício de dissertação (facultativo para os externos). Latim: tradução das bucólicas de Virgílio e alguns trechos de Cícero. Francez: estudos até a syntaxe adoptando-se a gramma-tica de Halbout, exercícios e traduções de La-martine. Inglês: estudo da grammatica até a syntaxe. Geometria: geometria no espaço, corpos redondos. Physica: (Brauly). A Chimica foi vista em parte, somente devendo continu-ar neste ano. O Grego suprimiu por causa do acúmulo de matérias e o não gosto dos alunos [sic] (PORTO NACIONAL, 1920, cx. 09).

No ano de 1929, faziam parte do corpo docente do Se-cundário oferecido no Seminário, o Reitor, Frei Antônio Sela, também professor de Filosofia e de Música que completou seus estudos, na França, na Faculdade de Toulouse; era correspondente do Instituto Histórico de São Paulo. O Vice-Reitor do Seminário, Frei Reginaldo Tournier que fez os mesmos estudos em Toulouse, era autor do último mapa de Goiás e membro da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. O Frei Bertrando que também era professor da aula pública Secundária de Porto Nacional, ministra-va, no Secundário do Seminário, as disciplinas de Álgebras, Física e Química. Era bacharel em Ciências e Letras pela Universidade de Bordeus. O padre Dídimo Maya Leite, suplente de Latim e Por-tuguês, completou seus estudos em Diamantina.

Embora os colégios católicos tivessem maior interesse pelo sexo feminino, a Igreja compreendia que a maioria dos jo-vens de ambos os sexos não se dedicaria à vida religiosa, mas a vida civil. A Igreja precisava encontrar, por isso, uma estratégia para abarcar a todos os cidadãos no processo de recristianização. O sistema de ensino foi uma das estratégias encontradas para dar a essa juventude uma educação conforme os princípios da reforma

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ultramontana e conservadora. Com essa concepção, a educação masculina era muito importante, afinal, o homem era o principal agente social na época.

O regime de internato, portanto, na escola católica e no seminário, era uma prática comum, naquele período, em Porto Nacional. Nesse tocante, as famílias que moravam em municípios circunvizinhos e na zona rural e que tinham condições de manter seus filhos em um internato, de certa forma, podiam contar com uma educação diferenciada dos outros municípios dessa região. E essa ação, que minimizava a necessidade de enviar estudantes para estudarem nos colégios da capital, fazia ainda com que algumas famílias menos abastadas, pelo menor custo de deslocamento de seus filhos, pudessem se empenhar em realizar “sacrifícios pela boa educação de seus descendentes”. Essa realidade pode ser ilus-trada com o relato do fiscal do Seminário São José, Joaquim da Silva Braga, no ano de 1929, ao pontuar fatores que exemplificam a positividade da educação ofertada por essa instituição.

Outra prova é a insistência dos pais, mormen-te, dos de longe em querer collocar seus filhos no Seminário do Porto. Foi preciso recusar diversos alumnos por causa de exigüidade do lugar. O Sr. Bispo comprou uma casa que vão adaptar à este fim e que poderá receber uns trinta alumnos mais ou menos. [sic] (PORTO NACIONAL, 1920).

Essa circunstância, sobremaneira, vem ao encontro de um foco da atenção do episcopado que estava voltado não só para a formação dos líderes eclesiásticos, mas também, para a questão da educação leiga, a formação de jovens líderes civis. Os principais aspectos que caracterizavam a educação católica nesse período, segundo Azzi (1945, apud LOPES, 2006, p. 170), eram “a tô-nica espiritualizante, o rigorismo moral, o caráter autoritário da educação, a seriedade disciplinar e a qualidade do ensino, bem

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como, uma abertura para educação artística e esportiva”. A au-tora acrescenta, de modo complementar, que “a grande meta da educação católica era a formação da classe dirigente do país”, e essa perspectiva educacional é notória na agenda da educação da juventude portuense.

A memória de João Leal, ex-aluno do Seminário São José, ilustra tal realidade ao descrever que: “A vida do internato era rigorosa e de estudo intensivo”. Segundo ele, só tinham folgas às tardes das quintas-feiras e aos domingos, quando era permitido o passeio em grupos pelos arredores da cidade e sempre acom-panhados de um frade ou do regente. Para a família, tudo isso tinham uma recompensa. Para a sua mãe, dona Diana, que perce-bia no filho “os pendores para o mundo do conhecimento”, acre-ditava que era via Igreja Católica que conseguiria seus intentos. Com essa perspectiva, de acordo com Aires Neto (2006, p. 55), enviou o seu filho, da cidade de Dianópolis (Duro) para estudar em Porto Nacional. Percebe-se, portanto, por meio da memória desse ex-aluno do Seminário, que o objetivo educacional da sua famí-lia não estava vinculado, especificamente, à formação eclesiásti-ca. Assim, segundo Passos (2002), o seminário que se destinava, principalmente, à formação dos clérigos, também atendia “leigos” desejosos do conhecimento das humanidades.

Essa instituição portuense era considerada como o centro de formação intelectual dos seminaristas e de rapazes de Porto Nacional e dos municípios e estados circunvizinhos. Desse modo, cria-se, em Porto Nacional, uma elite seguindo os critérios e pro-postas da Igreja - uma elite católica, ordeira, hierarquizada, mora-lizada, formando “homens de escol” para a direção da sociedade.

Embora sem base firme, deduz-se que o Externato São Thomaz de Aquino foi fechado no final dos anos de 1930, uma vez que ele, igualmente à Aula secundária de Porto Nacional, era regido pelos freis dominicanos. Conforme biografia do profes-sor Florêncio Aires da Silva, mencionada por Moura (2005), em 1939, com 18 anos de idade, ele foi professor de Matemática e Língua Portuguesa nessa instituição.

Ao se conjecturar sobre a retirada dos dominicanos de Goiás, Bretas (1976) destaca alguns fatores que poderão ter

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moti-vado a Província de Toulouse a tomar tal decisão.

Logo depois do desaparecimento de Frei Ger-mano no ano de 1937, época da mudança de-finitiva da Capital para Goiânia, a província de Tolosa, talvez por se terem cansado os domi-nicanos das lutas que tiveram de enfrentar, tal-vez por motivos do esvaziamento da cidade de Goiás, onde estava o seu principal convento, talvez mesmo por falta de apoio e simpatia dos governantes, ou ainda pelos magros resulta-dos obtiresulta-dos na catequese resulta-dos índios do Norte do Estado. O que constituía a razão primeira de suas missões, resolveu fechar seus conven-tos em Goiás, que por mais de meio século foram centros magníficos de disciplina e de fé religiosa (BRETAS, 1976, p. 190).

Sobre esse fato, Piagem e Sousa (2000, p. 83) expõem que ele se deu por “conveniência e decisão da Ordem, visando es-pecialmente a sua recomposição, a organização da vice-província brasileira e o recrutamento de vocações”. Relata-se que a retirada dos dominicanos se iniciou por Formosa e Porto Nacional e, de-pois, chegou a vez do convento da antiga capital. Segundo Bretas (1976), para substituí-los, D. Emanuel, bispo de Goiás, convidou alguns dominicanos italianos que acabavam de chegar a São Pau-lo. Com isso, teve início uma “nova” fase da obra dominicana em terras goianas. A retirada dos dominicanos de Porto Nacional iniciou-se em janeiro de 1938.

Assim, no dia 04 do mês de março de 1945, foi rea-berto, em Porto Nacional, o Externato São Thomaz de Aquino, reorganizado conforme a Lei Orgânica do Ensino Secundário nº. 4.244, de 9 de abril de 1942. Essa legislação compunha a Refor-ma Ministerial de Gustavo CapaneRefor-ma (1942-1946). Por meio da Lei Orgânica do Ensino Secundário, foi instituído, nesse nível de ensino, um ciclo de quatro anos de duração, denominado Ginasial,

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e um ciclo de três anos, denominado Colegial, com a opção entre o Colegial Clássico e o Científico.

Conforme discurso do diretor e professores, registrado em ata do Externato São Tomaz de Aquino (1945), na solenidade de reabertura do Externato São Thomaz de Aquino, expõe-se que essa instituição educacional estava pautada nos princípios da Igreja Católica, e que, portanto, tinha como missão formar consciências e o caráter da juventude dentro desses fundamentos, dispondo, para tanto, de uma “pedagogia sã, altamente moralizadora e edu-cativa”.

A importância da reabertura dessa instituição para Porto Nacional pode ser percebida pelo discurso do prefeito do muni-cípio de Porto Nacional, Antônio José de Oliveira (1944-1945), proferido na sessão solene de reabertura do Externato:

É possuído de verdadeira satisfação que me congratulo com Porto Nacional pelo grandio-so acontecimento, demonstração viva do pro-gresso cultural, moral e, porque não dizê-lo, e também material, que nesta hora, realiza em seu seio, com a fundação e solene instalação deste Estabelecimento de Ensino (EXTERNA-TO SÃO (EXTERNA-TOMAZ DE AQUINO, 1945).

Assim, em seu discurso, o prefeito ainda destacou a im-portância e os relevantes serviços prestados àquele município pela pequena Escola São Thomaz de Aquino que, por alguns decênios, ali existiu. Enfatizando, portanto, a capacidade de realização que teria o Externato diante de uma nova organização. Nessa ocasião, o prefeito pediu permissão para cognominá-lo de “Ginásio Dioce-sano Portuense”.

Vale destacar, conforme registrado na ata do Externato São Tomaz de Aquino (1945), a visão futurista do prefeito Antônio José de Oliveira, quando expressou que: “achamo-nos colocado num centro para onde convergirá certa e fatalmente a atenção de quantos jovens inibidos de desenvolver sua instrução e educação

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por faltar-lhes meio, o recurso para fazê-lo”. Ou seja, naquele con-texto, já se acreditava que Porto Nacional se tornaria um centro de educação e cultura, e receberia, portanto, uma demanda de jovens que estavam impossibilitados de desenvolver sua instrução secun-dária no norte do Estado por falta de instituições que oferecessem esse nível de ensino.

Merece ser posta em relevo, também, a simbiose entre o público e o privado, na experiência educacional configurada pelo Seminário São José e/ou o Externato São Thomaz de Aquino, uma vez que essas instituições educacionais eram subvencionadas com recursos públicos. Nessa perspectiva, a Igreja e o Estado oli-gárquico buscavam atingir o mesmo fim com a educação escolari-zada que, essencialmente, vinha sendo usada em prol das referên-cias que partiam, particularmente, do interesse privado.

3. Aula de instrução secundária pública em Porto

Nacional: 30 anos sob a direção dos dominicanos

Nas primeiras décadas da República no Brasil, o Ensino Secundário público oferecido na capital goiana era ministrado no Lyceu e na Escola Normal, e em alguns municípios do estado fo-ram criadas aulas avulsas8, a partir de 1896.

Por sua natureza, o sistema de aulas avulsas foi resta-belecido em Goiás por meio da Lei nº. 107, de 15 de junho de 1896. Criou-se, assim, cadeiras de português, francês e aritmética em Catalão, Rio Verde, Entre-Rio (Ipameri), Palma (Paranã) e Por-to Nacional. Assim, no norte de Goiás (Tocantins), foram criadas duas aulas avulsas, uma em Porto Nacional e a outra em Palma.

Ao tratar do ensino secundário em Porto Nacional, no final do século XIX e início do século XX, Godinho (1988, p. 75) expressa que “do mesmo modo que em outros setores de desen-8 As aulas avulsas também eram denominadas de cadeiras avulsas, aulas públicas se-cundárias, dentre outras. Todavia, os regulamentos que normatizavam este nível de ensino no Estado de Goiás, datados de 1904 e 1918, cognominava de “aulas avulsas de instrução secundária”.

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volvimento social e cultural, Porto se preza de ser, depois da Capi-tal do Estado, a primeira cidade goiana a ministrar ensino de nível secundário”. Essa informação do autor apresenta fundamentos, sem tomar por base, como já foi supracitado que, nesse período, só havia em funcionamento em Goiás o Lyceu e a Escola Normal. E, portanto, a primeira Escola Avulsa Secundária que foi instalada em Goiás, nesse período, estava localizada em Porto Nacional, na região norte goiano.

Por meio da legislação goiana que normatizou as aulas avulsas de instrução secundária - Regulamento nº. 1233, de 15 de março de 1904, e pelo Decreto de nº. 1285, de 20 de junho do mesmo ano - essas aulas deveriam ser organizadas nas localidades onde não existissem colégios. Nessas aulas secundárias, assim, de-veria haver frequência mínima de dez alunos. Conforme o Art. 10 do Decreto em questão, as aulas avulsas que, por espaço de seis meses, tivessem frequência inferior a dez alunos, seriam automa-ticamente suspensas por ato do Secretário da Instrução, Indústria, Terras e Obras Públicas.

Nesse sentido, percebe-se que a Aula avulsa de Porto Na-cional só teve uma regularidade a partir do momento que os do-minicanos assumiram a regência dessa instituição educativa. O frei Rosário Melizan, bacharel em Ciências pela Faculdade de Marse-lha-França, então Superior do Convento Santa Rosa de Lima, em Porto Nacional, foi nomeado para assumir esse cargo por meio de uma portaria estadual de 14 de setembro de 1904.

Em 1909, a Escola Secundária de Porto Nacional foi transferida para Taguatinga pelo governo estadual. A documenta-ção, até agora disponível, não permite revelar o efetivo motivo de tal ato, todavia, acredita-se que não foi por falta de alunos, uma vez que, segundo Godinho (1988), com a extinção da escola públi-ca secundária de Porto Nacional, frei Gregório Aleixo fundou uma escola de Português e Francês para a juventude portuense.

Essa informação de Godinho (1988) pode ser comple-mentada com o relato de Ramos (1917, p. 47), quando cita algu-mas das mais importantes instituições de ensino particular existen-tes no Estado de Goiás, incluindo a de Porto Nacional, confirman-do assim que em 1912, períoconfirman-do em que a aula secundária pública

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deste município estava extinta, existia ali uma instituição particular sob a direção da Igreja Católica:

Há, nesta cidade do quase extremo norte goyano, um collegio para o sexo masculino di-rigido pelos frades da ordem dos dominicanos. Quando em 1912, na minha excursão pelo norte de Goyaz, passei por essa localidade, tive occasião de constatar os reaes progressos do collegio, onde a freguesia e o aproveitamento dos alunos eram já bastante satisfatórios [sic].

Essa iniciativa dos dominicanos, dentre outras amostras como os alunos derivados do 1º e 2º anos do secundário de 1908, além dos alunos provenientes do ensino primário deste município, são indicativos de que naquela cidade tinha alunos aptos para cur-sarem esse nível de ensino.

Percebe-se, portanto, que só por volta de 1914, o gover-nador restabeleceu a escola secundária pública em Porto Nacional, sob a direção do frei Rosário Melizan. Esse professor permaneceu no cargo até 1919, quando foi a óbito, em 28 de dezembro desse ano. Para substituí-lo, foi nomeado outro dominicano, o frei Maria Domingos Nicollet, que assumiu a Aula avulsa de instrução secun-dária em Porto Nacional até 1922, quando, também, faleceu em 7 de fevereiro de 1923. O próximo professor a assumir o magistério do ensino secundário naquele município foi, novamente, um frei dominicano, Bertrando Maria Olleris, o qual permaneceu até final dos anos de 1930 quando foi fechada a Escola Pública Secundária de Porto Nacional.

Assim, conforme se constatou no perfil dos três últimos regentes, eles tinham como base uma formação eclesiástica, o que corresponde a mais de trinta anos de ensino ministrado por repre-sentantes da Igreja Católica no Município, basicamente por meio da ação dos missionários dominicanos franceses. Pois como se infere, mesmo no período em que as aulas foram suspensas pelo governo, a Igreja assumiu essa responsabilidade.

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Em se tratando dos alunos matriculados no Ensino Se-cundário da Escola Pública de Porto Nacional, em 1926, pode--se distinguir o perfil desse alunado atendido por essa institui-ção. De acordo com esse perfil, por exemplo, pode-se destacar que três alunos são filhos de promotores e dois são filhos de médico e deputado federal com uma ex-professora. Além disso, a maioria desses alunos compunha famílias que detinham o po-der político e econômico no município e, por conseguinte, são estudantes provenientes da escola primária do Colégio Sagrado Coração de Jesus.

Infere-se, portanto, que o ensino secundário público era destinado aos filhos da “elite política” do município de Porto Na-cional. Assim, nessa instituição, a Aula avulsa de ensino secun-dário em Porto Nacional, sob a direção dos freis dominicanos, formou boa parte dos jovens intelectuais que, depois de adultos, assumiram cargos públicos ou se tornaram governantes de Porto Nacional. Com essa assertiva, pode-se destacar que os três primei-ros prefeitos portuenses (José Ayres Neto, Domingos do Espírito Santo Negry e Oswaldo Ayres da Silva) que assumiram esse cargo no município, a partir dos anos de 1930, também foram alunos dessa instituição de ensino secundário, em anos anteriores ao de 1926 (Quadro 1).

Quadro 1 – Alunos matriculados na Aula avulsa do Ensino Secundário de Porto Nacional sob a direção do Frei Bertrando Maria Olleris (1926)

Nº. Alunos/Idade Perfil

01 Aquilles (Achilles) Maya Leite (19 anos)

Filho de Custódia Leite Ribeiro Maya, neto de Luiz Ribeiro Leite, dentre os seus irmãos encon-tram-se Dídimo Maia Leite e Joaquim Maia Leite. Foi aluno da escola primária pública de Porto Nacional. Tornou-se fazendeiro, vereador, executivo municipal.

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Nº. Alunos/Idade Perfil

02 Laudemiro Gomes

Filho de Maria Magalhães Gomes. Foi aluno da escola pri-mária pública de Porto Nacional. Tornou-se fazendeiro, comer-ciante, vereador.

03 José Joaquim Pereira Foi aluno da Escola Primária Pública de Porto Nacional.

04 José Laurindo Pedreira (16 anos)

Filho de Manoel José Pedreira, neto de Pacífico José Pedreira, irmão de Frederico José Pedrei-ra, Nelzir JoséPedreira, Maria Escolástica. Foi aluno da escola primária do Colégio Sagrado Coração de Jesus. Tornou-se fazendeiro, militar.

05 Frederico José Pedreira (15 anos)

Filho de Manoel José Pedreira, neto de Pacífico José Pedreira, irmão de José Laurindo Pedreira, Nelzir JoséPedreira, Maria Escolástica. Foi aluno da Escola Primária do Colégio Sagrado Coração de Jesus.

06 Nelzir JoséPedreira (14 anos)

Filho de Manoel José Pedreira, neto de Pacífico José Pedreira, irmão de José Laurindo Pedreira, Frederico JoséPedreira e Maria Escolástica. Foi aluno da Escola Primária do Colégio Sagrado Coração de Jesus. Tornou-se fazendeiro, contador.

07 João Fernandes Conceição (14 anos)

Filho de Joaquim Fernandes da Conceição (ex-professor). Foi alu-no da Escola Primária Pública de Porto Nacional. Exerceu o cargo de professor do Ginásio Estadual de Porto Nacional (1946).

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Nº. Alunos/Idade Perfil

08 Newton Ayres da Silva (14 anos)

Filho do médico e deputado federal Francisco Ayres da Silva e da professora Angélica Ribeiro Aranha. Foi aluno da escola primária do Colégio Sagrado Co-ração de Jesus. Se tornou fazen-deiro, farmacêutico, vereador.

09 Euwaldo Ayres da Silva (16 anos)

Filho do médico e deputado federal Francisco Ayres da Silva e da professora Angélica Ribeiro Aranha. Foi aluno da Escola Primária do Colégio Sagrado Coração de Jesus.

10 Argemiro Pereira Assunção (16 anos)

Filho de Anna Pereira de Assun-ção, foi aluno da escola primária do Colégio Sagrado Coração de Jesus. Tornou-se fazendeiro, vereador, músico e titular do cartório civil em 1936.

Fonte: Dourado (2010).

De certa forma, esse panorama condiz com a visão de Cury (1986), quando esse expressa que o papel da educação bra-sileira, até 1930, estava voltado para a satisfação dos interesses oligárquicos, ou seja, “ornamento cultural, preenchimento dos quadros da burocracia de Estado e das profissões liberais”. Nesse sentido, Cury (1986) explicita que amplas camadas da população, imersas nessa realidade sociopolítica, ficavam marginalizadas do processo educativo escolar formal porque a educação atendia ex-clusivamente à “elite” das sociedades.

A Aula avulsa Secundária portuense foi suprimida pela Lei Estadual de nº. 192, de 19 de julho de 1937. O fechamento des-sa instituição secundária coincide com a retirada dos dominicanos dessa cidade, os quais foram, por mais de trinta anos, responsáveis por essa escola e, consequentemente, pela formação da juventude masculina do município portuense e dos circunvizinhos. O último professor, portanto, foi o dominicano Bertrando Maria Olleris, que se retirou daquela cidade no dia 25 de janeiro de 1938.

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Todavia, não se percebe a criação de outra instituição de ensino para suprir a necessidade da instrução secundária pública no norte de Goiás - Tocantins, no período. O que se observa é a transferência do recurso público para a instituição privada uma vez que, por meio da mesma lei que extinguiu a Aula avulsa de Porto Nacional, decretou-se que a verba destinada a essa institui-ção fosse incorporada à subveninstitui-ção concedida ao Colégio Sagrado Coração de Jesus.

Infere-se, portanto, que esse fato justifica o registro de cinco alunos do sexo masculino realizando o exame do 2º ano do Curso Normal no Colégio Sagrado Coração de Jesus, no ano de 1937 e no ano seguinte, encontra-se dados sobre cinco alunos a realizarem exame do 4º ano, sendo que quatro deles eram do sexo masculino.

Considerações finais

De fato, no contexto geral do início da República, consta que a sociedade brasileira, goiana e, com destaque, a portuense, estavam constituídas socialmente pela sedimentação nos princí-pios religiosos católicos. Em Goiás, uma das mais representativas ordens religiosas ali presentes foi a dos dominicanos, instalados por várias partes do território goiano através de quatro conventos, dentre eles o Convento Santa Rosa de Lima, localizado em Porto Nacional (1887).

Em vista desses fatos, é possível evidenciar que, em um período que se apregoava a separação entre o binômio Estado-I-greja, a religião católica continuou exercendo uma forte influência sobre a educação escolar ofertada em Porto Nacional. Isso cons-titui, de certa forma, uma prova eloquente de poder e prestígio dessa instituição, pois ao considerar as cinco escolas primárias em funcionamento na cidade, observou-se que três delas estavam sob a direção de uma religiosa dominicana. Além dessas, o Curso Nor-mal, o Curso Secundário oferecido no Seminário São José/Escola São Thomaz de Aquino e a Aula avulsa do Ensino Secundário estadual também estavam sob a direção da Ordem Dominicana. Vale destacar que a maioria dessas instituições, se não todas, eram

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subvencionadas pelos cofres públicos, conforme Cury (2001, p. 224), “subvencionar é prover recursos, custear despesas a partir do orçamento público”.

Portanto, observa-se a omissão do poder público no trato da educação secundária para a população do norte do Estado e a continuidade da participação da Igreja nesse processo. Em suma, é salientado que a formação sociocultural e educacional da juventu-de masculina portuense, nas primeiras décadas da República, está de certa forma ligada à ação da Ordem Dominicana no município.

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Fontes de pesquisa

de Porto Nacional:

considerações e indagações

Ariel Elias do Nascimento Juliana Ricarte Ferraro

Este artigo objetiva abordar as políticas públicas em torno de dois marcos da memória social e histórica da cidade de Porto Nacional, no Estado do Tocantins: o Museu Histórico e a Cúria Diocesana da cidade.

Ao longo do texto, surgirão algumas discussões sobre as memórias sociais, coletivas e históricas alocadas nestes acervos; analisar-se-á também como o passado torna-se “inerte” frente às leituras oficiais pré-estabelecidas que atuam como determinantes para as construções identitárias submetidas aos seus respectivos acervos, e, neste sentido, definir os princípios que regem as polí-ticas públicas implantadas em Porto Nacional e como eles podem ser utilizados para rediscutir a funcionalidade desses acervos.

Por ora, faz-se mister explicar a origem da cidade de Por-to Nacional e como ocorreu o desenvolvimenPor-to dos projePor-tos de preservação documental e material da cidade.

Porto Nacional é uma cidade erguida à margem direita do rio Tocantins, nos idos de 1790. Sua fundação, de acordo com Oliveira (2004), deu-se por forças externas, quando os moradores de dois arraiais próximos (Pontal e Carmo) foram surpreendidos por ataques dos índios Xerentes. As famílias desses arraiais encon-traram refúgio em uma clareira localizada à margem direita do rio Tocantins e ali fundaram o arraial de Porto Real. Esses primeiros

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moradores encontraram na navegação o meio de subsistência e de comércio. Ao longo dos anos, Porto Real torna-se importante en-treposto comercial entre a Capitania de Belém e o interior do país. Por conta do acelerado fluxo comercial, segundo Godinho (1988), a administração do arraial também passa por modificações im-portantes: em 1831 é elevada à categoria de vila; em 1833 toma o nome de Porto Imperial; em 1861 recebe o diploma de cidade e, com a Proclamação da República ocorrida em 1889, passa a chamar-se Porto Nacional.

A cidade possui dois importantes acervos que preser-vam o seu passado, possibilitando que moradores e pesquisado-res conheçam um pouco mais de seu desenvolvimento histórico, econômico e social. No Museu Histórico, encontra-se o passado em sua materialidade; seu acervo retrata os modos de vida e os costumes de um passado citadino. No acervo da Cúria Dio-cesana, encerra-se a memória documental do desenvolvimento religioso da cidade. Será sobre ambos que se concentrarão as análises que aqui se propõe, abordando como a Universidade Fe-deral do Tocantins, através de suas ações, vem investindo na ma-nutenção e na preservação da memória social e histórica, através de projetos que priorizam a discussão e a ampliação do acesso a esses mesmos acervos.

Este projeto teve início, em 2009, quando a Prof. Rosa-ne Balsan recebera os primeiros subsídios para a implantação do projeto “A identidade histórica e cultural de Porto Nacional: uma acessibilidade através dos acervos” (BALSAN, 2009), cuja propos-ta inicial discutia meios para se capropos-talogar e preservar os documen-tos da Cúria Diocesana da cidade. Um novo projeto, denominado “A produção dos instrumentos de pesquisa, através dos acervos da ‘Cúria’ e do ‘Museu Histórico e Cultural’ de Porto Nacional/ TO” (BALSAN, 2010), explicita em seu “Resumo da Proposta” o objetivo de dar continuidade ao projeto anterior, acrescido de uma visão mais abrangente, apresentando uma proposta de cataloga-ção do acervo da Cúria, além de também incorporar uma análise do acervo do Museu Histórico.

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1. A cidade e seus lugares de memória

As estruturas urbanas, entendidas como estruturas so-ciais, fazem parte direta e indiretamente da construção do ima-ginário social e local das identidades dependentes destes lugares para os afazeres cotidianos.

Nesse sentido, percebe-se o inter-relacionamento entre lugares construídos por uma sociedade, lugares socialmente per-cebidos pela sociedade, enfim, lugares onde se encontram infinitas interpretações de seus usos e costumes, suas memórias, sonhos, amores e odores.

Em célebre estudo sobre os lugares de memória, Nora (1993, p. 9) estabelece os seguintes parâmetros conceituais sobre história e memória:

Memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe uma à outra. A memória é a vida, sempre carrega-da por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconscien-te de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemá-tica e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembran-ças vagas, telescópicas, globais e flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censuras ou projeções. A história, porque operação intelectual e lai-cizante, demanda análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança no sagrado, a

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história a liberta, e a torna sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá a vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo.

Os argumentos de Nora (1993, p. 12-13) avançam no sen-tido de construir análises pontuais referentes aos lugares de memória:

Os lugares de memória são, antes de tudo, res-tos. A forma extrema onde subsiste uma cons-ciência comemorativa numa história que a cha-ma, porque ela a ignora. É a desritualização de nosso mundo que faz aparecer a noção. O que secreta, veste, estabalece, constrói, decreta, mantém pelo artifício e pela vontade uma co-letividade fundamentalmente envolvida em sua transformação e sua renovação. Valorizando, por natureza, mais o novo do que o antigo, mais o jovem do que o velho, mais o futuro do que o passado. Museus, arquivos, cemité-rios e coleções, festas, aniversácemité-rios, tratados, processos verbais, monumentos, santuários, associações, são os marcos testemunhas de uma outra era, das ilusões da eternidade. Daí o aspecto nostálgico desses empreendimentos de piedade, patéticos e glaciais. São os ritu-ais de uma sociedade sem ritual; sacralizações passageiras numa sociedade que dessacraliza; fidelidades particulares de uma sociedade que

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aplaina os particularismos; diferenciações efe-tivas numa sociedade que nivela por princípio; sinais de reconhecimento e de pertencimento de grupo numa sociedade que só tende a reco-nhecer indivíduos iguais e idênticos.

Para complementar a análise, Nora (1993, p. 13) argu-menta da seguinte forma:

Os lugares de memória nascem e vivem do sen-timento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais. É por isso a defesa, pelas minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e enciumadamente guarda-dos nada mais fez guarda-dos que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de memória. Sem vigilância comemorativa, a história depressa os varreria. São bastiões sobre os quais se escora. Mas se o que eles defendem não estivesse ame-açado, não se teria, tampouco, a necessidade de construí-los. Se vivêssemos verdadeiramente as lembranças que eles envolvem, eles seriam inú-teis. E se, em compensação, a história não se apoderasse deles para deformá-los, transformá--los, sová-los e petrificá-los eles não se tornariam lugares de memória. É este vai-e-vem que os constitui: momentos de história arrancados do movimento da história, mas que lhe são devol-vidos. Não mais inteiramente a vida, nem mais inteiramente a morte, como as conchas na praia quando o mar se retira da memória viva.

Seguindo essas trilhas, relacionadas aos lugares de me-mória, é possível estabelecer como ponto nodal dessa hipótese os

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seguintes argumentos: os lugares de memória consolidam a exis-tência física da materialidade, como mantenedora das tradições sociais. Essa materialidade corresponde às produções culturais que a sociedade vivencia, produz, respira nos cantões de cada esquina, nas paredes ensebadas das ruas estreitas, nas treliças das janelas que escondem o privado e revelam o público.

É justamente nessa nuance da materialidade, segundo Arévalo (2005), que encontram-se os lugares de memória, os quais contribuem para que ocorra uma determinada manutenção cultu-ral, associada à sociedade que vivencia este ou aquele local, pro-duzindo ritmos, diálogos e fantasias sobre sua própria existência e experiência no espaço-temporal.

Interessa aqui, refletir sobre a importância desses lugares de memória para a percepção e a construção da própria identidade, como produto da vivência da cidade com os espaços nela construí-dos, com a dinâmica estabelecida entre o caminhar pelas ruas estrei-tas e os cheiros característicos que dominam os ares, provindo dos lares ribeirinhos; e como esses sítios influenciam na consolidação das identidades locais. Importa perceber, ainda, como essas identi-dades locais podem ser moldadas conforme as percepções sociais da própria construção histórica do passado vivido... e como é possí-vel fixar no tempo-espaço as inúmeras representações do passado.

2. Analisando as fontes documentais ou o papel

das políticas públicas em Porto Nacional

Segundo Le Goff (2003, p. 536):

o documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da so-ciedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historia-dor usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa.

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Nesse sentido, entendemos que os documentos e os mo-numentos representam escolhas sociais, políticas e econômicas que determinam não apenas o caminhar da sociedade que vivenciou as ações que originaram a existência desses mesmos documentos/ monumentos, mas também a própria construção de uma memó-ria social, local, histórica, erguida sob os ombros de um Colosso, simbolizando sempre as grandes vitórias e conquistas do passado.

Assim, a história que se (re)constrói parte da visão de uma determinada classe social, conferindo a ela uma versão possível do passado; por outro lado, nos abre possibilidades de pesquisar ou-tras versões do passado não contempladas pelas versões oficiais.

É justamente neste ponto que procuram atuar as políticas implantadas pelos projetos da Universidade Federal do Tocantins sobre os dois acervos existentes em Porto Nacional. Seu objetivo é debruçar-se sobre esse passado imóvel, materializado pelos docu-mentos e monudocu-mentos e, a partir de uma organização e cataloga-ção, encontrar as histórias por trás da história.

Nesse (re)construir de identidades, busca-se acompanhar os papéis que desempenham na cidade o Museu Histórico, respon-sabilizando-se pela preservação e fixação do passado, e a Cúria Diocesana, mantendo preservados os documentos religiosos da igreja católica e que contam a sua própria história.

Vem de longa data a ideia de uma história feita pela e para a elite, tese defendida pela historiografia alemã do século XIX. Apesar das inúmeras e constantes tentativas de escapar a este qua-dro, constata-se, ainda hoje, de acordo com Bavardo (2005), que as memórias e histórias preservadas em instituições como Museus e Arquivos acabam por fornecer subsídios para a manutenção de um status quo que justifique as decisões e as ações que determina-da elite procurou marcar ao longo de sua existência.

Exemplificando, no caso do Museu Histórico, os objetos preservados são, em sua maioria, oriundos das antigas famílias de proprietários, de senhores, de coronéis, e trazem reproduzidas suas legendas, seus nomes e sobrenomes, ao lado de uma curta descrição e/ou curiosidades sobre seus usos e costumes.

Assim, esse acerto, no que diz respeito às (re)construções de uma memória familiar/coletiva, individual/coletiva, no modo

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pelo qual esses signos do passado tornam-se ícones de uma me-mória local e transferem significados multifacetados às identidades locais, contribui apenas para a consolidação de uma identidade elitizada na cidade de Porto Nacional.

Maurice Halbwachs escreve que “esta é uma memória tomada de empréstimo” (2006, p. 72) e prossegue:

no pensamento nacional, esses acontecimen-tos deixaram um traço profundo, não apenas porque as instituições foram modificadas por eles, mas porque sua tradição subsiste muito viva nessa ou naquela região do grupo, par-tido político, província, classe profissional ou mesmo nessa ou naquela família, entre certas pessoas que conheceram pessoas que os tes-temunharam. Para mim, são ações, símbolos; estão representados sob uma forma mais ou menos popular – posso imaginá-los, é quase impossível lembrar-me deles (HALBWACHS, 2006, p. 72-73).

Como se incluem, então, as ações aplicadas no Museu Histórico e na Cúria Diocesana pelos projetos desenvolvidos pela Universidade Federal do Tocantins? Por quais meios, tanto o Mu-seu quanto a Cúria, consolidam a justificativa para a existência de políticas públicas voltadas para a preservação e a manutenção da memória? A contrapartida oferecida pelo Museu se concretiza nas “Semanas de Museu”, assim como através das visitas escolares monitoradas por guias especializados. No que se refere aos docu-mentos sob a guarda da Cúria, o projeto da UFT objetiva organi-zá-los e garantir sua preservação, de forma que, no futuro, possa se conseguir a abertura de tal acervo às diversas linhas de pesquisa.

Referências

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