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A história na educação brasileira. Caminhos da história ensinada

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Academic year: 2021

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Capa: Fernando Comacchia Foto: Renato Testa

Copidesque. Margareth Silva de Oliveira Revisão: Viima A. Albino

Vera Luciana Morandim

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Fonseca, Selva Guimarães

Caminhos da história ensinada / Selva Guimarães Fonseca - 3* edição - Campinas, SP : Papirus, 1995. (Coleção Magisté­ rio: Formação e trabalho pedagógico)

Bibliografia. ISBN 85 308 0221-7

1. História - Estudo e ensino I. Título II. Série.

95-0803 CDD-907 * 1

índices para catálogo sistemático:

1. História: Ensino 907 2. História: Estudo e Ensino 907

DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA:

© M. R. Cornacchia & Cia. Ltda — Papirus Editora — Matriz -

Fone: (0192) 31-3534 e 31-3500 - C. P. 736 - CEP 13001-970 Campinas — Filial - Fone: (011) 570-2877 - São Paulo - Brasil. Proibida a reprodução total ou parcial. Editora afiliada à ABDR.

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Capítulo 1

A HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Brasil, início dos anos 90. Num dos maiores jornais do país, Folha de São Paulo, os editoriais dos primeiros meses de 1990 anun­ ciam o estado em que se encontra a educação no país.

“ Colapso educacional” é o título de um dos primeiros edito­ riais do ano, analisando a educação e conclamando parcelas da classe média — designadas pelo jornal como “ camadas sociais com maior poder de reivindicação” , às quais está se tomando mais difícil o acesso a escolas particulares — a fazerem uso da escola pública e pressionarem o Estado em favor do ensino público. Em janeiro, o jornal insiste: o “ Colapso educacional” não pode continuar. Poste- riòrmente, de posse dos dados de uma pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas, o jornal avalia o quadro como “ Barbárie educacional” . 1 O conteúdo destes editoriais e das análises de educadores, políticos,„representantes da Igreja Católica e de associações de classe, que cotidianamente tomam as páginas dos jornais, reportagens de rádio e televisão, ainda que através de argumentos diferentes, cami­ nham no sentido de alertar a sociedade para os graves problemas do setor educacional e são unânimes em afirmar que é necessário recu­ perar a educação no país.

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Alguns discursos são reveladores da dimensão que preocupa os representantes dos setores econômicos dominantes neste país, cujos interesses são freqüente e explicitamente defendidos pelos grandes meios de comunicação de massa: o desenvolvimento econômico e tecnológico do país depende de um projeto educacional, caso contrá­ rio estará comprometido devido ao baixo nível de qualificação da sociedade. Outros discursos (de educadores, políticos e Igreja etc) revelam preocupações com a formação da cidadania e com a justiça social apelando para o cumprimento e ampliação do direito de todos à educação pública.

Estes argumentos ganham força quando da publicação de um relatório do Banco Mundial, o qual “ reprova” o sistema de ensino do país, mais especificamente o ensino de 2- grau.2 Os dados divulgados pelo Banco Mundial reiteram números já conhecidos demonstrando claramente o fracasso da política educacional adotada nas duas últi­ mas décadas. Segundo este relatório, de 1970 a 1987 houve um cresci­ mento do número de vagas na rede pública de 2- grau, de 550 mil matrículas em 1970 para 2,1 milhões em 1987. Entretanto, neste mesmo período a taxa de evasão cresceu de 4,48% para 24,19%. Em 1987, apenas 37% da população de 16 a 18 anos se encontrava matri­ culada no ensino de 2- grau. E neste mesmo ano, segundo a Unicef — IBGE, o total de jovens de 7 a 14 anos que se encontrava fora da escola era de 4,3 milhões. As taxas médias de evasão e repetência em nível nacional cresceram entre 1979 a 1985, respectivamente 24% e 14%.3 As taxas de analfabetismo são igualmente elevadas. Dados do IBGE, de 1989, indicam uma porcentagem de 20,1% entre pessoas de mais de 7 anos, o que equivale a um total de 24,368 milhões de analfabetos.4 Uma pesquisa realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral revela que dos 75.313.519 eleitores brasileiros, no ano de 1988, 68% são analfabetos, semi-analfabetos oü não completaram o l 9 grau. Dentre estes 68%, 10% são totalmente analfabetos, 30% escrevem o nome e 28% têm o l 9 grau incompleto.5 O Brasil é um dos países, segundo dados do Banco Mundial, que menos investe em educação, aplicando apenas 3,6% do Produto Interno Bruto, enquanto outros países capitalistas empregam em tomo de 6% e 8% do PIB.

Os números acima colocados revelam os significados do pro­ jeto educacional implantado no Brasil pelos governos militares no

2. Folha de São Paulo, 29-4-1990, p. C-l.

3. Unicef/IBGE, Crianças e adolescentes: indicadores sociais, vol. I, Brasília, 1990. 4. Folha de São Paulo, 14-11-1990, pp. 3-12.

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decorrer das décadas de 60 e 70, com continuidade no governo civil de José Samey nos anos 80, na chamada Nova República. Este projeto é implementado estrategicamente no bojo do projeto político e econô­ mico mais amplo, implantado neste país no decorrer dos anos 60.

O papel da educação assim como as metas para o setor, estabelecidas pelo Estado Brasileiro a partir de 1964, estiveram estri­ tamente vinculados ao ideário de segurança nacional e de desenvolvi­ mento econômico. O projeto delineado nos Planos e Programas de Desenvolvimento, na legislação e nas diretrizes governamentais repre­ senta o ideário educacional de diversos setores internos e externos. Np plano interno, temos a continuidade de experiências visando à elabo­ ração de políticas e de tecnologia educacional, como, por exemplo, as Forças Armadas através da Escola Superior de Guerra, e os empresá­ rios através do IPES. No plano externo, há um estreitamento dos vínculos com organismos internacionais como USAID, além da OEA e Unesco.

Exemplo disso foi o projeto formulado antes de 1964, pelo Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais — IPES, órgão representativo dos empresários, que teve participação intensa nos governos pós-64. Maria Inês S. Souza, ao analisar a proposta educacional do IPES e a do governo, concluiu que em ambas a educação é vista como “ um instrumento a serviço do desenvolvimento econômico” e por isso deveria estar em consonância com as medidas econômicas e políticas instituídas.6

Nesse sentido, uma das principais características da proposta é a desobrigação do Estado com o financiamento do ensino, especial­ mente dos níveis médio e superior. A Constituição de 1967 deixou de vincular a porcentagem de verbas destinadas ao ensino ao orçamento geral da União. A partir daí, o Estado passa a diminuir sucessiva- rriente os investimentos no setor educacional. A participação do Minis­ tério da Educação e Cultura np orçamento decresceu de 10,6% em

1965 para 4,3% em 1975, e manteve-se no patamar médio de 5,5% 'até 1983. Em contrapartida, a rede de ensino privado cresce em todo o país, especialmente no ensino superior, anteriormente concentrado quase exclusivamente em instituições católicas. A mesma tendência ocorreu com o ensino de 2- grau, chegando a responder por 41 % das matrículas em 1982, basicamente nos cursos preparatórios para as universidades e cursos profissionalizantes, predominantemente noturnos.7

6. Mana Inês S. Souza, Os empresários e a educação — o IPES e a política educacional após

1964, Petrópolis, Vozes, 1981.

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No final de 1983, o Congresso Nacional aprovou uma Emenda Constitucional do senador João Calmon, a partir da qual a União fica obrigada a aplicar nunca menos que 12% da receita de impostos no ensino, e os Estados e Municípios igualmeníe, 25% no mínimo. Esta aprovação ocorreu devido às pressões dos movimentos organizados, sobretudo dos trabalhadores da educação. Desde meados dos anos 70, o aumento das verbas públicas para o ensino constitui-se uma das principais bandeiras de luta dos educadores brasileiros. Na Constitui­ ção aprovada pelo Congresso Nacional em 1988, prevaleceu o reconhe­ cimento da necessidade de elevação do percentual de verbas para educação. No seu artigo 212, a atual Constituição Federal estabeleceu que a União aplicará nunca menos de 18%, e os Estados.e Municípios, 25% no mínimo, da arrecadação de impostos no setor educacional. Entretanto, em seu artigo 213, fica assegurada a aplicação destes recursos públicos não só nas escolas públicas, mas também em esco­ las comunitárias, confessionais ou filantrópicas que “ comprovem finalidade não-lucrativa” . 8

A dimensão privatista da política educacional dos anos 70 e 80 dá continuidade à política brasileira de predominância do privado sobre o público. No caso da educação isto se dá não apenas através da drenagem dos recursos públicos para as esferas privadas, mas na recusa de se levar a educação aos diferentes setores sociais, a que os educadores denominam de seletividade escolar. Nas diferentes refor­ mas educacionais, as possibilidades de criação de privilégios ao setor privado fazem-se presentes. Lauro de Oliveira Lima, analisando o privatismo gerado pela L.D.B. de 1961, afirma:

Tòda p olítica do MEC é, fundam entalm ente, antipopular, pela intransigência com que se recusa a m anter escolas e p elo frenesi com que pretende exim ir-se das esco la s superiores que, tradicio­ nalm ente, m antém (transform ações do Pedro II e das universi­ dades em fundações). A cortina de fum aça da autonom ia esconde apenas o privatism o da filo so fia educacional do governo. 9

A Lei de Diretrizes e Bases n9 4024, sancionada em dezembro de 1961, após 13 anos de debate especialmente sobre a escola pública e privada, representou uma vitória dos empresários da educação e dos representantes religiosos da Igreja Católica. A partir daí, estes setores passam a dominar os Conselhos de Educação, consultores e executo­ res das diretrizes educacionais. Assim, a concepção privatista de educação

8. Brasil, Constituição (1988). República Federativa do Brasil, Brasília, Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

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vinculada ao ideário de desenvolvimento e segurança nacional embasa todo o processo de reformas e mudanças ocorridas no período. A reforma no ensino superior propugnada pela Lei 5540, de 28 de dezembro de 1968, seguida pelos Decretos-leis números 464 e 477, de fevereiro de 1969, exemplificou estas dimensões.

De um lado, a reforma universitária aparece como instru­ mento de desenvolvimento e progresso social, supostamente atendendo às demandas sociais por cursos superiores em nível de graduação e pós-graduação. Por outro lado, tinha um objetivo desmobilizador, pois atacava duramente a organização do movimento estudantil, a autono­ mia universitária e a possibilidade de contestação e crítica no interior das Instituições de Ensino Superior. Medidas como a departamentali- zação, matrícula por disciplina, unificação dos vestibulares, que passam a ser classificatórios, fragmentação dos cursos, o controle ideológico e administrativo dos professores e o modelo administrativo empresa­ rial implantado nas faculdades representam o ‘ ‘ajustamento’ ’ da Univer­ sidade brasileira à ordem política e econômica que se impunha, aprofundando linhas já existentes.

Em 1971, o Governo Médici completou a configuração do projeto educacional que vinha sendo arquitetado desde 1964 e implan­ tado mais detalhadamente desde 1968. A reforma do ensino de l 9 e 29 graus, proposta pela Lei de n9 5692 de 11 de agosto de 1971, tem como fundamento o mesmo ideário e os objetivos que nortearam a reforma universitária. Dentre as mudanças destacam-se a associação do período de escolaridade obrigatória, prevista na Constituição Fede­ ral (7 a 14 anos), ao que passa a referir-se como l 9 grau, ou seja, o ensino de Ia a 8a série. O ensino de 29 grau volta-se para a habilitação profissional dos alunos. O texto do documento, art. 59, diz:

b) no ensino de segundo grau, predomine a parte de formação especial

(...) A parte de form ação especial do currículo: a) terá o objeti- v o (...) de habilitação profissional, n o ensino de 29 g ra u .10

Isto representava que a prioridade do ensino de 29 grau passa a ser a formação específica capaz de capacitar mão-de-obra para o trabalho, em detrimento de uma educação integral com ênfase na formação geral do educando. Esta formação profissionalizante, de acordo com a lei, no ensino de 29 grau deveria ser realizada pelas

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escolas, em cooperação com as empresas e tendo em vista as neces­ sidades do mercado de trabalho local e regional. Esta medida toma compulsória a profissionalização técnica em nível médio, pratica­ mente eliminando dos currículos de 2- grau a parte de formação geral, especialmente a da área de Ciências Humanas.

As resistências à implantação da profissionalização no ensino de 2- grau dos diferentes setores sociais foram imediatas. Luis Anto- nio Cunha, em 1973, alerta para o fim da função propedêutica do ensino médio, caso vigorasse a formação específica. O educador via nesta política uma forma de diminuir a demanda por cursos superiores uma vez que forçava os jovens a um rápido ingresso no mercado de trabalho.11 Bárbara Freitag, analisando a rejeição à proposta de profis­ sionalização por parte das classes média e alta, afirma que esta se deu devido à concepção de que trabalho manual em oficinas mecânicas ou de eletricidade era programa para alunos pobres, oprimidos, a quem competia a tarefa de trabalhar. Consideravam que aos jovens oriundos dos setores médio e alto cabia apenas estudar, tarefa inconciliável com trabalho. Segundo a autora, a classe operária e a rural também rejei­ taram a proposta, pois entendiam o estudo e a escola como liberação do trabalho braçal.12

Os próprios empresários brasileiros defensores da concepção de educação voltada para a preparação técnica de mão-de-obra resis­ tiram à implantação da legislação do governo. Segundo Maria Inês S. Souza, os setores empresariais organizados no IPES, favoráveis à proposta de capacitação para o trabalho, em 1972, através da III Conferência Nacional das Classes Produtoras, criticaram o projeto de profissionalização do governo e o programa de alfabetização do Mobral, por serem onerosos às escolas e às empresas.13

Além destas resistências, os educadores apontam como ele­ mento dificultador da concretização da proposta o fato de as escolas não terem condições mínimas para promover a habilitação profissio­ nal. Não havia infra-estrutura física, recursos humanos preparados e recursos financeiros disponíveis para suprir estas necessidades. Assim, as escolas públicas passam a ministrar, em condições precárias, um ensino de baixo nível técnico, e as escolas privadas voltam-se

predo-11. Luis Antonio R. C. da Cunha, Política educacional no Brasil: a profissionalização do ensino

medio, Rio de Janeiro, Eldorado Tijuca, 1973.

12. Bárbara Freitag, Escola, Estado e sociedade, São Paulo, Cortez & Morais, 1977; e Política

educacional e indústria cultural, 2l ed., São Paulo, Cortez, 1989.

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minantemente para cursos noturnos que não exigiam grandes investi­ mentos financeiros em laboratórios e materiais, tais como: Contabi­ lidade, Magistério do l 2 grau e Secretariado. Estes cursos noturnos atendem basicamente alunos da classe trabalhadora. A rede privada, em decorrência das deficiências e do desmantelamento progressivo do ensino de 2- grau público, expande suas atividades para os cursos preparatórios para o vestibular, cada vez mais disputado especial­ mente pelos jovens das classes média e alta.

Em 1981, através do Parecer 860/81, a conselheira Eurides Brito da Silva reconhece as críticas à proposta do governo e propõe alterações à Lei 5692/71. Analisando as críticas, ela relata as conclu­ sões da VIII Reunião Conjunta dos Conselhos de Educação:

C oincidindo com uma esp écie de vontade nacional, expressa das m ais diversas e importantes tribunas deste país, e registradas em estudos, entrevistas, conferências, artigos e outras publicações estam padas pela imprensa e ecoadas no Parlamento, as conclu­ sõ es da referida Reunião Conjunta, traduzindo a unanim idade dos C onselhos, não discrepam n o que d iz respeito ao apoio à idéia de ser alterada a redação do art. 59 da L ei 5692/71, no sentido de:

ser eliminada a obrigatoriedade da predominância da parte de

formação especial sobre a educação geral, no ensino de 2Bgrau. 14

(grifos do docum ento)

É interessante observarmos que só após 10 anos de resistên­ cias, críticas e pressões contra o projeto profissionalizante imposto à sociedade através da Reforma de 71, o Conselho Federal posiciona-se favoravelmente à alteração do projeto. Os argumentos utilizados pelos Conselhos Estaduais, traduzidos no documento pela Conselheira do C.F.E., dizem respeito à “ vontade nacional” . Aqui cabem algumas ’considerações. Em primeiro lugar, o projeto foi elaborado e implan­

tado no auge da ditadura militar, período em que a “ vontade nacio­ nal” era construída de acordo com a vontade do governo que “ podia tudo” , conforme declarou Médici. Em segundo lugar, se, durante dez anos, as diferentes vozes se colocaram contra, por que só depois de tanto tempo o MEC resolve ouvi-las e propor mudanças no projeto? Quais as implicações que estas mudanças trouxeram para o nosso quadro educacional?

Em outubro de 1982, o MEC sanciona a Lei n2 7044, alte­ rando alguns dispositivos da Lei 5692/71, especialmente aqueles que

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se referiam ao ensino de 2° grau, objeto de tantas discussões e preo­ cupações no decorrer dos anos 70.

Segundo a Lei n9 7044, no seu art. 49,

§ l 2 — a preparação para o trabalho, com o elem ento de form ação integral do aluno, será obrigatória no ensino de l 2 e 29 graus e constará dos planos curriculares dos estabelecim entos de ensino; § 22 — a preparação para o trabalho, n o ensino de 22 grau, poderá ensejar habilitação p rofissional, a critério do estab eleci­ m ento de e n s in o .15

Alguns princípios do projeto continuam inalterados. Preserva- se a obrigatoriedade, ainda que teórica, de preparação para o trabalho nos currículos de l 2 e 29 graus. Digo teórica, uma vez que eliminam a obrigatoriedade da habilitação profissional no nível de 22 grau, ficando a critério do estabelecimento de ensino. Elimina-se também a predominância da parte de formação específica sobre a parte de for­ mação geral no currículo de 29 grau. É estabelecido como incum­ bência do C.F.E. fixar as matérias relativas ao núcleo comum e dos Conselhos Estaduais, as da parte diversificada. A partir disso, os estabelecimentos de ensino ficam desobrigados de fornecer habilita­ ções profissionais, havendo uma tendência de se voltarem para a organização de cursos de segundo grau visando ao exame vestibular massificado; inclusive cursos rápidos, de apenas 2 anos de duração, previstos na legislação (art. 22, § 29).

Os significados destas mudanças para a educação e o pensa­ mento brasileiro estão fortemente presentes hoje. O acesso à escola foi ampliado, o número de matrículas no ensino de l 2 grau e'nos cursos de graduação e pós-graduação cresceu. As matrículas no l 9 grau, de 15.892.230 erh 1970, aumentaram para 22.598.254 em 1980.16 No segundo grau, os números indicam uma mudança de 1.033.385 em 1970 para 2.819.182 em 1980. E no ensino superior o crescimento do número de matriculados é de quase 300%: de 425.478 alunos matri­ culados em 1970 para 1.377.286 em 1980. Por outro lado, o acesso ao saber foi restringido, uma vez que a formação geral do educando foi preterida em função da concepção que vincula preparação para o trabalho com formação específica. O elitismo tão presente na educa­ ção brasileira permaneceu.

Mas por que negar a formação geral ao educando? Por que a tentativa de destruição das humanidades dentro dos currículos? Ini­

15. Lei Federal n 2 7044/82.

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cialmente, podemos afirmar que a resposta está nos propósitos do poder; no ideal do Conselho de Segurança Nacional, que agia no sentido de controlar e reprimir as opiniões e os pensamentos dos cidadãos, de forma a eliminar toda e qualquer possibilidade de resis­ tência ao regime autoritário. Entretanto, após 1982, quando legal­ mente acaba a predominância da formação específica sobre a geral, a revalorização das disciplinas que tinham sido praticamente banidas dos currículos (História e Geografia, por exemplo) ocorre com difi­ culdades no interior dos estabelecimentos. Em Minas Gerais, por exemplo, as cargas horárias das disciplinas das Ciências Humanas continuaram diminuídas em relação às Exatas e Biológicas. Os vesti­ bulares massificados exercem pressão sobre os currículos e os processos de ensino nas escolas de 2- grau, dificultando o resgate da reflexão, do livre debate, enfim, da formação integral dos jovens.

Assim, no interior deste projeto educacional, o ensino de História constitui-se alvo de especial atenção dos reformadores. Cons­ tatamos, neste período estudado, sobretudo após 1968, uma série de mudanças no ensino de História. Num primeiro momento, elas se processaram em estreita consonância com as diretrizes políticas do poder do Estado. No segundo momento, constatamos o poder das forças sociais emergentes no processo de democratização, intervindo diretamente nas mudanças afetas ao ensino e à produção da História. Vejamos as configurações assumidas por alguns aspectos constitutivos deste processo.

A (des)qualificação dos professores de História

Para a realização de um projeto educacional, um dos elemen­ tos mais importantes do processo é o professor. Este supostamente domina o saber, e a educação realiza-se através do seu trabalho no nível de planejamento e execução do processo de ensino, sendo inves­ tido de autoridade institucional. Evidentemente, os princípios de segurança nacional-e desenvolvimento econômico norteadores da nova política educacional chocam-se com o princípio de autonomia do professor e o Estado passa a investir deliberadamente no processo de desqualifi- cação/requalificação dos profissionais da educação.

A lógica da racionalização capitalista incorporada pelas esco­ las brasileiras nas décadas de 20 e 30 é aprimorada pelas novas mudanças através do aperfeiçoamento do controle técnico e burocrá­

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tico no interior das escolas: a perda maior do controle do processo de ensino e a subordinação dos professores aos supervisores e orientado­ res pedagógicos, a massificação e imposição do material didático (livro didático por excelência) são algumas das formas aperfeiçoadas.17 18

Todas estas estratégias foram acompanhadas por um ataque central à formação dos professores. No início do ano de 1969, ampa­ rado pelo Ato Institucional n2 5, de dezembro de 1968, o governo, através do Decreto-lei n2 547, de 18 de abril de 1969, autoriza a organização e o funcionamento de cursos profissionais superiores de curta duração.1S Ao admitir e autorizar habilitações intermediárias em nível superior para atender às “ carências do mercado” , o Estado revela ser desnecessária uma formação longa e sólida em determina­ das áreas profissionais, quais sejam, as licenciaturas encarregadas de formar mão-de-obra para a educação. Enquanto isso, outras áreas de formação profissional mantiveram os mesmos padrões de carga horá­ ria e duração.

O argumento utilizado pelo governo federal ao instituir a licenciatura curta foi o mesmo utilizado pelos legisladores da L.D.B. de 1961, qual seja, suprir a carência de professores qualificados no mercado de trabalho. A Lei de Diretrizes e Bases previa, em seus artigos 116, 117 e 118, que, enquanto não houvesse número suficiente de professores habilitados, tanto em cursos normais para o primário como em licenciaturas para os outros níveis, esta carência seria suprida através, de exames de suficiência realizados pelas Escolas Normais e Faculdades. Dessa forma, profissionais de outras áreas poderiam habi­ litar-se legalmente para as atividades do magistério. Estas medidas fazem parte das “ disposições gerais e transitórias da L.D.B.” 19

A implantação das licenciaturas curtas expressa a dimensão econômica da educação, encarada como investimento, geradora de mercadoria (conhecimentos) e mão-de-obra para o mercado. Daí uma vinculaçãó cada vez mais estreita do l 2, 2° e 32 graus com o mercado capitalista. O papel dos cursos de licenciatura curta atendia à lógica deste mercado: habilitar um grande número de professores da forma mais viável economicamente: cursos rápidos e baratos exigindo pou­ cos investimentos para sua manutenção. Este fato fez com que os

17. Sobre isto ver: Marcos A. Silva e Maria Antonieta A. Antonacci, Vivências da contramão. Produção de saber Histórico e Processo de Trabalho na Escola de l 2 e 2a graus, Revista

Brasileira de História, São Paulo, v. 9, n2 19, pp. 9-28, set. 89/fev. 90.

18. Decreto-lei n2 547 de 18-4-1969 — C.F.E. 19. Lei Federal n 2 4024 de 20-12-1961.

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mesmos proliferassem em grande número em instituições de ensino privado, uma vez que se tomam grandes fontes de lucro para as empresas educacionais.

As licenciaturas curtas vêm acentuar ou mesmo instituciona­ lizar a desvalorização e a consequente proletarização do profissional da educação. Isto acelera a crescente perda de autonomia do professor frente ao processo ensino/aprendizagem na medida em que a sua preparação para o exercício das atividades docentes é mínima ou quase nenhuma; uma vez que os antigos exames de suficiência e as licenciaturas curtas não se diferiam muito. Assim, as licenciaturas curtas cumprem o papel de legitimar o controle técnico e as novas relações de dominação no interior das escolas.

As mudanças curriculares no ensino de l s e 2- graus ocorridas com a reforma de 1971 previam a adoção de Estudos Sociais englo­ bando os conteúdos Geografia e História no curso de l s grau. Esta medida desencadeia um processo polêmico de lutas e discussões acerca da formação dos profissionais de História e Geografia. Nesta época, já estavam sendo implantados em instituições públicas e privadas os cursos de licenciatura curta e longa em Estudos Sociais visando for­ mar professores de Moral e Cívica e de Estudos Sociais. De acordo com a Resolução n2 8, de 1972, do Conselho Federal de Educação, o currículo mínimo destes cursos é constituído das seguintes áreas: História, Geografia, Ciências Sociais, Filosofia, Ciência Política, OSPB e as obrigatórias EPB e Educação Física, além da área pedagógica. A duração das licenciaturas curta e longa deve ser de respectivamente 1.200 horas, o que equivale a um ano e meio letivo, e 2.200 horas, o equivalente a 3 anos letivos.20

Nestes cursos, começa a ser formada a nova geração de pro­ fessores polivalentes, e neles o principal objetivo é a descaracteri- zação das Ciências Humanas como campo de saberes autônomos, pois são transfiguradas e transmitidas como um mosaico de conhecimentos gerais e superficiais da realidade social. Esta concepção de curso de formação de professores segue o modelo norte-americanó, que dá prioridade a uma formação ampla e também voltada para métodos e técnicas de ensino com pouca ênfase no conteúdo espècífico no qual o aluno pretende se formar. A especialização em História ou Geogra­ fia dá-se nos cursos de pós-graduação em nível de Mestrado e Doutorado. Algumas universidades que implantaram a licenciatura curta em

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dos Sociais tentaram contornar esta descaracterização introduzindo as licenciaturas plenas em História e Geografia como continuidade do curso de Estudos Sociais. Assim, dilatavam a carga horária da licen­ ciatura curta (polivalente) e da licenciatura plena (específica).

Dando continuidade à política de qualificação do profissional de História e à desvalorização e deformação da História, o Ministério da Educação edita a portaria de número 790, em 1976. De acordo com esta medida, estavam autorizados a ministrarem aulas de Estudos Sociais apenas os professores licenciados nos cursos de Estudos Sociais. Os licenciados em História e Geografia ficaram praticamente excluí­ dos do ensino de l 9 grau, passando a lecionar apenas no ensino de 2- grau, nas poucas aulas de História e Geografia restantes, pois neste período vigorava a predominância da formação específica sobre a formação geral nos currículos de 2- grau.21

Esta investida contra os profissionais de História revela a outra dimensão que vai além da econômica acima analisada. Trata-se do controle ideológico sobre a disciplina em nível de l 9 grau na formação dos jovens, na formação dos cidadãos e do pensamento brasileiro. Q profissional oriundo da licenciatura curta estava muito mais propenso a atender aos objetivos do Estado, aos ideais de Segu­ rança Nacional do que um outro profissional oriundo de um curso de licenciatura plena em História, apesar das limitações deste. A licen­ ciatura curta generalizante, não preparando suficientemente o professor para o trabalho nas escolas, acabava, na maioria das vezes, empurran­ do-o para a alternativa mais cômoda, ou seja, utilizar o manual didático, reproduzindo-o de uma forma quase absoluta, reforçando um processo de ensino onde não há espaço para a crítica e a criatividade.

Segundo Déa Fenelon, as licenciaturas curtas em Estudos Sociais visavam à realização deste tipo de ensino, umã vez que,

o professor idealizado para produzir esse tipo de en sin o deverá, portanto, ser subm etido a um treinam ento generalizante e super­ ficia l, o que conduzirá fatalm ente a uma deform ação e a úm esvaziam ento de seu instrum ental cien tífico. N ão há que pensar em fom ecer-lh e elem entos que lh e perm itam analisar e com ­ preender a realidade que o cerca. E le tam bém não precisa refletir e pensar, deve apenas aprender a transm itir.22

21. Portaria n9 790/76 — C.F.E.

22. Déa R. Fenelon, A questão dos estudos sociais, in Cadernos Cedes/A prática do énsino de

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Assim a desqualificação dos professores, sobretudo de Histó­ ria, no bojo do processo de reformas, era estratégica para o poder político autoritário. É evidente que as outras medidas também eram importantes politicamente, mas formar um professor de acordo com as concepções do regime significava conseguir hegemonia e legitimi­ dade a médio e longo prazo, no espaço educacional voltado para as massas. Desqualificar o professor de História, ou qualificá-lo e pre­ pará-lo para uma escola que impunha tarefas e necessidades de submissão à maioria da sociedade brasileira, significava, sem dúvida, fortalecer e legitimar um modelo antidemocrático e concentrador de riquezas, além de limitar ainda mais as possibilidades de debates mais profun­ dos (na área) no interior das nossas escolas de l 9 e 2- graus.

Cientes disto, e portadores de outros projetos teóricos e polí­ ticos, alguns setores acadêmicos e profissionais reagiram. Vários estudos e documentos registram e analisam as lutas. Déa Fenelon, uma das pioneiras na luta contra as licenciaturas curtas em Estudos Sociais, a favor da implantação das disciplinas História e Geografia no nível de Ie grau, registra, no ano de 1973, o surgimento das manifestações organizadas. Segundo ela, estas primeiras manifestações deram-se atra­ vés do Fórum de Debates sobre Estudos Sociais, realizado na USP, e das manifestações da Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB) e da Associação Nacional dos Professores Universitários de História (AN- PUH).23

Esta resistência foi-se ampliando à medida que os interesses profissionais dos professores eram cada vez mais atingidos, a História e a Geografia iam perdendo sua autonomia como Ciências e as pró­ prias universidades viam seus interesses e sua muito relativa autonomia totalmente ameaçados. É importante observar que esta luta ganha força na medida em que os movimentos sociais populares se articulam e crescem no decorrer dos anos 70, englobando o movimento de professores, notadamente a partir das greves de 1978/79.

Erji 1974, o Conselho Federal de Educação tenta estender implantação dos cursos de Estudos Sociais às Universidades Estaduais e Federais; cria, ainda, a licenciatura curta em Ciências através da Resolução n9 30, do C.F.E. de julho de 1974. Algumas universidades resistiram à implantação, ou se adequaram à nova legislação garan­ tindo aos seus formandos registros profissionais em Estudos Sociais e Ciências.

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Em 1976, o Congresso da Sociedade Brasileira para o Pro­ gresso da Ciência coloca-se oficialmente favorável à extinção dos cursos de licenciatura curta e dos Estudos Sociais, da Resolução n9 30 do Conselho Federal de Educação, bem como se manifesta contraria­ mente à participação das instituições universitárias, científicas e profis­ sionais no processo de elaboração das políticas educacionais.

As reações contrárias multiplicam-se, o que leva o MEC a recuar em determinadas medidas, conforme explicita o Parecer n2 7.676/78, do C.F.E.:

Antes e depois da edição da Portaria 790/76, os professores de Geografia e História, através de suas respectivas Associações, dirigiram vários memoriais a este Conselho, expondo suas preo­ cupações quanto ao que consideravam o desacerto da introdução, no currículo de Estudos Sociais a cargo de um só docente e em prejuízo do ensino da História e da Geografia (...) Com a edição da portaria n9 790, a grita tomou-se de tal forma generalizada que, por uma outra portaria, o Sr. Ministro da Educação houve por bem suspender a vigência do dispositivo referente ao registro de professores da área de Estudos Sociais.24 (grifos meus)

Está claro no documento que o recuo do governo se deu devido às pressões dos professores através de suas associações, num momento de mobilização e organização dos profissionais da educa­ ção. A partir deste parecer, há uma revisão do artigo 59 da Resolução 8/71 e da Portaria 790/76, explicitando a possibilidade de introduzir História, Geografia e OSPB a partir da 5a série, como disciplinas autônomas, e também de os licenciados em História, Geografia e Estudos Sociais ministrarem aulas de Estudos Sociais no l 2 grau. A Resolução n9 7 de 1979, do C.F.E., estabelece:

Art. 59, I, § l 2 — a matéria denominada Estudos Sociais (...) pode, a critério do estabelecimento de ensino:

a) ser ministrada, como área de estudo, por professor polivalente,

licenciado em Estudos Sociais; .

b) ser ministrada, também como área de estudo, por professor polivalente, licenciado em Estudos Sociais;

c) ser ministrada através de disciplinas, por professores licencia­ dos em História e Geografia. 25

Assim, o Conselho Federal de Educação continua mantendo os Estudos Sociais nos currículos, porém cede às pressões permitindo

24. Parecem 2 7.676/78 — C.F.E. . ..

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aos licenciados em História e Geografia ministrarem tanto suas disci­ plinas específicas como também Estudos Sociais, EMC e OSPB. Interes­ sante observarmos que neste caso a estratégia do governo é a mesma adotada em relação à revisão da Lei 5692/71, no que se referia à habilitação profissional. Num momento de lutas políticas nas fábricas e na área da educação, os vários setores da sociedade reorganizando- se em tomo de seus direitos, um governo altamente centralizador utiliza-se de argumentos aparentemente democráticos para rever pon­ tos de um projeto, mantendo seus princípios inalterados.

Neste sentido, a questão não estava resolvida, pois o mesmo parecer que propôs as alterações colocava também a “ necessidade de” uma revisão dos currículos mínimos da formação dos professo­ res, à luz de toda uma área de licenciatura voltada para os Estudos Sociais. Em decorrência deste parecer, em 1980, o Conselheiro Paulo Natanael Pereira de Souza propõe um novo currículo mínimo para o curso de Estudos Sociais:

o curso proposto será de Estudos S o cia is, com as habilitações plenas de H istória, G eografia, Educação M oral e C ívica e Orga­ n ização S o cia l e Política do B rasil. N o caso da H istória e da G eografia, que eram cursos avulsos (R esolução de 19.12.62) tere­ m os sua transformação em habilitações do curso unificado de E studos S o cia is. 26

Esta proposta foi amplamente rejeitada pela comunidade aca­ dêmica, através da ANPUH e da AGB que mobilizaram alunos e professores de História e de Geografia de norte a sul do país. Em 1982, a ANPUH publicou uma série de documentos protestando con­ tra o projeto: um comunicado público de professores e alunos da PUC de São Paulo, um manifesto do Departamento de História da Uni- camp, uma denúncia do Departamento de História da USP; cartas abertas ao povo e aos alunos de História e Geografia, dos alunos e professores da Universidade Federal de Uberlândia; carta do Centro Acadêmico de História e Geografia da UNB; abaixo-assinados enca­ minhados ao Presidente do Conselho Federal de Educação pelos profes­ sores do Departamento de História da UFMG e pelos alunos e professores da FAFIL de Montes Claros; carta ao Conselho Federal de Educação enviada por professores de História e Geografia da Universidade de Rio Grande, nota do Departamento de Ensino Superior de Erexim;

26. O conjunto de documentos sobre esta questão encontram-se reunidos em Raquel Glezer, Estudos Sociais: um problema contínuo, in Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 2, n2 3, março de 1982, p. 124.

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protesto das Coordenadoras de Cursos de História e Geografia e do Departamento de Historia do Maranhão e uma carta ao Ministro da Educação enviada pelo Núcleo Regional da ANPUH do Acre.27

Estes documentos não representam a totalidade da manifesta­ ção, mas dão uma amostra do nível de rejeição alcançado pelo projeto Estudos Sociais, naquele momento. Tanto que o professor, autor do parecer, acabou por retirá-lo de tramitação. Os setores envolvidos nesta mobilização, através de suas representações, continuaram lutando pela extinção dos Estudos Sociais e consequente revalorização de História e Geografia e dos profissionais das respectivas áreas. Nesse sentido, pronunciou-se o grupo de consultores destas áreas, reunidos em 1981 pela SESU/MEC, com o objetivo de avaliar os cursos exis­ tentes no Brasil. A posição oficial do grupo foi publicada no documento denominado “ Diagnóstico e avaliação dos cursos de história no Bra­ sil” . Da mesma forma, o XII Simpósio da Associação Nacional de Professores Universitários de História, realizado em Salvador no ano de 1984, pronunciou-se favorável à extinção das Licenciaturas em Estudos Sociais.28

Em 1987, houve uma nova investida no tocante à formação dos profissionais da área. Trata-se do Parecer n2 283/87 do Conselho Federal de Educação, acenando com a possibilidade de transformar os cursos de Ciências Sociais em Cursos de Estudos Sociais, que forma­ riam, além dos professores de História, Geografia, Educação Moral e Cívica e OSPB, os professores de Ciências Sociais. Na ocasião, os Congressos da SBPC, AGB e da ANPUH, realizados em Brasília devido à instalação do Congresso Constituinte, manifestaram-se vee­ mentemente contrários à proposta, através de documentos enviados ao MEC e aos Constituintes.

O processo de (des)qualificação do profissional de História traz consigo uma série de contradições. Estas contradições estão explí­ citas nas resistências geradas pelas medidas governamentais. De um lado, a resistência deu-se à concepção de ensino de História subja­ cente, à descaracterização Operada no desenvolvimento da História como ciência e sua instrumentalização político-ideológica, conforme expressam os documentos de protesto ao projeto do Conselheiro Paulo Natanael:

(...) n ega qualquer p ossib ilid ad e de desen volver o raciocín io cien­ tífico e portanto crítico na clien tela deste n ív e l d e form ação. (PUC de SP , 1980)

27. lbidem, pp. 127-149.

28. Vide MEC/SESU, Diagnóstico e avaliação dos cursos de história no Brasil, Brasüia, 1986,42 pp.

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(...) visa, em última instância, o total desmantelamento da área de conhecimentos tradicionalmente conhecida entre nós como Ciências Humanas... Hoje, professores e alunos envolvidos por esta solução educacional biônica não conseguem dominar nem História, nem Geografia e, muito menos, OSPB e E.M.C., estas últimas, de resto, portadoras de conteúdos puramente doutriná­ rios. (Unicamp, 1980)

É inacreditável que se defenda tão cruamente a idéia de ciências de primeira e segunda classe. Despreza-se o consenso que existe nas Universidades sobre a integração entre ensino e pesquisa e caminha-se no sentido oposto: busca-se estabelecer uma compa­ ração, por todos os modos anticienlífica, entre o pesquisador isolado em sua investigação acadêmica e o professor, agora poli­ valente, destituído de uma visão mais aprofundada ou crítica da realidade em que vive. (USP, 1980)29

Por outro lado, a desqualificação operada pela licenciatura curta e pela maior perda de controle sobre o processo de ensino no interior da escola aprofundou a desvalorização profissional do docente e sua conseqüente proletarização e sindicalização. Esta desvalorização pode ser apreendida também dado o processo de massificação das escolas, acentuado nos últimos anos, o que tem provocado sem dúvida uma degradação de seus componentes. Miguel Arroyo vai mais além e, analisando o quadro da educação nacional e o papel dos professores no contexto, afirma:

a organização do trabalho educativo em bases empresariais levou os ordeiros professores públicos a se sentirem não servidores do público, mas força de trabalho vendida e com patrão chamado Estado (...) A nova consciência e nova prática dos trabalhadores da Educação é se sentirem como trabalhadores e sentirem a necessidade de se associarem como tais (...).30

As resistênci as e as lutas dos trabalhadores/professores ganham uma dimensão classista: surgem novos sindicatos, as greves e reivin­ dicações salariais passam a fazer parte do calendário escolar e a escola passa a ser encarada como um espaço de luta de classes. Entretanto, a organização e a mobilização dão-se não apenas em função da reva­ lorização profissional, mas questionam fundo a política educacional, a função social da escola, dos currículos e o processo educativo como um todo.

29. Raquel Glezer, op. cit.

30. Miguel Airoyo, Operários e educadores se identificam: que rumos i tomara a educação brasileira?, in Educação e Sociedade, São Paulo, n e 1, set. 1978.

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Observamos que estas lutas emergiram de diversos centros. Em 1980, a revista Educação e Sociedade inaugurou uma seção inti­ tulada “ Movimento dos Trabalhadores da Educação” , na qual se propõe a divulgar os debates, os movimentos e as posições sobre os problemas da educação brasileira. Na primeira publicação, podemos perceber a configuração das lutas. Diz o texto introdutório:

no conjunto dos m ovim entos sociais, que vêm sendo desenvolvi­ dos no país na luta por uma real democratização econôm ica, social e política, os educadores ocupam um papel importante, articulando m ovim entos organizatórios em todo o país em d ife­ rentes níveis de ensino (...) Sabendo que a democracia precisa ser conquistada e procurando vencer as dificuldades ainda impostas pela repressão, os educadores reúnem -se, tomam posições, d is­ cursam, escrevem , pesquisam e procuram conquistar seu espaço com o trabalhadores, tentando redefinir desde sua condição de trabalho até sua relação com o s diferentes setores da socied ad e.31

Nesse sentido, a Carta de Princípios da Associação Nacional de Educação (ANDE), formada em São Paulo, em 1979, por um grupo de educadores, critica o caráter da formação dos professores e propõe melhoria das condições de trabalho e remuneração, além do disciplinamento das formas de ingresso no magistério público. É sig­ nificativa também a publicação de um documento aprovado no 3- Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) sobre o “ papel social da ANPED” , afirmando sua autonomia diante do governo.32

Dentre os vários documentos publicados em Educação e Socie­ dade, devemos salientar o texto “ O Movimento Reivindicatório do Magistério no Estado do Rio Grande do Sul” , historiando as lutas do magistério público naquele estado, nos anos de 1978 e 1979, e anali­ sando o papel das entidades estaduais e da própria Confederação dos Professores do Brasil. Segundo os professores do Rio Grande do Sul,

a CPB necessita congregar todas as entidades estaduais legal­ mente constituídas e efetivamente representativas (...)

a CPB, com o entidade representativa do Magistério do Brasil, necessita estar à testa de todos os m ovim entos classistas, concre­ tizando sua liderança, a CPB necessita fazer:se presente em todãs

31. Cedes, Movimento dos Trabalhadores em Educação, in Educação e Sociedade, São Paulo, n9 5, jan. 1980, p. 132.

32. ANDE, Carta de Princípios da Associação Nacional de Educação, in Educação éSociedade,

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as questões educacionais, fazendo valer a voz do professor nos altos escalões decisórios o fic ia is .33

O movimento classista reivindicatório dos professores do Rio Grande do Sul foi pioneiro em termos de organização e de mobiliza­ ção no Brasil. Através de lideranças como a do professor Hermes Zanetti, que em 1986 se elegeu Deputado Federal Constituinte, a C.P.B. tomou-se uma entidade forte e representativa. Naquele docu­ mento, percebemos que a organização e a luta através dos sindicatos não objetiva apenas uma luta salarial, e sim a participação nas deci­ sões educacionais, ou seja, a recuperação do controle do planejamento das ações educativas, fazendo valer a voz do professor nos “ escalões oficiais” .

Portanto, o deliberado projeto de desqualificação do professor de História, estrategicamente implementado por setores do Estado e empresas do campo educacional, foi acompanhado de um processo de resistências individuais e organizadas nos diversos momentos desse período histórico. A intervenção dos setores organizados deu-se de formas diversas, sempre na perspectiva de revalorização do profissio­ nal e do resgate da qualidade do ensino de l 9, 2- e 39 graus. Entre­ tanto, apesar das conquistas alcançadas neste período, as Licenciaturas Curtas permanecem formando milhares de professores por este Brasil. Tomaram-se privilégio do setor privado da educação, quantitativa­ mente majoritário no campo do ensino superior, porém qualitativa­ mente inferior em relação ao ensino praticado pelas Instituições Públicas (com honrosas exceções).

Estudos Sociais X História

Articulado a este projeto de desqualificação dos professores de História, no decorrer do final dos anos 60 e início dos anos 70, são planejadas e implementadas novas ações visando revitalizar a Educa­ ção Moral e Cívica nas escolas brasileiras. A formação moral, a transmissão de valores morais e cívicos sempre estiveram presentes na educação brasileira; porém a forma de transmiti-los e a concepção acerca destes valores têm variado segundo o contexto sociopolítico e as forças sociais dominantes no país.

A partir do processo de redemocratização do país (1945), da discussão e elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

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Nacional, fixada em 1961, a Educação Moral e Cívica passa a ser tratada como prática educativa. A diferença fundamental entre as duas formas é que, enquanto a disciplina envolve atividades sistemáticas e programadas dentro do currículo, a prática educativa visa à formação de hábitos do educando de uma maneira abrangente, envolvendo os vários aspectos desta formação, perpassando pelas várias disciplinas. Em 1962, o Conselho Federal de Educação criou uma nova disciplina, a “ Organização Social e Política Brasileira” .

Com o golpe militar de 1964, o Estado passa a se preocupar enormemente com a necessidade de revigorar o ensino de educação cívica sob a ótica da doutrina de Segurança Nacional, tendo como contrapartida a descaracterização e o esvaziamento do ensino de His­ tória nas escolas de l 2 grau.

Segundo Maria Inês S. Souza, a partir de 1965, um grupo de trabalho da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG) elaborou o anteprojeto do ensino de Moral e Cívica, enca­ minhado pelo Ministro da Educação Tarso Dutra ao Conselho Federal de Educação, o qual serviu de base para a elaboração do Decreto-lei 869, de 12 de dezembro de 1969.34

Este decreto foi imposto pelos Ministros da Marinha, do Exér­ cito e da Aeronáutica que governavam o país naquele momento, amparados pelo AI 5 de 1968. Ele tomou obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica como disciplina e como prática educativa em todos os sistemas e graus de ensino do país, sendo que em nível de graduação e pós-graduação a disciplina passa a ser ministrada sob a forma de Estudos dos Problemas Brasileiros.35

Para planejar, controlar e revigorar a Educação Moral e Cívica no ensino brasileiro, foi criada a Comissão Nacional de Moral e Civismo, cujos membros, pessoas “ dedicadas à causa da Educação Moral e Cívica” , eram nomeados pelo próprio presidente da Repú­ blica. Esta comissão gozava de uma série de privilégios por ser consi­ derada de “ interesse nacional’ ’. Suas atribuições, de abrangência nacional, não se restringiam a dar as diretrizes do ensino de Educação Moral e Cívica no interior das escolas, mas também a outras esferas. Vejamos algumas de suas atribuições:

colaborar com o CFE na elaboração dos currículos e programas básicos de Educação M oral e C ívica; fixar m edidas esp ecíficas

34. Maria Inês S. Souza, op. cit.

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referentes à Educação Moral e Cívica extra-escolar,

colaborar com as organizações sindicais de todos os graus para desenvolver e intensificar as suas atividades relacionadas com a Educação Moral e Cívica;

influenciar e convocar à cooperação, para servir aos objetivos da Educação Moral e Cívica, as instituições de órgãos formadores da opinião pública e de difusão cultural, inclusive jornais, revis­ tas, teatros, cinemas, estações de rádio e de televisão, entidades esportivas, de recreação, de classe e órgãos profissionais; articular-se com as autoridades responsáveis pela censura, no âmbito federal e estadual, tendo em vista a influência da Educa­ ção assistemática; e implantar e manter a doutrina de Educação Moral e Cívica (...), articulando-se para esse fim com as autori­ dades civis e militares de todos os níveis de governo.36

Percebemos através destas atribuições que não se trata de mais uma simples disciplina no currículo escolar e sim de uma “ dou­ trina” cuja propagação é controlada pelo Estado. Sem dúvida, os superpoderes da Comissão Nacional evidenciam o papel moralizador e ideológico sendo estendido às diversas instituições sociais, tais como os sindicatos, entidades esportivas, órgãos de comunicação e difusão cultural. Suas ações passam a ser articuladas com os ideais da Comis­ são Nacional de Moral e Cívica, que, por sua vez, era atrelada aos órgãos de censura do país. Portanto, o Estado utiliza-se destas insti­ tuições como meios educativos, leia-se “ doutrinadores” , através dos quais noções de moral e civilidade são introjetados na sociedade brasileira.

Estas noções estão explícitas nas finalidades da Educação Moral e Cívica traçadas pelo Estado. No Decreto 68.065, de 14 de janeiro de 1971, podemos destacar:

a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espiri­ tuais e éticos da nacionalidade; o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solidariedade humana;

o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes vultos de sua história;

o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva visando o bem comum;

o culto da obediência à Lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade.37

A nação, a pátria, a integração nacional, a tradição, a lei, o trabalho e os heróis: estes conceitos passaram a ser o centro dos

36. Decreto-lei n 2 68.065, 14-1-1971 — C.F.E. 37. Op. cit.

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programas da disciplina Educação Moral e Cívica, como também deviam “ marcar” o trabalho de todas as outras áreas específicas e das atividades extraclasse com a participação dos professores e das famí­ lias imbuídas dos mesmos ideais e responsabilidades cívicas. A disci­ plina Organização Social e Política passa a ser vinculada à Educação Moral e Cívica, “ seguindo a esteira de seus princípios norteadores” .

Dessa forma, o ensino de História, cujo objeto é explicita­ mente citado no Decreto 68.065/71, vai sendo sutilmente vinculado aos “ princípios norteadores da Educação Moral e Cívica” . De um lado, os professores de História e Geografia ou Estudos Sociais pas­ sam a se envolver diretamente ao ministrar as duas disciplinas, e na medida em que o conteúdo, os conceitos de moral e civismo perpas­ sam todas as disciplinas e atividades extraclasse. Por outro lado, os estabelecimentos de ensino, obrigados legalmente a cumprir o pro­ grama fixado pelo Conselho Federal de Educação, diminuem a carga horária de História e Geografia ou Estudos Sociais, cedendo espaço na grade curricular da escola para as duas disciplinas obrigatórias: EMC e OSPB.

As atividades cívicas extraclasse são instituídas legalmente dentro das escolas com o objetivo de garantir uma maior “ eficiência” da prática educativa. Dentre as inúmeras atividades previstas em lei, os atos cívicos tomam-se presentes no cotidiano escolar. Nestes atos as crianças e jovens cultuavam os símbolos e os heróis nacionais, através de homenagens ao Hino, à Bandeira, aos heróis já tradicionais e aos novos heróis e comemorações, tais como a do 1502 ano da Independência do Brasil e a da conquista do tricampeonato de futebol. Esse processo passa a se confundir com o ensino de História do Brasil, especialmente de l â a 4- série, aprofundando e renovando uma prática tradicional na escola brasileira.

Além dos atos cívicos, dos desfiles suntuosos, a legislação previa a criação de centros cívicos:

de interesse particularmente relevante é a criação, em todos os estabelecimentos de qualquer nível de ensino, de um Centro Cívico (que nas escolas superiores se chamará “ Centro Superior de Civismo” ), destinado à coordenação das atividades de Educa­ ção Moral e Cívica e à sua irradiação na Comunidade local. O diretor do estabelecimento de ensino designará um professor para ser o orientador do Centro Cívico. 38

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Através desta medida o Estado tenta controlar o movimento estudantil e enquadrá-lo na doutrina de Moral e Civismo, liquidando sua autonomia em consonância com um outro conjunto de medidas. Os centros acadêmicos passam a ser controlados por um professor de confiança do diretor do estabelecimento de ensino e as ações deste centro têm um papel ideológico previamente definido pelo Estado. A criação dos Centros Cívicos deu-se no momento do auge da repressão, quando professores, estudantes e funcionários vivenciavam o coti­ diano das atividades escolares sob a vigência do Decreto-lei 477/69 proibindo qualquer forma de manifestação política “ não-autorizada” , “ provocativa” ou “ subversiva” , conforme expressa o documento:

Art. I9: comete infração disciplinar o professor, aluno ou empre­ gado (...) que:

III — Pratique atos destinados à organização dos movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados ou dele participe;

IV — Conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha em depó­ sito, distribua material subversivo de qualquer natureza;

VI — Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública.39

O dois documentos acima apontam a extensão e o caráter do projeto disciplinador ao qual foram submetidas as atividades escola­ res. De um lado, era reprimido tudo aquilo que subvertesse “ a moral e a ordem pública” . Ao mesmo tempo, os valores desta moral e desta ordem eram apresentados como universais e indiscutíveis e, portanto, todo ato ou pensamento que contestasse ou apenas discordasse da moral implantada era subversão, era ilegal e portanto crime.

Sé a ordem e a moral transmitidas visavam fundamentalmente eliminar as divergências e tomar hegemônico o poder dos grupos dominantes no país representados pelos militares, a dedicação especial ao ensino de Moral e Cívica cumpria a tarefa de reduzir os conceitos ' de moral, liberdade e democracia aos de civismo, subserviência e patriotismo. Além disso, há uma redução da formação moral à mera doutrinação ideológica, à repressão do pensamento no livre debate de idéias e ao culto de heróis e datas nacionais.

Durante o final dos anos 60 e início dos anos 70, o Governo Federal decretou uma série de leis nacionais instituindo comemora­ ções cívicas em estabelecimentos de ensino e repartições públicas. Em

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1971, foi decretada a Lei 5700, constituída de quarenta e cinco artigos dispondo sobre a forma e a apresentação dos símbolos nacionais, bem como as penalidades impostas a quem desrespeitasse a legislação referente aos símbolos.40

Este processo de implantação da doutrina moralizadora e dis- ciplinadora no sistema educacional através da Educação Moral e Cívica gerou resistências. Wemeck da Silva, analisando a implantação desta disciplina no Rio de Janeiro, afirma:

C onseguia-se m uitas v ezes e pelas m ais variadas razões lecionar H istória do B rasil em vez de E.M .C. e até de O .S .P .B . E grande parte dos poucos professores que conscientem ente se esp ecializa­ ram em E .M .C . e particulaim ente em O .S .P .B . as u tilizava m uito m ais para fornecer ao alunado um transitável instrum ental de crítica ao regim e autoritário do que para ju stificá -lo . Lutavam contra e le dentro d e le .41

O controle e a dominação não se fazem de forma absoluta. Assim como no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e São Paulo o espaço das aulas de Educação Moral e Cívica foi utilizado por profes­ sores e alunos de outras formas e com objetivos que nem sempre visavam legitimar a ideologia de dominação da ditadura. Uma das práticas mais comuns era o uso das aulas de EMC e OSPB para o ensino de História e Geografia. Em 1971, a Comissão Especial de Educação Moral e Cívica reconhece as dificuldades encontradas para a implantação:

Juntamente com eco s p ositivos, têm chegado ao CFE rum ores de reações n egativas, que geram sérias apreensões. A s causas desse insucesso parcial, que há de ser superado, deverão ser procura­ das, em lugar, p elo s responsáveis pela direção dos estab eleci­ m entos de ensino. O despreparo de m uitos professores convocados de inopino, e a im provisação ocorrente em circunstâncias que tais, explicarão grande parte do problem a em ergen te.42

Os culpados pelas resistências, na perspectiva da Comissão, são os diretores e os professores “ despreparados” . Os diretores, por­ que a eles cabia a tarefa de nomear o coordenador das atividades de Moral e Cívica no estabelecimento escolar, portanto o sucesso depen­ dia da eficiência do coordenador. Os professores “ desprepârados” para ministrarem eficientemente a disciplina eram os licenciados em

40. Lei Federal n2 5.700 de 1-9-1971.

41. J.G. Wemeck da Silva, A deformação da história ou para não esquecer. Rio de Janeiro, Zahar, 1985, p. 55.

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Ciências Humanas (Filosofia, Pedagogia, História, Geografia e Ciên­ cias Sociais), já que inicialmente o mercado ainda não dispunha dos professores ‘ ‘preparados’ ’ pelas licenciaturas curtas em Estudos Sociais.

A continuidade desse projeto dá-se a partir de 1971, quando é decretada a Reforma Educacional do ensino de l 2 e 22 graus. A Lei 5692/71 é anunciada e propagandeada como grande renovação. Entre­ tanto, na verdade, ela vem consolidar uma série de medidas e estra­ tégias educacionais adotadas paulatinamente após^o golpe militar de 1964, como a obrigatoriedade do estudo de EMC jcòmo disciplina e prática educativa. Vem também institucionalizar em nível nacional experiências que já estavam sendo realizadas, como, por exemplo, os Estudos Sociais.

De acordo com a reforma de 1971, a organização curricular para o ensino de l 2 grau deve conter obrigatoriamente um núcleo comum e uma parte diversificada. O núcleo comum passa a ser cons­ tituído de Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e Ciências, além de Educação Moral e Cívica (obrigatória desde 1969), Educação Artís­ tica, Educação Física, Programa de Saúde e Ensino Religioso. As disciplinas História e Geografia passam a fazer parte de outra “ maté­ ria” , qual seja, Estudos Sociais. É interessante salientar que nos escalonamentos dos conteúdos admitia-se, no caso da área de Comu­ nicação e Expressão, o ensino de Língua Portuguesa e Língua Estran­ geira; na área de Ciências, o ensino de Ciências e Matemática e no caso da área de Estudos Sociais deveria ser ministrado predominante­ mente como Estudos Sociais e por professores polivalentes.43

/'

Esta nova organização curricular consolida Educação Moral e Cívica e as outras disciplinas obrigatórias constantes no artigo 1- da Lei 5692/71, ao mesmo tempo que efetivamente descaracteriza o ensino de História e Geografia no l 2 grau que, por força da lei, se transforma em ensino de Estudos Sociais. No nível de 22 grau, admite- se o tratamento de História e Geografia como disciplinas, desde que diminuída a sua “ duração e intensidade” , pois as disciplinas de for­ mação especial deveriam ter duração superior às disciplinas de formação geral.

Segundo o Conselho Federal de Educação, o ensino de Estu­ dos Sociais deveria visar

ao ajustamento crescente do educando ao meio cada v ez m ais am plo e com plexo, em que deve não apenas viver mas conviver, 43

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dando-se ênfase ao conhecimento do Brasil na perspectiva atual do seu d esen volvim en to.44 (grifos m eus)

Ao definir as metas do ensino de Estudos Sociais no lugar de História e Geografia, o Conselho tenta reduzir os propósitos do ensino destes dois campos do conhecimento ao ideário que norteava a “ cru­ zada” cívica dentro das escolas. Em primeiro lugar, “ ajustar” ao meio e não transformá-lo; em segundo, “ viver e conviver” e não subverter. Os valores da ordem e da conservação na “ perspectiva do desenvolvimento” estão presentes. Mas como formar alunos nesta perspectiva? Como operar a redução da História e da Geografia a este nível?

O Conselho Federal de Educação, ao traçar a ‘ ‘nova doutrina curricular” norteadora da elaboração dos programas de ensino nas várias unidades da Federação, tenta assegurar os mínimos desejáveis (ao Conselho) em cada matéria. No caso de História, os conteúdos mínimos assegurados ao l 9 grau aparecem contidos nos Estudos Sociais. Alguns exemplos:

Em Estudos S ociais, englobando Educação M oral e C ívica e OSPB: — dispor-se ao ajustam ento e à convivência cooperativa;

— assum ir responsabilidade de cidadão m ediante deveres básicos para com a com unidade, o Estado e a Nação;

— respeitar e valorizar o Patrim ônio H istórico e Cultural do País; — utilizar princípios e procedim entos básicos das C iências Sociais com o instrumento de interpretação da realidade;

— localizar e interpretar fatos so cia is em um contexto espaço- temporal;

— avaliar sua conduta com o indivíduo e com o membro de um grupo; — reform ular con ceitos com o instrum ento de transform ação da conduta.45

Os conteúdos que formam o conjunto denominado Estudos Sociais são generalizantes. A especificidade do objeto dp conheci­ mento histórico não aparece em sua totalidade. A preocupação do ensino de Estudos Sociais não é refletir sobre a história construída pelos homens, mas “ localizar e interpretar fatos” , utilizando instru­ mental das Ciências Sociais em geral e não da Históriã espècificãmente. Fica evidenciada, nos conteúdos mínimos, a dimensão doutri­ nária conservadora da Educação Moral e Cívica e OSPB, além de uma

44. Resolução n 9 8/71 — C.F.E.

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série de noções e conceitos genéricos de História, Geografia, Política, Sociologia, Filosofia etc. Isto nos leva a concluir que houve uma deliberada tentativa de substituir História e Geografia por Estudos Sociais, uma tentativa de dissolução destes campos do saber em nível da formação da juventude.

Os objetivos, os conteúdos e as concepções delineadas no projeto de ensino e de dominação política do Estado Brasileiro foram implementados em nível de planejamento e execução de formas diver­ sas nos vários estados brasileiros. As forças políticas detentoras do poder, ao tentarem destruir o ensino de História como possibilidade de reflexão, substituindo-o por conceitos de moral e civismo, tiveram como preocupação transmitir valores morais e políticos úteis à conso­ lidação do projeto autoritário desenvolvimentista.

Assim, no período estudado, sobretudo após 1968, o ensino de História tem afirmado sua importância como estratégia política, como instrumento de dominação, porque capaz de manipular dados que são variáveis importantes na correlação de forças e capaz de uma intervenção direta no social, através do trabalho com a memória coletiva. Nesse sentido, esteve submetido à lógica política do governo.

Em 1969, o Presidente Médici, através do Decreto n- 65.814/69, edita uma Convenção sobre Ensino de História firmada entre as nações latino-americanas no início dos anos 30, que previa:

N o artigo l 2:

efetuar a revisão dos textos adotados para o ensino em seus resp ectivos'p aíses, a fim de depurá-los de tudo quanto possa excitar, no ânim o desprevenido da juventude, a aversão a qual­ quer povo am ericano. (...)

N o artigo 32:

fom ente em cada uma das R epúblicas Am ericanas o ensino de história das dem ais;

procure que o s programas de ensino e os Textos de H istória não contenham apreciações h ostis para outros Países ou erros que tenham sido evidenciados p ela crítica;

não julguem com ódio ou se adulterem os feitos na narração de guerras ou batalhas cujo resultado haja sido adverso, e destaque tudo quanto possa contribuir construtivam ente à inteligência e cooperação dos países am ericanos.

E ao final do artigo 8e, o documento traz uma declaração dos E.U.A. que diz:

Referências

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